RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 29. (Suppl.11) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20190082

Voltar ao Sumário

Artigo de Revisão

Bloqueio do Plano do Eretor da Espinha (ESP Block)

Danielle Gonçalves Borges1; Luciana Mariele Lopes2; Fernanda Porto Doca2; Paulo Ricardo Rabello de Macedo Costa3; Roberto Araujo Ruzi4; Beatriz Lemos da Silva Mandim5

1. Médico em especialização em Anestesiologia do 2 ano do CET/SBA da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Uberlândia, MG- Brasil
2. Médico em especialização em Anestesiologia do 3 ano do CET/SBA da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Uberlândia, MG- Brasil
3. Responsável pelo do CET/SBA da UFU. Título Superior de Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia TSA/SBA. Uberlândia, MG- Brasil
4. Corresponsável pelo do CET/SBA da UFU. Título Superior de Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia TSA/SBA. Uberlândia, MG- Brasil
5. Corresponsável pelo do CET/SBA da UFU. Doutora em Ciências da Saúde. Título Superior de Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia TSA/SBA. Uberlândia, MG- Brasil

Endereço para correspondência

Rua Berenice Rezende Diniz, 300 casa 22. Gávea
Uberlândia - MG
Email: mandim@uol.com.br

Instituição: Serviço de Anestesiologia (CET/SBA) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Uberlândia, MG- Brasil.

Resumo

O bloqueio do plano do eretor da espinha (ESP Block) é um bloqueio do plano fascial entre o músculo eretor da espinha e o processo transverso da vértebra, guiado por ultrassom, onde a injeção do anestésico nesse plano alcança tanto os ramos dorsais quanto os ramos ventrais dos nervos espinhais, seja a nível torácico ou lombar, promovendo analgesia e anestesia. O bloqueio é de fácil realização, em adultos e crianças e indicado em cirurgias torácicas, mamárias, peitorais, abdominais. Recentemente descrita sua aplicação em artroplastia de quadril. Este bloqueio é descrito como sendo um avanço na anestesia regional devido a sua fácil execução e à baixa incidência de complicações graves.

Palavras-chave: Eretor da espinha; ESP block; Analgesia torácica; Analgesia abdominal.

 

INTRODUÇÃO

Atualmente têm sido descritas várias novas técnicas de bloqueios de nervos periféricos para anestesia e analgesia pós-operatória. Após o advento da ultrassonografia, que tem sido largamente utilizada na realização destes bloqueios, novas técnicas surgiram e atualmente uma das mais promissoras é o bloqueio do plano eretor da espinha, mais comumente conhecida como ESP block. A primeira descrição deste bloqueio foi realizada por Forero et al em 2016 para tratamento da dor neuropática torácica1,3-5. Desde então, tem surgido artigos e muitos relatos de casos, com crescentes indicações para o ESP block.

 

ANATOMIA

O plano do eretor da espinha está localizado entre a superfície anterior dos músculos eretores espinhais orientados céfalo-caudal e a superfície posterior dos processos transversos da coluna vertebral. O músculo eretor da espinha não é um único músculo, é uma estrutura que faz parte da formação da coluna paraespinhal, composta por um complexo muscular: iliocostal, longuíssimo e espinhal, que surgem e se inserem em vários componentes ósseos da coluna vertebral (processos espinhosos, costelas e processos transversos). Esse complexo muscular se origina do sacro e dos processos espinhosos lombares, e se estende para cima como uma coluna gradualmente afilada de músculos, no sulco paravertebral, em ambos os lados dos processos espinhosos, com inserções em vértebras torácica e cervical, tão altas quanto C2. Ele é envolvido por um retináculo, composto de aponeuroses e fáscias mescladas, que se estende do sacro até a base do crânio. Na região lombar, esse retináculo é referido como fáscia tóraco-lombar1.

Essa fáscia, que se estende do tórax posterior e do abdome, em continuidade com a fáscia nucal do pescoço, facilita a dispersão do anestésico local (AL) para múltiplos níveis torácicos e lombossacrais durante os bloqueios do ESP1. Segundo Hamilton et al2, a base anatômica provável para o bloqueio efetivo ocorre quando o AL é depositado dentro da bainha. Essa bainha é semelhante a um cilindro elíptico emparelhado, um de cada lado da coluna vertebral, sendo que cada cilindro é circundado por uma bainha fascial retinacular, separando seu conteúdo dos demais compartimentos musculares da cavidade toracoabdominal. Contudo, a parede anterior desta bainha fascial é incompleta, uma vez que ela possui múltiplas aberturas e fenestrações variadas. Tal fato pode explicar como o anestésico consegue alcançar o espaço paravertebral1.

