RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 29 S15-S20 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20190084

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ARTIGO DE REVISÃO

Abordagem das varizes de esôfago no paciente pediátrico cirrótico: rastreamento, profilaxia primária e conduta no sangramento agudo

Management of esophageal varices in cirrhotic pediatric patient: screening, primary prophylaxis and management of acute bleeding

José Ricardo Borém Lopes1; Thaís Costa Nascentes Queiroz2; Priscila Menezes Ferri Liu3; Alexandre Rodrigues Ferreira3; Eleonora Druve Tavares Fagundes4; Cristiana Guimarães Melo5; Lucas Garcia de Figueiredo Colin5

1. Mestrado; Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Doutorado; Hospital das Clínicas - UFMG, Setor de Gastroenterologia pediátrica, Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Doutorado; Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Pós-Doutorado; Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG - Brasil
5. Graduando; Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

José Ricardo Borém Lopes
Email: jrblopes1@hotmail.com

Resumo

O sangramento secundário ao rompimento das varizes esofágicas e gástricas é a principal causa de morbidade e mortalidade no paciente cirrótico. O conhecimento da evolução da hipertensão porta e da história natural das varizes permite otimizar a abordagem dos pacientes, o que inclui rastreamento de varizes com alto risco de sangramento através de endoscopia digestiva alta e indicação de profilaxia primária da hemorragia digestiva. Por outro lado, em caso de sangramento, o atendimento deve ser imediato, utilizando protocolos de conduta bem estabelecidos. Esta abordagem está bem definida em adultos cirróticos. Em crianças, devido ao número limitado de estudos, a abordagem ainda é baseada em recomendações para adultos, o que pode não ser adequado pelas particularidades desta faixa etária. Foi realizada uma revisão não sistemática da literatura científica de vinte anos (1998 - 2018) disponível nas bases de dados MEDLINE, PUBMED, Elsevier, Web of Science, Scielo e Lilacs. Apesar de não existirem recomendações claras sobre rastreio e acompanhamento, existe concordância sobre realizar endoscopia digestiva alta nos pacientes pediátricos cirróticos com sinais de hipertensão portal e implementar profilaxia primária nos casos com variz de esôfago de médio ou grosso calibre. Em relação à hemorragia varicosa aguda, pouco mudou nos últimos anos e as condutas continuam sendo predominantemente extrapoladas de estudos em pacientes adultos.

Palavras-chave: Cirrose Hepática. Hipertensão Porta. Variz de Esôfago. Variz Gástrica. Crianças. Adolescentes.

 

INTRODUÇÃO

Hipertensão porta é o termo usado para descrever o aumento da pressão no sistema venoso portal. Esse aumento pode ser secundário a alterações pré-hepáticas (obstrução extra-hepática da veia porta), intra-hepáticas (cirrose) ou pós-hepáticas (síndrome de Budd-Chiari). Dependendo da etiologia, o paciente pode apresentar evolução diferente o que requer abordagem também diferenciada.1,2

Nos casos de cirrose hepática, o desenvolvimento da hipertensão porta é um evento crucial na evolução clínica e responde por grande parte dos óbitos e necessidade de transplante hepático.3,4 Suas manifestações incluem: varizes de esôfago (VE), varizes gástricas (VG), encefalopatia hepática, ascite, síndrome hepatorrenal, síndrome hepatopulmonar, hiperesplenismo e esplenomegalia.1,3,4

O sangramento secundário ao rompimento das varizes é a principal causa de morbidade e mortalidade no paciente cirrótico. Inicialmente a abordagem de crianças e adolescentes com hipertensão porta era extrapolada das condutas em adultos devido à escassez de estudos em pediatria. Desde 2005, no Baveno IV houve a publicação de um consenso direcionado para crianças e adolescentes, desde então houveram duas revisões, uma publicada em 2012 e outra em 2016.5,6

O objetivo deste trabalho é revisar o conhecimento sobre a história natural das VE, do seu surgimento à ruptura com hemorragia digestiva alta (HDA) e trazer as evidências mais recentes sobre os fatores preditivos não invasivos da presença das varizes em crianças e adolescentes com cirrose.

