ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Gravidez ectópica tubária gemelar unilateral: Relato de caso
Unilateral twin tubal ectopic pregnancy: Case report
Luísa Sousa Bernardes1; Gabriela Bárbara de Oliveira Lara1; Adelaide Maria Ferreira Campos D'Avila2; Anderson Afonso2
1. Médico Residente do Programa de Residência Médica em Ginecologista e Obstetrícia, Hospital Regional Antônio Dias - FHEMIG, Patos de Minas, MG - Brasil
2. Médico Ginecologista e Obstetra do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital Regional Antônio Dias - FHEMIG, Patos de Minas, MG - Brasil
Luísa Sousa Bernardes
Hospital Regional Antônio Dias - FHEMIG
Patos de Minas, MG - Brasil
E-mail: luisa.bernardes@yahoo.com.br
Resumo
A gravidez ectópica tubária gemelar é um evento raro, com incidência de 0,5% das gestações ectópicas. Relatamos um caso de gravidez ectópica tubária gemelar unilateral íntegra com embrioes vivos, em uma paciente de 27 anos, que foi atendida no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Regional Antônio Dias, encaminhada do Serviço de Ultrassonografia da Secretaria Municipal de Saúde de Patos de Minas com diagnóstico de gravidez ectópica gemelar à esquerda, referindo apenas um episódio de sangramento vaginal em pequena quantidade há 1 semana, sem outras queixas. O exame clínico e ginecológico mostrava-se sem alterações e a ultrassonografia transvaginal revelou uma cavidade uterina vazia, com uma gravidez ectópica gemelar em anexo esquerdo com atividade cardíaca em ambos os embrioes. A paciente foi submetida à laparotomia e confirmou-se a gestação ectópica tubária gemelar em trompa esquerda. Foi realizada salpingectomia à esquerda, ato sem intercorrências, com alta hospitalar da paciente no 3º dia pós-operatório em boas condições clínicas. Este relato de caso discute a incidência, diagnóstico e tratamento da gravidez ectópica em geral, com destaque para a gravidez ectópica gemelar.
Palavras-chave: Gravidez Ectópica; Gravidez Tubária; Gravidez de Gêmeos.
INTRODUÇÃO
A gravidez ectópica ocorre quando o blastocisto se implanta e se desenvolve fora da cavidade corporal do útero. A localização mais comum é a tuba uterina, sendo responsável por 98% de todas as gestações ectópicas. A prevalência varia de 6 a 16%; e a incidência é de aproximadamente 2% das gestações.1 A gravidez ectópica tubária gemelar é um diagnóstico raro, com incidência de 0,5% das gestações ectópicas. A incidência de gravidez ectópica tubária gemelar com embrioes vivos é ainda mais rara, e é calculada em 1:125.000 gestações.2 A maioria das gestações ectópicas tubárias gemelares unilaterais são relatadas como monocoriônicas e monoamnióticas.3
Quando a fisiopatologia da gestação ectópica é considerada, o fator mais importante é o problema na migração do embriao para a cavidade endometrial. Os principais fatores de risco propostos como responsáveis pela gravidez ectópica são: doença inflamatória pélvica, cirurgia tubária prévia, antecedente de gravidez ectópica, exposição intrauterina ao dietilestilbestrol, procedimentos relacionados à reprodução assistida, uso de dispositivo intrauterino (DIU) e anticoncepção de emergência. Outros fatores de risco, de menor relevância, incluem: início precoce da atividade sexual, infecções genitais anteriores, antecedente de múltiplos parceiros sexuais, tabagismo, aumento da idade, tabagismo e anomalias congênitas uterinas.1,3,4
A tríade clássica de sinais e sintomas da gravidez ectópica compreende dor abdominal, sangramento vaginal e atraso ou irregularidade menstrual. A queixa de dor abdominal é o sintoma mais frequente, podendo ser desde um quadro de dor em cólica até a presença de dor intensa, dependendo da integridade da gravidez ectópica. O sangramento vaginal, na maioria das vezes discreto, ocorre em razao da descamação endometrial decorrente da produção irregular de gonadotrofina coriônica humana (hCG).1,3
Para se estabelecer o diagnóstico de gravidez ectópica, primeiramente deve ser realizado o diagnóstico de gravidez, sendo que a concentração sérica da fração beta da gonadotrofina coriônica humana (beta-hCG) tende a ser menor do que a observada em gestações tópicas da mesma idade. Na maioria dos casos, uma única medida de beta-hCG não tem significado, mas quando a localização de uma gravidez é incerta, um aumento de 66% nos níveis de beta-hCG medidos após um intervalo de 48 horas suporta a existência de uma gravidez intrauterina.
A ultrassonografia, juntamente com as medidas seriadas do beta-hCG, é fundamental no diagnóstico precoce da gravidez ectópica, levando à consequente diminuição da morbidade e mortalidade. Uma gravidez ectópica deve ser suspeitada quando a ultrassonografia transvaginal não mostrar uma gestação intrauterina com um nível sérico de beta-hCG de 1500 UI /L ou superior.
