RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 29 e-2039 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20190056

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Artigo de Revisão

Cuidados paliativos e envelhecimento: Abordagem de serviços no sistema único de saúde (SUS)

Palliative care and aging: services approach in the unified health system (SUS)

Matheus Henrique Freitas Silva

Universidade de Itaúna, Faculdade de Medicina - Itaúna - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência

Matheus Henrique Freitas Silva
E-mail: matheushfsilva@hotmail.com

Recebido em: 03/01/2018
Aprovado em: 29/08/2019

Instituição: Universidade de Itaúna, Faculdade de Medicina - Itaúna - Minas Gerais - Brasil

Resumo

A partir de 1960, no Brasil, iniciou-se um processo de mudança em sua estrutura demográfica, devido ao aumento da expectativa de vida, queda da mortalidade e declínio da fecundidade. Com isso, a população, paulatinamente, envelhece mais, aumentando a prevalência de doenças crônicas. Decorrente a este fato, a questão dos Cuidados Paliativos ganha importância e representa uma modalidade da saúde que visa o bem-estar do paciente e de seus familiares no decurso da doença. Desse modo, o objetivo do presente estudo foi conhecer e avaliar o papel dos cuidados paliativos, bem como os serviços públicos disponibilizados em relação a essa modalidade da saúde. Para tanto, realizou-se revisão sistemática no que concerne aos cuidados paliativos e seus serviços públicos no Brasil, com utilização das plataformas de dados, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Google acadêmico e Lilacs e de documentos oficiais nacionais e internacionais. Os resultados demonstraram que o Brasil está incipiente em relação aos Cuidados Paliativos, quando comparado a países europeus como o Reino Unido, e necessita de regulamentações e portarias para o desenvolvimento da referida área. Considerando-se a morte como um evento natural, faz-se necessária a implantação de uma modalidade de cuidado que promova um processo de fim de vida adequado, evitando-se a antecipação ou a postergação desse evento.

Palavras-chave: Envelhecimento; Cuidados Paliativos; Serviços de saúde.

 

INTRODUÇÃO

O envelhecimento é hoje uma realidade na maioria das sociedades desenvolvidas e em desenvolvimento, que o tornou temática relevante do ponto de vista científico e de políticas públicas. Isso promoveu mobilização de pesquisadores e promotores de políticas sociais, na discussão do desafio acerca da longevidade humana nas sociedades atuais 1.

Nesta linha, o envelhecimento é definido pela Organização Pan-Americana de Saúde e referendado pelo Ministério da Saúde como "um processo sequencial, individual, acumulativo, irreversível, universal, não patológico, de deterioração de um organismo maduro, próprio a todos os membros de uma espécie de maneira que o tempo torne capaz de fazer frente ao estresse do meio-ambiente e, portanto aumente sua possibilidade de morte" 1.

O impacto provocado pelo aumento da população mundial tem trazido importantes questões ao setor saúde, especialmente com relação à crescente população de idosos, fato, este, também observado em nosso meio, onde se verifica um envelhecimento populacional, com um aumento proporcional de idosos. Concomitantemente, verifica-se uma maior prevalência das doenças crônicas não-transmissíveis, sendo especialmente essa população de idosos suscetível à ocorrência de várias morbidades associadas, como, por exemplo, câncer, diabetes e doenças cardiovasculares, muitas delas em estágio muito avançado de evolução.

Demência é um importante problema de saúde da população idosa, que possui uma prevalência que quase dobra a cada 5 anos a partir dos 60 anos, sendo de 1,6% na faixa etária dos 65 aos 69 anos e 38,9% nos idosos com idade igual ou maior a 85 anos. 2 Herrera et al (2002) encontrou prevalência de 7,1% de demência na população idosa residente em domicílio, com predomínio em mulheres e em indivíduos de menor escolaridade. 3 O parkinsonismo é uma das síndromes neurológicas crônicas mais prevalentes em idosos e ocupa o segundo tipo de distúrbio motor mais frequente, após o tremor essencial. Em seu estudo, Barbosa et al (2006) encontraram uma prevalência de 7,2% para todos os tipos de parkinsonismo e 3,3% para doença de Parkinson no município de Bambuí, Minas Gerais. 4 Barbosa et al apontam ainda que 72% dos casos não haviam recebido o diagnóstico, fato que posterga de forma impactante o início dos Cuidados Paliativos, somado à dificuldade de acesso dado às características locorregionais.

