ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Complicações possivelmente relacionadas ao bloqueio do gânglio esfenopalatino para tratamento de cefaleia pós-punção dural: série de casos
Complications possibly related to the sphenopalatine ganglion block in the treatment of postdural puncture headache: series of cases
Cláudia Leal Ferreira Horiguchi; Cristiano Hiroshi Vieira Horiguchi; Leandro Gomes Bittencourt; Paulo César de Abreu Sales
Departamento de Anestesiologia do Hospital Universitário Ciências Médicas
Endereço para correspondênciaCláudia Leal Ferreira Horiguchi
E-mail: claudialeal.anestesia@protonmail.com
Resumo
A punção acidental da dura-máter é uma complicação conhecida durante a realização da anestesia peridural. Frequentemente causa cefaleia postural e, eventualmente, outros sintomas, como náuseas, vômitos, rigidez de nuca e zumbido. Raramente, podem ocorrer paralisia de nervos cranianos, trombose venosa cerebral ou outras complicações. Relatar-se-á uma série de casos de pacientes com cefaleia pós-punção dural (CPPD), os quais evoluiram com complicações possivelmente associadas ao bloqueio do gânglio esfenopalatino (BGEP). Em um paciente, a despeito da melhora da cefaleia após BGEP, apresentou piora da diplopia e fotofobia. Em outros dois pacientes foi realizado BGEP obtendo-se melhora importante da dor, entretanto, evoluiram com recorrência da cefaleia, foi realizado novo BGEP com melhora da dor, mas no decimo segundo dia de pós operatorio evoluiram com crises convulsivas sendo diagnosticado trombose venosa cerebral. O tratamento da CPPD com o BGEP tem se mostrado eficaz para melhora do sintoma de cefaleia, todavia não atua em uma provável etiologia da dor a qual seria a hipotensão liquórica. A melhora do sintoma possibilita a permanência do indivíduo em posição ortostática, o que pode piorar a tração de pares cranianos e agravar as repercussões geradas pela hipotensão liquórica favorecendo a trombose venosa cerebral.
Palavras-chave: Cefaleia pós-punção dural. Bloqueio do gânglio esfenopalatino. Complicação
INTRODUÇÃO
A punção acidental da dura-máter é uma complicação conhecida e relatada ao realizar anestesia peridural. Frequentemente causa cefaleia postural, com incidência de aproximadamente 60%.1 Eventualmente outros sintomas como náuseas, vômitos, rigidez de nuca e zumbido. Em raras ocasiões, a paralisia dos nervos cranianos pode ocorrer. O gerenciamento da cefaleia pós-punção dural (CPPD) sempre foi um desafio para os anestesiologistas.2
Os tratamentos atuais são baseados na fisiopatologia da CPPD, existindo duas principais teorias que tentam explicar a origem dos sintomas. A primeira é baseada no vazamento contínuo de líquido cefalorraquidiano (LCR) pelo orifício gerado pela agulha na membrana dura-máter levando a uma perda de fluido do compartimento intracraniano que diminui o efeito de amortecimento que o LCR exerce no cérebro, levando a uma tração das meninges que se reflete em dor, que se torna mais evidente na posição ortostática. Isto sugere que o tratamento da CPPD deve basear-se na minimização do vazamento, no aumento da produção de LCR e/ou a translocação de LCR no compartimento da coluna vertebral para o intracraniano.3
A segunda teoria diz que a perda de LCR provoca hipotensão intracraniana, acarretando uma vasodilatação cerebral compensatória. Esta teoria sugere que a CPPD será aliviada pela restauração do volume de LCR intracraniano e também que os vasoconstritores cerebrais poderiam fornecer alívio sintomático.2,4,3
O bloqueio do gânglio esfenopalatino (BGEP) tem sido usado há muito tempo para tratar cefaleias de diferentes etiologias, tendo sido sugerido recentemente como uma alternativa para o tratamento da CPPD.5 Alguns autores afirmam que é uma técnica segura e relatam casos bem-sucedidos.6,4,7 Será apresentado uma série de casos ocorridos em um mesmo serviço de anestesiologia da cidade de Belo Horizonte que atende em 6 hospitais do município, com casuística de 1100 bloqueios neuraxiais mensais em média, onde em 16 meses foram realizados 52 BGEPs. Destes, um paciente apresentou sintomas de tração de nervo craniano e dois evoluíram com trombose de seio venoso cerebral.
