ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Humanização na Atenção Primária à Saúde
Humanization on Primary Health Care
Elen Amaral Ramos1; Junia Araceli Ribas Kattah1; Ludmila Mercês de Miranda1; Raquel Randow1; Vanessa de Almeida Guerra2
1. Discente em Gestao de Serviços de Saúde. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Fisioterapeuta. Doutora em Promoçao da Saúde. Docente em Gestao de Serviços de Saúde. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
Vanessa de Almeida Guerra
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Belo Horizonte, MG - Brasil
E-mail: vanessaalmeidaufmg@gmail.com
Resumo
INTRODUÇÃO: A humanização é uma importante ferramenta de socialização, integração e comunicação nos serviços de saúde. A partir de um contexto histórico, viu-se que a humanização seria necessária essencialmente na atenção primária à saúde em razao da recorrência da mecanicidade no atendimento aos usuários. Esta falta de vínculo profissional, respeito e valorização da pessoa humana é paradoxal à continuidade do atendimento e proximidade do paciente, propostos na estratégia de organização da atenção primária à saúde.
OBJETIVO: A partir do contexto histórico, analisar e discutir sobre a incorporação da humanização na atenção primária da saúde, pontuando as principais alterações, além de elucidar, no tocante aos benefícios gerados, a qualidade da gestao no processo de acolhimento do usuário.
MÉTODO: O presente estudo consiste em uma revisão bibliográfica de artigos pertinentes à área da humanização e atenção primária, focando nas resolutividades e estratégias de como ambas trabalham juntas em prol da segurança e qualidade do paciente. Foram usados artigos científicos publicados a partir das bases de dados BVS e Scielo. Resultados: A humanização na atenção primária substituiu o modelo médico hegemônico, passando exigir de todos os prestadores de serviços, sejam eles assistenciais, técnicos, de apoio, de segurança, de gestao, uma coparticipação no tratamento singular do paciente.
CONCLUSÃO: A articulação estratégica de todos os setores que comportam uma unidade prestadora de serviço de saúde cabe, essencialmente, ao gestor. Portanto, lhe compete difundir e atribuir às suas políticas a percepção sobre o acolhimento, com o cuidado humanizado, a partir de uma gestao participativa.
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; humanização da assistência; gestao em saúde.
INTRODUÇÃO
A Política Nacional de Humanização (PNH), lançada pelo Ministério da Saúde em 2003, busca colocar em prática os princípios do Sistema Unico de Saúde (SUS) no cotidiano dos serviços de saúde, com o objetivo de produzir mudanças nos modos de gerir e cuidar.1
A PNH possui três princípios fundamentais para a sua implementação, sendo o primeiro deles a transversalidade, que indica a necessidade de a Humanização estar inserida em todas as políticas e programas do SUS, promovendo a horizontalização das relações e troca de experiências entre profissionais multidisciplinares e o usuário assistido, ampliando a intercomunicação. O segundo princípio é a indissociabilidade entre atenção e gestao, a proposta é cor responsabilizar o assistido pela saúde, logo as decisões devem ser tomadas em conjunto e todos devem conhecer como funciona a gestao dos serviços e redes de saúde, o terceiro é o protagonismo, corresponsabilidade e empoderamento dos sujeitos e coletivos (um SUS humanizado reconhece cada pessoa como legítima cidada de direitos e valoriza e incentiva sua atuação na produção de saúde).2-4
A efetivação desses princípios da PNH, depende de uma Atenção Primária à Saúde (APS) estruturada, como a porta de entrada do sistema, centrado nas necessidades da população, de forma a garantir acesso aos demais níveis de atenção à saúde. Portanto é necessário que todos os atores envolvidos (médicos, enfermeiros, agentes comunitários, gestores, entre outros) participem e se comprometam.5
Segundo o Ministério da Saúde4, a PNH estimula a comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários do SUS para construir processos coletivos de enfrentamento de relações de poder, trabalho e afeto que, muitas vezes, produzem atitudes e práticas desumanizadoras que inibem a autonomia e a corresponsabilidade dos profissionais de saúde em seu trabalho e dos usuários no autocuidado.
