RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 16. 2

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Artigos Originais

O uso de plantas medicinais como tratamento alternativo no bairro Jardim das Colinas, Itajubá, MG, Brasil

The use of medicinal plants as alternative treatment in the Jardim das Colinas district, Itajubá, MG, Brazil

Nilo César do Vale Baracho1; Leandro Urquiza Marques Alves da Silva2; Lidinei José Alves2; Lucas Tarcísio Pinto Braga2; Márcio Felipe Salomon Carneiro2; Matheus Teodoro Grilo Siqueira2

1. Professor Adjunto de Farmacologia e Bioquímica e Laboratório Clínico da FMIt
2. Acadêmico do 4º ano de Medicina da FMIt. Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIt)

Endereço para correspondência

Márcio Felipe Salomon Carneiro
Rua Léo de Oliveira, nº 43 Varginha
Itajubá/MG 37.500-000
e-mail: aponeurose@pop.com.br

Resumo

INTRODUÇÃO: várias plantas da flora brasileira e internacional têm sido utilizadas, durante décadas, pela população em geral, com o propósito de se obterem efeitos benéficos à saúde.
OBJETIVOS: verificar o uso, a freqüência e a forma de utilização de plantas medicinais, além de identificar a causa do uso pela população do bairro Jardim das Colinas. Material e Métodos: foi aplicada entrevista estruturada a 46 famílias do bairro Jardim das Colinas, Itajubá-MG, escolhidas aleatoriamente por sorteio, num conjunto aproximado de 800 famílias.
RESULTADOS: das famílias entrevistadas, 43 (93,47%) confirmaram o uso de plantas medicinais, sendo que 62,79% fazem uso freqüente nas formas de: chá (95,34%), uso tópico (27,90%) e outros tipos de infusão ou métodos diferentes de uso e preparo (76,74%). Verificou-se que 39,55% das famílias fazem uso devido ao melhor resultado em relação aos fármacos convencionais, 37,20% devido ao alto preço destes e 23,25% por outros motivos.
CONCLUSÕES: os dados obtidos indicam que o uso de plantas medicinais no bairro Jardim das Colinas é prática adotada por grande parte dessa população.

Palavras-chave: Plantas Medicinais; Fitoterapia; Administração Tópica; Bebidas; Brasil.

 

INTRODUÇÃO

Recorrer às virtudes curativas de alguns vegetais é uma das primeiras manifestações do homem, marcando um antigo desejo de compreender e utilizar a natureza como recurso terapêutico, nas doenças que afligem o corpo e a alma. Se voltasse ao passado, perceber-se-ia que a prática de utilização das plantas como meio de cura das doenças não mudou, mas, por falta de informações, algumas pessoas não sabem, nos dias de hoje, usar essas plantas para o seu consumo, desconhecendo os seus benefícios e toxicidade. A utilização dessas plantas é feita principalmente pelas faixas mais carentes da sociedade principalmente devido ao seu baixo custo.1

Várias plantas originárias da flora brasileira e internacional vêm sendo utilizadas através dos tempos com o objetivo de aliviar sintomas e/ou curar doenças como hipertensão arterial, diabetes mellitus, inflamações, infecções, entre outras doenças. Embora a atividade farmacológica de algumas plantas já tenha sido comprovada, inclusive com muitos princípios ativos isolados e identificados quimicamente, a maioria dessas plantas nunca teve essa hipótese avaliada por critérios e metodologia científica.2,3,4,5 Por outro lado, inúmeras plantas têm seu uso consagrado junto à população em geral como plantas medicinais para o tratamento das mais diversas moléstias.6,7,8,9

Popularmente, esses supostos princípios ativos são extraídos das folhas, dos frutos, das sementes, das raízes das plantas, utilizando a água ou solução hidroalcoólica como solventes.10

As plantas medicinais têm solucionado grande parte dos problemas de saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS) enfatiza que até 80% da população de países em desenvolvimento confiam na Medicina Complementar ou Alternativa (MAC) para seu cuidado médico primário, devido à tradição cultural ou falta de alternativas. Em países industrializados, muitas pessoas procuram vários tipos de remédios naturais na suposição de que meios naturais são seguros.11

Desta forma, o presente trabalho teve como objetivos verificar o uso, a freqüência e a forma de utilização de plantas medicinais como tratamento alternativo no bairro Jardim das Colinas, bem como identificar a causa de seu uso.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O campo de trabalho desta pesquisa foi o bairro Jardim das Colinas, localizado na periferia do município de Itajubá, estado de Minas Gerais, Brasil.

