RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 29. (Suppl.8) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20190041

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Artigo Original

Dor em gestantes e puérperas hospitalizadas

Pain in hospitalized pregnant and postpartum patients

Bianca Castro Zebral1; Alice Villela Ferreira1; Lucas Furst Pires Pereira1; Márcio Júnior Pena1; Maria Cecília Godinho1; Márcio Heitor Stelmo da Silva; Antônio José Fonseca de Paula; Priscilla Brunelli Pujatti1,2

1. Faculdade de Medicina de Barbacena (FAME/FUNJOBE), Barbacena, MG
2. Instituto Nacional de Câncer (INCA, RJ), Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência

Priscilla Brunelli Pujatti
E-mail: priscillapujatti@yahoo.com.br

Instituição: Faculdade de Medicina de Barbacena - FAME/FUNJOBE. Barbacena, MG - Brasil.

Resumo

INTRODUÇÃO: A ausência de melhores informações sobre a prevalência, extensão e a natureza da dor em gestantes e puérperas representa um problema significativo, uma vez que as mulheres se apresentam despreparadas para lidar com esse desconforto e com as limitações geradas por ela na vida cotidiana.
OBJETIVO: Determinara prevalência e as características da dor em pacientes obstétricas internadas.
MÉTODOS: Estudo prospectivo, transversal, observacional, por meio da aplicação de questionários, com as pacientes obstétricas internadas no Hospital Santa Casa de Misericórdia de Barbacena, Minas Gerais no período de fevereiro a setembro de 2018. As pacientes foram convidadas a participar do estudo por meio de visita ao leito hospitalar em que estavam internadas e, após concordância em participar, foram questionadas quanto à presença de dor no momento da visita. Foram levantadas a prevalência e intensidade de dor intra-hospitalar na clínica obstétrica e pós-parto e a terapia analgésica utilizada.
RESULTADOS: Pacientes pós-parto (puérperas), que tiveram parto cesáreo apresentaram maior prevalência de dor e também maior prevalência de dor intensa em relação a pacientes que tiveram parto vaginal. O maior sítio de dor foi a região pélvica, seguida de dor na região abdominal e lombar.
CONCLUSÃO: A dor é um sintoma de alta prevalência em gestantes e puérperas hospitalizadas, especialmente em puérperas que tiveram parto cesáreo. Sua mensuração é o primeiro passo para um acompanhamento adequado pelos profissionais de saúde e para que o tratamento seja efetivo e ocorra uma melhora da sensação dolorosa.

Palavras-chave: Dor. Prevalência. Obstetrícia. Parto normal. Cesárea.

 

INTRODUÇÃO

A assistência ao parto tem uma trajetória histórica que acompanhou diversas mudanças sociopolíticas e culturais no Brasil e representa um tema de diferentes reflexões ao longo de várias décadas. Além da estrutura física, da qualidade do cuidado, do acesso aos serviços, da postura dos profissionais e dos usuários, a assistência humanizada deve valorizar a escuta e refletir sobre a satisfação da mulher com o processo do nascimento, envolvendo o trabalho de parto, parto e puerpério, além da percepção de dor vivenciada neste contexto.1

Na prática obstétrica, observa-se uma preocupação com a dor referida pela mulher, sobretudo, durante o trabalho de parto. Apesar disso, é necessário também, avaliar a ocorrência de dor durante a gestação e no período puerperal, bem como sua relação com o tipo de parto realizado.2

A lombalgia gestacional é uma das principais queixas durante a gestação, sendo responsável por inúmeras repercussões negativas na qualidade de vida da gestante.3 Esta pode estar relacionada às adaptações do sistema musculoesquelético, influenciadas pela ação da relaxina, que causa hipermobilidade na articulação sacroilíaca e sínfise púbica, consequentemente, tornando a pelve instável, contribuindo, para o surgimento da dor lombar. Deve-se ressaltar também que a lombalgia durante a gravidez pode ser indicativa de processos infecciosos do sistema urinário, sendo que a dor lombar pode ser a única manifestação clínica de Infecção do Trato Urinário (ITU).4

O período puerperal é marcado pela intensa vulnerabilidade do organismo da mulher, visto que é um momento de recuperação do parto, que por si só, é um evento tido como desgastante, podendo também estar associado a procedimentos cirúrgicos dolorosos. A dor no período pós-parto é uma condição materna frequente e pode estar relacionada ao tipo de parto realizado.5 Estima-se que a dor crônica ocorra em 5% a 20% das mulheres depois de uma cesárea, representando uma das maiores causas de dor crônica na mulher.2 A ocorrência de dor intensa após o parto está associada ao maior risco de desenvolvimento de dor crônica e quadro de depressão. Sua presença dificulta a recuperação da mulher e o contato com o recém-nascido (RN), além de representar um obstáculo para a amamentação, o autocuidado, o cuidado ao RN e a realização das atividades da vida cotidiana, tais como andar, sentar, deambular, além de interferir no sono, no repouso, na movimentação, na micção, na evacuação e no apetite da puérpera. Essas dificuldades podem causar importantes problemas físicos, psicológicos e emocionais que colaboram para experiências negativas do parto.6

