ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Disfagia aórtica: uma causa rara de disfagia
Aortic dysphagia: a rare cause of dysphagia
Erlon de Avila Carvalho1; Marina Varela Braga Oliveira2; Vinícius Miranda Borges2
1. Hospital Alberto Cavalcanti - FHEMIG, Médico. Cirurgião Torácico, Serviço de Cirurgia Torácica. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Hospital Alberto Cavalcanti - FHEMIG, Médico. Residente de Cirurgia Geral - R2 - Serviço de Cirurgia Geral. Belo Horizonte, MG - Brasil
Erlon de Avila Carvalho
E-mail: erlon.avila@gmail.com
Recebido em: 09/05/2018
Aprovado em: 12/07/2018
Instituição: Hospital Alberto Cavalcanti - FHEMIG, Médico. Cirurgião Torácico, Serviço de Cirurgia Torácica. Belo Horizonte, MG - Brasil.
Resumo
É descrito o caso de uma paciente, 81 anos, com disfagia progressiva há 5 anos, piora nos últimos meses, com endoscopia digestiva alta que não evidenciou alteração intraluminal e radiografia de tórax com alargamento mediastinal e alteração no contorno da aorta descendente. Avaliada pelo Serviço de Cirurgia Torácica, que solicitou tomografia computadorizada de tórax, que evidenciou aorta descendente tortuosa em "S", cruzando o corpo vertebral das vértebras T5-T6 em direção à direita, causando uma compressão extrínseca do esôfago entre a aorta e o coração. Feito o diagnóstico de disfagia aórtica. A disfagia aórtica é um diagnóstico raro, mas que deve ser incluído no escopo dos diagnósticos diferenciais de disfagia. O tratamento cirúrgico deve ser escolhido sempre que possível, dando-se prioridade para a via alimentar no pré-operatório e sempre garanti-la nos casos em que não há indicação cirúrgica.
Palavras-chave: Transtornos de Deglutição; Procedimentos Cirúrgicos Torácicos; Aorta Torácica; Tomografia.
INTRODUÇÃO
O termo disfagia aórtica, descrito pela primeira vez em 1932, denota a dificuldade de deglutição causada por compressão externa por uma aorta ectásica, tortuosa ou aneurismática.1 Porém, a primeira citação sobre anomalia do arco aórtico com compressão esofágica foi descrita por Bayford, em 1787, durante análise da necropsia de uma mulher de 62 anos de idade que havia falecido em extrema caquexia.2
É uma condição rara, mas que deve ser considerada nos casos de disfagia de difícil elucidação etiológica, sendo importante considerar sua epidemiologia e realização de exames complementares para o diagnóstico diferencial.3
Apresentamos um caso em que uma paciente com disfagia crônica obteve o diagnóstico de disfagia aórtica tardiamente, e que, em virtude de outras comorbidades, não houve tempo hábil e condições clínicas para o devido tratamento.
RELATO DE CASO
Sexo feminino, 81 anos, previamente hipertensa. Admitida com relato de disfagia progressiva há 5 anos sem diagnóstico definido até então, com piora significativa há sete dias da admissão, associada à dispneia e odinofagia. Sem outras queixas espontâneas, negava outros sinais ou sintomas associados, como febre, sangramentos ou perda ponderal. Possuía várias endoscopias digestivas altas (EDA) prévias demonstrando esôfago de calibre e conformação usuais e peristaltismo sem alterações.
Foi encaminhada ao hospital Alberto Cavalcanti (HAC) no dia 19/06/2017 com proposta de complementação propedêutica. Última radiografia de tórax, realizada em sua cidade natal, mostrava alargamento mediastinal e alteração no contorno da aorta descendente (Figura 1). Chamada para avaliação equipe de cirurgia torácica da instituição, que ao perceber a alteração da aorta descendente sugeriu realização de novos exames. Realizada complementação propedêutica, com nova EDA, que não identificou alterações significativas, e tomografia computadorizada (TC) de tórax e abdome superior, que evidenciou aorta descendente tortuosa em “S”, cruzando o corpo vertebral de T5-T6 em direção à direita, causando uma compressão extrínseca do esôfago entre a aorta e o coração (Figuras 2 e 3).