A população do bairro é composta de cerca de 800 famílias. Desse conjunto, 46 famílias foram escolhidas aleatoriamente por sorteio das casas (se a família da casa sorteada não quisesse participar da pesquisa, seria escolhida a que se encontrasse anterior ou posterior a ela, e assim sucessivamente), onde foi feita a entrevista estruturada. Esse número foi obtido levando-se em consideração o dimensionamento anormal que envolve uma população muito grande (infinita), margem de erro absoluta de 2%, 95% para nível de significância e taxa de incidência em torno de 50%. Neste caso, a determinação do tamanho mínimo da amostra necessária para a estimativa de uma proporção empregando intervalo de confiança com determinado grau de confiança (GC) e para margem de erro absoluta resulta:

n = Z2GC.p.q;e2, onde: "p" é a estimativa preliminar da verdadeira proporção e "q = 1 - p".12

Deve-se salientar que a pesquisa só teve início após a aprovação do seu projeto de pesquisa pelo CEP (Comitê de Ética em Pesquisa), devidamente registrado no Conselho Nacional de Saúde.

Os resultados encontrados foram analisados, quantificados, especificados e apresentados em tabelas e gráficos, utilizando-se estatística descritiva.

A pesquisa tem a característica de ser etnográfica, a qual é a discussão de um significado cultural de determinado grupo; observação sistemática das situações reais de campo, onde os fenômenos têm mais probabilidade de ocorrer naturalmente e a partir dos quais podem ser construídos conhecimentos. Esse tipo de pesquisa tem a função de inserir as questões educacionais num contexto cultural mais amplo para a compreensão do fenômeno em sua totalidade.

A busca de dados foi feita a partir de entrevista, por ser a técnica de interrogação que apresenta mais flexibilidade, elaborada especificamente para obtenção das informações necessárias ao cumprimento dos objetivos. A entrevista do tipo estruturada foi escolhida pelo fato de seu desenvolvimento ocorrer a partir da relação fixa de perguntas na qual o entrevistador guia-se por algum tipo de roteiro, que pode ser memorizado ou registrado em folhas próprias.

A entrevista estruturada foi feita em termos leigos, para que houvesse melhor entendimento por parte do sujeito pesquisado e, no momento da entrevista, ela estava anexada ao termo de consentimento livre esclarecido, o qual especifica a pessoa entrevistada.

 

RESULTADOS

Das 46 famílias entrevistadas, 43 (93,47%) afirmavam fazer uso de plantas medicinais (Graf. 1), entre as quais se especificaram as 13 plantas mais utilizadas (Graf. 2), sendo o restante delas usado por poucas ou apenas uma família. Das famílias que usavam plantas medicinais, 62,79% o faziam freqüentemente (quando presente algum sintoma da enfermidade) e 37,21% esporadicamente (Gráf. 3).

 


Gráfico 1 - Porcentagem do número de famílias que utilizam plantas medicinais

 

 


Gráfico 2 - Porcentagem da incidência das plantas medicinais mais utilizadas.

 

 


Gráfico 3 - Porcentagem da freqüência de utilização das plantas medicinais.

 

As formas de uso encontradas foram: chá (95,34%), uso tópico (27,90%) e outros tipos de infusão ou métodos diferentes de uso e preparo (76,74%) - (Graf. 4).

 


Gráfico 4 - Porcentagem das maneiras de uso das plantas medicinais.

 

O horário de uso foi inespecífico (67,44%), 30,24% usavam à noite e 2,32% de manhã, não se constatando uso no horário vespertino (Graf. 5). Um percentual de 86,03% das famílias afirmau prosseguir com o tratamento até a remissão dos sintomas e 13,97% por tempo indeterminado (Graf. 6).

 


Gráfico 5 - Porcentagem do horário (período do dia) de uso das plantas medicinais.

 

 


Gráfico 6 - Porcentagem da duração do tratamento.

 

Sobre o uso das plantas medicinais, as famílias confirmaram a prevalência de resultados ótimo (67,45%) e bom (32,55%), sendo que nenhuma delas disse ter alcançado resultado ruim (Graf. 7).

 


Gráfico 7 - Porcentagem do nível de satisfação das famílias, quanto ao uso de plantas medicinais.

 

Quando o uso de plantas medicinais não produz o efeito esperado (hipótese) pelas famílias pesquisadas, 88,38% delas alegaram procurar serviço médico, 9,30% continuaram com os sintomas sem procurar qualquer forma de auxílio e 2,32% se automedicaram com fármacos convencionais (Graf. 8). As causas do uso de plantas medicinais foram as seguintes: remédio caro (37,20%), melhor resultado (39,55%) e outros motivos (23,25%) - (Graf. 9), entre os quais se destacaram indicação familiar, praticidade, confiança no remédio utilizado e difícil acesso ao médico e à farmácia.

 


Gráfico 8 - Porcentagem do número de famílias que utilizavam de outros meios quando o resultado do uso de plantas medicinais não produziu o efeito esperado (hipótese).