 

MÉTODOS

Foi realizada uma revisão não sistemática da literatura científica em vinte anos (1998 - 2018) disponível nas bases de dados MEDLINE, PUBMED, Elsevier, Web of Science, Scielo e Lilacs. Para a busca nas bases de dados foram utilizados os termos: "Portal Hypertension", "Esophageal Varices" e "Cirrhosis" com os seguintes filtros: artigos em inglês ou português, estudos em humanos, idade de 0 a 18 anos. Foi feita também uma consulta em sites que sumarizam as evidências disponíveis na literatura (Uptodate, Dynamed).

 

HISTÓRIA NATURAL DAS VARIZES DE ESÔFAGO NO PACIENTE PEDIÁTRICO CIRRÓTICO

As VE estão presentes em cerca de 50% dos adultos cirróticos com incidência de aproximadamente 8% ao ano. A hemorragia varicosa ocorre com incidência de 5-15% por ano e mortalidade de até 20% em seis semanas.7,8

Na população pediátrica, as causas de cirrose são bem mais variadas que em adultos e é possível que tenham evolução diferente, determinando taxas de incidência de VE e sangramento diferenciadas entre as etiologias. Muitas desordens têm características fisiopatológicas e clínicas únicas, sendo de difícil extrapolação para outras causas de cirrose. Por fim, as doenças hepáticas são relativamente raras, por isso estudos com número significativo de pacientes são mais infrequentes.4

A atresia de vias biliares (AVB) é a maior causa de cirrose hepática na criança. Devido a sua prevalência e importância clínica existem mais estudos sobre as consequências da hipertensão porta nesses pacientes. As VE são encontradas em 75% dos pacientes antes dos dois anos de idade e 20% apresentam HDA até 17 meses de vida.9 As VE apresentam tendência de progressão e sua regressão é rara.10 Nos pacientes sem VE no primeiro exame, cerca de 33% irão desenvolver varizes com alto risco de sangramento em 10 anos.11 A presença de VE reflete a piora da hipertensão porta e sua ruptura tem importante valor prognóstico. Nos pacientes sem fluxo biliar após a cirurgia de Kasai, o episódio de HDA se associa a um aumento no risco de morte ou transplante.12

Quando avaliadas outras causas de cirrose, os estudos são mais escassos e com um número menor de pacientes. No estudo de Gana et al. foi encontrado alta prevalência de VE nos pacientes analisados, variando de 55 a 66% nos pacientes com colangite esclerosante e hepatite autoimune e chegando a 85% dos pacientes com colestase intra hepática familiar progressiva.13

Os achados de Duché et al. sobre a prevalência de VE e varizes de alto risco de sangramento (VARS) dependendo da etiologia da cirrose hepática são mostrados abaixo (Tabela 1). No estudo foram submetidos a EDA apenas pacientes que apresentavam sinais de hipertensão porta. Os fatores de risco endoscópicos relacionados com HDA foram presença de manchas vermelhas sobre as varizes, varizes de médio ou grosso calibre e varizes gástricas. Essas características estavam presentes em 97% dos pacientes que sangraram e em apenas 8% dos que não apresentaram HDA.14

A mortalidade do primeiro episódio de HDA em crianças é bastante inferior à encontrada em adultos provavelmente porque os pacientes pediátricos não apresentam as comorbidades comuns aos adultos cirróticos. Estudos em pacientes com AVB indicam mortalidade de zero a 5%.15,16

No maior estudo sobre VE na população pediátrica, Duché et al. incluíram 1076 pacientes pediátricos cirróticos e 224 pacientes não cirróticos e analisaram as consequências da hemorragia digestiva varicosa. Condições ameaçadoras à vida aconteceram em até 20% dos pacientes que sangram espontaneamente com mortalidade de 3,2% nos últimos 18 anos.14 De Moura et al. também avaliaram a morbidade da hemorragia varicosa em um estudo com 57 crianças, sendo 58% cirróticas. Morbidade significativa aconteceu em 57% dos pacientes, com destaque para ascite, infecções, complicações respiratórias e admissões em centro de terapia intensiva. Ocorreram dois óbitos após a primeira HDA.16

Pode-se que concluir que a ruptura das varizes esofagianas em crianças, apesar do menor impacto sobre a mortalidade que o relatado em adultos, representa um evento ameaçador a vida e aumenta o risco de morbidade relacionado à descompensação da doença hepática.

