ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
A gestao estratégica em serviços de urgência e emergência de uma fundação hospitalar de Minas Gerais
The strategic management in urgency and emergency services of a hospital foundation of Minas Gerais
Aline de Sousa Santos1; Fernanda Esthefane Garrides Oliveira2; Márcia Mascarenhas Alemao3; Fátima Ferreira Roquete4
1. Enfermeira. Gestora de Serviços de Saúde. Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Gestora de Serviços de Saúde e Mestranda em Saúde Pública. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Administradora de Empresas. Doutora em Administraçao. Núcleo Observatório de Custos e Economia da Saúde - NOCES/UFMG, Grupo de Pesquisa Economia da Saúde/FHEMIG e Ensino e Pesquisa da Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Psicóloga. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta. Núcleo Gestao em Saúde - NUGES/ UFMG, Núcleo Observatório de Custos e Economia da Saúde - NOCES/UFMG. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
Fátima Ferreira Roquete
Complexo de Urgência e Emergência da Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG)
Belo Horizonte, MG - Brasil
E-mail: fatimaroquete@gmail.com
Resumo
INTRODUÇÃO: são vários os problemas que resultam em prejuízo ao acesso e qualidade dos serviços na saúde pública, especialmente a gestao pouco profissionalizada. Neste contexto, a busca contínua por melhorias dos processos de trabalho é um diferencial.
OBJETIVO: descrever a visão de gestores em relação à utilização das ferramentas de gestao estratégica e conhecimentos e habilidades profissionais necessárias ao exercício dessa função.
MÉTODOS: a pesquisa é de natureza qualitativa, descritiva e exploratória a partir de entrevistas com gestores estratégicos de hospitais do complexo de urgência e emergência da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Utilizou-se formulário estruturado para caracterização de perfil sociodemográfico e foi realizada análise de conteúdo do material empírico resultante de entrevistas com roteiro semiestruturado.
RESULTADOS: pessoas do sexo feminino formadas em diferentes áreas do conhecimento são responsáveis pela gestao estratégica nos hospitais. A concepção da estratégia ocorre na Administração Central (ADC) e o acordo de resultados é o meio pelo qual se materializa. Mapa estratégico, plano de ação e Sistema de Informação e Gestao Hospitalar foram citados entre as ferramentas da gestao estratégica. As gestoras apontaram a falta de formação em gestao em saúde e consequente dificuldade de compreender ferramentas de gestao como um desafio e citaram o conhecimento de planejamento estratégico, visão sistêmica e capacidade de análise crítica como importantes competências técnicas à função.
CONCLUSÕES: os esforços da Fundação na busca por melhores práticas de gestao estratégica são destacáveis entre serviços públicos de saúde e, por isso, podem subsidiar processos de gestao em outras fundações.
Palavras-chave: Administração de serviços de saúde; Administração hospitalar; Gestao em saúde; Planejamento Estratégico.