 

 


Gráfico 9 - Porcentagem das causas que levaram ao uso de plantas medicinais.

 

DISCUSSÃO

Como previsto, a maioria (93,47%) da população do bairro Jardim das Colinas fazia uso de plantas medicinais como tratamento alternativo contra diversas doenças. Isso ficou exposto por diversas causas, também esperadas, relacionadas ao nível socioeconômico do bairro e à sua localização dentro do município de Itajubá, o que dificultar o acesso à assistência médica e farmacêutica.

O uso freqüente (62,79%) de plantas medicinais pela população do bairro associa-se com prova a alta taxa de satisfação nos resultados encontrados. Porém, o que às vezes deixa de trazer o êxito esperado no tratamento por meio de ervas é que o paciente, quando já se sente melhor, abandona o tratamento antes de alcançar a cura total (86,03%). Por isso, o segredo da cura residiu no uso perseverante e prolongado das plantas medicinais.10

Não podê ser descartado que os resultados relatados como ótimos, além de virem dos reais princípios ativos contidos nos medicamentos fitoterápicos e convencionais, puderam ser também resultados do efeito placebo que há em muitos dos tratamentos, alternativos ou não, em que o fato de se acreditar e confiar na cura já foi o bastante para consegui-la.13

Por isso, é necessário reafirmar que o retorno ao natural é, hoje, uma garantia de busca racional de melhores condições de saúde com base no que a natureza oferece.14 Não é segredo nem novidade que a natureza guarda em si muito mais do que sonha nossa vã e cara filosofia medicinal.14

 

CONCLUSÃO

A partir dos resultados obtidos, pode-se concluir que o uso de plantas medicinais como tratamento alternativo no bairro Jardim das Colinas é constitui prática muito difundida e aplicada pela maior parte das famílias. Verificou-se, também, que o uso foi necessário pela população do bairro, tanto pela sua condição socioeconômica, quanto pela dificuldade no acesso a serviços médicos e/ou farmacêuticos.

Futuramente, pretende-se implementar e intervir no emprego dessas plantas através de novos estudos envolvendo ensaios duplo-cegos como instrumento de investigação da sua possível eficácia.

 

REFERÊNCIAS

1. Picchioni SA, Silva EB, Neto MHP, Carneiro SMB. Fitoterapia: uma visão holística [Citado em 2003 Junho 07]. Disponível em: http://www.geocites.com/plantas_medicinais/historic.htm.

2. Srividya N, Periwal S. Diuretic, hypotensive and hypoglicaemic effect of Phyllanthus amarus. Indian J Exp Biol 1995 Nov.;33(11):861-4.

3. Vered Y, Grosskopf I, Palevitch D, Harsata M, Charach G, Weintraub M.s, Graff E. The influence of Vicia faba (broad bean) seedlings on urinary sodium excretion. Planta Med 1997 June;63(3):.237-40.

4. Xu R, Zhao W, Xu J, Shao B, Qin G. Studies on bioactive saponins from Chinese medicinal plants. Adv Exp Med Biol 1996;404: 371-82.

5. Melis MS. Chronic administration of aqueous extract of Stevia rebaudiana in rats: renal Effects. J Ethnopharmacol 1995 July;47(3):129-34.

6. Andersen A, Andersen H. Plants from Reunion Island with alleged antihypertensive and Diuretic effects- an experimental and ethnobotanical evaluation. J Ethnopharmacol 1997 Nov.;58(3):189-206.

7. Azevedo AP, Carvalho RA, Fraga MCCA, Afiatpour P. Estudo dos efeitosfarmacológicos do extrato de sementes de Citrullus vulgaris sobre a função renal. In: XIV Simpósio de Plantas Medicinais do Brasil. F-100:107, Set. 1996, Abstract.

8. Corrêa MP. Dicionário de plantas úteis do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Desenvolvimento Florestal; 1984.

9. Lemus I, Garcia R, Erazo S, Pena R, Parada M, Fuenzalida M. Diuretic activity of an Equisetum bogotense tea (Platero herb): evaluation in healthy volunteers. J Ethnopharmacol 1996 Oct.;54(1):55-8.

10. Balbach A. As plantas curam. 2ª ed. São Paulo: Vida Plena; 1993.

11. Bagozzi D. New WHO guidelines to promote proper use of alternative medicines: Adverse drug reactions to alternative medicines have more than doubled in three years [Citado em 17 nov. 2005]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2004/pr44/en/index.html.

12. Arango HG. Bioestatística teórica e computacional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.

13. Amaral JR, Sabatini RME. Efeito placebo: O poder da pílula de açúcar [Citado em 07 nov. 2005]. Disponível em: http://www.cerebromente.org.br/n09/mente/placebo1.htm.

14. Frutuoso VS. Ervas e plantas que curam. São Paulo: Esca