 

DIAGNÓSTICO DAS VARIZES DE ESÔFAGO

O padrão ouro para o diagnóstico das VE e VG é a EDA.4 Há várias maneiras de classificar as varizes, todas são subjetivas e examinador dependente.17

Uma classificação muito utilizada é a da Sociedade Japonesa de Hipertensão Porta que classifica as varizes em três graus:18

• Grau I (fino calibre): pequena, não tortuosa.

• Grau II (médio calibre): moderadamente aumentada, tortuosa

• Grau III (grosso calibre): muito aumentada, nodular, ocupando mais de um terço do lúmen do esôfago.

A presença de manchas vermelhas sobre as VE é considerada em vários estudos como preditivo de risco de sangramento.14

Para a avaliação de VG, a classificação mais utilizada é a de Sarin et al.na qual as varizes gástricas são divididas em dois grupos: varizes gastroesofágicas e varizes gástricas isoladas.19,20 As varizes gastroesofágicas subdividem-se em dois grupos:

• tipo 1: as varizes gástricas são continuação de varizes esofágicas e se estendem por 2 a 5 cm no estômago pela pequena curvatura;

• tipo 2: quando estendem-se para o fundo gástrico. As varizes gástricas isoladas, dependendo da localização, subdividem-se em tipo 1 (varizes gástricas isoladas localizadas no fundo gástrico a poucos centímetros da cárdia); e tipo 2 (varizes gástricas isoladas que ocorrem em qualquer local do estômago).19,20 Outros métodos para o diagnóstico da VE ainda carecem de comprovação de equivalência para serem empregados na prática clínica.7

 

FATORES NÃO INVASIVOS PREDITIVOS DA PRESENÇA DE VARIZES

A EDA é um exame dispendioso, invasivo, demandando anestesia geral em casos pediátricos e com necessidade de infraestrutura hospitalar complexa, geralmente presente apenas em centros de atenção terciários. Por outro lado, apenas os pacientes com VARS vão se beneficiar do procedimento, pois podem ser encaminhados para a profilaxia primária de HDA. Para os pacientes sem VARS, nenhuma conduta específica será tomada, apenas o seguimento periódico. Por isso, é desejável a descrição de fatores não invasivos da presença de VARS nos pacientes com cirrose hepática para otimizar a indicação de EDA, evitando a realização de um procedimento desnecessário.

O consenso de Baveno VI orienta o rastreio com EDA em adultos cirróticos com número de plaquetas inferior que 150.000/mm3 ou que apresentam à elastografia hepática fígado com densidade maior que 20kPa.7 Essa recomendação apresenta alta sensibilidade, detectando mais de 95% dos pacientes com VARS. No entanto, a especificidade é baixa, poupando de EDA desnecessária apenas 20% dos cirróticos adultos sem VE.6,21

Em 2008, Fagundes et al. fizeram a primeira análise dos fatores preditivos de VE não invasivos em pacientes pediátricos. Nesse estudo, onde foram analisadas apenas características clínicas e laboratoriais, foi encontrado que nos pacientes cirróticos, a hipoalbuminemia e a esplenomegalia são preditores da presença de VE.22

A Cochrane publicou uma revisão sistemática em 2017 que comparava a contagem de plaquetas, tamanho do baço e a relação entre plaquetas e tamanho do baço como preditores da presença de VE em pacientes cirróticos adultos e pediátricos. Foram incluídos quatro estudos da faixa etária pediátrica. O melhor teste de triagem foi a contagem de plaquetas que apresentou uma sensibilidade de 0,71 e especificidade de 0,83. Porém nessa análise foram incluídos pacientes com outras causas de hipertensão porta sem cirrose, como obstrução extra-hepática da veia porta, o que pode interferir nos resultados.23

Existem vários escores que tentam predizer a presença de VE e VARS através de fatores não invasivos. Utilizase o princípio de que quanto maior o comprometimento do fígado com fibrose, maior será a hipertensão porta e consequentemente maior a chance da presença de VE e VARS.21