INTRODUÇÃO
A gestao pouco profissionalizada na saúde, em conjunto com o financiamento insuficiente, é responsável por um conjunto de problemas que resultam em prejuízos, tanto na qualidade, como no acesso da população aos serviços de saúde. Estes aspectos são agravados pela transição demográfica e epidemiológica no Brasil, com envelhecimento da população, aumento da demanda por ações e serviços de saúde e a nova carga que passam ter as doenças crônicas, infecto-parasitárias e agravos decorrentes de causas externas.1 Esse perfil de saúde da população causa impacto no padrao de utilização dos serviços de saúde com a elevação dos gastos com emergência, assistência e reabilitação. Nesse contexto, a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade da atenção à saúde no Sistema Unico de Saúde (SUS) é um dos objetivos fundamentais para os responsáveis pela gestao desses serviços, sendo estratégia essencial para o alcance desse objetivo a implantação das Redes Temáticas Prioritárias.2
A Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE) se sobressai entre as Redes Temáticas Prioritárias, tendo em vista a relevância e a necessidade das situações clínicas envolvidas e o quadro de superlotação dos prontos-socorros.2 Neste contexto, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), instituição estadual para a prestação de serviços de média e alta complexidade, disponibiliza ao SUS sua totalidade de serviços prestados, destacando-se seu Complexo de Urgência e Emergência, composto por cinco hospitais e reconhecido como a maior rede de urgência e emergência do país.3
Este cenário da área da saúde repleto de situações críticas afeta os processos decisórios e conduz a um imediatismo das decisões. O processo de formulação de políticas e de definição de objetivos nesses serviços requer confrontar uma realidade de situações problemáticas, determinar prioridades, propor soluções e fazer escolhas em meio à expressiva demanda e à escassez de recursos. Por outro lado, os gestores ficam limitados ou quase impotentes diante de relações políticas e administrativas, onde outros fatores críticos fogem ao seu domínio.4
Nessa área, que possui caráter complexo, o posicionamento estratégico exige profissionais preparados para atuar em diversos níveis organizacionais e que consigam atender as demandas desses níveis, bem como a demanda externa, social.5 A gestao estratégica na saúde é, portanto, essencial para a apropriação de conhecimentos e métodos relevantes para a tomada de decisão, demandando dos gestores de serviços de saúde a capacidade de manejar metodologias condizentes com os problemas existentes neste tipo de serviço.6 Por meio do conhecimento e utilização das ferramentas de gestao estratégica, os gestores de serviços de saúde ampliam sua capacidade governativa e podem utilizar informações geradas no uso das ferramentas para a tomada de decisão baseada em evidências.7
No entanto, essas relações entre ferramentas de gestao utilizadas nos serviços públicos de saúde não se encontram bem descritas na literatura. Diante do exposto, o objetivo do estudo aqui relatado foi descrever a visão de profissionais de gestao estratégica em relação à utilização das ferramentas de gestao estratégica e conhecimentos e habilidades profissionais necessárias ao exercício dessa função em hospitais públicos de urgência e emergência da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG).
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo de natureza qualitativa e descritiva, realizado a partir de entrevistas com gestores estratégicos de serviços de saúde. A pesquisa qualitativa almeja, entre outros, compreender a lógica interna de instituições, grupos e atores quanto aos seus valores culturais e as representações sobre temas específicos.8 Por sua vez, a pesquisa descritiva tem como objetivo a descrição das características de determinada população, podendo ser elaborada com a finalidade de identificar possíveis relações entre as variáveis ou estudar as características de um grupo.9 Com isso, pretende-se descrever e analisar o contexto, as relações e a visão dos participantes acerca dos fatos em questao8, no caso deste estudo, a utilização das ferramentas organizacionais e as competências necessárias aos gestores estratégicos no âmbito dos serviços hospitalares públicos de urgência e emergência.
O cenário de pesquisa abrange cinco hospitais públicos que ofertam serviços de atenção secundária e terciária em saúde e que integram o Complexo de Urgência e Emergência da FHEMIG. A referida Fundação constitui uma rede vinte e duas unidades hospitalares, treze delas localizadas na Regiao Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e as demais em oito municípios no interior do Estado. Essa rede de hospitais encontra-se dividida em seis complexos hospitalares: hospitais especializados, hospitais gerais, saúde mental, reabilitação e cuidados com o idoso, transplantes e urgência e emergência.
Todos os hospitais considerados neste estudo estao localizados na RMBH. Um hospital funciona como pronto-socorro, constituindo-se como centro de referência e excelência ao atendimento vítimas de traumas, queimaduras, intoxicações e outras situações com de risco de morte iminente. Outros três se relacionam a este primeiro, oferecendo retaguarda. Há também um hospital pediátrico, que possui um serviço de prontoatendimento além de leitos de internação pediátrica. A escolha deste cenário se relaciona à importância da gestao estratégica como fator de garantia da eficiência e melhoria da qualidade dos serviços prestados, assim como pela viabilidade em aplicar os instrumentos de pesquisa, tais como as entrevistas e questionários.
