ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Pancreatite Aguda Grave Relacionada à Hipertrigliceridemia: Relato de Caso
Serious Acute Pancreatitis Related to Hypertriglyceridemia: Case Report
Daniel Rodrigues de Mattos; Ananda Grabriela Gomes Martins; Beatriz Versiani Sathler; Frederico Borborema Figueiredo; Tiago Ferreira Gomes; Hiwry Vinicius Miranda da Silva; Vinicius Teixeira Cimini; Christiane Corrêa Rodrigues Cimini
Hospital Santa Rosália, Cirurgia Geral e Medicina Intensiva - Teófilo Otoni - MG - Brasil
Endereço para correspondênciaDaniel Rodrigues de Mattos
E-mail: danielrmattos@hotmail.com
Recebido em: 21/11/2018
Aprovado em: 28/08/2019
Instituição: Hospital Santa Rosália, Cirurgia Geral e Medicina Intensiva - Teófilo Otoni - MG - Brasil
Resumo
Este relato descreve um caso de pancreatite aguda induzida por hipertrigliceridemia, classificada como severa, segundo a Classificação de Atlanta 2012. Apesar da gravidade, a evolução foi favorável, demonstrando a importância da instituição de medidas terapêuticas precoces. Apesar da redução dos óbitos por pancreatite aguda nos últimos anos, os índices ainda são altos no subgrupo da doença classificada como grave.
Palavras-chave: Pancreatite; Triglicerídeos; classificação.
INTRODUÇÃO
A pancreatite aguda (PA) tem como principais precursores os cálculos biliares e o etilismo, sendo a hipertrigliceridemia o terceiro fator mais comum1 , correspondendo de 1,3 a 11% dos casos2 . Como as demais causas, também pode ser acompanhada de evolução rápida, com acometimento de múltiplos órgãos e até óbito. Pode ser classificada como leve, moderada, severa e crítica, de acordo com a Classificação de Atlanta 2012. O presente trabalho descreve o caso clínico de uma paciente com PA induzida por hipertrigliceridemia, demonstrando a sua gravidade.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 38 anos, dislipidêmica e diabética sem tratamento, e sem história de etilismo, foi atendida em seu município, com quadro de dor em andar superior do abdome, associada a náuseas e vômitos No exame físico, foram observados palidez e sudorese, febre, dispneia e dor à palpação da região epigástrica, porém sem sinais de irritação peritoneal. Exames laboratoriais iniciais evidenciaram hemograma e urina rotina normais, e amilase de 425 U/L. Ultra-sonografia (USG) abdominal evidenciou hepatomegalia por esteatose grau II, associada a provável processo inflamatório pancreático e vesícula biliar sem cálculos em seu interior. Dessa maneira, chegouse ao diagnóstico de pancreatite aguda, já excluindo as duas principais causas, litíase biliar e etilismo. Na busca pelo fator desencadeante da PA foi solicitado dosagem de triglicerídeos, tendo como resultado o valor de 4500 mg/ dL, o que corroborou para a hipótese diagnóstica de PA relacionada a hipertrigliceridemia. Figura 1: Amostra de sangue da paciente. Foram instituídas medidas iniciais de suporte clínico e analgesia, mas ao sexto dia de internação cursou com queda do estado geral e instabilidade hemodinâmica, com necessidade de droga vasoativa. Com a piora clínica, a paciente foi transferida para a Unidade de Terapia Intensiva em Teófilo Otoni. Ao décimo dia de internação, evoluiu com febre, falência respiratória e renal, necessitando de medidas de suporte avançado de vida (ventilação mecânica, suporte hemodinâmico e terapia renal substitutiva). Exames laboratoriais evidenciavam hemoglobina de 7,3 g/dL, leucócitos 14.400 /mm3 (9% de bastões), creatinina 7,23 mg/dL, uréia 141 mg/dL, sódio 148 mEq/L, potássio 2,9 mEq/L, gasometria arterial com pH 7,29 e HCO3 6,7 mmol/L, bilirrubina total 0,35 mg/dL. Iniciado terapia antibiótica com administração venosa de 1 grama de ceftriaxona de 12 em 12 horas e 500 mg de metronidazol de 8 em 8 horas. Tomografia (TC) de abdome revelou cisto peripancreático, cujo tratamento foi definido como conservador, a princípio. Figura 2: TC de abdome evidenciando borramento de tecido peripancreático e cisto peripancreático. Ao 14° dia de internação apresentava