DESCRIÇÃO DO CASO
Caso 1
Mulher, 31 anos, ASA 2, submetida à analgesia para parto vaginal. Realizada anestesia peridural em nível L2/L3, com agulha Tuohy 16G, ocorrendo punção inadvertida de dura-máter. Quarenta e oito horas após o procedimento, desenvolveu cefaleia intensa associada a diplopia e o fotofobia, (10/10 na Escala Visual Analógica - EVA) agravada na posição ereta e aliviada em decúbito. Exame físico sem outras alterações. Foi realizado BGEP bilateral com 2 swabs embebidos em ropivacaína 0,75%. Os swabs permaneceram em cada narina por 5 minutos. Um mililitro extra de ropivacaína 0,75% foi adicionado aos swabs no terceiro minuto. O paciente relatou alívio imediato da cefaleia (1/10 EVA), embora as alterações visuais tenham piorado. Permaneceu monitorizada durante duas horas, hidratada com 1L de cristaloide, tendo recebido alta hospitalar com orientações. Foi contactada diariamente por sete dias, sem relato de recorrência de dor, embora as alterações visuais tenham perdurado durante os três primeiros dias pós bloqueio, com posterior recuperação.
Caso 2
Mulher, 36 anos, ASA1, em uso de anel vaginal como método contraceptivo, negava tabagismo, história familiar negativa para trombofilia. Realizada anestesia peridural em nível L2/L3, com agulha Tuohy 17G, ocorrendo dificuldade técnica e múltiplas punções, para ureterorrenolitotripsia rígida. 72 horas após procedimento cirúrgico apresentou cefaleia intensa (10/10 EVA) com piora ao ortostatismo e parestesia em região cervical, além de náusea e vômitos. Foi realizado BGEP com alívio da cefaleia (4/10 EVA). 48 horas após o BGEP evoluiu com recorrência da dor, sendo realizado outro BGEP, novamente com alivio da dor (4/10 na EVA). No 12º dia de pós-operatório apresentou zumbido, recidiva de cefaleia e sensação de pressão cervical. Procurou pronto atendimento onde foi realizada ressonância magnética e angioressonância de vasos cerebrais (Figura 1). Exames evidenciaram extensa área de falha de enchimento no seio sagital superior, relacionada a trombose e pequena hemorragia subaracnóidea frontoparietal bilateral. Permaneceu internada por 6 dias, iniciada anticoagulação. Recebeu alta sem novas intercorrências, apresentando melhora completa dos sintomas. Investigação genética e hematológica negativa para trombofilia.
Caso 3
Mulher, 38 anos, ASA 1, negava tabagismo ou uso de medicamentos, história familiar negativa para trombofilia. Realizada anestesia peridural em nível L2/L3, com agulha Tuohy 17G, ocorrendo dificuldade técnica e múltiplas punções, para abdominoplastia. No 5º dia de pós-operatório apresentou cefaleia intensa (10/10 EVA) característica de CPPD sendo tratada com BGEP. A despeito da diminuição de 8 pontos na EVA de dor após o BGEP, ocorreu recidiva da cefaleia 72 horas após o tratamento, tendo sido necessária a realização de novo BGEP, com alívio completo dos sintomas. No décimo segundo dia de pós-operatório evolui com crise convulsiva, sendo diagnosticada trombose de seio venoso em exames de imagem. Permaneceu internada por 3 dias, iniciada anticoagulação. Recebeu alta sem novas intercorrências, apresentando melhora completa dos sintomas. Investigação genética e hematológica negativa para trombofilia.
DISCUSSÃO
Não obstante os avanços dos equipamentos e técnicas anestésicas regionais, a CPPD é um problema persistente. A hipotensão intracraniana é caracterizada por uma cefaleia postural que é aliviada ao decúbito e piora em posição ortostática, associada ou não a paralisia de nervos cranianos como o oculomotor (III), troquelar (IV) e abducente (VI).8,9
A terapia de suporte com medicamentos sintomáticos é a abordagem inicial em pacientes com apresentação leve de CPPD. O tampão sanguíneo peridural (TSP) é o procedimento padrão ouro quando a terapia de suporte falha ou em casos com manifestações graves, como por exemplo alterações relacionadas a nervos cranianos. Todavia não é um procedimento isento de riscos.2,4
O BGEP atraiu o interesse de profissionais que tratam a dor há mais de um século. Sluder em 1908 registrou pela primeira vez a anestesia do gânglio esfenopalatino com cocaína para o tratamento da dor de cabeça.10 Em 1930 Byrd descreveu mais de 2.000 casos, observados ao longo de 25 anos, utilizando o BGEP para tratamento de diversas condições, tais como angina pectoris, coreia, ciatalgia, hipertensão e infecções.11 Talvez seja este o motivo pelo qual o BGEP tenha sido ignorado.