 

INDICAÇÕES

O bloqueio pode ser utilizado tanto para manejo da dor crônica em região cervical, torácica e abdominal, como em pacientes com dor neuropática, dor crônica no ombro e cintura escapular1. Existe uma importante e promissora aplicação do ESP block como método de analgesia pós-operatória em muitos procedimentos cirúrgicos, tanto a nível cervical, quanto torácico, abdominal e lombar, permitindo a infusão do anestésico no plano interfascial em dose única ou em infusão contínua1. Há relatos do uso deste bloqueio com sucesso em pacientes submetidos a endarterectomia de carótida, toracotomia, cirurgias de mama e cirurgias abdominais (colecistectomia laparoscópica, hernioplastia, bariátrica, prostatectomia radical)1, cirurgias ortopédicas (artroplastia de quadril)1,15 e até mesmo em cirurgias cardíacas (cirurgia minimamente invasiva de troca valvar)1.

Embora geralmente utilizado para tratamento da dor crônica e dor aguda no pós-operatório, também há relatos do ESP block como método de anestesia cirúrgica em cirurgias menores (como excisão de lipoma na região paraescapular) e até mesmo em cirurgias de maior porte em pacientes com alto risco cardiovascular. Recentemente também foi relatado seu uso no manejo da dor em pacientes com queimaduras extensas1.

 

EXECUÇÃO DO BLOQUEIO

Inicialmente, de acordo com a descrição de Luftig et al6, se faz a exposição do tórax posterior colocando o paciente em decúbito dorsal lateral ou inclinado para frente em posição sentada. Em todas as posições, a cama deve estar a um nível onde a agulha, a sonda e a tela do ultrassom possam ser visualizadas em linha direta, com mínimo movimento da cabeça do executor1.

Após posicionado o paciente, um transdutor linear de alta frequência deve ser colocado em orientação céfalo-caudal ou longitudinal sobre a linha mediana, afim de se identificar o processo espinhoso da vértebra. Uma vez identificado a estrutura óssea, desliza-se o transdutor aproximadamente três centímetros lateralmente, em direção ao lado a ser bloqueado, até identificar o processo transverso da vertebra, que é a referência anatômica do bloqueio (Figura 1). Ao movimentar o transdutor em direção lateral, é possível diferenciá-lo das costelas, cuja bordas visualizadas no ultrassom, são mais finas, redondas e profundas em relação ao processo transverso, sendo este mais largo, superficial e rombo1.

 


Figura 1. ESP block (ao nível de T7) guiado por ultrassonografia. MT: músculo trapézio; PT: processo transverso; MEE: músculo eretor da espinha. Seta branca: trajeto, in plane, da agulha através da musculatura.

 

Visualizado o processo transverso, insere-se a agulha na pele, em 30-45º em direção ao feixe do ultrassom, de forma que a agulha, o transdutor e o dorso do paciente fiquem alinhados. Durante o trajeto, o operador pode sentir alguns "cliques fasciais" e ao final, uma superfície firme ao entrar em contato com o osso. Cornish et al7, descreveram que o ESP block deve ser realizado com a agulha em posição céfalo-caudal, em direção ao processo transverso vertebral.

Uma vez que a ponta da agulha esteja abaixo do musculo eretor da espinha, faz-se aspirações alternadas à injeção (a fim de se evitar injeções intravasculares inadvertidas), realizando injeções de pequenas doses de anestésico local. Um fluido anecóico é visto separando o processo transverso do musculo eretor da espinha (Figura 2).

 


Figura 2. Injeção no plano interfascial do Músculo Eretor da Espinha MEE com de dispersão do anestésico local (setas brancas) abaixo do mesmo.

 

Chin et al8 recomendam que o anestésico local deve ser depositado profundamente ao músculo eretor da espinha e que a injeção intramuscular deve ser evitada. Além disso, o processo transverso vertebral pode e deve ser usado como uma referência, para segurança e facilidade na execução deste bloqueio, ao se visualizar uma dispersão linear e céfalo-caudal do anestésico1.