Para atender aos objetivos propostos, gestores estratégicos foram convidados a participar do estudo. Mediante a assinatura prévia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os gestores estratégicos responderam a um formulário estruturado, a fim de caracterizar seu perfil sociodemográfico. Em seguida, participaram de entrevistas conduzidas mediante um roteiro semiestruturado. Solicitou-se aos participantes da pesquisa que as entrevistas fossem gravadas em áudio. Posteriormente, esse material passou pelo processo de transcrição. Todas as etapas foram realizadas no ano de 2015.
Foi realizada a análise descritiva das respostas ao questionário socioeconômico. O material empírico coletado por meio das entrevistas foi submetido à análise de conteúdo, que é o conjunto de técnicas de análise das comunicações, um instrumento caracterizado pela paridade de formas e que possui um vasto campo de aplicação.10 Por meio de procedimentos especializados e científicos, as técnicas de pesquisa relativas à análise de conteúdo possibilitam a reaplicação e validação das inferências feitas sobre dados de um determinado contexto.8 Um dos domínios possíveis para a aplicação desta técnica de análise engloba discussões, entrevistas e conversações de grupos de qualquer natureza, sendo que o interesse reside no que os conteúdos podem revelar.10 Essa análise compreendeu as seguintes etapas: (1) pré-análise, envolvendo a leitura, organização e preparação/edição do material; (2) exploração do material, que consiste em operações de codificação, desconto ou enumeração; (3) tratamento dos resultados obtidos e interpretação.
Este artigo integra os resultados do projeto de pesquisa "Estratégia, custo e competência profissional: um estudo com gestores de hospitais públicos de urgência e emergência de Minas Gerais", avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Minas Gerais por meio do parecer n. 964.891 e aprovado pelo CEP-FHEMIG por meio do parecer n. 1.037.489. Outros resultados do referido projeto já estao disponíveis na literatura.11
RESULTADOS
Todos os participantes da pesquisa eram do sexo feminino, duas delas na faixa etária de 31 a 35 anos e outras duas com mais de 50 anos de idade. Uma dessas gestoras estratégicas exerce a mesma função em dois hospitais do complexo de urgência, totalizando, entao, quatro participantes na pesquisa identificadas neste artigo como GE1, GE2, GE3 e GE4.
Quando questionadas sobre o tempo que estavam na organização, duas gestoras relataram que trabalhavam na instituição há mais de 20 anos e outras duas entre cinco e 10 anos. Quanto ao tempo que exerciam a função de gestora estratégica, uma delas declarou ter menos de dois anos na função e as demais declararam entre dois e cinco anos.
Todas as gestoras possuíam formação em nível de graduação e em distintas áreas de atuação. Três informaram ter concluído uma única graduação, a saber: Pedagogia, Assistência Social e Administração. Uma das gestoras declarou que possuía mais de uma formação, sendo graduada em Enfermagem e Direito. Além disso, uma relatou especialização em gestao de serviços de saúde, outra MBA em auditoria e gestao da qualidade. Quanto aos cursos de capacitação, três informaram ter realizado curso de formação gerencial, na área de gestao de custos e MBA executivo em saúde.
Apenas uma declarou possuir outro vínculo empregatício ou atividade remunerada. Informou ainda que presta consultoria para diversas empresas privadas na área de concursos públicos e que atua na área de educação como docente, atividade para a qual dedica doze horas semanais. As outras três gestoras informaram possuir apenas uma fonte de renda.
Quando questionadas sobre como é a gestao estratégica na instituição, as gestoras mencionaram que essa acontece por meio do Acordo de Resultados, composto por duas etapas. A primeira etapa abrange o Governo do Estado e os Orgaos da Administração Pública direta e indireta, ou seja, a secretaria de saúde bem como autarquias e fundações, aos quais é concedida autonomia gerencial e orçamentária exigindo-se como contrapartida o cumprimento de metas previamente pactuadas. A segunda etapa, por sua vez, compreende o desdobramento desses compromissos pactuados na primeira etapa para os órgaos, sendo que estes deverao estar alinhados ao mapa estratégico institucional. A criação deste acordo, conforme a entrevistada GE3, formalmente ocorreu em 2010, contudo, muito antes de sua formalização, ele já era implementado nos hospitais, pois se constituía como a ferramenta mais importante para a operacionalização de todas as ações no âmbito institucional.
