RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 29. (Suppl.8) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20190044

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Artigo Original

Oximetria de pulso como ferramenta auxiliar no diagnóstico da doença arterial obstrutiva periférica

Pulse oximetry as an auxiliary tool in the diagnosis of peripheral arterial obstructive disease

Camilla Vidal Mendes1; Fernanda Brandão Machado2; Lucas Viana Pereira Maciel1; Paula Silva Maia1; Ronaldo Martins Ferreira3; Thais Silva Maia1; Victória Da Silva Coelho1

1. Acadêmico da Faculdade de Medicina de Barbacena, Barbacena - MG
2. Farmacêutica, doutora em ciências com ênfase em fisiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, professora das disciplinas Ciências Sociais, Saúde e Meio Ambiente, Programa Integrador da Atenção Primária e Fisiologia Humana II da Faculdade de Medicina de Barbacena, Barbacena - MG
3. Bioquímico, mestre em doenças metabólicas pela Universidade Federal de Viçosa, professor das disciplinas Bioquímica, Fisiologia Humana II e Farmacologia I da Faculdade de Medicina de Barbacena, Barbacena - MG

Endereço para correspondência

Camila Vidal Mendes
E-mail: camillavmendes@hotmail.com

Instituição: Faculdade de Medicina de Barbacena, Barbacena - MG.

Resumo

INTRODUÇÃO: a doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) ocorre devido ao estreitamento ou obstrução arterial periférica. Sua prevalência mundial varia de 3 a 12% e 80% dos pacientes apresentam-se assintomáticos. O principal método de rastreio da DAOP é o índice tornozelo-braquial (ITB). Estudos recentes mostram uma possível aplicação da oximetria de pulso como método auxiliar diagnóstico da DAOP.
OBJETIVOS: avaliar a validade da oximetria de pulso como teste de rastreamento diagnóstico da DAOP, comparando com o ITB como referência.
MÉTODOS: estudo transversal em pacientes admitidos em quatro hospitais de Barbacena - MG, entre fevereiro e agosto de 2018. A amostra consistiu em 155 pacientes (286 membros) submetidos ao exame do ITB e oximetria de pulso nos dedos indicadores e hálux, com o membro inferior em decúbito dorsal e na posição elevada a 30 cm do plano horizontal. A diferença da oximetria entre os membros foi comparada com o ITB. Valores do ITB menores que 0,90 foram considerados sugestivos de DAOP e diferença maior de 2% na oximetria foi considerada alterada.
RESULTADOS: em decúbito dorsal, houve associação entre ITB e oximetria alterados em 7 membros, apresentando sensibilidade 13,46%, especificidade 90,17%, valor preditivo positivo 23,33% e negativo 82,42% da oximetria. Na posição elevada, 10 membros apresentaram associação entre os métodos, evidenciando sensibilidade de 21,74%, especificidade de 82,13%, valor preditivo positivo de 21,28% e negativo de 82,52% da oximetria de pulso.
CONCLUSÕES: a oximetria de pulso não se relaciona com o ITB, portanto sua utilidade como ferramenta auxiliar no diagnóstico da DAOP é limitada.

Palavras-chave: Doença arterial periférica. Oximetria. Programas de rastreamento. Exames médicos.

 

INTRODUÇÃO E LITERATURA

A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) ocorre devido ao estreitamento ou obstrução dos vasos sanguíneos arteriais periféricos, sendo mais comum o acometimento dos membros inferiores em relação aos superiores.1,2 A prevalência mundial da DAOP varia entre 3 a 12%.3 No Brasil esse valor se apresenta entre 10 a 25% na população acima de 55 anos e é diretamente proporcional ao aumento da idade. Estudos evidenciam que somente 4% dos pacientes abaixo de 40 anos apresentam a doença.4 Cerca de 70 a 80% dos pacientes com DAOP são assintomáticos,1,5 no entanto, em idosos acima de 70 anos a prevalência de sintomas é de 15%.2,3 Este fato pode dificultar o diagnóstico e consequentemente o início precoce do tratamento, importante para estabelecer uma evolução positiva da doença. A DAOP é mais comum no sexo masculino6 e a aterosclerose periférica sintomática é mais comum em negros.2 Os fatores de risco mais frequentemente associados à doença são hipertensão arterial sistêmica, diabetes, dislipidemia, tabagismo, histórico de doença cardiovascular e idade. Destacam-se como principais o tabagismo e o diabetes.5

