RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 16. 2

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Artigos Originais

Epidemiologia das queimaduras no hospital universitário - UFJF no período entre jan/1994 e jul/2004

Epidemiology of burn injuries admitted to the UFJF university hospital from january/1994 to july/2004

Carla Monteiro Yung Conde 1; Carlyle Marques Barral 2; Cléber Maurício Gonçalves 3; Édina Márcia Zinato Respeita 4; Elaine Aline Cúgola 5; Larissa Silva Leitão Daroda 6; Lenise Boni Gonçalves 7; Marcelo Aquino Filho 6; Marcília de Cássia Dornelas 6; Marilho Tadeu Dornelas 7; Marília de Pádua Dornelas Corrêa 8; Nilza Christine Cassimiro Soares Mello 6; Romeu Ferreira Daroda 9

1. Médica do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora / Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica / Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Queimaduras / Membro da Sociedade Brasileira de Microcirurgia Reconstrutiva
2. Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora / Estagiário do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora / Membro da Sociedade Brasileira de Queimaduras
3. Presidente do Departamento de Cirurgia Plástica da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora - MG / Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica / Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Queimaduras / Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Queimaduras
4. Médica do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora / Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica / Membro da Sociedade Brasileira de Queimaduras / Membro especialista da Sociedade Brasileira de Medicina Estética / Membro da Sociedade Brasileira de Laser / Membro Titular da IACD
5. Médica do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora / Membro Associado da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica / Membro da Sociedade Brasileira de Queimaduras
6. Médica do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora / Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica / Membro Titular da Sociedade Brasileira de Queimaduras
7. Médica do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora / Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica / Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Queimaduras / Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão / Membro da Sociedade Brasileira de Microcirurgia Reconstrutiva
6. Médicos residentes do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora / Membros da Sociedade Brasileira de Queimaduras
7. Médico do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora / Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica / Membro Fundador e Secretário da Sociedade Brasileira de Queimaduras / Membro Fundador de la Federación Latinoamericana de Quemadura (Felaq) / Membro da Fundación Jaime Planas (Barcelona - Espanha) / Membro da International Society For Burn Injuries
8. Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora / Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica / Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Queimaduras / Membro Fundador de la Federación Latinoamericana de Quemadura (Felaq) / Membro da International Society For Burn Injuries
9. Médico do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora / Membro Associado da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica / Membro Titular da Sociedade Brasileira de Queimaduras / Membro Associado do Colégio Brasileiro de Cirurgiões

Endereço para correspondência

Carlyle Marques Barral
Rua Santo Antônio 979/602 Centro
CEP 36016-210 Juiz de Fora, MG
Tel: (32) 3216-2225
E-mail: cbarral@terra.com.br

Resumo

Pacientes vítimas de queimaduras necessitam de atendimento especializado, como qualquer outra vítima de trauma.
OBJETIVOS: demonstrar o atendimento ao paciente queimado no SCP-HU-UFJF, bem como fornecer dados para futuros estudos de prevenção e aprimoramento assistencial.
MÉTODOS: estudo retrospectivo de 708 admissões por queimadura no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora no período de janeiro de 1994 a julho de 2004.
RESULTADOS: constatou-se, nos últimos dois anos, aumento progressivo do número de atendimentos. Entre os pacientes, 381 eram do sexo masculino e 327 do sexo feminino, a maioria proveniente do meio urbano. As crianças são as maiores vítimas das queimaduras e, na maioria dos casos, o acidente ocorre em ambiente domiciliar. Em relação às causas de queimaduras, as escaldaduras são as mais comuns, sendo o álcool um importante agente causador, entre os líquidos inflamáveis. Os membros superiores são comumente acometidos, a maior parte das queimaduras tratadas foi de segundo grau e o principal procedimento realizado foram os desbridamentos. Uma parcela significativa das internações durou no máximo cinco dias. Deve-se atentar para o risco de infecção intercorrente durante o período de internação. A taxa de mortalidade foi de 4,40%.
CONCLUSÕES: poucas são as doenças que trazem seqüelas funcionais, estéticas e psicossociais tão importantes como a queimadura. Assim, enfatiza-se a necessidade de um Centro de Tratamento de Queimados para aprimorar o atendimento e melhorar a sobrevida do paciente queimado.

