ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Síndrome de Dressler Secundária a Pericardiotomia em Pós Operatório de Ressecção de Teratoma Gigante de Mediastino
Dressler's Syndrome Secondary Pericardiotomy in Post-Operative Ressection of Mediastinum Giant Teratoma
Erlon de Avila Carvalho1; Leonardo Martins Caldeira de Deus2; Helena Botelho Marques2; Tarcisio Andrade de Souza2; Lais Martins Magalhães Almeida3; Chrystian Júnio Rodrigues3; Laryssa de Cássia Ferreira3; Heider Silva Duarte3
1. Instituto Mário Penna - Hospital Luxemburgo, Médico. Cirurgião Torácico, Serviço de Cirurgia Torácica - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
2. Instituto Mário Penna - Hospital Luxemburgo, Médico (a). Cirurgião Geral, Serviço de Cirurgia Geral e Oncológica - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
3. Instituto Mário Penna - Hospital Luxemburgo, Médico. Residente de Cirurgia Geral - R2 - Serviço de Cirurgia Geral e Oncológica - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
Erlon de Avila Carvalho
E-mail: erlon.avila@gmail.com
Recebido em: 27/05/2018
Aprovado em: 24/07/2019
Instituição: Instituto Mário Penna - Hospital Luxemburgo, Médico. Cirurgião Torácico, Serviço de Cirurgia Torácica - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
Resumo
A síndrome de Dressler (SD) consiste em quadro clínico de pericardite secundária a injúria cardíaca e pericardiotomia, cujas manifestações surgem dentro do período de uma a seis semanas após lesão. Trata-se de condição rara, com risco aumentado para paciente com infartos extensos e amplo trauma miocárdico. Nesse artigo, relatamos o caso de uma paciente submetida à ressecção de teratoma torácico e para ressecção completa foi necessário abordagem intra-pericárdica para dissecção de artéria pulmonar, evoluindo no pós-operatório com SD. A clínica é marcada por dor torácica pleurítica com piora no decúbito, dispneia, febre e derrame pericárdico e/ou pleural. Proteínas de fase aguda podem ser seriadas para avaliar resposta terapêutica. Hemoculturas devem necessariamente fechar com resultado negativo. A SD é diagnosticada por meio de história clínica, exames laboratoriais, eletrocardiograma e exames de imagem. O tratamento baseia-se no uso de anti-inflamatórios e colchinha. Costuma ser autolimitada e com baixas taxas de complicações.
Palavras-chave: Derrame Pericárdico. Teratoma. Técnicas de Janela Pericárdica. Neoplasias do Mediastino. Pericardite. Cirurgia Torácica.
INTRODUÇÃO
A síndrome de Dressler (SD) caracteriza-se por quadro dramático de pericardite, com ou sem derrame pericárdico, secundário à injúria cardíaca e à pericardiotomia. Descrita pela primeira vez em 1956 por William Dressler durante acompanhamento clínico de paciente vítima de infarto agudo do miocárdico (IAM). É condição pouco frequente que deve ser considerada em todos pacientes com fadiga ou mal-estar persistente após evento com lesão cardíaca.1-3
Trata-se de uma síndrome rara, cuja real incidência ainda não está clara. Estudos realizados por Dressler sugeriram ocorrência em 3 a 4% dos pacientes pós IAM. Todavia, em razão das melhorias técnicas diagnósticas e de reperfusão, observou-se redução importante nesses valores. O risco de desenvolver SD tende a ser maior em pacientes com infartos extensos, dano cirúrgico miocárdico amplo, após pericardiotomia, histórico pregresso de pericardite, tratamento prévio com prednisona, tipo sanguíneo B negativo e uso de anestesia com halotano.3
RELATO DE CASO