Este binômio, representado pelo aumento proporcional de idosos e uma maior prevalência de doenças crônicas nãotransmissíveis, considerado em um contexto de alta tecnologia disponível no mercado, por um lado, e de escassez dos recursos efetivamente aplicáveis para a organização dos serviços de saúde necessários para atender as demandas deste crescente contingente populacional, por outro, configura um desafio tanto às políticas de saúde, como à bioética em saúde pública.

Entretanto, deve-se registrar que, a despeito desse cenário desafiador, algumas iniciativas governamentais recentes trazem um alento para a possibilidade de se construir uma rede de cuidados no fim da vida, visto que estes são considerados, cada vez mais, como um campo requerido por autênticas necessidades de saúde. Um indício desta sensibilidade emergente no campo dos cuidados no fim da vida é a implementação dos Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), que preveem a organização de equipes de cuidados paliativos, inclusive com suporte domiciliar; e a instituição do Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos do Sistema Único de Saúde (SUS) 5.

Em particular, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa Saúde da Família (PSF) preveem visitas de uma equipe de profissionais de saúde ao domicílio. Os agentes comunitários, pelo estreito conhecimento que têm de suas comunidades, constituirse- iam em importante elo entre estes pacientes e os demais membros da equipe da atenção básica, na medida em que detectariam a existência destes pacientes, identificando suas necessidades e as de seus familiares 5.

Por volta do século XX mudanças significativas ocorreram na área médica. O advento tecnológico fez com que os cuidados aos pacientes em fase terminal, ora feitos no âmbito familiar, passaram a prestados em hospitais.

Foi o trabalho de Cicely Saunders (enfermeira, médica e idealizadora do conceito moderno de hospice), inicialmente desenvolvido no St. Joseph´s Hospice, em Hackney, Londres, que introduziu uma nova filosofia de cuidados diante da terminalidade da vida. Baseada nas narrativas sobre a dor e o sofrimento dos pacientes, Cicely desenvolveu o conceito de "dor total". Esse conceito engloba tanto o sofrimento físico como o sofrimento espiritual. Em 1967, quando ela fundou o St. Christopher´s Hospice, em Londres, ele imediatamente se tornou uma fonte de inspiração para outras iniciativas dessa natureza; e, ao combinar três princípios-chave (cuidados clínicos de qualidade, educação e pesquisa), tornou-se uma instituição de referência mundial em termos de cuidado, pesquisa sobre dor e educação para profissionais da saúde de todo o mundo 6.

 

METODOLOGIA

Este estudo é de natureza descritiva e utilizou como metodologia a revisão sistemática da literatura de estudos publicados sobre Cuidados Paliativos. Para tal, analisouse artigos das plataformas de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Google acadêmico e Lilacs, bem como documentos oficiais de órgãos nacionais e internacionais. Não houve restrição ao período de publicação dos documentos selecionados. As palavras-chave utilizadas foram: "envelhecimento", "cuidados paliativos" (seu correspondente na língua inglesa, "palliative care") e "serviços SUS, cuidados paliativos". A seleção e a escolha dos documentos ocorreram a partir dos resumos dos artigos. Isso culminou na leitura e análise do material, sendo excluídos trabalhos com objetivos destoantes aos do presente trabalho.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

ENVELHECIMENTO

No Brasil, o envelhecimento populacional tem ocorrido de forma rápida e acentuada 7. Segundo projeções, a população idosa brasileira chegará ao ano 2020 com mais de 26,3 milhões, representando quase 12,9% da população total 8. Desse modo, assuntos que tangem à maior longevidade humana bem como às doenças crônicas que poderão surgir no decurso de vida, são de extrema importância aos profissionais de saúde.

A relação do indivíduo frente à morte é complexa, sendo que os profissionais da saúde devem possuir reflexão sobre tal assunto, uma vez que constitui assunto delicado e de importância ímpar. Devido a isso, termos acerca da terminalidade da vida humana são discutidos, tais como eutanásia, distanásia e ortotanásia.

Mesmo com as melhorias no diagnóstico, no tratamento e no prognóstico de uma doença, o assunto "morte" se mantém no imaginário do idoso e de quem o assiste. Uma das maiores preocupações dos profissionais de saúde envolvidos com o tratamento de idosos é como a morte está sendo vivenciada por seus pacientes e familiares. Grande parte dessas mortes ocorre dentro de hospitais e, em particular, nas unidades de terapia intensiva (UTI's). Esse é um dos motivos pelo qual a relação dos cuidados paliativos e as UTI's devem ser compreendidas à luz da transição das mudanças no padrão das doenças e na longevidade da população 9,10.