A definição de Atenção Básica é oferecer serviços de primeiro contato do paciente com o sistema de saúde, direcionados a cobrir as afecções e condições mais comuns e resolver a maioria dos problemas de saúde de uma população.6 A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social.7.8
No Brasil, a Atenção Primária constitui-se por Centros de Saúde também chamados de Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou Postos de Saúde; seu corpo profissional conta com equipes especializadas, Equipe de Saúde da Família (ESF), para atender seus pacientes de forma a ampliar resolutividades e diminuir impactos na situação de saúde da população, reduzindo chances de encaminhá-los para a Atenção Secundária equivocadamente. Para que todo o serviço aconteça de forma eficiente, é necessário que exista uma gestao consciente de sua equipe e das peculiaridades e necessidades da regiao.8,9
A gestao em saúde fica definida como a capacidade de lidar com conflitos, de ofertar métodos, diretrizes, quadros de referência para análise e ação das equipes nas organizações de saúde. Além disso, a gestao é um campo de ação humana que visa à coordenação, articulação e interação de recursos e trabalho humano para a obtenção de fins/metas/objetivos.7 A gestao em saúde é importante para organizar as diversas opinioes e interesses dos trabalhadores. Tendo assim um ambiente onde todos participem e tomem decisões.10
A implementação efetiva da humanização na Atenção Primária à Saúde, permitiria aos profissionais de saúde assistenciais, conhecer o paciente, identificar suas necessidades conforme o acompanhamento contínuo e, dessa forma, se necessário, encaminhá-lo a especialistas e a atendimentos de maior complexidade. Por conseguinte, a gestao coletiva deve habituar os trabalhadores da instituição - profissionais da assistência, de apoio e todo profissional que se relaciona com os usuários - a estabelecer modos humanizados naquele ambiente. Dessa forma, as condições de trabalho, estrutura física, carga horária, aquisição e manutenção de equipamentos, sistematização do processos e procedimentos assistenciais, quando bem geridos, propicia um cenário mais suscetível a atitudes humanistas.11,12
Portanto, o objetivo desta revisão é verificar como a humanização é utilizada como estratégia/ferramenta da gestao na Atenção Primária à Saúde.
MÉTODO
Trata-se de uma revisão narrativa, com questao norteadora: Como a humanização pode ser uma ferramenta de gestao em uma Unidade Básica de Saúde (UBS)?
A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bases de dados BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e SCIELO (Scientific Electronic Library Online). Utilizando os descritores, "Atenção Primária", "Humanização da Assistência" e "Gestao em Saúde". Com o operador booleano (AND). Os critérios de inclusão foram idioma português e disponível na íntegra. O limite temporal da busca foi entre 2001 a 2017.
Todas as publicações foram selecionadas inicialmente através da leitura dos títulos e resumos, anotando-se suas principais características. A avaliação crítica dos estudos foi feita com base no conteúdo de cada artigo. Após selecionado os artigos condizentes ao foco principal fizeram se a leitura completa de todos e buscou os que responderam à questao norteadora.
A busca realizada resultou em 12,921 artigos do Portal Regional da BVS e 443 artigos do banco de dados Scielo. Sendo 290 dos descritores Humanização da Assistência e Gestao em Saúde, 336 sobre Humanização da Assistência e Atenção Primária e 12,738 Atenção Primária e Gestao em Saúde. Após aplicação dos critérios de inclusão resultaram em 13 artigos usados para a revisão.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A proposta da humanização é reverter um quadro de mecanicismo, automatismo e tecnicismo, atualmente inerente às relações de trabalho, a partir do investimento na construção de um novo tipo de interação entre os atores na qual os profissionais de saúde, gestores e usuários sejam sujeitos de todo o processo.12
O programa Humaniza SUS, precursor à PNH, estabelece metas baseadas na promoção da saúde, gestao de processos de trabalho e aplicação da gestao co-participativa. Tem como objetivo principal o fortalecimento das políticas de saúde e a ampliação de sua capacidade, não apenas por planejamentos, mas também de forma prática e efetiva, contando com o compromisso de todos os envolvidos. A partir de tais propostas, um processo de transversalidade começa a ser instaurado nas redes de atenção à saúde do Brasil; as novas ferramentas são usadas para consolidar estratégias e articular ações que visam potencializar os resultados e beneficiar todos os sujeitos que fazem parte do processo.6
De acordo com um levantamento realizado por Casate e Corrêa11 sobre as condições de trabalho nesse meio, identificou, ao longo da década de 1950 e das décadas posteriores, situações desumanizantes relacionadas a falhas no atendimento e nas condições de trabalho. Entre elas, citam-se, por um lado, as longas esperas por consultas e exames, a ausência de normas e rotinas, a deficiência de instalações e equipamentos; por outro lado, a banalização do paciente, a sua despersonalização, a falta de privacidade, a aglomeração e a falta de ética de alguns profissionais.