Paciente feminina 20 anos, puérpera há 5 meses, encaminhada ao Hospital Luxemburgo devido a quadro de dispneia e dor súbita em hipocôndrio direito, com irradiação para dorso e hemitórax direito. Submetida à tomografia (TC) de tórax que evidenciou massa heterogênea de limites definidos em mediastino anterior, com dimensões de 12x12x9 cm, promovendo compressão de pulmão e brônquio direitos, bem como afilamento de veia cava superior e íntimo contato com artéria pulmonar direita (figura 1). Iniciado acompanhamento com serviço de Cirurgia Torácica e realizado biópsia da massa por agulha tru-cut, cujo resultado não sugeriu diagnóstico de malignidade. Marcadores tumorais (beta HCG, LDH e alfafetoproteína) sem alterações significativas. Submetida a cervicoesternotomia com toracotomia anterior direita auxiliar para ressecção de teratoma mediastinal. Durante o intraoperatório realizado pericardiotomia ampla por toda a extensão do pericárdio, para melhor visualização e dissecção segura de todo o ramo direito de artéria pulmonar, ao qual não havia sinais de invasão, porém apresentava íntimo contato, feito a liberação da aderência do teratoma com a artéria pulmonar seguido de ressecção completa sem nenhuma intercorrência (Figura 2). Anatomopatológico com lesão multicística encapsulada, apresentando área sólida com representação tecidual de elementos derivados dos três folhetos embrionários, compatível com diagnóstico de teratoma maduro. Paciente permaneceu em terapia intensiva até o terceiro dia de pós-operatório (DPO), quando recebeu alta para enfermaria. A partir do décimo DPO começou a apresentar febre diária recorrente, com hemocultura, urocultura e outros rastreios infecciosos negativos, porém com proteínas de fase aguda elevadas e piora do estado geral a despeito do uso de antimicrobianos. Feito ecocardiograma com derrame pericárdico estimado em 200 ml e confirmado com nova TC de tórax que mostrava grande quantidade de líquido pericárdico e sem sinais de empiema pleural (Figuras 3 e 4). Com suspeita de SD optado por realização de janela pericárdica por videotoracoscopia esquerda com saída de secreção hemática. Observado melhora do quadro e estabilidade clínica, não apresentando mais nenhum pico febril já a partir do primeiro DPO da reabordagem, sendo conferido alta hospitalar com anti-inflamatório e corticoterapia para uso em domicílio. Segue em acompanhamento ambulatorial.
DISCUSSÃO
A SD traduz-se por pericardite resultante de injúria do pericárdio, miocárdio ou ambos. A lesão cardíaca pode ter diferentes origens, como: necrose miocárdica (pericardite pós-IAM), cirurgias cardíacas (síndrome pós-pericardiotomia), causas traumáticas (pericardite pós-traumática) ou intervenções percutâneas, inserção de eletrodos de marca-passo, ablação por radiofrequência, entre outras.1-3 A causa exata da SD ainda não é conhecida, todavia acredita-se que a combinação de danos ao mesotélio pericárdico e às células do sangue resulta em deposição de imunocomplexos em pleura, pericárdio e pulmões, resultando em intensa resposta inflamatória local.2-4
As manifestações clínicas surgem dentro de uma a seis semanas após lesão. Os sinais e sintomas mais comuns são dor torácica tipo pleurítica com piora no decúbito, febre de 38 a 40ºC, derrame pericárdico e/ou pleural, dispneia e atrito pericárdico à ausculta. Exames laboratoriais devem incluir hemograma completo, troponina e marcadores de fase aguda, como proteína C reativa e velocidade de hemossedimentação. Apesar de não haver consenso na literatura, tais exames são seriados para avaliar resposta inflamatória frente à terapêutica. A realização de hemocultura é fundamental a fim de diferenciar a SD, cujo resultado é sempre negativo, de evento infeccioso secundário.3,5