De acordo com o relato das gestoras GE2 e GE3, a pactuação do Acordo de Resultados é feita em conjunto, mas o gestor estratégico é reconhecido como o gestor da ferramenta. Portanto, esse profissional que coordena é responsável pela revisão e pelo consolidado, enquanto às chefias das unidades hospitalares cabe manusear a ferramenta e enviar os dados apurados para as gestoras estratégicas. Todas as entrevistadas ressaltaram que, uma vez desenvolvida uma metodologia de trabalho pela Administração Central, o profissional gestor estratégico passa a ser a referência dentro do hospital para aplicar a mesma, exercendo papel de assessoria para a direção do hospital e auxiliando a mesma em muitas questoes.
Quando questionadas acerca das ferramentas utilizadas na gestao estratégica do hospital, as gestoras mencionaram o mapa estratégico ou Balanced Scorecard (BSC), os indicadores relacionados à produção hospitalar, o próprio acordo de resultados, o ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Action), plano de ação, análise dos resultados, acompanhamento, avaliação dos resultados, análise crítica desses resultados, definição de missão, visão e valores institucionais, a gestao da qualidade e o Sistema de Gestao Hospitalar (SIGH).
A entrevistada GE1 salientou que o mapa estratégico é uma diretriz estipulada pela Administração Central não havendo estímulo para que as unidades o desenvolvam, o que gera dificuldades também em realizar o planejamento estratégico. Contudo, ressaltou que o hospital em que trabalha possui mapa estratégico devido ao engajamento da última diretora com a estratégia do hospital. A gestao da qualidade, por sua vez, foi exaltada pelas entrevistadas como uma ferramenta de grande relevância para a Fundação, estando vinculada diretamente à gestao estratégica.
Quando questionadas acerca das relações entre os gestores e demais profissionais com as ferramentas de gestao estratégica, as gestoras relataram grande resistência com o uso dessas ferramentas, sobretudo, em setores assistenciais, de forma que os gestores estratégicos necessitam agir com insistência, para obter os resultados almejados. Uma dessas gestoras descreve a piora dos resultados com a chegada de uma nova gestao. Outro aspecto importante destacado é a perda de profissionais em decorrência da realização de concurso público e também de aposentadorias. Conforme relatos, a saída de muitos profissionais que conheciam de forma abrangente a realidade institucional e eram responsáveis por bons resultados traz prejuízos para a continuidade da gestao.
A falta de profissionais habilitados, na visão da gestora GE3, contribui para maior dificuldade em trabalhar com as ferramentas, porque as pessoas encaram como sendo algo muito teórico, muito burocrático, ou seja, não se consegue aplicar as ferramentas nas práticas cotidianas. Por outro lado, a gestora GE2 relata que tem percebido um crescente interesse quanto à utilização das ferramentas de gestao e também maior entendimento e abertura para lidar com as mesmas. Apesar disso, conforme relatado pelas gestoras, muitos profissionais não gestores tem pouco conhecimento do que é o Acordo de Resultados e aqueles que possuem maior conhecimento em gestao são mais participativos. Conforme a percepção da gestora GE1, o gestor estratégico seria um multiplicador, mas o que ocorre, muitas vezes, é que as informações não são repassadas para todo o corpo funcional da Instituição.
Outro aspecto importante identificado refere-se ao fato de a gratificação de desempenho, paga pela instituição aos seus funcionários, ser influenciada pelo desempenho satisfatório auferido por meio dos resultados dos indicadores. Para as gestoras GE3 e GE4 essa gratificação é interpretada como fator motivacional para que haja maior colaboração com as ações previstas no Acordo de Resultados.