CUIDADOS PALIATIVOS

A Organização Mundial de Saúde definiu em 1990 e revisou em 2002 o conceito de cuidados paliativos: são cuidados ativos e totais do paciente cuja doença não responde mais ao tratamento curativo 11. Trata-se de uma abordagem de cuidado diferenciada que visa melhorar a qualidade de vida do paciente e seus familiares, por meio da adequada avaliação e tratamento para alívio da dor e sintomas, além de proporcionar suporte psicossocial e espiritual 12.

A filosofia dos cuidados paliativos 11,13: a) afirma a morte como um processo normal do viver; b) não apressa nem adia a morte; c) procura aliviar a dor e outros sintomas angustiantes; d) integra os aspectos psicológicos, sociais e espirituais no cuidado do paciente; e) disponibiliza uma rede de apoio para auxiliar o paciente a viver tão ativamente quanto possível até sua morte; f) oferece um sistema de apoio para a família do paciente na vivência do processo de luto.

Os cuidados paliativos possuem a filosofia do cuidar e complementam os tratamentos curativos da Medicina Moderna; principalmente para os profissionais intensivistas, os cuidados paliativos proporcionam a oportunidade de agir com dignidade e significado 14.

Segundo Cicely Saunders, pioneira da concepção do moderno hospice, os "cuidados paliativos se iniciam a partir do entendimento de que cada paciente tem sua própria história, relacionamentos, cultura e que merece respeito como um ser único e original. Esse respeito inclui proporcionar o melhor cuidado médico disponível e disponibilizar a ele as conquistas das últimas décadas, de forma que todos tenham a melhor chance de viver bem o seu tempo" 6.

Antigamente, os cuidados paliativos eram vistos como sendo aplicáveis somente ao nível de doença em fase terminal. Hoje em dia o conceito é mais amplo. Podem-se aplicar os cuidados paliativos num estágio inicial de doença grave ou incurável, o que melhora significativamente a vida do paciente.

A medicina paliativa foi reconhecida como uma especialidade médica em 1987. No entanto, o termo mais usado é o de "cuidados paliativos", pois as práticas abrangem uma equipe multidisciplinar como enfermeiras, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos ou capelães, dentre outros profissionais. O Manual de medicina paliativa de Oxford (2005), em sua terceira edição, embora faça essa distinção conceitual, utiliza os dois conceitos como sinônimos.

LEGISLAÇÃO

No contexto ético, social e jurídico atual está consolidada a noção de que a pessoa tem o direito de decidir sobre o que implique em sua vida, desde que as escolhas não afetem diretamente a vida de outros e suas liberdades. Essa noção da centralidade do indivíduo e da autonomia funda a lógica de regulação pelo direito (individual, de cidadania ou direito humano), o que acarreta o reconhecimento, pelas leis, de espaços de autonomia e autodeterminação dos sujeitos como aspecto central de sua dignidade e dos direitos à vida e à liberdade 15. Há relativo consenso na discussão jurídica atual de que a liberdade (autonomia) do indivíduo sobre a própria vida deve ser limitada/ substituída pela noção de proteção e garantia à dignidade da pessoa humana, considerada como o valor jurídico que deve fundar e dar sentido ao conteúdo de qualquer limitação à liberdade humana 16.

De acordo com o Código de Ética Médica, o médico deve aceitar as escolhas de seus pacientes (Princípio XXI), evitar procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários (Princípio XXV) e não abandonar o paciente por este ser portador de moléstia crônica, devendo continuar a assisti-lo, a fim de garantir assistência adequada, voltada para cuidados paliativos exclusivos. (Capítulo V - Art 36).17

A Resolução do CFM nº 1.805/2006 dispõe que: na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal 18. A regulamentação do exercício profissional dos médicos busca encaminhar a solução do conflito com a aplicação das seguintes normas deontológicas da prática médica: dever de não utilizar meios que abreviem o processo do morrer, ainda que seja a pedido do enfermo ou de seu responsável versus dever de utilizar todos os meios disponíveis em favor da pessoa assistida.

Na construção de nexos entre direito, medicina e valores morais, apresentam-se dificuldades práticas e teóricas. A análise dos discursos dos atores sociais envolvidos no processo evidencia uma atribuição diferencial de sentidos e valores para as categorias apontadas, além da produção de sentimentos a elas associados. O debate em torno da demarcação de tais limites e da atribuição de significados conduz a indagações e aponta paradoxos 19.