O principal sintoma da DAOP é a claudicação intermitente, que se manifesta por dor no pé e panturrilha, eventualmente na coxa e glúteo do membro acometido, e que cessa ao repouso. Pode complicar com a chamada obstrução arterial aguda, quadro de dor intensa de início súbito, associado à frialdade do membro, dificuldade de movimentação e parestesias, e que requer tratamento imediato na tentativa de evitar a amputação do membro.1 A DAOP é uma das causas mais frequentes de amputação não traumática de membros, particularmente em países ocidentais, sendo sua incidência de cinco a dez vezes maior em pacientes diabéticos.2,7

O diagnóstico da DAOP é essencialmente clínico, baseado nas queixas do paciente e sinais ao exame físico, incluindo a palpação dos pulsos periféricos e as medidas de pressão utilizando o doppler portátil.8,9 As pressões nas artérias tibial posterior e dorsal do pé são medidas com uso do esfigmomanômetro no nível da perna e ausculta do som arterial é feita com o aparelho portátil de doppler de ondas contínuas. As pressões nas artérias dos membros inferiores são comparadas com as pressões nas artérias braquiais. A maior pressão sistólica medida em uma das artérias dos membros inferiores dividida pela maior pressão medida na artéria braquial consiste no índice tornozelo-braquial (ITB)10, principal método de rastreamento diagnóstico da DAOP.11 A faixa considerada normal do ITB é de 0,90 a 1,40. Valores abaixo de 0,90 ocorrem quando há obstruções ao fluxo arterial. Valores acima de 1,40 ocorrem em situações de rigidez arterial aumentada, como em casos de insuficiência renal crônica e diabetes.1,2 Há outros métodos não-invasivos para o rastreamento da DAOP como a medida de pressão no hálux e a medida da tensão transcutânea de oxigênio12, mas que apresentam como limitações o preço e o fato de não serem portáteis. Valores do ITB abaixo de 0,90 são sugestivos para o diagnóstico de DAOP.1,11,13 Dentre os exames de imagem usados para o diagnóstico, o ecodoppler arterial é o mais difundido, por ser não invasivo e de custo relativamente baixo. Trata-se da imagem do ultrassom associada ao doppler pulsado. Por unir a imagem ultrassonográfica à do fluxo sanguíneo, é chamado de mapeamento-dúplex mais conhecido pelo termo em inglês duplex-scan.8,11,14,15 Outros exames de imagem utilizados têm como objetivo definir a anatomia da lesão para tratamento. São eles: angiotomografia, angiorressonância e arteriografia. A arteriografia é o padrão-ouro para a definição anatômica das obstruções arteriais. O alto custo e o fato de ser um exame invasivo, com utilização de radiação ionizante e com risco de complicações locais e sistêmicas, reduz seu uso a favor dos outros métodos.8,9,16

Estudos recentes mostram uma possível aplicação da oximetria de pulso como método auxiliar no diagnóstico da DAOP a partir da comparação dos seus resultados com os resultados pelo ITB.6,11,12,15 A realização da oximetria de pulso permite uma monitorização contínua e não invasiva da saturação parcial de oxigênio, que pode ser traduzida como o nível de oxigenação do sangue que é ofertado aos tecidos periféricos. A oferta de oxigênio tem relação direta com a viabilidade tissular, nesse caso, principalmente dos membros inferiores.6,11,13

 

MATERIAL OU CASUÍSTICA

Estudo transversal realizado entre fevereiro e agosto de 2018, em pacientes selecionados aleatoriamente, atendidos no ambulatório do Centro Acadêmico Multiprofissional e internados na enfermaria dos hospitais Santa Casa de Misericórdia de Barbacena, Hospital Ibiapaba CEBAMS e Hospital Regional de Barbacena, localizados na cidade de Barbacena - MG.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com o respectivo certificado de apresentação para apreciação ética (CAAE): 81621317.7.0000.5119, e por meio do número de parecer 2.471.310 (Anexo A).

Os pesquisadores foram submetidos a treinamento prévio de capacitação no uso do doppler vascular portátil para realização do exame ITB, instruído por médico angiologista de referência da cidade de Barbacena, e para padronização da abordagem, os cinco pesquisadores estiveram presentes na coleta de dados dos dez primeiros pacientes.

Foram incluídos no estudo pacientes com ITB menor ou igual a 1,40 e pacientes com idade maior ou igual a 40 anos. Excluíram-se aqueles com doença pulmonar avançada, devido a redução na saturação periférica de oxigênio, o que configuraria um viés quanto à medida da oximetria de pulso.