Destacam-se os escores que possuem aplicação mais prática devido a simplicidade dos exames envolvidos e possível aplicação em pediatria são:

Porém ainda carecem de comprovação de eficácia para a detecção de VE e VARS, principalmente em pediatria.1,21

Gana et al. em 2010 elaboraram o "Clinical Prediction Rule" (CPR) que considera o valor das plaquetas, a albumina e o tamanho do baço. Obtiveram inicialmente um resultado animador que não foi reproduzível em estudos futuros.24

Em 2015 Davenport et al. elaboraram o "Variceal Prediction Rule" (VPR), envolvendo os valores de albumina e plaquetas. Neste estudo, foram analisadas apenas pacientes com AVB e esse escore obteve resultados melhores que o CPR, APRi e avaliação do tamanho do baço. No entanto o escore falhou novamente sem apresentar o mesmo sucesso ao ser utilizado em outras coortes.25

A tentativa mais recente foi feita por Witters et al. com a elaboração do "King's Variceal Prediction Score" (K-VaPS) que considera a dosagem de albumina e o tamanho do baço pela ultrassonografia. No entanto, ainda carece de comprovação de sua reprodutibilidade e aplicabilidade em outras populações para ser implementado na prática clínica.26

Os principais estudos avaliando os fatores preditivos não invasivos de VE em pacientes pediátricos são estudos retrospectivos, com um número limitado de pacientes englobando etiologias distintas de doença hepática. Atualmente, plaquetopenia e a esplenomegalia aparentam ser os melhores preditores da presença de VE, devido a sua facilidade de realização e sensibilidade e especificidade razoáveis.14,27,28 No entanto, hoje o mais importante é focar nos preditores de VARS, pois são estas as varizes que tem indicação de profilaxia primária. São poucos os estudos com esta associação, apresentando alguns resultados promissores para APRi, Witters et al. encontraram sensibilidade de 60,3% e especificidade de 55,6% para detecção de VARS em crianças com AVB números semelhantes aos encontrados por Insted et al.25,26 Ainda são necessários mais estudos para se definir quais critérios deveriam ser utilizados para a definição da necessidade de EDA em pacientes pediátricos cirróticos.

É possível que os fatores preditivos de VARS sejam diferentes de acordo com cada etiologia específica de cirrose. No entanto, apenas estudos multicêntricos, com número adequado de pacientes podem responder a esta questão.

 

PROFILAXIA PRIMÁRIA

A profilaxia primária da HDA no paciente cirrótico é a abordagem da variz esofagogástrica por via farmacológica ou endoscópica antes que ocorra sua ruptura. Em adultos, seu uso, benefício e indicações já são bem estabelecidos.7

Os beta bloqueadores não seletivos (BBNS) reduzem o risco de sangramento por induzir uma vasoconstrição esplâncnica associada à redução do débito cardíaco. Para se obter um efeito benéfico teria que haver uma queda de 20% no gradiente de pressão venosa hepática que seria concordante com uma redução de 25% na frequência cardíaca.1,6,8

A terapia endoscópica pode ser realizada de duas formas, escleroterapia e ligadura elástica (LEVE). A escleroterapia consiste na injeção de substância esclerosante perivasal ou intravasal para causar a obliteração do vaso. A LEVE envolve a interrupção do fluxo sanguíneo varicoso através da aplicação de anéis elásticos na porção distal do vaso, ocasionando sua isquemia e obliteração.1,6,8

No paciente pediátrico cirrótico o papel da profilaxia primária é controverso. No Baveno VI, Shneider et al.6 listaram diversos motivos pelos quais não era possível fazer uma recomendação, entre eles: 1) poucos estudos prospectivos com as consequências do sangramento varicoso; 2) dados limitados sobre quais varizes tem maior risco de sangramento; 3) pouco conhecimento sobre a segurança, as limitações e a eficácia da LEVE e do uso do BBNS em pediatria.