As concentrações e os volumes usados neste bloqueio não estão bem estabelecidos na literatura. Luftig et al9 observaram que, em alguns relatos de casos, os anestésicos mais usados eram ropivacaína e bupivacaina, com volumes que variavam de 20 a 40ml em concentrações de 0,25 a 0,5% com dose máxima de bupivacaína limitada a 2mg/kg (máximo 175mg) e de ropivacaína, 3mg/kg (máximo de 300mg)1. De Cassai et al10, em um artigo de revisão, constataram que o volume necessário para dispersar o anestésico por um dermátomo está estimado entre 2,5 a 6,6ml de AL, com média de 3,4ml e que, um único bolus de 30ml é capaz de se dispersar por nove dermátomos1. Contudo, mais estudos são necessários para determinar as doses otimizadas a serem usadas no ESP block tanto para seu uso contínuo quanto para injeção em bolus.

 

INFUSÃO CONTÍNUA E CATETER DO ERETOR DA ESPINHA

Além do bloqueio simples, com injeção única de AL, o mesmo pode ser realizado de forma contínua1, por meio da passagem de um cateter uni ou bilateral, dependendo do procedimento que será realizado, tanto em adultos quanto em crianças12.

Para se realizar o bloqueio contínuo utiliza-se o ultrassom (USG) para identificar a vértebra desejada com transdutor linear de alta frequência e em orientação longitudinal parassagital, aproximadamente a 3 cm da linha mediana da coluna vertebral. Depois de identificado o local de punção e puncionado, administra-se o anestésico local para criar o compartimento onde será inserido o cateter. Insere-se o cateter e o posicionamento do mesmo é confirmado sob vizualização direta com uso de USG. Fixa-se o cateter e repete-se o mesmo processo do outro lado se for necessário.

A utilização do cateter permite um controle efetivo da dor no pós-operatório, além de evitar o uso de opióides para analgesia de resgate6. Aparentemente, o uso de bolus intermitente ou de horário parece ser superior ao uso de bombas de infusão contínua neste bloqueio compartimental, o que carece de maiores estudos e evidências4.

 

LIMITAÇÕES

Algumas das limitações ao uso deste bloqueio estão relacionadas ao posicionamento. Expor as costas do paciente por vezes pode ser um desafio, principalmente no paciente com lesões extensas, como é apontado por Luftig et al1,6. Além dis-so, Forero et al3,13 relataram que, assim como outros bloqueios fasciais, existem variabilidades interindividuais na extensão do bloqueio cutâneo. Outra limitação se refere ao fato de o anestésico local ser depositado distante do espaço peridural e paravertebral, que apesar de ser vantajoso em alguns pacientes, isso pode ser visto como um fator limitante pois, pode haver variação na propagação do anestésico local, levando à variabilidade na intensidade e duração do bloqueio. Esta limitação pode ser facilmente superada pela inserção de um cateter no espaço interfascial, que permite a aplicação de AL por infusão contínua ou bolus intermitentes. O uso de adjuvantes, tais como a dexametasona, também pode ajudar a prolongar a analgesia12. Uma outra limitação, mas também de fácil resolução, seria a analgesia unilateral; sendo assim, os bloqueios bilaterais são necessários quando as incisões cirúrgicas cruzam a linha média1.

 

COMPLICAÇÕES

O bloqueio do plano eretor espinhal foi descrito pela primeira vez em 2016 como um bloqueio regional para a dor neuropática torácica. Dada a sua curta história, há uma escassez de ensaios clínicos controlados, apesar do número crescente de relatos de casos4, com apenas alguns estudos relatando complicações. Antes da descrição do ESP block, os bloqueios paravertebral e do neuroeixo eram as técnicas anestésicas regionais de escolha para analgesia torácica posterior. O bloqueio paravertebral pode ser eficaz, mas apresenta maior risco de injeção subaracnóidea, pneumotórax e é tecnicamente mais difícil de realizar, quando comparado ao ESP block4. Já em relação aos bloqueios do neuroeixo, ele oferece menor risco de lesão medular direta, hematoma epidural e infecção no sistema nervoso central4. Também possui menor risco de complicações sérias, pois é feito no plano interfacial, mais distante de estruturas nobres como medula, nervos espinhais, pleura e grandes vasos1,14. As complicações relatadas do ESP block são:

• Pneumotórax

O pneumotórax é uma complicação possível, no entanto, o ESP block é uma técnica guiada por ultrassonografia, apresentando, portanto, menor risco1,5.

• Fraqueza motora

A fraqueza motora pode ocorrer quando o anestésico local se dissemina para o plexo lombar quando o bloqueio é realizado nas áreas torácica inferior ou lombar1,5,15.