A amostra consistiu de 178 pacientes, totalizando 356 membros. Excluíram-se 12 pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica e 11 pacientes com idade menor que 40 anos, restando 155 pacientes e 286 membros avaliados, visto que 24 pacientes não puderam ser submetidos ao exame em ambos os membros, devido a limitações clínicas (amputações, processos inflamatórios dolorosos, feridas, flebites ou edemas extremos).

Incluiu-se 38 pacientes (52 membros) com ITB menor que 0,90 e 117 pacientes (234 membros) com ITB entre 0,90 e 1,40, homens e mulheres, que concordaram em participar da pesquisa por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Anexo B).

MÉTODOS

Inicialmente foi obtida a história clínica por meio de formulário previamente estabelecido (Apêndice A) e realizada palpação dos pulsos periféricos dos membros inferiores. Em seguida, foi aferida a pressão no membro superior direito, utilizando o esfigmomanômetro aneroide "Premium Adulto Nylon Velcro Preto" e o estetoscópio "3MTM Littmann® Classic IIITM Black Edition", e a pressão no membro inferior ipsilateral, utilizando o mesmo esfigmomanômetro aneroide e o Doppler Vascular Portátil "Ultrasonic Pocket Doppler, Model: SONOTRAX Vascular".

Prosseguiu-se com o cálculo do ITB que consiste na divisão do maior valor da pressão sistólica nas artérias tibial posterior ou dorsal do pé, pela maior pressão na artéria braquial. Aqueles que apresentaram valores de ITB abaixo de 0,90 foram considerados como possíveis portadores de DAOP, enquanto que valores entre 0,90 e 1,40 foram considerados normais. Por fim, foram realizadas as medidas da saturação periférica de oxigênio no dedo indicador e no hálux direitos, em decúbito dorsal e em posição elevada a 30 cm, utilizando o oxímetro de pulso portátil "O2HEALTH Fingertip Pulse Oximeter Model: DB11-B" e registrada a diferença entre eles, considerada alterada quando maior que 2%. Esse mesmo processo foi realizado à esquerda. Os resultados obtidos pelo ITB foram comparados com os valores obtidos pela diferença de oximetria de pulso entre os dedos indicadores e os hálux direito e esquerdo, com o objetivo de avaliar a oximetria de pulso como possível teste de rastreamento diagnóstico de DAOP.

Os pacientes rastreados com DAOP pelo exame do ITB foram orientados a procurar o serviço de angiologia para seguimento propedêutico e terapêutico. Ademais, os profissionais de saúde responsáveis pelo paciente foram informados quando a saturação periférica de oxigênio se mostrou menor que 90%.

Considerando 90% de sensibilidade para a oximetria de pulso e 20% de prevalência de DAOP no ambulatório foi possível o cálculo de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo, com intervalo de confiança de 95% e amplitude igual ou inferior a mais ou menos 6,6% quando a prevalência obtida for de 90%.

Os dados dos pacientes foram transcritos para planilha eletrônica e processados em software estatístico STATA versão 9.2. Foram calculados a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo, o valor preditivo negativo e o intervalo de confiança de 95%.

 

RESULTADOS

Dos 155 pacientes, 64 eram do sexo feminino (41,2%) e 91 masculino (58,7%). A média de idade foi de 62,05 ± 11,53, compreendendo pacientes entre 40 e 95 anos (Tabela 1).

 

 

RESULTADOS DA OXIMETRIA DE PULSO E ITB MEDIDOS EM DECÚBITO DORSAL

Do total de pacientes, 24 não foram submetidos aos exames em ambos os membros devido às limitações clínicas, como amputações e feridas nos locais de realização destes. Portanto, 286 membros foram avaliados, sendo 52 membros (18,2%) com ITB alterado (valores menores que 0,9) e 234 (81,8%) com ITB normal (valores entre 0,9 e 1,4). Quanto à oximetria de pulso, houve um total de 30 membros (10,5%) alterados (diferença entre membro superior e inferior maior que 2) e 256 membros (89,5%) normais (menor ou igual a 2) (Tabela 2). A associação entre ITB e oximetria alterados ocorreu em 7 membros (2,4%), enquanto 211 membros (73,8%) não apresentaram alteração em nenhum dos métodos.

 

 

Foram obtidos valores de sensibilidade 13,46% (IC 95%, 4,2-22,7%), especificidade 90,17% (IC 95%, 86,4-94%), valor preditivo positivo 23,33% (IC 95%, 8,2-38,5%) e negativo 82,42% (IC 95%, 77,8-87,1%) da oximetria de pulso. A partir dos valores de qui-quadrado e p (x2=0,59; P=0,43), o estudo não demonstrou relação estatisticamente significante entre ITB e oximetria de pulso.