Cohen et al em 2001 utilizaram o BGEP com creme EMLA para tratar pacientes obstétricos com tensão moderada, enxaqueca, cervicalgia e lombalgia durante o trabalho de parto. Todas as 22 parturientes obtiveram alívio completo da dor. Nesta ocasião o autor sugeriu que o BGEP fosse testado para tratamento de CPPD.12 Em 2009 Cohen et al relataram a prática de BGEP para tratamento de CPPD nos últimos 8 anos. 11/13 pacientes apresentaram alívio acentuado e completo da dor de cabeça após um único tratamento com um aplicador de ponta de algodão cheio de lidocaína 4%.13
Em 2015 Kent e Mehaffey realizaram BGEP em 3 parturientes com CPPD, usando aplicadores com ponta de algodão e lidocaína a 2%. Todos os 3 pacientes apresentaram alívio significativo da dor, sem a necessidade de TSP.5 Cardoso et al realizaram um BGEP bilateral com Levobupivacaína a 0,5% em uma paciente com CPPD, náuseas e vômitos. O alívio dos sintomas foi relatado 5 minutos após a retirada dos aplicadores de algodão, sem recorrência de dor ou outros sintomas.2 Furtado et al apresentaram uma serie com 4 casos bem-sucedidos do uso de ropivacaina em BGEP via transnasal para CPPD em pacientes obstétricas. Cohen (2018), em estudo retrospectivo com pacientes obstétricas, comparou 42 pacientes que foram tratadas com BGEP e 39 pacientes que foram tratadas com TSP e observou que grande número de pacientes tiveram alivio da dor em ambos os grupos e apenas os pacientes submetidos ao TSP apresentaram alguma complicação.6
O BGEP atua na atividade parassimpática, inibindo a vasodilatação cerebral que acarreta a dor. A vasodilatação cerebral ocorre com o intuito de restaurar o volume intracraniano ocasionado pela hipotensão liquorica (HL). Segundo a teoria de Monro-kellie o volume intracraniano deve permanecer constante. Caso um de seus componentes sofra alteração de volume, os outros componentes devem se alterar de forma compensatória, com o escopo de que a pressão intracraniana permaneça estável.2,7 O tratamento da CPPD com o BGEP tem se mostrado eficaz para melhora do sintoma, todavia não atua na provável etiologia da dor, que seria a HL. Deve-se avaliar os riscos e benefícios da eliminação da dor, mecanismo de proteção. Ao se promover a melhora do sintoma, possibilita a permanência do indivíduo em posição ortostática, o que pode piorar a tração de pares cranianos e agravar as repercussões geradas pela HL favorecendo a TVC. A HL levaria à vasodilatação e à estase venosa, que associadas à tração provocada pela posição ereta, poderiam, em alguns pacientes com estados pró-trombóticos, levar à TVC.
TVC é uma complicação incomum pós punção dural. Relaciona-se com fatores como hipotensão liquórica, estado de hipercoagulabilidade da gestação, mutação do fator V de Leiden, puerpério, contraceptivos orais e doenças malignas.14 Não é possível determinar que a TVC seja favorecida pelo BGEP nos casos relatados acima, entretanto, faz-se mister que nos atentemos e preocupemos com este tratamento, não o isentando até o momento de possíveis complicações graves, visto que a incidência de TVC (2/52) nesta amostragem foi considerável.
O BGEP foi descrito por diversos autores como uma técnica simples, minimamente invasiva, segura e eficiente para o tratamento da CPPD. As principais complicações descritas são desconforto leve durante o procedimento, gosto desagradável e epistaxe. As principais contra indicações ao BGEP são fratura de base de crânio ou infecções locais/sistêmicas.2,6,10,4,7 Trombose venosa cerebral (TVC) e paralisia de nervos crania-nos não foram relatados em nenhum estudo. Alguns autores citam a opção de educar e equipar os pacientes para que repitam o BGEP em casa caso a CPPD retorne a um nível intolerável. Não consideramos tal opção segura, uma vez que é essencial o retorno do paciente para reavaliação médica e exclusão de diagnósticos diferenciais. Quando o BGEP é utilizado para tratamento de doenças crônicas tais como dor orofacial, cefaleia em salvas, enxaqueca e neuralgia do trigêmeo, muitas vezes os pacientes são instruídos na técnica para que o realize em casa. Contudo tratam-se de casos crônicos e com diagnósticos bem estabelecidos, o que não corresponde aos pacientes com cefaleia a esclarecer pós anestesia. Prodeutica com exame de imagem deve sempre ser solicitada em casos de dúvida diagnóstica e evolução do quadro fora do descrito em literatura.
CONCLUSÃO
Este tratamento mostrou-se eficaz na melhora da cefaleia, porém não atua em sua provável etiologia, talvez contribua para o surgimento de complicações associadas a HL, tais como TVC e tração de nervos cranianos.
Os anestesiologistas consultados para realização do BGEP devem estar sempre atentos quanto aos diagnósticos diferenciais e possíveis variações nas apresentações da CPPD.
A evidência disponível que pode destacar a eficácia do BGEP para aliviar o CPPD é limitada e está disponível na forma de relatos de casos e séries de casos. Mais estudos bem desenhados e com amostra significante precisam ser realizados afim de melhor elucidar o mecanismo de ação do BGEP, sua eficácia e efetividade.
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