estabilidade hemodinâmica, sendo possível o início da dieta enteral trófica (480 kcal/dia). O desmame ventilatório teve início no 16º dia de internação em UTI. Recebeu alta da UTI no 24º dia de internação na unidade, seguindo em acompanhamento na enfermaria pelas equipes de Cirurgia Geral e Nefrologia, devido à persistência da injúria renal. Apresentava os seguintes resultados de exames laboratoriais à alta da UTI: hemoglobina 10,2 g/dL, leucócitos 8.800/mm3, potássio 3,8 mEq/L, sódio 144 mEq/L, uréia 47 mg/dL, creatinina 2,84 mg/dL, gasometria arterial com pH 7,41 e HCO3 14,4 mmol/L. No 34º dia de internação hospitalar, na enfermaria, a terapia dialítica foi suspensa, tendo os seguintes resultados de exames complementares: uréia 38 mg/dL, creatinina 1,83 mg/dL, sódio 145 mEq/L, potássio 4,0 mEq/L. Ao 37º dia de internação hospitalar apresentou dispnéia e diminuição do murmúrio vesicular em base pulmonar esquerda, sendo diagnosticado derrame pleural e realizado toracocentese de alívio, com saída de 400 ml de líquido. A cultura deste material foi negativa. Figura 3: TC de tórax evidenciando pequeno derrame pleural à direita e moderado à esquerda. Ao 44º dia de internação hospitalar recebeu alta e é encaminhada para acompanhamento ambulatorial pelo serviço de Cirurgia Geral. Discussão A PA é um processo inflamatório agudo do pâncreas que pode também acometer órgãos a distância. Clinicamente, apresenta-se com dor abdominal e elevação das enzimas pancreáticas. Os dois principais fatores desencadeantes são cálculo biliar e ingesta de álcool. Outros fatores desencadeantes menos comuns são a hipertrigliceridemia, medicamentos, trauma, pós procedimento de CPRE, infecções e tumores. É considerada grave em 10 a 20% dos casos, apresentando necrose peripancreática e/ou falência orgânica persistente. No relato apresentado, a paciente deu entrada no serviço de urgência com um quadro desencadeado por hipertrigliceridemia, evoluindo com falência orgânica múltipla, sendo assim, classificada como severa, segundo Classificação de Atlanta revisada em 20123 . Esta classificação é amplamente utilizada para determinar a severidade da doença4 . Os critérios de Ranson e APACHEII também são utilizados para a classificação da severidade.
CONCLUSÃO
Mesmo tratando-se de causa menos frequente de PA, como a hipertrigliceridemia, devese proceder a um diagnóstico e medidas terapêuticas precoces, buscando prognóstico mais favorável. Embora a mortalidade global da pancreatite aguda tenha diminuído significativamente nas últimas décadas (de 12% para cerca de 2%), essas taxas de mortalidade mantêm-se muito elevadas no subgrupo de doentes graves5 , com mortalidade de 35,2 % naqueles com pancreatite com necrose infectada e disfunção orgânica6.
REFERÊNCIAS
1. KHANA, R.;WAGAS, J; REGETIA, K.; YOUSIFA, A. Hypertriglyceridemia-Induced Pancreatitis: Choice of Treatment. Gastroenterol Res. 2015;8(3-4):234-236. Acesso em 08 de junho de 2018.
2. JIMÉNEZ FORERO, S. J.; SAAVEDRA, D. X. R.; VILLALBA, M. C. Pancreatitis aguda secundaria a hipertrigliceridemia: presentación de dos casos clínicos. REVISTA ESPAÑOLA DE ENFERMEDADES DIGESTIVAS. Vol. 100. N.° 6, pp. 367-371, 2008. Acesso em 08 de junho de 2018.
3. BANKS, P. A. ; BOLLEN, T. L.; DERVENIS, C. et al. The Acute Pancreatitis Classification Working Group. Classification of acute pancreatitis-2012: revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut 2013; 62: 102-11. Acesso em 08 de junho de 2018.
4. BELL, D.; KEANE, M. G.; PEREIRA, S. P. Acute pancreatitis. Medicine Volume 43. Nº 3,174-181. Disponível em : http://dx.doi.org/10.1016/j.mpmed.2014.12.005. Acesso em 09 de junho de 2018.
5. Vege SS. Predicting the severity of acute pancreatitis. Disponível em: Acesso em 15 de junho de 2018.
6. WERGE, M.; NOVOVIC, S.; SCHMIDT, P.N.; GLUUD, L.L. Infection increases mortality in necrotizing pancreatitis: a systematic review and meta-analysis. Pancreatology. 2016;16(5):698-707. Acesso em 15 de junho de 2018.
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