 

RESULTADOS DA OXIMETRIA DE PULSO MEDIDA NA POSIÇÃO ELEVADA

De 286 membros, em 253 (88,5%) também foi realizada a oximetria de pulso no membro inferior elevado a 30 cm do plano horizontal. Em 33 membros (11,5%) não foi possível realizar o exame, devido a limitações clínicas. 46 membros (18,2%) apresentaram ITB alterado e 207 sem alteração (81,8%) (Tabela 3). Quanto à oximetria, 47 membros (18,6%) evidenciaram resultados alterados e 206 normais (81,4%). Em 10 membros (4%) houve associação entre os dois métodos.

 

 

Foram obtidos os valores para sensibilidade 21,74% (IC 95%, 9,8-33,7%), especificidade 82,13% (IC 95%, 76,9-87,3%), valor preditivo positivo 21,28% (IC 95%, 9,6-33%) e negativo 82,52% (IC 95%, 77,3-87,7%) da oximetria de pulso com membro inferior elevado. Os valores do qui-quadrado e de p foram x2=0,37 e p=0,542, demonstrando que a relação não é estatisticamente significante. Foram comparadas as variáveis obtidas em decúbito dorsal e em posição elevada (Tabela 4).

 

 

Aplicando o teste U de Mann-Whitney para os valores de oximetria medidos na posição elevada e em decúbito dorsal em relação ao ITB alterado e normal foram encontrados os valores de p= 0,7696 e p=0,2364, respectivamente, demonstrando não haver correlação entre os métodos.

As alterações nos exames de ITB e oximetria também foram relacionadas com cada comorbidade estudada, não sendo encontrada nenhuma associação estatisticamente significativa. No entanto, o valor de p na correlação de doenças cardiovasculares (doença arterial coronariana crônica, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca, valvopatias) com alterações na oximetria de pulso no membro elevado foi de 0,08, sugerindo uma possível relação estatística.

Nos pacientes em decúbito dorsal, 7 membros apresentaram correlação positiva entre oximetria e ITB. Já nos pacientes com o membro elevado a 30 cm, houve um total de 10 membros com ambos os testes alterados. Desses 17 membros, 4 apresentaram alteração tanto em decúbito dorsal quanto em elevação. Foi feita uma investigação para averiguar as características e comorbidades dos pacientes mais relacionadas a essas alterações (Tabela 5).

 

 

DISCUSSÃO

A DAOP, por ser uma doença assintomática, insidiosa e que pode levar o paciente à amputação de membros1,torna necessário um bom método de rastreio para instituição propedêutica e terapêutica precoces.

O método padrão-ouro para diagnóstico de DAOP é a arteriografia, um exame invasivo, de alto custo, que utiliza radiação ionizante e tem risco de complicações locais e sistêmicas, o que reduz seu uso como método Diagnóstico.1,8,9,11,14,15,16

Atualmente, o ITB é o método não invasivo padrãoouro para o rastreamento de DAOP.11 Requer conhecimento de técnicas específicas, utiliza equipamento de alto custo e manipulação complexa, e exige treinamento prévio.13 Estudos também demonstraram que o ITB apresenta uma maior sensibilidade em estenoses arteriais severas,6,16 o que também justifica a investigação de novas técnicas de rastreio não invasivas.

A oximetria de pulso detecta o fluxo pulsátil nas extremidades, refletido como valores de saturação de oxigênio pelo oxímetro. Isso permite uma monitorização contínua e não invasiva do nível de oxigenação do sangue que é ofertado aos tecidos periféricos, o que se relaciona com a viabilidade tissular.6,11,13

A fisiopatologia da DAOP se baseia num baixo fluxo sanguíneo às extremidades e baixa oxigenação sanguínea, levando a um estado isquêmico que poderia alterar a saturação de oxigênio,6,11,13 evidenciando uma possível utilização da oximetria de pulso como método de rastreio da doença. A vantagem da oximetria de pulso sobre o ITB decai no baixo custo e na simplicidade e facilidade do seu manuseio.

Alguns testes também podem ser realizados com o objetivo de comprovar ou não a diminuição do fluxo sanguíneo às extremidades e confirmar a isquemia, como a palidez à elevação.

Nessa prova, eleva-se o membro a 45º a partir da posição supina, e, caso haja o comprometimento arterial, observa-se palidez na planta do pé. Pacientes com isquemia crítica não permanecem com os pés elevados durante 2 minutos em razão da dor.8 É, portanto, um teste que aumenta a sensibilidade da oximetria.