A ausência de melhores informações sobre a prevalência, extensão e a natureza da dor pós-parto representa um problema significativo, uma vez que as mulheres se apresentam despreparadas para lidar com esse desconforto e com as limitações geradas por ela na vida cotidiana. A falta de dados epidemiológicos acerca da dor interfere significativamente na prestação de cuidados pós-parto, dificultando ao provedor de saúde a realização de uma assistência adequada e com qualidade. Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo avaliar a prevalência e as características da dor em pacientes obstétricas internadas em um hospital de referência em obstetrícia de uma cidade do interior de Minas Gerais.

 

METODOLOGIA

TIPO E POPULAÇÃO DO ESTUDO

Foi conduzido um estudo de corte transversal, por meio da aplicação de questionários, com as pacientes hospitalizadas no setor de obstetrícia da Santa Casa de Misericórdia, Barbacena, Minas Gerais. O presente estudo foi conduzido conforme estabelecido pela resolução CNS 466/2012 e foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa com número CAAE 62553716.5.1001.5119.

Os critérios de inclusão foram: pacientes obstétricas que não estavam em trabalho de parto, sem limitação de idade, internadas em leitos que não sejam de terapia intensiva e admitidas entre 1° de fevereiro e 30 de setembro de 2018, por quaisquer motivos clínicos, sejam eles na gestação ou puerpério, e que concordem em participar da pesquisa por meio da assinatura do "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido". Os critérios de exclusão utilizados foram: pacientes que apresentavam algum déficit cognitivo ou de fala, analfabetas (que não sabiam ler nem assinar o próprio nome) ou que se recusaram a participar do estudo.

 

COLETA DOS DADOS

As pacientes foram convidadas a participar do estudo por meio de visita ao leito hospitalar obstétrico em que estavam internadas. Foram entrevistadas pacientes do sexo feminino, entre 14 e 46 anos de idade, sem distinção de raça, residentes na macrorregião de Barbacena. As visitas ao hospital foram realizadas duas vezes por semana em horários fixos.

Após breve explicação sobre conteúdo e objetivos da pesquisa e concordância em participar, por meio da assinatura do TCLE, um questionário contendo dados pessoais e características clínicas da paciente foi preenchido pelo pesquisador que fez a avaliação. De forma subsequente, a paciente foi questionada pelo pesquisador quanto à presença de dor, utilizando a escala multidimensional de avaliação de dor (EMADOR), validada para a língua portuguesa.7

Para a presença de dor, o pesquisador solicitou à paciente que estava internada que julgasse a intensidade de sua dor, utilizando os valores de 0 a 10, na qual 0 indicava "sem dor", 10 "dor máxima" e os outros escores, de 2 a 9, deveriam ser utilizados para indicar níveis intermediários de dor sentida conforme escala visual analógica. Além dessa classificação, a paciente também deveria assinalar um ou mais descritores que caracterizava a dor percebida e assinalar o local da dor percebida no esquema do corpo humano constante no questionário. Após visualizar a figura desse instrumento,

o pesquisador situou a(s) área(s) pertinente(s) e registrou no gráfico conforme o(s) número(s) correspondente(s) no corpo humano (EMADOR). Além disso, as pacientes pósparto foram questionadas sobre o tipo de parto a que foram submetidas, e essa informação foi adicionada ao questionário. Os resultados apontados pelas pacientes foram registrados nos questionários contendo os dados pessoais e clínicos das pacientes e foram arquivados e mantidos em sigilo, sob responsabilidade do pesquisador.

ANÁLISE ESTATÍSTICA Os dados dos questionários foram transcritos para a planilha eletrônica e processados em software estatístico STATA versão 9.2. Foram calculadas medidas de tendência central, de posição e dispersão.

A existência de relação entre as variáveis estudadas foi determinada por teste de qui quadrado exato de Fisher, analise de variância e Kruskal Wallis conforme indicação. Foram consideradas significantes diferenças com p≤ 0,05.