Algumas dificuldades com relação às ferramentas de gestao estratégica foram mencionadas pelas entrevistadas. A primeira delas refere-se à construção dos indicadores. A gestora GE2 observa grande dificuldade de compreensão dessa ferramenta, especialmente quanto à metodologia de cálculo. A segunda dificuldade revelada por uma das gestoras (GE1) se refere aos aspectos inerentes à comunicação e a linguagem característica da área de gestao, ainda pouco compreendida pelos profissionais que não são da gestao, levando a dificuldades de entendimento, assimilação e aplicação das ferramentas.
Quanto à associação entre a utilização das ferramentas de gestao estratégica e os processos de trabalho, uma das gestoras (GE4) afirmou existir grande dificuldade para se criar e implementar nos hospitais indicadores capazes de medir e transformar o que é realizado em termos do trabalho. De tal forma, foi relatado que muitos dos indicadores dificilmente são implementados (GE1 e GE2), especialmente pela dinâmica do setor de urgência e emergência, que tem uma alta demanda não programada e que exige soluções rápidas.
Outra preocupação relatada pela GE1 envolve a execução de determinadas ações apenas em função da existência de um indicador, o que determina, em alguns casos, uma inversão da lógica, passando a construção do indicador a ocorrer necessariamente em função daquilo que se espera que as pessoas façam.
Ainda quanto à utilização da ferramenta, a gestora GE2 apontou que os coordenadores de setor mais familiarizados com a utilização das ferramentas de gestao estratégica costumam alcançar resultados mais satisfatórios, sendo perceptíveis as diferenças entre as áreas. A gestora GE1 mencionou que aqueles profissionais com mais tempo na instituição tendem a utilizar mais e melhor as ferramentas.
Durante as entrevistas, todas as gestoras afirmam que por meio da análise dos indicadores e utilização das ferramentas é possível monitorar os processos de trabalho de cada um dos setores do hospital, possibilitando ao gestor estratégico ter uma visão sistêmica do hospital com todos seus processos de trabalho (GE2 e GE4), mensurar a produtividade (GE3) e avaliar o trabalho dos demais gestores responsáveis por cada área (GE1).
A gestora GE1 afirmou que os dados precisam ser bem mensurados, coletados e relatados e que é preciso fazer uma análise crítica da informação indicada por esses dados. Também citou o exemplo dos relatos de não conformidade, que é uma ferramenta utilizada para que os profissionais reportem problemas relativos aos processos de trabalho no hospital. A gestora comentou que, embora o plano de ação seja construído em decorrência da apuração dos resultados, ainda é realizado de maneira superficial pelos profissionais, mas ela reconhece que a utilização de todas as ferramentas de gestao traz resultados, sobretudo quando se comparam resultados obtidos por outras instituições no âmbito da Fundação.
A Reuniao de Colegiado foi ressaltada como importante pelas entrevistadas. A gestora GE1 indicou que essa reuniao é uma forma de compartilhamento de conhecimentos e que favorece a comunicação entre as partes do hospital interessadas nos dados gerados com as ferramentas de gestao. Todas as gestoras ressaltaram que com as informações obtidas em seus relatórios de gestao é possível diagnosticar problemas nos processos de trabalho e produtividade das unidades hospitalares, determinar as intervenções necessárias e acompanhar os efeitos de uma intervenção. As gestoras GE1 e GE2 argumentaram que compartilhar essas informações torna-se fundamental para que o hospital funcione de forma integrada, garantindo a harmonização de distintos processos de trabalho. As gestoras GE3 e GE4 apontam que para alcançar resultados é necessária a corresponsabilização de todas as chefias do hospital.