SERVIÇOS DE SAÚDE

Nos últimos 10 anos os Cuidados Paliativos têm se disseminado fortemente em todo o mundo, e no nosso país não tem sido diferente. O contraste que observamos, no entanto, diz respeito justamente aos modelos de assistência empregados nos diversos países para atender à necessidade dos cuidados em fim de vida. Na Europa, a referência aos hospices como locais de cuidado intensivo na terminalidade (entendendo intensivo como presença intensa junto ao paciente visando execução de reavaliações e ajustes constantes de medidas para alívio de sofrimento, e não emprego de maquinário com tecnologia avançada) evidencia o quão diferente a organização dos serviços pode ser.

Desde o cuidado de nível 1, executado por equipes de saúde da família para necessidades mais básicas, até o de nível 3, com equipes capacitadas para resolução de problemas complexos, os cenários de atuação são diversificados 20. Desse modo, os serviços prestados podem ser realizados em hospitais ou nos domicílios, cada um possuindo vantagens e desvantagens em relação ao outro. Ademais, há critérios para a escolha do local adequado para o paciente, que envolve a família do doente, bem como uma equipe multiprofissional.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir do fim da década de 1960, inicia-se no Brasil um processo de modificação da estrutura demográfica, em que houve declínio da taxa de fecundidade, aumento da expectativa de vida e queda de mortalidade. Como consequência ocorre um estreitamento continuado da base da pirâmide e, consequentemente, envelhecimento da população 21, como é evidenciado na figura 1. Observa-se, claramente, nas pirâmides da figura 1, a convivência de gerações nascidas antes e depois do rápido declínio da fecundidade, separadas em torno da idade de 10 anos, em 1970; de 20 anos, em 1991; 30 anos, em 2000.

 


Figura 1. Distribuição populacional por sexo e idade no Brasil em 1980, 1991 e 2000 (Adaptado: IBGE, 2012).

 

Com o aumento da expectativa de vida, acentua-se o risco de doenças crônicas, devido ao aumento de fatores de riscos para o desenvolvimento de tais enfermidades22. Desse modo, os cuidados paliativos aumentam a sua importância, uma vez que muitos pacientes sofrem sobremaneira, sendo mantidos por métodos artificiais. Tal fato provoca o sofrimento não somente do paciente, mas também dos familiares que acompanham tal momento.

Nesse sentido, a The Economist, em 2010, publicou um documento com um título bastante contundente: "The quality of death: Ranking end-of-life care across the world" 23. Tal documento discute a morte, tabu em algumas culturas, bem como os aspectos que a cercam. Desse modo, a morte que é vista em nossa sociedade como um evento antinatural, reflete-se sobre os aspectos médicos em relação à terminalidade da vida humana, em que a Medicina, muitas vezes, provoca uma manutenção exacerbada do processo de morte, a distanásia.

Nesse documento muitos aspectos são pontuados e discutidos, dentre eles destaca-se a utilização de fármacos como a principal questão prática e a redução de gastos públicos na saúde pela implantação dos cuidados paliativos. Nele, o "Índice de Qualidade da Morte" foi realizado com a avaliação de quarenta países, no que concerne aos serviços de cuidados no fim-da-vida. Essa avaliação quatro aspectos foram analisados: ambiente na atenção básica no fim-da-vida; disponibilidade de cuidados no fim-da-vida; custos dos cuidados no fim-da-vida; e qualidade dos cuidados no fim-da-vida.

Nesse índice, o Brasil ocupou a 37ª posição na classificação geral, demonstrando o quão nosso país está incipiente e despreparado no que tange aos serviços dos cuidados paliativos (Figura 2). Ressalta-se em alguns aspectos o Brasil ocupou posições melhores (como a 35ª posição em ambiente na atenção básica no fim-da-vida), enquanto que em outros o país ocupou posições ainda piores (como a 38ª em custos dos cuidados no fim-da-vida e a 39ª posição na qualidade dos cuidados no fim-da-vida). Entretanto, o Brasil situa-se numa posição inadequada e necessita de avaliar as condutas em uso, a fim de proporcionar ao paciente um fim-de-vida digno ("no tempo certo, no local certo").

 


Figura 2. Classificação dos cuidados de fim-de-vida nos países analisados (ADAPTADO: The Economist, 2010)

 

No Brasil, iniciativas isoladas e discussões a respeito dos Cuidados Paliativos são encontradas desde os anos 70. Contudo, foi nos anos 90 que começaram a aparecer os primeiros serviços organizados, ainda de forma experimental. A maioria dos grupos iniciou seus trabalhos no ano 2000, com acentuado progresso nos últimos anos 24.