 

RESULTADOS

Foram avaliadas 252 pacientes obstétricas hospitalizadas entre 1º de fevereiro e 30 de setembro de 2018. A idade média foi 27,54±6,9 anos. A razão da internação foi dividida em clínica obstétrica (gestantes) e pós-parto (puérperas). Das 252 pacientes internadas, 91 (36,11%) se encontravam na internação clínica, 161(63,89%) se encontravam na internação pós-parto, representando o maior percentual (Tabela 1).

 

 

Quanto à presença de dor, 43,25% das pacientes apresentavam dor no momento da avaliação (Tabela 2).

 

 

Considerando-se a escala visual da dor, as intensidades foram divididas em leve (pontuação de 01 a 03), moderada (pontuação de 04 a 06) e intensa (pontuação de 07 a 10). Considerando as pacientes que apresentavam dor, a prevalência de dor intensa foi de 36,70%. Comparando-se a prevalência de dor entre gestantes e puérperas, observou-se que a prevalência de dor foi maior nas puérperas (27,47% nas gestantes versus 52,17% nas puérperas, p=0,0001).

Considerando-se apenas as puérperas (Tabela 3), 57,76% (n=93) tiveram parto cesáreo e 42,24% (n=68) tiveram parto vaginal.

 

 

A prevalência de dor foi maior nas pacientes que tiveram parto cesáreo (69,89% versus 27,94% submetidas ao parto vaginal, p=0,0001). Das 93 pacientes que foram submetidas ao parto cesáreo, 28 (29,79%) negaram sentir dor, enquanto 65 (62,89%) relataram crises álgicas, sendo 12,31% dor leve, 47,69% moderada e 40% intensa. Das 68 pacientes que tiveram parto vaginal, 49 (72,06%) negaram sentir dor, enquanto 19 (27,94%) relataram crises álgicas, sendo 42,10% dor leve, 47,37% moderada e 10,53% intensa.

Em relação à localização das crises álgicas (Figura 1), a dor mais frequente em todas as pacientes, baseado na média aritmética dos dados entre gestantes e puérperas, foi a dor na região pélvica, correspondendo a 72% nas gestantes com dor, 73,7% nas puérperas de parto vaginal e 84,6% no cesáreo (número 7), seguida de dor abdominal 26%, 15,8% e 22,3% respectivamente (números 12 e 13) e dor lombar 28%, 21,1% e 7,7%, respectivamente (números 32 e 33). A dor lombar e nas e costas foi relatada com frequência tanto em gestantes quanto em puérperas.

 


Figura 1. Prevalência de sítios álgicos das gestantes (n=25) e puérperas com dor (n=84) hospitalizadas na Santa Casa de Misericórdia de Barbacena, MG, entre 1º de fevereiro e 30 de setembro de 2018, de acordo com o EMADOR.

 

Em relação às características da dor, observou-se, no parto cesáreo, relatos de dor em queimação (39,68%) e em cólica (19,05%) (p=0,543), enquanto no parto vaginal houve maior prevalência de dor em cólica e queimação (25% cada) e em peso (20%) (p=0,036).

Considerando a analgesia prescrita, os prontuários das pacientes foram consultados para verificação dos analgésicos prescritos, bem como do modo de administração contínuo, somente se necessário (SOS) ou contínuo e SOS (Tabela 4).

 

 

As que não estavam fazendo uso de analgésicos representaram 17,86% (n=45) do total, enquanto 27,78% (n=70) utilizaram analgésico contínuo, 46,03% (n=116) utilizaram analgésico SOS e 8,33 % (n=21) utilizaram analgésico contínuo e SOS. Além disso, 94% das pacientes com dor moderada e 87,18% que relataram dor intensa, tinham alguma prescrição de terapia analgésica (p=0,001).

Os medicamentos analgésicos prescritos foram dipirona e paracetamol, os anti-inflamatórios, cetoprofeno, diclofenaco, Escopolamina + dipirona (Buscopan®) e naproxeno, 55,67% (n=113) das pacientes apresentavam esquema analgésico somente com dipirona enquanto 19,70% (n=40) apresentavam esquema analgésico somente com escopolamina + dipirona (Buscopan®).

 

DISCUSSÃO

A dor está associada ao grau de sofrimento, sendo caracterizada por uma qualidade sensorial complexa, difícil de ser determinada ou interpretada por ser um processo individual e de caráter subjetivo.8 De acordo com a definição da IASP - International Association for the Study of Pain - os componentes sensitivo, emocional e cognitivo fazem parte ou contribuem para a experiência subjetiva da dor.9 O estudo de prevalência de dor não relacionada ao parto em pacientes obstétricas - gestantes ou puérperas, é um importante indicador de qualidade no cuidado, visto que essas pacientes necessitam estar recuperadas o mais precocemente possível para a promoção do autocuidado e, no caso das puérperas, do cuidado ao recém-nascido.2 Apesar da mensuração de dor não contar com instrumento padrão que permita a um agente externo compreender objetivamente a experiência de dor do paciente, é preciso utilizar instrumentos para medir a dor e balizar a terapêutica analgésica durante o atendimento a essas pacientes.