As gestoras foram questionadas quanto às facilidades e dificuldades para consolidar a gestao estratégica com foco em resultados. Entre as dificuldades mencionadas por elas estao a falta de autonomia; os procedimentos manuais; a falta de utilização de outras ferramentas de gestao, tal como a Gestao à Vista; a ausência de recursos físicos como impressora; a falta de formação em Excel por parte dos chefes e auxiliares; a não formação em gestao em saúde dos profissionais que assumem a função gerencial, o que dificulta a comunicação entre os gestores pela não compreensão da linguagem técnica referente à gestao estratégica; a alta rotatividade dos gestores; sendo mencionada também a falta de integração entre o hospital e o nível estratégico da Fundação, que, segundo as entrevistadas, determina verticalmente metas que não são factíveis, dependendo da realidade de cada hospital.
Entre as facilidades, as participantes da pesquisa destacaram a vontade contínua de aprimorar a gestao nos hospitais; o adequado preparo profissional por meio da graduação, sobretudo quando a formação foi na área da saúde; as experiências profissionais anteriores; o interesse e envolvimento dos profissionais dos hospitais e das chefias; e a gestora GE3 destacou o apoio técnico que recebe dos profissionais que estao na Administração Central da Fundação, auxiliando a gestao estratégica em cada hospital.
Quando questionadas acerca dos conhecimentos e habilidades necessárias para a função de gestora estratégica, as entrevistadas citaram que são fundamentais: o conhecimento em Excel; a formação na área de gestao; uma visão macro do sistema de saúde e das políticas públicas de saúde; a facilidade em se comunicar com as pessoas; a capacidade de convencimento, de sensibilização, de motivação; a experiência prévia em gestao; a boa capacidade de organização, de desenvolver o planejamento estratégico; ter visão do futuro; saber lidar com as demandas assistenciais; ter conhecimentos em estatística; saber lidar com pessoas; dominar ferramentas de gestao; ter competência de liderança; ter noções de administração, de indicadores; ser proativo; e ter capacidade de análise e de síntese.
Foi solicitado que as gestoras se manifestassem sobre outras questoes relevantes que não tivessem sido contempladas com o roteiro de entrevista. As gestoras apontaram que a Fundação estava tomando medidas de descentralização de poder ao permitir que as unidades passassem a estabelecer suas prioridades, reconhecendo as especificidades de cada unidade. Outra questao destacada pelas gestoras é quanto à falta de formação e preparo do gestor público para a atuação em gestao estratégica nos serviços de saúde. Esse profissional, segundo as gestoras, aprende a fazer a gestao na prática, com a ajuda de outros profissionais e de buscas na internet, pois não desenvolveram uma formação técnica sólida para o cargo que ocupam.
DISCUSSÃO
A gestao estratégica nos hospitais do Complexo de Urgência e Emergência da FHEMIG é conduzida basicamente por profissionais do sexo feminino, corroborando com outros estudos na área da saúde que descrevem essa predominância nesta área.12-13 Quanto à formação, as gestoras possuíam distintas graduações que não contemplavam a graduação em Gestao de Serviços de Saúde, assim como em outros estudos que apontam que parte significativa desses profissionais realizaram a formação em cursos voltados para assistência, e apontam a falta de preparação específica para atuar na gestao em saúde como fator limitante das suas práticas profissionais.13-14
Em relação aos demais profissionais que ocupam cargos de gestao nos hospitais, foi revelada a atuação do profissional de Enfermagem nesses cargos como um aspecto facilitador da execução da gestao estratégica. É sabido que, entre todos os profissionais da saúde, o pessoal graduado em Enfermagem é o que mais frequentemente assume cargos de gestao.12,14
O Acordo de Resultados foi mencionado como o meio pelo qual ocorre a gestao estratégica na Fundação, que é concebida do nível central da Fundação para as unidades hospitalares, sendo o gestor estratégico um profissional fundamental para operacionalizar os contratos de gestao. Esses contratos são uma das principais ferramentas para o controle organizacional, onde são estabelecidos incentivos ao desempenho satisfatório, que é avaliado por objetivos, metas e indicadores.15