• Toxicidade sistêmica do anestésico local

A toxicidade sistêmica do anestésico local é manifestada por sinais e sintomas do SNC (zumbido, confusão, convulsões) e/ou cardiovasculares (hipotensão, arritmias, PCR). A intoxicação pode ocorrer com o uso de altos volumes de anestésico local e com a disseminação do anestésico para os espaços paravertebral e intercostal, e para músculos ricamente vascularizados, atingindo a circulação sistêmica5.

 

CONCLUSÃO

O ESP block é uma técnica de anestesia regional que pode ser utilizado para procedimentos a nível torácico, abdominal, e até mesmo, lombar. É simples, de fácil execução, e apresenta baixo risco de complicações quando comparado com outros bloqueios. No entanto, a extensão da aplicabilidade clínica para bloqueio de ESP ainda não foi elucidada, há evidências clínicas limitadas, pois a maioria dos artigos publicados são relatos de casos. Sendo assim, ainda são necessários mais estudos para melhor avaliação e confirmação de doses ideais, volume de anestésico local necessário, contraindicações e complicações.

 

REFERÊNCIAS

1. Kot P, Rodriguez P, Granell M, Cano B, Rovira L, Morales J, et al. The erector spinae plane block: a narrative review. Korean J Anesthesiol 2019 Jun;72(3):209-220.

2. Hamilton DL, Manickam BP. Is the erector spinae plane (ESP) block a sheath block? Anaesthesia 2017 Jul;72(7):915-916.

3. Forero M, Adhikary SD, Lopez H, Tsui C, Chin KJ. The erector spinae plane block: A Novel Analgesic Technique in Thoracic Neuropathic Pain. Reg Anesth Pain Med 2016 Sep-Oct;41(5):621-7.

4. Sui BCH, Fonseca A, Munshey F, McFadyen G, Caruso TJ. The erector spinae plane (ESP) block: A pooled review of 242 cases. J Clin Anesth 2019 Mar;53:29-34.

5. Tulgar S, Selvi O, Senturk O, Serifsoy TE, Thomas DT. Ultrasound-guided Erector Spinae Plane Block: Indications, Complications, and Effects on Acute and Chronic Pain Based on a Single center Experience. Cureus 2019 Jan 2;11(1):e3815.

6. Luftig J, Mantuani D, Herring AA, Dixon B, Clattenburg E, Nagdev A. Successful emergency pain control for posterior rib fractures with ultrasound-guided erector spinae plane block. Am J Emerg Med 2018 Aug;36(8):1391-96.

7. Cornish PB. Erector Spinae Plane Block: The "Happily Accidental" Paravertebral Block. Reg Anesth Pain Med 2018 Aug;43(6):644-45.

8. Chin KJ, Adhikary S, Forero M. Is the erector spinae plane (ESP) block a sheath block? A reply. Anaesthesia 2017 Jul;72(7):916-917.

9. Josh Luftig PA, Mantuani D, Herring AA, Dixon B, Clattenburg E, Nagdev A. The authors reply to the optimal dose and volume of localanesthetic for erector spinae plane blockade for posterior rib fractures. Am J Emerg Med 2018 Jun;36(6):1103-04.

10. De Cassai A, Tonetti T. Local anesthetic spread during erector spinae plane block. J Clin Anesth 2018 Aug;48:60-1.

11. Forero M, Rajarathinam M, Adhikary S, Chin KJ. Continuous Erector Spinae Plane Block for Rescue Analgesia in Thoracotomy After Epidural Failure: A Case Report. A A Case Rep 2017 May 15;8(10):254-56.

12. Kaplan I, Jiao Y, AuBuchon JD, Moore RP. Continuous Erector Spinae Plane Catheter for Analgesia After Infant Thoracotomy: A Case Report. A A Pract. 2018 Nov 1;11(9):250-2.

13. Chin KJ, Adhikary S, Sarwani N, Forero M. The analgesic efficacy of pre-operative bilateral erector spinaeplane (ESP) blocks in patients having ventral hernia repair. Anaesthesia 2017 Apr;72(4):452-60.

14. Kimachi PP, Martins EG, Peng P, Forero M. The Erector Spinae Plane Block Provides Complete Surgical Anesthesia in Breast Surgery: A Case Report. A A Pract 2018 Oct 1;11(7):186-188.

15. Tulgar S, Ermis MN, Ozer Z. Combination of lumbar erector spinae plane block and transmuscular quadratus lumborum block for surgicalanaesthesia in hemiarthroplasty for femoral neck fracture. Indian J Anaesth 2018 Oct;62(10):802-5.