O trabalho avaliou a prevalência de dor em pacientes obstétricas, internadas em um hospital referência em obstetrícia do interior de Minas Gerais, e mostrou que 43,25% das pacientes reportaram dor, 36,70% dessas dores de alta intensidade. Além disso, a prevalência de dor foi maior nas puérperas (52,17% versus27,47% nas gestantes, p=0,0001). Dentre os motivos de internação clínica, havia pacientes com lombalgia, picos hipertensivos, hipo e hiperglicemia, erisipela, trombofilias, infecção do trato urinário, oligoidrâmnio, entre outros, não sendo intercorrências responsáveis por desencadear algia significativa.

As dores no puerpério imediato são inevitáveis e ocorrem tanto no parto vaginal ou cesárea. A prevalência de algia nas pacientes submetidas à cesariana foi maior quando comparada ao parto vaginal (69,89% e 27,94%, respectivamente. Dor intensa também foi mais prevalente em pacientes que tiveram parto cesáreo (p<0,001). A maior prevalência de dor em pacientes pós parto cesáreo pode ser explicada pela lesão tecidual, seja pela incisão realizada ou manipulação direta das vísceras ou, ainda, pelo uso de instrumentais cirúrgicos, representando um quadro álgico após o procedimento cirúrgico.10 Já o parto vaginal é considerado um parto ativo, com modificações na superfície pélvica e perineal que podem ocasionar lesões nos tecidos - por roturas - gerando uma experiência de dor, porém de menor intensidade.11 Um estudo realizado em duas maternidades do município de Aracaju/SE avaliou puérperas primíparas e multíparas, que realizaram parto vaginal (espontâneo ou induzido) ou cesárea não eletiva, demonstrou que 20% das pacientes que tiveram parto cesáreo e 8,4% das puérperas de parto vaginal se diziam insatisfeitas com a intensidade da dor.1

A localização das crises álgicas mais referida por todas as pacientes foi dor pélvica (57%), seguida de abdominal, lombar e nas costas. A dor lombar e nas costas foram relatadas com frequência semelhante em gestantes e puérperas. Resultado semelhante foi descrito em um estudo desenvolvido na Unidade de Alojamento Conjunto (AC) de duas maternidades do município de São Paulo (SP) envolvendo 424 puérperas, o qual demonstrou que 44% das pacientes referiram dor na região suprapúbica, 29,4% na abdominal, 23% perineal e 6,1% lombar.2

A principal forma de administração dos medicamentos às gestantes e puérperas foi SOS, em 46,22% das pacientes. Observou-se também que 94% das pacientes com dor moderada e 87,18% com dor intensa tinham alguma prescrição de terapia analgésica (p=0,001). Tal fato interfere de forma significativa no bem estar da paciente, nos cuidados com o recém-nascido, bem como na experiência da gestação, momento marcante na vida da mulher. Essas evidências nos fazem refletir sobre a insuficiência das ações no alívio da dor pós-operatória, fato que aponta a necessidade urgente de remodelagem na forma como os profissionais da equipe de saúde vêm realizando o manejo da dor no cenário hospitalar, contribuindo na escolha, manutenção ou substituição da terapêutica analgésica e implementação de cuidados com vistas à prevenção da ocorrência desse tipo de dor e, consequentemente, dos prejuízos associados ao subtratamento dessa experiência.12

Estudo realizado em Unidade de Alojamento Conjunto de duas maternidades da rede pública de saúde de São Paulo (SP), com amostra de 424 puérperas, demonstrou que a dor puerperal foi frequentemente constatada entre as puérperas (72,9%) apesar do tratamento medicamentoso oferecido, uma vez que a administração de medicamentos analgésicos e antiinflamatórios para o alívio da dor durante a hospitalização faz parte da rotina de cuidados destinados às puérperas em diversas maternidades brasileiras.2 Ainda não se sabe, claramente, o motivo pelo qual alta frequência de pacientes ainda referem dor de elevada intensidade no período pósoperatório, mas acredita-se que a causa seja multifatorial, incluindo escassez de avaliação e documentação da dor, ausência de protocolos específicos para manejo da dor pósoperatória, deficiência na gestão dos programas de educação em dor para profissionais de saúde, uso reduzido de técnicas analgésicas eficazes e baixa adesão às diretrizes disponíveis sobre manejo da dor.1