Palavras-chave: Queimaduras/epidemiologia; Queimaduras/etiologia; Brasil

 

INTRODUÇÃO

Pacientes vítimas de queimaduras necessitam de tratamento especializado, assim como qualquer outra vítima de trauma.

As crianças (idade inferior a 18 anos) são as maiores vítimas de queimaduras, segundo dados da Organização Mundial de Saúde e, na maioria dos casos, o acidente ocorre em ambiente domiciliar.

Nos últimos anos, o conhecimento médico, as técnicas cirúrgicas e abordagem multidisciplinar aumentaram significativamente a sobrevida do paciente queimado.

O estudo casuístico do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (SCP-HU-UFJF) comparados com dados de outras unidades. Este estudo tem ainda como objetivo demonstrar o atendimento ao paciente queimado no SCP-HU-UFJF, sem a disponibilidade de um Centro de Tratamento de Queimados, bem como fornecer dados para futuros estudos de prevenção e aprimoramento assistencial.

 

CASUÍSTICA E MÉTODO

Foram utilizados os prontuários de pacientes vítimas de queimaduras atendidos desde de janeiro 1994 até julho de 2004 no Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora. Efetuou-se um estudo retrospectivo através do qual foram avaliados sob ponto de vista clínico-cirúrgico 708 prontuários, tendo sido analisados dados como o ano em que o paciente foi atendido, freqüência das queimaduras por sexo, procedência urbana ou rural do paciente, faixa etária acometida, ambiente em que ocorreu o acidente, etiologia das queimaduras, bem como localização e profundidade das mesmas. Analisouse ainda a necessidade de internamento, a permanência hospitalar dos pacientes internados, os procedimentos cirúrgicos realizados, a necessidade de tratamento tardio pós-queimadura, a intercorrência de infecções, além da mortalidade.

 

RESULTADOS

Avaliaram-se 708 pacientes sob ponto de vista clínicocirúrgico distribuindo-os segundo o ano em que foram atendidos. Constatou-se, nos últimos dois anos, tendência ao aumento do número de atendimentos.

 


Gráfico 1 - 708 pacientes avaliados sob ponto de vista clínico-cirúrgico.

 

Em relação à freqüência das queimaduras por sexo, 381 pacientes (53,81%) eram do sexo masculino.

 

 

Dos 708 pacientes, 637 (89,97%) eram de procedência urbana e o restante (10,03%) de zona rural.

 

 

A idade na época do acidente variou de zero a 80 anos, sendo a faixa etária mais acometida a de zero a 10 anos, com 264 pacientes (37,29%), coincidindo com os dados da Organização Mundial de Saúde.

Em 425 pacientes (60,03%) o acidente ocorreu em ambiente domiciliar; em 80 pacientes (11,30%) no trabalho e em 203 (28,67%) em outros locais.

 


Gráfico 2 - Faixa etária acometida (%)

 

 


Gráfico 3 - Ambiente em que ocorreu o acidente (%).

 

A etiologia das queimaduras também foi analisada e os escaldamentos foram a principal causa das queimaduras, correspondendo a 406 casos (57,35%).

 


Gráfico 4 - Etiologia das queimaduras (%).

 

Há que se ressaltar a importância do álcool líquido como causa de queimaduras entre os chamados líquidos inflamáveis. Pode-se perceber importante relação entre sua participação como agente causador de queimadura e sua liberação para comercialização em mercado aberto.

Quanto à localização das queimaduras, a maior incidência foi em membros superiores, em 296 pacientes (33,00%).

 

 

 

 

 

 

Em relação à profundidade das queimaduras, as de 2º grau foram as de mais incidência, em 471 pacientes (66,53%).

 


Gráfico 5 - Localização das queimaduras.

 

Entre esses pacientes, 250 (35,31%) necessitaram de internamento.

A permanência hospitalar dos 250 pacientes variou um a 60 dias, sendo que 95 pacientes (38,00%) necessitaram de um a cinco dias de internação.

Foram realizados 285 procedimentos cirúrgicos, sendo 157 pacientes (55,09%) submetidos a desbridamento cirúrgico.