Com sensibilidade de 54 a 92%, os achados ultrassonográficos possíveis são: espessura endometrial menor que a observada em mulheres com gestação tópica viável, visualização de embriao com atividade cardíaca e situado em saco gestacional fora da cavidade corporal do útero, imagem anexial paraovariana semelhante ao saco gestacional (anel tubário), formação anexial sólida ou complexa (hematossalpinge ou hematoma pélvico), observação de líquido livre na cavidade peritoneal.1,3,4
O tratamento pode ser cirúrgico (radical ou conservador) ou clínico (medicamentoso ou expectante) e sua escolha está sujeita ao estado hemodinâmico da paciente, da integralidade ou não da gravidez ectópica, da presença ou ausência de atividade cardíaca do produto conceptual, do desejo reprodutivo da paciente, do local e do tamanho da gravidez ectópica e dos níveis de betahCG.1
É feito, a seguir, relato de um caso de gestação ectópica tubária gemelar unilateral íntegra, ocorrido no Hospital Regional Antônio Dias de Patos de Minas, MG, em 2017.
O presente trabalho foi aprovado pela Gerência de Ensino e Pesquisa, com o parecer de número 170/2017, e pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com o parecer de número 2.490.726.
RELATO DE CASO
Paciente, com 27 anos, primigesta, com idade gestacional (data da última menstruação) de 7 semanas e 3 dias, foi atendida no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Regional Antônio Dias, encaminhada do Serviço de Ultrassonografia da Secretaria Municipal de Saúde de Patos de Minas com diagnóstico de gravidez ectópica gemelar à esquerda, referindo apenas um episódio de sangramento vaginal em pequena quantidade há 1 semana, sem outras queixas. Apresentava história negativa para doença inflamatória pélvica, cirurgias prévias ou uso de medicações.
Ao exame clínico, mostrava-se corada, hidratada, normotensa, afebril, com abdome indolor e sem sinais de irritação peritoneal.
No exame ginecológico verificou-se ausência de sangramento no momento, colo uterino grosso, de consistência fibroelástica e fechado, e ausência de massas palpáveis.
A paciente foi submetida à ultrassonografia transvaginal, que demonstrou: útero antevertido com contornos regulares e textura homogênea; endométrio ecogênico medindo 13 mm; imagem de saco gestacional em topografia anexial esquerda contendo em seu interior dois embrioes vivos, com vesícula vitelínica e batimentos cardíacos, embriao 1 com CCN de 19,7 mm e BCF 167 bpm, embriao 2 com CCN de 17,7 mm e BCF 164 bpm; ovário esquerdo com presença de corpo lúteo; ausência de líquido livre e/ou massas pélvicas. Achados compatíveis com gestação ectópica tubária gemelar em trompa esquerda (Figura 1).
Paciente foi encaminhada para laparotomia e realizada salpingectomia esquerda. Os achados cirúrgicos intraoperatórios foram: útero e anexos direitos normais; trompa esquerda distendida por todo seu comprimento, íntegra, sem evidências de qualquer alteração na parede tubária. A massa tinha aproximadamente 6 cm de comprimento e continha dois embrioes. O diagnóstico intraoperatório foi de gravidez ectópica gemelar íntegra em tuba uterina esquerda (Figura 2). O ato operatório foi sem intercorrências.
O exame anatomopatológico demonstrou tuba uterina medindo 7,0 x 4,0 cm, contendo saco amniótico com dois fetos medindo cada um 2,0 cm de comprimento; e, aos cortes histológicos, parede de trompa uterina infiltrada por tecido vilo corial com embrioes exibindo imaturidade visceral. O diagnóstico histopatológico foi prenhez gemelar tubo-ovariana.
A alta hospitalar da paciente se deu no 3º dia pós-operatório em boas condições clínicas.