Percebe-se que o cenário não apresentou grandes mudanças. Os profissionais assistenciais da saúde muitas vezes se veem sobrecarregados de serviços, obrigados a trabalhar em mais de um local, serviço e/ou turno para complementar sua renda mensal, o que pode prejudicar a excelência exigida pela função. Portanto, em razao do esgotamento e cansaço físico e psicológico sofridos constantemente no dia-a-dia, o número de falhas médicas e a precariedade no atendimento é iminente bem como confirmado.8
Outra discussão recorrente refere-se à construção da prática interdisciplinar, baseada no trabalho em equipe com papéis e atribuições definidas a cada profissional, de forma horizontalizada, evitando relações hierárquicas, valorizando as práticas integrativas e o saber popular. Portanto, programas como PNH (Programa Nacional de Humanização) e HumanizaSUS surgem como uma forma de melhoria.3,13
Uma pesquisa qualitativa realizada em 2010 com gestores da Atenção Básica em determinado município baiano, discorreu sobre as diferentes interpretações sobre humanização. Para alguns, se resume no atendimento ao usuário, profissional ou funcionário, conforme demanda e necessidade, com base na resolutividade das questoes em busca da compreensão do outro, fortalecendo o exercício da empatia. Contudo, corroborando com autores do artigo em questao, definir humanização exige múltiplas interpretações e vai além da tradução centrada nas ações cotidianas, como as apresentadas pelos entrevistados.11,14
O acolhimento é ferramenta essencial para que a humanização na atenção básica seja efetivada. Pode ser realizada por todos os profissionais da equipe, em todos os níveis e em todas as situações do cotidiano que se faça presente a possibilidade de diálogo direto entre profissional-paciente. Além da recepção no primeiro contato, estabelecimento de graus de prioridade e gravidade, o processo conta com o atendimento integral ao usuário, para que ele se sinta valorizado, cuidado e realmente acolhido. A metassíntese identifica o acolhimento como uma tecnologia leve fundamental na prática dos serviços de saúde, e tem contribuído fortemente na mudança do modelo assistencial; antes centrado no tratamento da doença e hoje priorizando o sujeito, a prevenção e promoção da saúde.15
De acordo com Falk12, a utilização da PNH nas instituições de saúde é altamente vantajosa. Tendo como princípio a inseparabilidade entre gestao, atenção e transversalidade. Desta forma, percebe-se a PNH não como programação vertical, mas como proposta transversal à preocupação em propor transformações no sistema de saúde com impactos positivos; articulando todos os sujeitos envolvidos no processo de produção: gestores, trabalhadores e usuários. A política traz um enfoque à necessidade emergente de ampliar e, principalmente, melhorar a capacidade das organizações para atender satisfatoriamente às demandas individuais e coletivas no que se refere à saúde.