Feito então diagnóstico de disfagia aórtica, visto que a paciente não apresentava outros critérios que justificassem a disfagia crônica. Realizada passagem de sonda nasoentérica para aporte nutricional. Devido às condições clínicas da paciente, foram contraindicados quaisquer procedimentos cirúrgicos para tratamento. Durante internação, paciente evoluiu clinicamente mal, apresentando parada cardiorrespiratória por hipóxia, com retorno de pulso central após três minutos de ressuscitação cardiopulmonar. Permaneceu durante 25 dias no CTI, apresentando FA aguda e traqueíte purulenta. Recebeu alta hospitalar após 44 dias de internação hospitalar com quadro clínico estável. Realizado posteriormente contato com familiares pela equipe médica, constatado que a paciente foi a óbito em casa dez dias após alta hospitalar.
DISCUSSÃO
O paciente acometido mais comumente pela disfagia aórtica é do sexo feminino, com idade avançada, brevelíneo e hipertenso e com cifose acentuada da coluna cervical. Normalmente, é associada a refluxo gastroesofágico e doenças da motilidade. A aorta, na grande maioria das vezes, apresenta alterações anatômicas, ectásicas ou aneurismáticas.4
O diagnóstico diferencial de disfagia aórtica inclui várias anormalidades estruturais e neuromusculares comuns, como divertículos, tumores e doenças neurodegenerativas.5
Não existe padrão-ouro para o diagnóstico de disfagia aórtica. A associação de sintomas sugestivos, como intolerância progressiva para sólidos, associada à perda ponderal, exames de imagem sugestivos e exclusão de outros diagnósticos possíveis, sugere um alto grau de suspeição.6
A propedêutica diagnóstica inclui exames radiológicos, EDA e manometria. Raio-X de tórax e TC de tórax normalmente mostram o alargamento do arco aórtico e a tortuosidade da aorta dilatada. Um REED pode mostrar obstrução esofágica e movimentos pulsáteis sincrônicos à pulsação aórtica. EDA pode mostrar estenose ou compressão extrínseca. Manometria esofágica pode demonstrar alta pressão localizada sobreposta e sincrônica à pulsação cardíaca.3
Diversos procedimentos cirúrgicos podem ser indicados, como transposição da região distal do esôfago, ou separação do esôfago distal da aorta. Nos casos de aneurisma de aorta, correção deste. Para pacientes sem condições cirúrgicas, recomenda-se garantir uma via alimentar, como por confecção de gastrostomia ou SNE.4
CONCLUSÃO
A disfagia aórtica é um diagnóstico raro, porém, deve ser incluído no escopo dos diagnósticos diferenciais de disfagia, principalmente quando há epidemiologia compatível. É um diagnóstico de exclusão, assim, as condições mais prevalentes devem ser incialmente afastadas. Entretanto, durante a extensão propedêutica, a possibilidade de disfagia aórtica deve ser aventada e a TC de tórax solicitada precocemente. O tratamento cirúrgico deve ser escolhido sempre que possível, dando-se prioridade para a via alimentar no pré-operatório e sempre garanti-la nos casos em que não há indicação cirúrgica.
REFERÊNCIAS
1. Keates PG, Magidson O. Dysphagia associated with sclerosis of the aorta. Br J Radiol. 1955;28(328):184-90.
2. Richter I, Magalhães HP, Cortez LM, Gonçalves D, Gonçalves M. Tratamento cirúrgico da compressão do esôfago por anomalia do arco aórtico: relato de caso. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1991;6(2):128-31.
3. Wilkinson JM, Euinton HA, Smith LF, Bull MJ, Thorpe JA. Diagnostic dilemmas in dysphagia aortica. Eur J Cardiothorac Surg. 1997;11(2):222-7.
4. Badila E, Bartos D, Balahura C, Daraban AM. A rare cause of Dysphagia - Dysphagia aortica - complicated with intravascular disseminated coagulopathy. Maedica (Buchar). 2014;9(1):83-7.
5. Antón E. Dysphagia aortica: a diagnostic challenge in the elderly. Rev Esp Enferm Dig. 2007;99(6):362-4.
6. Kim JH, Jang SW, Kim DB, Lee HJ, Kim JG, Kwon BJ, et al. A Patient With Dysphagia due to an Aortic Aneurysm. Korean Circ J. 2009;39(6):258-60.
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