Quanto às ferramentas operacionalizadas pelas gestoras para a realização da gestao estratégica, destacaram-se em seus relatos o mapa estratégico (Balanced Scorecard), que permite organizar, comunicar e gerenciar a estratégia definida;7,16 o ciclo PDCA (plan, do, check e action), que contribui para a organização dos processos e melhoria contínua;18 o Sistema de Informação e Gestao Hospitalar (SIGH), que se configura como essencial ao processo decisório, fornecendo informações relevantes, que favorecem a integração institucional e possibilitam que decisões sejam tomadas baseadas em evidências;7,17 e a gestao da qualidade, que em serviços de saúde é indispensável para alinhar a oferta com padroes de referência e estabelecer o processo contínuo de avaliação.19
Em relação à utilização das ferramentas de gestao estratégica, as gestoras entrevistadas relataram resistência de uso especialmente em setores assistenciais. Como apontado na literatura, existem muitos fatores determinantes para a não utilização de ferramentas no âmbito dos serviços de saúde, especialmente o desconhecimentos e a não participação nos processos de formulação das políticas e estratégias.20 Sobre a dificuldade verbalizada pelas gestoras acerca da compreensão, construção e utilização dos indicadores, outro estudo aponta a necessária mudança de cultura organizacional para que os profissionais reconheçam a importância do uso dessa ferramenta21, enquanto outro estudo relata que até mesmo indicadores de saúde costumam ser subutilizados por gestores em suas ações de planejamento.22
A experiência prévia em gestao apareceu várias vezes como sendo importante para a execução das estratégias. Desenvolver competência para conduzir os processos conforme o planejamento estratégico e os objetivos definidos é fundamental para o sucesso institucional.23 Nesse sentido, as gestoras apontaram competências técnicas como conhecimento de planejamento estratégico, visão sistêmica e capacidade de análise crítica como essenciais para um gestor estratégico na área da saúde. Além disso, os recursos humanos foram descritos como o elemento mais importante para a eficácia da estratégia organizacional e qualidade na prestação de serviços. Desta forma e conforme estudo semelhante, o gestor precisa ser capaz de, além de dominar técnicas de gestao, mobilizar pessoas no sentido do alcance dos objetivos estratégicos, buscando meios de promover a participação e o engajamento dos demais membros da equipe na gestao estratégica.14
CONCLUSÕES
O objetivo deste estudo foi descrever a visão de gestores estratégicos quanto ao uso das ferramentas gerenciais e conhecimentos e habilidades necessárias para a prática desses profissionais. Através das entrevistas com a gestoras estratégicas do Complexo de Urgência e Emergência da FHEMIG foi possível conhecer as principais ferramentas que são utilizadas nos hospitais desse complexo e como estao estritamente relacionadas ao Acordo de Resultados, proposto pelo nível central da Fundação. A utilização dessas ferramentas foi reconhecida como sendo importantes para os resultados almejados, mas inúmeras dificuldades para a utilização das mesmas foram apontadas, especialmente a dificuldade que os profissionais dos hospitais apresentam em compreender a utilidade desses recursos e termos técnicos da área da gestao. De forma geral, muitas são as ferramentas que direcionam a gestao estratégica nesses hospitais, gerando dados que refletem as rotinas hospitalares, mas a promoção de uma cultura de tomada de decisão baseada nessas evidências necessita ser desenvolvida, segundo as gestoras entrevistadas.
A qualificação e a experiência na área de gestao em saúde, com de aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades específicas dessa área, foram destacadas como essenciais aos profissionais que ocupam cargos de gestao nos serviços de saúde. A realidade em hospitais públicos, porém, tem sido a alocação de pessoal com formação na área assistencial em cargos de gestao, sem a devida capacitação na área, o que contribui para as dificuldades na implementação de ferramentas de gestao, conforme apontadas pelas gestoras estratégicas participantes deste estudo. Sugere-se pesquisas adicionais em realidades diferentes de gestores de serviços públicos de saúde, com vistas a contribuir com a ampliação do conhecimento nesse campo, promover benchmarking entre serviços de saúde e oportunizar que os gestores do SUS possam refletir suas práticas e aprimorar a gestao pública.
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