ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Avaliação Multimodal de Hamartoma Combinado da Retina e do Epitélio pigmentar da retina com Apresentação Atípica
Multimodal Evaluation of Combined Retina and Retinal Pigment Epithelium Hamartoma with Atypical Presentation
Gerson F. M. Ferreira1*, Camila F. Bomtempo2, Fernanda F. Bomtempo1, Jéssyca L. Gonçalves1; Cristiane C. de Queiroz3
1. Acadêmicos de Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais
2. Acadêmica de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana
3. Residente do Centro Oftalmológico de Minas Gerais.
Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais
Belo Horizonte - MG, Brasil
E-mail: geersonmenezes@gmail.com
Resumo
Hamartomas combinados de retina e do epitélio pigmentar (HCR-EPR) são lesões tumorais congênitas e benignas. Podem acometer as áreas macular, peripapilar ou periférica da retina. Este trabalho relata um caso de uma paciente de 25 anos, do sexo feminino, com queixa de baixa acuidade visual (BAV) no OE secundário à presença de hamartoma combinado de retina e epitélio pigmentar. A fundoscopia relevou a presença de uma lesão de limite pouco definidos, enegrecida, associada a discreta membrana epirretiniana. A angiofluoresceinografia, tomografia de coerência óptica e angio-OCT demonstraram imagens sugestivas do HCREPR. Dependendo da localização e da extensão, os hamartomas podem causar perda visual severa. Os hamartomas simples tendem a gerar uma BAV geralmente assintomática e não progressiva, em comparação com hamartoma combinado, que cursa com perda visual severa e rápida evolução. O diagnóstico diferencial possui relevância devido ao prognóstico da doença e ao seu papel de afastar outras comorbidades, como melanoma de coróide.
Palavras-chave: Angiofluoresceinografia, Hamartoma combinado, Retina, Tomografia de Coerência Optica, Angio-OCT.
INTRODUÇÃO
O hamartoma constitui uma lesão proveniente do crescimento excessivo de células maduras e tecidos característicos da área afetada1. O hamartoma combinado da retina e do epitélio pigmentado da retina (HCR-EPR) é um tumor intraocular benigno raro, congênito, único e solitário, com prevalência de <1/10000002, de etiologia desconhecida1,2, sendo o achado oftalmológico mais característico representado por uma massa retiniana cinzenta e de limites mal definidos3. A histopatologia mostra espessamento do epitélio pigmentar da retina (EPR) e retina sensorial com tecido glial e vascular proeminente4. Alguns hamartomas combinados parecem conter elementos vasculares proeminentes e alguns parecem conter predominantemente elementos gliais, que apontam para as alterações da interface vítreo-retiniana, com formação de membrana epirretiniana3.
O HCR-EPR pode acometer as áreas macular, peripapilar ou periférica da retina, sendo a maioria unilateral, apesar de relatos de casos com acometimento bilateral2,4,5. Comumente descrito em crianças, também é relatado em adultos jovens, sendo encontrado em igual proporção em homens e mulheres. Seu diagnóstico é importante, pois pode ser confundido clinicamente com tumores malignos, como retinoblastoma ou melanoma de coróide3.
Os achados clínicos mais comuns são baixa acuidade visual e estrabismo2,6. Além disso, os sinais e sintomas mais raros incluem: moscas volantes, leucocoria e dor ocular2,5,6,7. Exames complementares auxiliam o diagnóstico, entre eles a angiofluoresceinografia, a tomografia de coerência óptica (OCT) e a angiotomografia de coerência óptica (Angio-OCT)2,8. O HCR-EPR apresenta como complicações a formação de membrana epirretiniana, neovascularização e o descolamento da retina5,7. Outra complicação relacionada ao acometimento precoce do HCR-EPR é a ambliopia, sendo fundamental sua prevenção6.
DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente MB, sexo feminino, 25 anos de idade, buscou atendimento oftalmológico com queixa de baixa acuidade visual em olho esquerdo. Ao exame apresentava acuidade visual corrigida de 20/30 no olho esquerdo (OE) e 20/20 no olho direito (OD). Nega história oftalmológica relevante ou patologias sistêmicas. A fundoscopia revelou a presença de uma lesão parafoveal enegrecida, de limites pouco definidos, associada à discreta membrana epirretiniana, sem evidência de inflamação do segmento posterior (figura 1). A angiografia fluorescente e angio-OCT demonstraram fluxo vascular no interior da lesão, sem evidências de neovascularização associada (figura 2). O OCT evidenciou a lesão hiperrefletiva na retina interna, causando sombreamento dos tecidos subjacentes, bem como compressão das demais camadas retinianas adjacentes (figura 3).
DISCUSSÃO
Os HCR-EPR são lesões benignas, geralmente unilaterais e sem associação com anormalidades sistêmicas2,4. Casos bilaterais devem levar à suspeição de doenças associadas como esclerose tuberosa e a neurofibromatose tipo I e II.1,2,3,5,9. O sintoma mais comum dessa condição clínica constitui perda visual, causada tanto por envolvimento direto do nervo óptico, do feixe papilomacular ou da fóvea, quanto por envolvimento indireto de estruturas teciduais devido à distorção da arquitetura normal macular pelas linhas de tração irradiadas e à formação da membrana epirretiniana1,7. As lesões podem alterar-se com o tempo, o que é evidenciado principalmente por distorção progressiva da retina8
Nos HCR-EPR, diferentes tecidos - melanocítico, vascular ou glial - em diferentes proporções levam a uma vasta gama de manifestações clínicas. As lesões podem ser classificadas de acordo com a localização e podem ser descritas pelas suas características hamartomatosas mais pronunciadas2. Dividem-se em quatro subgrupos: lesões no disco, lesões adjacentes ao disco, lesões na área macular e lesões na média periferia3. Lesões na periferia podem não causar distorção da área macular e, por isso, podem ser assintomáticas; já as lesões na área macular apresentam maior risco de comprometimento da acuidade visual1,4. Além da localização, outros aspectos preditores de baixa acuidade visual do HCR-EPR são o tamanho de suas lesões (variam entre 1 mm a valores acima de 10 mm de diâmetro) e a quantidade de tração retiniana1,5.
O HCR-EPR cursa frequentemente com baixa visual severa e de rápida evolução9. O caso descrito apresenta exames de imagem - angiografia fluorescente e angio-OCT - mostrando lesão de localização macular, com fluxo vascular em seu interior, o que sugere se tratar de um hamartoma do tipo combinado. Entretanto, a queixa de leve BAV, pequeno tamanho de lesão, e ausência de componente tracional são características do hamartoma simples, se tratando esse portanto de um caso de hamartoma combinado de apresentação muito atípica. Os hamartomas simples geralmente cursam com BAV assintomática e não progressiva, não apresentam vasos em seu interior e são compostos apenas por glia1.4. A acuidade visual no hamartoma simples geralmente está preservada, 7.
CONCLUSÃO
O HCR-EPR consiste um tumor benigno raro, com potencial de causar perda visual significativa, cujo diagnóstico correto é essencial para garantir a conduta adequada e a exclusão de doença maligna. Este caso clínico demonstra como uma doença que já apresenta prevalência incomum é passível de apresentar uma evolução clínica atípica, incompatível com elementos até entao associados a ela. Entretanto, isso não impede que quadros como esse sejam detectados e corretamente diagnosticados, desde que sejam realizadas uma boa coleta da história, uma adequada realização do exame físico e, essencialmente, uma conduta de requisição e avaliação dos exames complementares. Nesse caso, os achados característicos de angiofluoresceinografia, OCT e angio-OCT foram primordiais para estabelecer o diagnóstico de HCR-EPR.
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