 


Gráfico 6 - Profundidade das queimaduras.

 

 


Gráfico 7 - 250 internamentos (35,31%).

 

 


Gráfico 8 - Permanência hospitalar dos pacientes.

 

Observou-se que 118 pacientes necessitaram de tratamento tardio pós-queimadura (16,67%).

Todos os pacientes receberam profilaxia para tétano, quando indicado.

Entre os 250 pacientes internados, 59 (23,60%) apresentaram infecção, sendo 17,60% (44 casos) durante a internação.

Dos 708 pacientes avaliados, 11 (1,55%) foram óbito, com taxa de mortalidade (= índice de óbitos percentual) em pacientes internados de 4,40%, inferior ao índice observado literatura mundial, que é de 9,4%.

 


Gráfico 9 - Procedimentos cirúrgicos realizados (285).

 

 

 

 


Gráfico 10 - Infecção nos pacientes internados (%).

 

 


Gráfico 11 - Óbitos entre os pacientes atendidos (%).

 

DISCUSSÃO

Os acidentes por queimaduras apresentam nos últimos anos, aumento progressivo em sua demanda por atendimento médico. A sua prevalência é maior nas faixas etárias mais baixas, tendo ocorrido principalmente em ambiente domiciliar.

Ferimentos por queimaduras são relativamente comuns e em sua maior parte evitáveis.1 Por isso, a população deve ser continuamente orientada quanto às medidas de adequadas para a sua prevenção. Em nossa comunidade, as vítimas apresentam conhecimentos mínimos sobre medidas preventivas.

A falta de esclarecimento pode ser observada até logo após ocorrida a queimadura. A maioria dos pacientes procura por atendimento especializado durante as primeiras 24 horas após o acidente. No entanto, significativa proporção de posses vai ao hospital após 72 horas do trauma.

Os líquidos quentes representam o principal agente de queimaduras, configurando as chamadas escaldaduras. Entretanto, deve-se chamar a atenção para o importante papel do álcool líquido entre os líquidos inflamáveis, constituindo-se na principal causa de queimaduras entre os adultos e na segunda entre crianças.

Os números assustam. No Brasil, cerca de 150 mil pessoas por ano são vítimas de queimaduras provocadas por acidentes com álcool líquido. A Sociedade Brasileira de Queimados (SBQ) estima que um terço desse total sejam crianças.

Na tentativa de baixar essa estatística, em fevereiro de 2002 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) editou a Resolução (RDC) 46, que proibiu a venda do álcool líquido 96º GL (Gay-Lussac) no país e determinou sua substituição pela versão em gel. Os fabricantes dispuseram de seis meses para se adaptar à resolução. Estima-se que a ação tenha causado a redução de 60% de casos nos primeiros meses de validade da medida, o que representou 60 mil adultos e 30 mil crianças a menos na lista dos queimados nos serviços de saúde. A mudança causou ainda enorme impacto no sistema de saúde brasileiro. Além de evitar o sofrimento das vítimas, a ausência de acidentes com o álcool líquido reduziu gastos no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo o Ministério da Saúde, o custo diário do tratamento de um paciente "grande queimado" é de R$ 1.200 a R$ 1.500, sem se levar em conta a reabilitação e os custos indiretos.

Em contrapartida, dias antes da validação da Resolução, em agosto de 2002, uma liminar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, permitiu à Associação Brasileira de Produtores e Envasadores de Álcool (ABRASPEA) a venda do álcool líquido a drogarias, supermercados e outros estabelecimentos comerciais, o que provocou um retrocesso, fazendo com que os acidentes voltassem a crescer. Atualmente, a RDC permite apenas a venda do álcool líquido abaixo de 46º INPM (Instituto Nacional de Pesos e Medidas), em que o potencial de combustão do álcool diminui sensivelmente. A ANVISA luta na justiça para derrubar a liminar que favorece os produtores.

Em nosso serviço, a proibição temporária da venda do álcool líquido reflete-se nitidamente na etiologia das queimaduras apresentadas. Uma vez que os fabricantes dispuseram de seis meses para se adequarem ao novo formato a ser produzido, a baixíssima participação do álcool líquido como agente causador de queimadura no período entre janeiro e julho de 2003 ratifica a eficácia de tal proibição.