Com as novas publicações científicas desde 2016, acredita-se que as respostas a esses questionamentos estão mais próximas. Apesar de não ter sido um estudo prospectivo, Duché et al. analisaram o histórico de mais de 1300 crianças com HP e mostraram que um evento ameaçador a vida pode acontecer em até 20% dos pacientes que sangram, o que justificaria a profilaxia primária.14

Há crescente evidência a favor de que as varizes que apresentam maior risco de sangramento são as de grosso calibre, as de médio calibre com manchas vermelhas e as associadas a varizes gástricas ou as VG isoladas. Na coorte de Duché et al. esses sinais estavam presentes em 96% dos pacientes que apresentaram HDA e em apenas em 8% dos que não sangraram.14 Esses achados são concordantes com estudos realizados exclusivamente em pacientes com AVB e em trabalhos com número mais limitado de pacientes.10,15,16

A experiência do HC-UFMG é condizente com esses achados. Na análise de 103 pacientes cirróticos com 34 casos de HDA, foi observado que a presença de manchas vermelhas e varizes gástricas foram fatores de risco para sangramento independente da etiologia. Excluindo-se AVB, a presença de VE de médio ou grosso calibre também foi fator de risco significativo para o sangramento.29

Sobre a segurança e eficácia da LEVE, devido à sua ampla utilização na profilaxia secundária, existem dados robustos que mostram ser um tratamento eficiente e com poucos efeitos colaterais. A escleroterapia apresenta taxa de complicações mais frequentes, como perfuração esofágica, mediastinite, pneumotórax e óbito, sendo reservado a casos em que a LEVE não é possível, o que acontece habitualmente por falta de equipamento adequado para a faixa etária pediátrica.1,6,14

Os estudos do efeito sobre os BBNS em pediatria são escassos e em sua maioria retrospectivos com pequeno número de pacientes. Como obstáculo aparecem a alta variabilidade da dose necessária para se obter o efeito terapêutico (0,6 - 8mg/Kg/dia), o alto índice de efeitos colaterais, como a exacerbação de asma, e o efeito deletério do bloqueio da resposta cardiovascular na criança durante o episódio de HDA. Por esses motivos permanece a orientação da sua realização apenas em ensaios clínicos controlados visando avaliar seu efeito.1,6,8,30

A experiência do HC-UFMG foi publicada por Pimenta et al. em 2016. Foram analisadas 26 crianças em profilaxia primária, sendo que o propanolol foi utilizado em 17 pacientes na dose variando de 1 a 3,1 mg/Kg/dia. O beta bloqueador teve que ser suspenso em sete pacientes devido a efeitos colaterais ou ausência de efeito satisfatório. Observou-se seis episódios de HDA, todos aconteceram no grupo em uso de propranolol. O tempo médio de seguimento foi de quase dois anos.30

Estudo epidemiológico com 28 centros de Abordagem das varizes de esôfago no paciente pediátrico cirrótico: rastreamento, profilaxia primária e conduta no sangramento agudo gastroenterologia pediátrica, incluindo centros da França, Canadá, Bélgica e Suiça, mostrou que aproximadamente 75% fazem EDA de rastreio para VE em pacientes com cirrose hepática de qualquer etiologia e 85% para pacientes com AVB. Todos os centros ouvidos indicam o início da profilaxia primária para pacientes com AVB e VARS e 90% deles a indica para VARS independente da etiologia. O método de escolha para a profilaxia é a LEVE. Apenas 20% dos centros utilizam profilaxia primária medicamentosa com beta bloqueadores não seletivos e a utilizam principalmente para as varizes gástricas.28

Esse manejo é concordante com ensaio epidemiológico conduzido por Gana et al. no Chile, onde 94% dos gastroenterologistas pediátricos que responderam à pesquisa indicam EDA de rastreio para pacientes cirróticos com evidencia de hipertensão porta, 80% indicam profilaxia primária e 70% dos médicos repetem o exame de forma anual nos pacientes sem VE.27

Diante das publicações disponíveis até o momento, é razoável o início da profilaxia primária por via endoscópica com LEVE para as crianças cirróticas que apresentem varizes esofágicas de médio calibre com manchas vermelhas ou varizes de grosso calibre.