Para alívio das crises álgicas das pacientes, as classes medicamentosas utilizadas foram os analgésicos e os antiinflamatórios não esteroidais, sendo que 54,85% das pacientes fizeram uso de Dipirona e 20,39% de Escopolamina + Dipirona (Buscopan®). Um levantamento recente realizado em 32 maternidades públicas do município de São Paulo (Brasil) apontou que administração oral de analgésicos e de anti-inflamatórios não esteroidais foram as principais medidas de alívio da dor perineal, sendo que, 93,8% das pacientes faziam uso de analgésico e 71,9% o uso de antiinflamatório.14

Ao avaliar o tratamento da dor em puérperas, é muito importante considerar a passagem dos fármacos para o leite materno. A passagem do paracetamol para o leite materno é muito pequena mesmo que a mãe tome a dose máxima diária recomendada (4g), sendo que apenas 5% da dose é transmitida para o neonato durante a amamentação. A dipirona pode ser usada durante o período de lactação, sendo contraindicada apenas nas parturientes que sejam alérgicas a esse medicamento.7 O uso de Escopolamina + dipirona não foi estabelecido durante a amamentação.15

De acordo com as últimas recomendações do American College of Obstetricians and Gynecologists16, a associação com analgésicos comuns ou AINEs, por si só, se mostrou benéfica no alívio de dor pós-parto, no entanto, o aumento da dose de AINE e seu uso por tempo prolongado, além de não ter benefício analgésico, aumenta o risco de efeitos colaterais como dispepsia, úlcera, sangramento digestivo e pode estar associado à elevação da pressão arterial. Pode ser necessário associar também opioides caso o controle da dor não seja adequado no pós-operatório, sendo a primeira escolha os opioides fracos por via oral (tramadol, codeína). Opioides parenterais não necessariamente garantem uma analgesia melhor e devem ser reservados para os casos de dor persistente e em que a via oral não seja bem tolerada, pelo menor tempo possível.17 Vale ressaltar que a analgesia multimodal com combinações de fármacos que tenham mecanismos de ação distintos e efeitos aditivos ou sinérgicos parece interferir de forma adequada na complexidade da transmissão dolorosa. A associação de drogas, além de contemplar os diversos alvos inibitórios da fisiopatologia da dor, promove também reduções significativas em seus efeitos adversos pela diminuição das doses necessárias.18

No caso específico de gestantes e puérperas, técnicas não-farmacológicas para alívio da dor também devem ser consideradas, especialmente para pacientes com dor leve. Métodos não medicamentosos foram apontados como a segunda opção no alívio da dor perineal, entre os quais destacou-se a crioterapia, seguida pelo calor local. A crioterapia é um método de baixo custo, fácil uso, sem contraindicações e sem prejuízos à amamentação e que pode ser utilizado associado ou não a medicamentos. Em razão disso, esse método é utilizado por pacientes e profissionais que prestam cuidados obstétricos.14 Tanto no tratamento farmacológico como não-farmacológico, a mensuração da dor é o primeiro passo para acompanhamento adequado e tratamento efetivo para que ocorra melhora da sensação dolorosa.

Desde 2010, o número de cesarianas na rede pública e privada de saúde não cresceu no Brasil. Dos 3 milhões de partos no período de 2010 a 2016, 55,5% foram cesáreas e 44,5%, partos normais. Em 2016, a tendência de estabilização se mantém com o mesmo índice de 55,5%. Considerando apenas os procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os partos normais (59,8%) já superam as cesarianas (40,2%).19

Em 2016, o Ministério da Saúde publicou o Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para Cesariana, trazendo os parâmetros que devem ser seguidos pelos serviços de saúde. A medida visa auxiliar e orientar os profissionais da saúde a diminuir o número de cesarianas desnecessárias, uma vez que o procedimento, quando não indicado corretamente, traz riscos, como aumento da probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e risco de morte materna e infantil, além disso, as medidas também visam o respeito no acolhimento e mais informações para a mulher no processo de decisão ao qual tem o direito. Assim, o parto deixa ser tratado como um conjunto de técnicas, mas sim como um momento fundamental entre mãe e filho.20

 

CONCLUSÃO

A prevalência de dor em pacientes obstétricas hospitalizadas foi de 43,25%. Pacientes puérperas, que tiveram parto cesáreo apresentaram maior prevalência de dor e também de dor intensa em relação a pacientes que tiveram parto vaginal. O maior sítio de dor foi a região perineal, seguida de abdominal e lombar.

 

REFERÊNCIAS

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