As queimaduras são comumente de 2º grau e localizam-se em membros superiores. Tal fato pode ser explicado pelo senso de defesa inerente às pessoas de colocar os braços para se defender de qualquer agente agressor e, pelo uso das mãos nas atividades domésticas, laborativas e de lazer.

Quanto ao número de internamentos, os quais podem parecer elevados, se explica pelo grande parte dos pacientes serem residentes de outras cidades próximas de Juiz de Fora e/ou se encontrarem em situação carencial, impossibilitados de dar continuidade ao tratamento fora do ambiente hospitalar. Assim, a necessidade de internamento se faz por ordem social e com duração mínima de dias.

O paciente queimado pode ser considerado especial por necessitar de atendimento multidisciplinar. Para o sucesso de seu tratamento, exercem papel fundamental não só o médico, mas também o enfermeiro, o fisioterapeuta e o psicólogo.

O desbridamento cirúrgico é o procedimento mais utilizado, podendo ser realizado, quando necessário, enxertia cutânea. Escarotomia e/ou fasciotomia podem ser efetuadas em casos mais graves. No que concerne ao tratamento ambulatorial, a sulfadiazina de prata a 1% é geralmente a terapêutica tópica de escolha, podendo também o paciente permanecer em uso de malha compressiva.

As taxas de infecção e principalmente de mortalidade foram mais baixas daquelas encontradas na literatura. Tal fato se dá pela menor incidência de pacientes apresentando lesão inalatória, além da efetividade do tratamento oferecido aos grandes queimados.

 

CONCLUSÕES

Poucas são as doenças que trazem seqüelas funcionais, estéticas e psicossociais tão importantes como a queimadura. Levando-se em conta a dificuldade enfrentada em nosso serviço para tratamento de queimados, devido à ausência de um Centro de Tratamento de Queimados com equipe multidisplinar, concluí-se que a incidência de internamentos, infecções e óbitos está de acordo com a literatura mundial.

Campanhas informativas poderiam exercer papel crucial na diminuição do número de pacientes queimados, uma vez que a desinformação se mostra como a principal adversária da tentativa de se evitarem tais acidentes.

 

REFERÊNCIAS

1. Pegg SP. Burn epidemiology in the Brisbane and Queensland area. Burns. 2005; 31(Suppl): S27-31.

2. Lima Júnior EM; Serra MCVF. Tratado de Queimaduras. São Paulo: Atheneu; 2004.

3. Piccolo NS; Piccolo-Lobo MS; Piccolo-Daher MTS. Two years in burn care, an analysis of 12423 cases. Burns. 1991;17(6):490-4.

4. Song C; Chua A. Epidemiology of burn injuries in Singapore from 1997 to 2003. Burns. 2005;31(Suppl):S18-S26.

5. Tung K-Y; Chen M-L; Wang H-J; Chen G-S; Peck M; Yang J; Liu CC-H. A seven-year epidemiology study of 12,381 admitted burn patients in Taiwan - using the Internet registration system of the Childhood Burn Foundation. Burns. 2005; 31Suppl: S12-7.

6. Fiebiger B; Whitmire F; Law E; Still JM. Causes and Treatment of Burns From Grease. J Burn Care Rehabil. 2004;25:374-6.

7. Silva PN; Amarante J; Ferreira AC; Silva A; Reis J. Burn patients in Portugal: analysis of 14797 cases during 1993-1999. Burns. 2003;29:265-9.

8. Hemeda M; Maher A; Mabrouk A. Epidemiology of burns admitted to Ain Shams University Burns Unit, Cairo, Egypt. Burns. 2003;29:353-8.

9. Ansari-Lari M; Askarian M. Epidemiology of burns presenting to an emergency department in Shiraz, South Iran. Burns. 2003;29:579-81.

10. Chien W-C; Pai L; Lin C-C; Chen H-C. Epidemiology of hospitalized burns patients in Taiwan. Burns. 2003;29:582-8.

11. Henrique AM; Gonçalves AI; Matos MM; Amaral MJ. Estudo Retrospectivo da Unidade de Queimados do Hospital de Santa Maria. Acta Médica Portuguesa. 1993;6:527-9.