Havendo suspeição, a avaliação inicial deve focar na histórica clínica detalhada e na investigação de evento cardíaco ou torácico traumático que possa desencadear a SD. O eletrocardiograma de doze derivações pode apresentar sinais de pericardite aguda, como elevação difusa do segmento ST associado à depressão do seguimento PR. O raio x de tórax pode evidenciar derrame pericárdico por aumento de área cardíaca, infiltrado pulmonar e derrame pleural. O ecocardiogramatranstorácico é, de modo geral, satisfatório, embora alguns pacientes possam requerer o transesofágico para melhor elucidação. É exame fundamental, uma vez que permite documentar o volume do derrame pericárdico, contratilidade ventricular, risco de tamponamento cardíaco ou déficits na fração de ejeção. Em caso de pericardiocentese, a amostra deve ser encaminhada para avaliação citométrica, citológica, bioquímica e cultura.3
A maioria dos pacientes com SD podem ser tratados em regime ambulatorial. Casos severos que cursem com instabilidade hemodinâmica devem ser manejados em ambiente hospitalar. A terapêutica de primeira linha consiste no uso de AINES. Uma alternativa é o uso de 750 a1000 mg de aspirina a cada seis a oito horas, com de redução semanal de 650 a 800 mg da dose diária total ao longo de três a quatro semanas. Outra opção é o uso de 600 a 800 mg de ibuprofeno a cada seis a oito horas, com redução semanal de 400 a 800mg da dose diária total ao longo do mesmo período tratamento.6 O papel da colchicina na prevenção da SD em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca é bem evidente, o estudo COPPS concluiu redução de desfecho primário em 12 meses na comparação com placebo de (9 versus 21%, com risco relativo de 0,42, IC 95% 0,24-0,73).7 Apesar da evidência favorável, faltam estudos randomizados que confirmem benefício do uso dessa droga no curso da SD. A Sociedade Europeia de Cardiologia recomenda uso concomitante de colchicina no tratamento.8 O uso de corticoterapia é reservado a pacientes refratários ao tratamento primário. Pacientes que evoluem com pericardite constritiva devem ser submetidos a pericardiectomia.
CONCLUSÃO
A despeito da baixa incidência, a SD deve ser aventada em pacientes com quadro clínico de pericardite com ou sem efusão pericárdica após pericardiotomia. Para seu diagnóstico deve ser levada em consideração a história clínica do paciente, resultados de exames laboratoriais e de imagem, devendo-se excluir causas infecciosas. A SD costuma ser autolimitada, com baixas taxas de complicações graves. O prognóstico é relativamente bom para a maioria dos pacientes, apresentando uma taxa de recorrência de 10 a 15%.2
REFERENCIAS
1. Wessman DE, Stafford CM. The postcardiac injury syndrome: case report and review of the literature. South Med J. 2006; 99(3):309-14
2. Ordás JG, Martí PARA, La buena AM, Vicente JAL, García- -Blanco FR. Síndrome poslesióncardíaca. Pericarditis postraumática a propósito de un caso. Corsalud. 2015; 7(2): 143-6.
3. Foris LA, Bhimji SS. Dressler Syndrome. StatPearls [Internet]. 2017 Out [citado em 18 de abr. 2018].Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK441988/
4. Khan AH. The postcardiac injury syndromes. Clin Cardiol. 1992; 15(2):67-72.
5. Imazio M, Brucato A, Rovere ME, Gandino A, Cemin R, Ferrua S et al.Contemporary features, risk factors, and prognosis of the post-pericardiotomy syndrome. Am J Cardiol. 2011; 108(8):1183-7
6. Imazio M, Spodick DH, Brucato A, Trinchero R, Adler Y. Controversial issues in the management of pericardial diseases. Circulation. 2010; 121(7):916-28.
7. Imazio M, Trinchero R, Brucato A, Rovere ME, Gandino A, Cemin R et al. Colchicine for the Prevention of the Postpericardiotomy Syndrome (COPPS): a multicentre, randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Eur Heart J. 2010; 31(22):2749-54.
8. Adler Y, Charron P, Imazio M, Badano L, Barón-Esquivias G, Bogaert J et al. 2015 ESC Guidelines for the diagnosis and management of pericardial diseases: The Task Force for the Diagnosis and Management of Pericardial Diseases of the European Society of Cardiology (ESC) Endorsed by: The European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). Eur Heart J. 2015; 36(42):2921-64.
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