Com a fundação da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), em 2005, os Cuidados Paliativos no Brasil deram um salto institucional. Com a ANCP, avançou a regularização do profissional paliativista brasileiro, em que foram estabelecidos critérios de qualidade para os serviços de Cuidados Paliativos e definições precisas, bem como incitar discussão com o Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Médica Brasileira (AMB).

Os médicos que ingressarem em programas de residências de clínica médica, cancerologia, geriatria e gerontologia, medicina de família e comunidade, pediatria e anestesiologia, podem receber treinamento adicional especifico na área de medicina paliativa. Segundo resolução 1973/2011 do Conselho Federal de Medicina (CFM), os médicos interessados devem cursar mais um ano para receber o título de paliativista que será oferecido pela Associação Médica Brasileira (AMB). 25

A lei nº 52/2012 consagra o direito e regula o acesso dos cidadãos aos cuidados paliativos, definindo a responsabilidade do Estado em matéria de cuidados paliativos e criando a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP), a funcionar sob tutela do Ministério da Saúde. 26

No Brasil não existem parâmetros oficiais para o cálculo das necessidades de Cuidados Paliativos. Segundo a OMS, a necessidade de Cuidados Paliativos pode ser baseada no perfil de mortalidade de uma população. Considera-se que, entre as mortes ocorridas por causa natural, 50% a 80% são passíveis de necessidades de Cuidados Paliativos, considerando-se todos os diagnósticos. No caso do câncer e do HIV/SIDA, a porcentagem de pessoas com necessidade de Cuidados Paliativos por ano é de 80%, acrescidos de seus cuidadores 27.

A Associação Europeia de Cuidados Paliativos (EAPC), por meio de documento elaborado para a União Europeia, classifica como ideal a proporção de leitos hoje existente no Reino Unido, onde existe cerca de 50 leitos de Cuidados Paliativos para cada um milhão de habitantes 28.

Nas diretrizes elaboradas pela Câmara Técnica de Cuidados Paliativos do Ministério da Saúde, ficam estabelecidos quatro níveis de atenção em Cuidados Paliativos, com base em documento elaborado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) 29:

• ação paliativa - cuidado dispensado em nível comunitário por equipe vinculada ao Programa de Saúde da Família (PSF), treinada para tal finalidade;

• Cuidado Paliativos de grau I - cuidado dispensado por equipe especializada em Cuidados Paliativos em nível hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, porém sem leito próprio. Exemplo de equipe consultora em Cuidados Paliativos;

• Cuidado Paliativo de grau II - cuidado dispensado por equipe especializada em Cuidados Paliativos em nível hospitalar, ambulatorial ou domiciliar que atua com leitos próprios de internação. Equivalem tanto às enfermarias em hospitais gerais quanto as unidades hospitalares independentes;

• Cuidado Paliativo de grau III - mesma característica do cuidado de grau II acrescida de capacidade para a formação de profissionais em Cuidados Paliativos.

Ressalta-se ainda que as ações em Cuidados Paliativos devem acompanhar o processo de doença (Figura 3) e não surgir apenas em casos de fim-de-vida, em que a terminalidade é mais provável. Conforme a figura abaixo 30 as ações paliativas devem acompanhar o progresso da doença do paciente e ainda postergá-lo, uma vez que a família constitui parte importante dos Cuidados Paliativos.

 


Figura 3. Implementação dos cuidados paliativos no decurso da enfermidade.

 

CONCLUSÃO

Os Cuidados Paliativos constituem uma importante modalidade de assistência no decurso da doença e possui relação direta com a terminalidade da vida humana. Sua importância vem aumentando progressivamente com o aumento da expectativa de vida e, por conseguinte, aumento da prevalência de doenças crônicas. A morte deve ser tratada como parte do processo natural da vida, embora a sociedade ocidental trate-a como um evento antinatural e tenta postergá-la ao máximo. Os serviços dos Cuidados Paliativos, no Brasil, são bastante incipientes e necessitam de regulamentações e portarias. Tal fato é comprovado pela posição ocupada pelo Brasil no ranking feito pela The Economist: 37ª, que demonstra o quão está atrasado. É necessário, em tempo hábil e num pequeno intervalo temporal, que os Cuidados Paliativos sejam empregados no Brasil, a fim de proporcionar um fim de vida adequado aos pacientes, proporcionando bem-estar aos mesmos e aos seus familiares.

 

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