Ademais, considera a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde, fomento da autonomia e do protagonismo desses indivíduos envolvidos; aumento do grau de corresponsabilidade na produção de saúde; estabelecimento de vínculos solidários e de participação coletiva no processo de gestao; identificação das necessidades sociais de saúde; mudança nos modelos de atenção e gestao dos processos de trabalho, tendo como foco as necessidades dos cidadaos e a produção de saúde.12
Nada obstante, situações desumanizantes relacionadas a falhas no atendimento e nas condições de trabalho estao entre os principais fatores de descaracterização da atenção básica. Sendo elas as longas esperas por consultas e exames, a ausência de normas e rotinas, a deficiência de instalações e equipamentos, a banalização do paciente, a sua despersonalização, a falta de privacidade, a aglomeração e a falta de ética de alguns profissionais. As situações citadas nas condições de trabalho incluem baixa remuneração, jornada dupla, mecanização e burocratização excessiva do trabalho; elevado custo operacional, bem como grande número de clientes e pequeno número de profissionais disponíveis; tendo como resultado um atendimento insatisfatório para todos.16
Ainda neste contexto, a PNH encontra-se, até este momento, muito voltada para o ambiente hospitalar e, sendo assim, há a necessidade urgente de expandir a humanização do atendimento para todos os níveis de atenção à saúde da população. Relata também que assegurar melhores condições de trabalho e adotar estratégias de reconhecimento e de valorização dos profissionais, denota respeito em um ambiente de trabalho mais humanizado.17
Nessa nova visão, é fundamental considerar o paciente como um todo. O interesse e a competência do profissional; o diálogo entre profissional e o paciente e/ ou seus familiares; o favorecimento de facilidades para que a vida do paciente e/ou familiares seja melhor e para que se evitem aborrecimentos e constrangimentos; o respeito aos horários de atendimento.15 Investimentos na estrutura física da instituição e a revisão da estrutura dos métodos administrativos pode ser o início do processo de humanização. É função do gestor de saúde regular e estimular a melhoria desse conjunto complexo de relações.15
Os grupos de discussões sobre os processos de trabalho possibilitam fortalecer o vínculo, a corresponsabilidade, a participação entre gestores e trabalhadores, promovendo um ambiente saudável de trabalho, tecendo redes no sentido da participação ativa nos serviços de saúde. A vista disso, o que se espera de uma política de humanização é o fortalecimento dos temas da participação em saúde e dos direitos dos usuários como uma prioridade nos serviços, ampliando a inclusão protagonista e corresponsável dos diferentes sujeitos.18
Sendo assim, houve uma reestruturação de processos e ambientes com a criação de grupos de apoio aos familiares e a nova postura ética no acolhimento. Por conseguinte, essas mudanças geraram maior operacionalidade do sistema através de referência e contra referência, além da educação permanente dos profissionais envolvidos, levando aos usuários a transparência das informações.19
Perceber o papel protagonizante do gestor na aplicação de tais políticas e estratégias para promover mudanças nos modelos de atenção e gestao em saúde de forma a promover a efetivação da humanização na atenção básica torna-se extremamente importante para o sucesso. Para isso, deve-se levar em conta a implementação de alguns dispositivos propostos pela PNH: Grupo de trabalho de humanização, colegiado gestor, sistema de escuta qualificada para usuários e trabalhadores, projeto terapêutico singular, programa de formação em saúde do trabalhador e projetos cogeridos de ambiência.14
A Humanização nas relações entre indivíduos e equipe se define com o modo de ação do profissional, sendo direcionado não somente para o usuário, mas também para os profissionais do serviço. Esta perspectiva defende a ideia de que humanização é um processo relacional: antes de beneficiar o usuário deve-se promover boas relações e boas condições no ambiente de trabalho. Demonstra, também, a visão de promoção de saúde integral e humanizada, baseada em um modelo de atenção fundamentado pela organização de trabalho em equipe multiprofissional, na qual as relações estao estabelecidas de forma a promover maior integração da equipe. Para que se alcance maior amplitude de saberes e práticas, é necessário que estes sejam socializados entre os membros da equipe de saúde em processo de troca e construção de condutas baseadas na valorização e protagonismo de sujeitos.10
É fundamental ao profissional da saúde incorporar o aprendizado e o aprimoramento dos aspectos interpessoais à tarefa assistencial, desenvolvendo a sensibilidade para conhecer a realidade do paciente ao ouvir queixas, aplicando, assim, diretrizes para as mudanças necessárias nos processos de produção de saúde para que a política de humanização seja implantada, culminando com a transformação das práticas de saúde.11
CONCLUSÃO
Na perspectiva da humanização no âmbito da saúde, questiona-se se haverá proposta mais humanizadora de assistência à saúde do que aquela que retira o caráter de mendicância para transformá-lo em direito de todos os brasileiros.
Devido à grande demanda da população por assistência à saúde, poucos recursos e falta de integralidade entre os níveis de complexidade da saúde, o Sistema Unico de Saúde ainda é reconhecido por conter estrutura e atendimento precários. A ineficácia da humanização da atenção primária é, também, uma realidade que precisa ser tratada por toda a sociedade e Estado como um problema solucionável e de grande importância para o funcionamento do SUS no país. Para tanto, é importante o empenho dos profissionais da saúde, do governo e da comunidade científica, com incentivos a se aprofundarem sobre o assunto, uma vez que a humanização e SUS são complementares.
REFERENCIAS
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