DISCUSSÃO
A gravidez ectópica é considerada hoje uma questao de saúde pública, devido a sua crescente incidência e significativa morbidade e mortalidade.1 O aumento da incidência pode ser explicado pela elevação da prevalência dos fatores de risco e a melhora dos métodos diagnósticos. Contudo, muitas pacientes com gravidez ectópica não têm fatores de risco identificáveis, como no caso relatado. Apesar de a etiologia da gestação ectópica gemelar ainda ser desconhecida, estudos sugerem que a maior massa celular do zigoto gêmeo fertilizado pode resultar em transporte retardado com implante consequente nas trompas.5
O primeiro caso de gravidez ectópica gemelar foi descrito por De Ott em 1891, e Gualandi et al. relataram o primeiro caso de gravidez ectópica gemelar com embrioes vivos em 1994.4,5 Cerca de 100 gestações de gêmeos ectópicos unilaterais foram relatadas na literatura, mas os batimentos cardíacos fetais foram demonstrados em cerca de 10% dessas gravidezes.6,7 Com base na observação clínica, 95% das gestações ectópicas gemelares são relatadas como monozigóticas.8
Semelhante à gravidez ectópica única, a tuba uterina é o local mais frequente de ocorrência. Nas gestações tubárias, a implantação pode ocorrer na regiao ampular na maioria das vezes, mas pode ocorrer também no istmo, na regiao infundibular ou na porção intersticial da tuba. Outros locais descritos incluem o ovário, a cavidade abdominal, o colo uterino e em cicatriz de cesárea.1,8
A apresentação clínica é típica da gravidez ectópica, isto é, amenorreia, sangramento vaginal e dor abdominal, podendo ser variada, como no caso relatado, em que a paciente apresentava-se assintomática e sem achados significativos ao exame clínico e ginecológico. Isso dificulta o diagnóstico e pode resultar em aumento da morbidade e mortalidade.
A identificação precoce da gestação ectópica é possibilitada especialmente pela ultrassonografia transvaginal e pela dosagem seriada do beta-hCG. No nosso caso, o paciente tinha uma ultrassonografia transvaginal na sétima semana de gravidez, que identificou dois embrioes vivos no anexo esquerdo. Nesse caso, ter acesso à ultrassonografia transvaginal ambulatorial permitiu um diagnóstico precoce que precedeu o início dos sintomas. Isso, sem dúvida, contribuiu para a nossa capacidade de prosseguir com uma abordagem em tempo hábil, evitando complicações.
Em razao do tamanho da gestação ectópica no presente caso, associado à presença de atividade cardíaca dos produtos conceptuais, a intervenção cirúrgica foi a opção escolhida. A conduta na gestação ectópica é baseada em parâmetros, entre eles o tamanho da massa, que deve ser de até 4 cm de maior diâmetro para o tratamento clínico. No entanto, não se sabe se o corte usado para o tamanho da gravidez ectópica única seria adequado quando se tratar de gravidez ectópica gemelar.
Os achados neste caso chamaram a atenção em razao da distensão de todo o comprimento da tuba uterina e ausência de ruptura. Observação semelhante foi relatada em outros casos de gestação ectópica tubária gemelar. O que se sugere é que a distensão tubária não seja o principal fator implicado na ruptura. Estudos referem a necrose hemorrágica determinada pela invasão trofoblástica também como responsável pela ruptura tubária na gravidez ectópica, invasão esta relacionada à idade gestacional. Embora uma gestação gemelar possa ser maior, a invasão trofoblástica possivelmente é menor em comparação com uma gestação única do mesmo tamanho, devido a idades gestacionais diferentes. Isso esclarece o achado de um tuba uterina íntegra, apesar da distensão marcada.8
CONCLUSÃO
Relatamos um caso de gestação ectópica tubária gemelar, uma condição rara pouco descrita na literatura, destacando a necessidade de reconhecimento precoce e diagnóstico preciso da gravidez ectópica. A identificação correta da gravidez ectópica gemelar com o uso da ultrassonografia transvaginal ajuda no gerenciamento precoce, resultando em menores complicações e melhores resultados. Um diagnóstico preciso em gravidezes ectópicas gemelares é ainda mais útil, pois tais gestações podem crescer e, portanto, apresentam maior risco de ruptura.
REFERENCIAS
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2. Eddib A, Olawaiye A, Withiam-Leitch M, Rodgers B, Yeh J. Live twin tubal ectopic pregnancy. Int J Gynecol Obstet. 2006;93(2):154-5.
3. Dede M, Gezginç K, Yenen M, Ulubay M, Kozan S, Güran S, et al. Unilateral tubal ectopic twin pregnancy. Taiwan J Obstet Gynecol. 2008;47(2):226-8.
4. Vohra S, Mahsood S, Shelton H, Zaedi K, Economides DL. Spontaneous live unilateral twin ectopic pregnancy - A case presentation. Ultrasound. 2014;22(4):243-6.
5. Benn R, Wheeler V, Keshi C. Spontaneous live twin tubal ectopic pregnancy: A case report. West Indian Med J. 2016;3(1):25-7.
6. Ghanbarzadeh N, Nadjafi-Semnani M, Nadjafi- Semnani A, Nadjfai-Semnani F, Shahabinejad S. Unilateral twin tubal ectopic pregnancy in a patient following tubal surgery. J Res Med Sci. 2015;20(2):196-8.
7. Longoria TC, Stephenson ML, Speir VJ. Live unilateral twin ectopic pregnancy in a fallopian tube remnant after previous ipsilateral salpingectomy. J Clin Ultrasound. 2014;42(3):169-71.
8. Goswami D, Agrawal N, Arora V. Twin tubal pregnancy: A large unruptured ectopic pregnancy. J Obstet Gynaecol Res. 2015;41(11):1820-2.
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