Investigações prévias sobre o uso da oximetria para diagnosticar DAOP já produziram diversos resultados. Joyce et al demonstrou que a oximetria correlaciona-se melhor que o ITB com a monitorização transcutânea de oxigênio (r=0,68, p<0,01) e com a angiografia (r=0,75, p<0,001) nos pacientes com isquemia.12 Estudo com diabéticos tipo 2 para rastreio de macroangiopatias também demonstrou uma correlação entre ITB e oximetria de 88% (r=0,39), e afirmou que a sensibilidade para o rastreio aumenta para 86% com a associação dos dois métodos,15 contradizendo os resultados do presente estudo.

Por outro lado, Jawahar et al estudou pacientes separandoos em grupos com e sem suspeita de DAOP, definindo como doente o ITB menor que 0,9. Os resultados da oximetria foram definidos como anormais se houvesse uma diferença de mais de 2% entre a saturação do hálux e do dedo indicador ou na elevação do pé a 30 cm (ponto de corte também utilizado no presente estudo). No entanto, a oximetria não sofreu alteração proporcional ao ITB e teve uma sensibilidade de 16%.17 Alvarez et al utilizou uma metodologia similar ao presente estudo, e demonstrou uma sensibilidade de 12% da oximetria comparada ao ITB, ao estudar 110 pacientes internados,13 o que está de acordo com os resultados obtidos nesse trabalho, que encontrou uma sensibilidade de 13,46%.

Diante disso, o estudo teve como objetivo avaliar a eficácia da oximetria como um método de triagem para DAOP, comparando-a com o ITB, em pacientes internados, com ou sem comorbidades. Um método de rastreio ideal deve apresentar alta sensibilidade e valor preditivo positivo, o que não foi encontrado na oximetria. Dessa forma, conclui-se que os resultados da oximetria não se relacionam com os valores do ITB, portanto não é útil como ferramenta auxiliar no diagnóstico da DAOP.

Os métodos não evidenciariam correlação positiva e o aumento da amostra ou da prevalência da DAOP não interferiria nos resultados obtidos, apenas diminuiria o intervalo de confiança. Somado a isso, os valores de quiquadrado e p foram x2=0,59 e P=0,43, demonstrando que o resultado não foi estatisticamente significante.

Uma possível explicação para a baixa sensibilidade da oximetria é o desenvolvimento de circulação colateral, com

o intuito de manter o fluxo sanguíneo além da obstrução. Além disso, alterações nos valores da SpO2 devem ser cuidadosamente avaliadas. Vários fatores podem interferir na eficácia da leitura18 e uma possível sofisticação na tecnologia dos oxímetros de pulso poderia também refletir em uma maior confiabilidade no rastreamento da DAOP.

Ademais, foi possível concluir que, dentre todos os aspectos avaliados, o tabagismo mostrou-se como o mais prevalente,15 seguido pela dislipidemia. A associação dessas duas comorbidades pode levar a uma obstrução periférica mais significante, consequentemente maior incidência de DAOP e alterações da oximetria e ITB.

A fisiopatologia que explica essa obstrução periférica mais importante em pacientes tabagistas se baseia na alteração metabólica do óxido nítrico e da carboxihemoglobina.

O tabagismo diminui a expressão da enzima que sintetiza o óxido nítrico e sua bioatividade, uma importante molécula supressora da progressão da aterosclerose. Além disso, potencializa os fatores de risco para aterosclerose, diminuindo o colesterol HDL, diminuindo os níveis do ativador do plasminogênio tecidual e aumentando os níveis de triglicérides, LDL, fibrinogênio e o fator de von Willebrand no sangue. Assim, aumenta a coagulação sanguínea e altera o perfil lipídico, resultando em propensão trombogênica e dislipidemia.19

O monóxido de carbono, um dos resultantes da queima do tabaco, possui alta afinidade pela hemoglobina, ligando-se a ela e indisponibilizando o sítio de ligação para a molécula de oxigênio. Dessa forma há uma diminuição da concentração de oxigênio e aumento dos valores de carboxihemoglobina, que como já citado pode alterar os valores da oximetria de pulso.18,20,21

Isso sugere uma forte relação entre tabagismo, dislipidemia, DAOP, alteração de oximetria de pulso e ITB, que deve ser investigada em estudos futuros.

 

CONCLUSÕES

A partir da análise dos resultados obtidos de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo, além dos valores de p e qui-quadrado, foi possível concluir que a oximetria de pulso não se relaciona com os valores de ITB, portanto sua utilidade como ferramenta auxiliar no diagnóstico da DAOP é limitada.

 

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