 

ABORDAGEM DO SANGRAMENTO VARICOSO AGUDO

A HDA é a complicação mais grave da hipertensão porta. é uma emergência médica e deve, sempre que possível, ser manejada em hospitais que possuam equipe multidisciplinar e infraestrutura que permita o adequado atendimento ao paciente.3,4,5

O atendimento inicial deve focar na estabilização do doente. Inicialmente a reposição de volume pode ser feita com cristaloide e depois, se necessário, com concentrado de hemácias. Essa reposição deve ser feita com cautela para evitar um aumento grande no volume intravascular com elevação da pressão portal. Deve-se ter como objetivo um nível de hemoglobina entre 7-8g/dL.4,5

A passagem de sonda nasogástrica é um procedimento seguro e importante para o manejo da hemorragia. Permite a quantificação da perda sanguínea e a remoção do sangue, uma fonte de proteína que pode precipitar encefalopatia hepática e estimular o fluxo sanguíneo esplâncnico piorando a hipertensão porta.1,3,4

Não existem evidências na literatura que permitam uma recomendação clara sobre a condução da coagulopatia e trombocitopenia nesses casos. A coagulopatia deve ser corrigida com transfusão de plasma e a deficiência de vitamina K, principalmente nos casos de doença colestática, deve ser prontamente reparada.5 No consenso de Baveno V, sugere-se que a administração de plaquetas seja reservada para casos de trombocitopenia menor que 20.000/mm3.5

O tratamento homeostático do sangramento começa já à admissão com o início de droga vasoativa, podendo ser utilizado a vasopressina, somatostatina ou seus análogos. Devido ao baixo índice de efeitos colaterais e boa eficácia clínica, o medicamento de escolha é o octreotide. Pode ser iniciado com um bolus lento de 1 µg/Kg e mantido a 1 µg/Kg/ hora.1,3,4

A antibioticoprofilaxia já se provou benéfica em adultos e é indicada na admissão para todos os pacientes cirróticos com HDA. Em pediatria é indicado que a antibioticoprofilaxia deve ser instituída e que o antibiótico de escolha deve ter uma boa cobertura contra bactérias Gram negativas. As cefalosporinas de terceira geração são as mais utilizadas em crianças.1,3,4,5

Não há evidências na literatura que dêem suporte para a profilaxia de encefalopatia hepática no manejo agudo da hemorragia varicosa em pediatria.5

Após a estabilização do doente, a EDA deve ser realizada o mais breve possível de preferência nas primeiras 12 horas após o sangramento. As VE devem ser abordadas através da ligadura elástica. Nos casos em que a LEVE não seja possível, pode-se utilizar a escleroterapia.4,5,7

A hemostasia emergencial mecânica com o tubo de Sengstaken-Blakemore fica reservada para os casos de hemorragia persistente e grave. Ele pode ser mantido por no máximo 24 horas. Essa terapia é eficaz no controle do sangramento agudo, porém é associada a alto índice de complicações e ressangramento. Devido ao grande desconforto que causa, os pacientes necessitam de intensa sedação para tolerar o dispositivo, acarretando necessidade de suporte ventilatório invasivo.3,4,5

Sangramento persistente apesar do tratamento farmacológico e endoscópico deve ser abordado com a instalação de um shunt porto-sistêmico intra-hepático transjugular.4

 

CONCLUSÃO

Ainda existem muitas questões envolvendo as varizes esofageanas e gástricas nos pacientes pediátricos cirróticos. Desde a publicação do Baveno VI, há crescente evidência que o sangramento varicoso apesar de baixa mortalidade apresenta uma morbidade significativa em crianças. Apesar da limitação dos poucos estudos entre crianças, a maioria dos serviços de Gastroenterologia Pediátrica ao redor do mundo seguem orientações para realizar EDA nos pacientes pediátricos cirróticos com sinais de hipertensão porta e implementação de profilaxia primária nos casos com varizes com alto risco de sangramento.

 

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Conflito de interesse: Declaro não haver conflitos de interesse por parte dos autores. Endereço de correspondência: Faculdade de Medicina da UFMG - Departamento de Pediatria Avenida Alfredo Balena 190, 2° andar - Santa Efigênia - Belo Horizonte - Minas Gerais - CEP 30.130.100 Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG - Brasil.