RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 30 e-3006 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20200017

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Artigo Original

Avaliação do Impacto do Nível Educacional na Doença de Alzheimer: Artigo Original

Evaluation of the Impact of Educational Level on Alzheimer's Disease: Original Article

Manuela Cristina Ribeiro Dias Barroso; Mariana de Souza Pessoa; Pedro Arnaldo Prata Pires; Antônio Carlos Maneira Godinho Netto

Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, Medicina - Juiz de Fora - MG - Brasil

Endereço para correspondência

Manuela Cristina Ribeiro Dias Barroso
E-mail: manuela_diasb@outlook.com

Recebido em: 06/03/2019
Aprovado em: 08/12/2019

Instituição: Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, Medicina - Juiz de Fora - MG - Brasil

Resumo

A doença de Alzheimer (DA) consiste em uma doença neurodegenerativa progressiva, irreversível e de aparecimento insidioso. O grau de escolaridade formal, assim como a reserva cognitiva, vem sendo proposto como fator protetor da DA, interagindo com a predisposição genética na gênese e curso evolutivo da doença. Tal estudo tem como objetivo buscar associações da escolaridade formal e outras variáveis, que possam estabelecer relação com valores reduzidos do MEEM. Foram coletados dados como idade, sexo, estado civil, raça, escolaridade e pontuação no MEEM no período do diagnóstico da DA dos pacientes que se encontravam em fase inicial da doença. Os pacientes foram divididos em três grupos de acordo com a idade: 60-69 anos, 70-79 anos e = 80 anos. Após análise estatística, a comparação MEEM versus escolaridade se mostrou significativa (r=0,39; P=0,0001), enquanto MEEM versus idade não apresentou significância (r=-0,13; P=0,86), tal como para associação de MEEM e sexo (P=0,46). Na separação realizada por grupos etários, o nível de escolaridade foi significativamente maior nos indivíduos com idade entre 60-69 anos versus 70-79 versus = 80 anos, todavia, sem diferenças significativas entre os escores do MEEM (13 ± 6,2 versus 13± 6 versus 15 ± 5; mediana ± intervalo interquartil; P = 0,34). Assim sendo, esse estudo aponta relevante relação entre a escolaridade e pontuações obtidas no teste cognitivos, determinando associação entre o nível educacional mais elevado e maior habilidade cognitiva dos pacientes com DA.

Palavras-chave: Doença de Alzheimer; Escolaridade; Demência.

 

INTRODUÇÃO

A doença de Alzheimer (DA) consiste em uma doença neurodegenerativa progressiva, irreversível e de aparecimento insidioso1. A DA deve ser investigada na presença de sintomas cognitivo-comportamentais que interfiram nas atividades diárias, com declínio progressivo, não explicado por delirium ou outras desordens psiquiátricas. Bem como, presença de deterioração cognitiva relacionada à aquisição de novas informações, à realização de tarefas complexas, sintomas visuoespaciais, de linguagem, comportamento e personalidade2.

O grau de escolaridade formal (número de anos de educação até uma eventual formação profissional ou graduação universitária) vem sendo proposto como fator protetor da DA, interagindo com a predisposição genética na gênese e curso evolutivo da doença. Soma-se a isso a reserva cognitiva, que refere-se à capacidade do cérebro de compensar o dano cerebral usando abordagens de processamento cognitivo preexistentes ou recrutando abordagens compensatórias3,4.

O presente estudo tem como objetivo buscar associações com outras variáveis, além da escolaridade formal, que possam estabelecer relação com valores reduzidos no MEEM.

 

MÉTODOS

Amostra

O estudo teve início após submissão e aceitação pelo Comitê de Ética em Pesquisa Institucional e consistiu, inicialmente, em uma amostra de 380 pacientes previamente diagnosticados com DA pelo Centro Mais Vida da Agência de Cooperação Intermunicipal em Saúde Pé da Serra (ACISPES), da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. O diagnóstico da patologia é feito de forma sequenciada, através de uma série de exames clínicos, laboratoriais e de imagem para exclusão de outras possíveis patologias, reversíveis ou não. O projeto consiste em um estudo observacional transversal realizado através de coleta de dados contidos em prontuário no período de janeiro de 2013 a setembro de 2017.

Na pesquisa foram incluídos indivíduos de idade igual ou superior a 60 anos, de ambos os sexos, diagnosticados com DA em fase inicial e excluídos aqueles com histórico prévio de diabetes mellitus, transtorno depressivo, outros tipos de demência ou que faziam uso de benzodiazepínicos, antidepressivos ou anticonvulsivantes quando diagnosticados. Após serem adicionados os critérios de exclusão, a amostra passou a ser de 185 participantes.

Foram coletados os seguintes dados: idade, sexo, estado civil, raça, escolaridade e pontuação no MEEM no período do diagnóstico da DA dos pacientes que se encontravam em fase inicial da doença. Foi utilizada a nota de corte proposta por Brucki et al.,5 ou seja, 20 pontos para analfabetos; 25 pontos para pessoas com escolaridade de 1 a 4 anos; 26,5 para 5 a 8 anos; 28 para aqueles com 9 a 11 anos e 29 para mais de 11 anos, considerando a recomendação de utilização dos escores de cortes mais elevados6. Os participantes foram divididos em três grupos de acordo com a idade: 60-69 anos, 70-79 anos e ≥ 80 anos. Posteriormente, foi realizado o levantamento e a análise dos dados coletados.

Análise Estatística

Inicialmente foi testada a normalidade dos dados pelo teste de Shapiro Wilk. A correlação de Spearman foi usada para avaliar a correlação entre escolaridade e idade e a pontuação no MEEM. Foi utilizado o teste chi-quadrado para verificar a associação entre sexo e MEEM e o teste de Kruskall Wallis para comparação das medianas da pontuação no MEEM em função do sexo e dos grupos etários considerando indivíduos nas faixas etárias de 60-69 anos, 70-79 anos e ≥ 80 anos. Foi aceito como nível de significância p < 0,05. Foi utilizado o software estatístico GraphPad (versão 6.0, GraphPad, LaJolla CA), para o tratamento dos dados.

 

RESULTADOS

Após análise dos dados, identificou-se que os 185 indivíduos eram semelhantes quanto ao nível educacional (P = 0,16), idade (P = 0,49) e MEEM (P =0,16) quando inicialmente comparados por sexo. As características demográficas da amostra poderão ser observadas na Tabela 1.

 

 

A partir da análise da correlação de Spearman, foi feita a comparação MEEM versus escolaridade, que se mostrou significativa (r =0,39; P = 0,0001), enquanto MEEM versus idade não apresentou significância (r = -0,13; P = 0,86). A análise de Chi - quadrado para associação de MEEM e sexo também não foi significativa (P= 0,46).

Na separação realizada por grupos etários, verificamos que o nível de escolaridade foi significativamente maior nos indivíduos com idade entre 60-69 anos (4 ± 6,7; mediana ± intervalo interquartil) versus 70-79 (3 ± 3; mediana ± intervalo interquartil) versus ≥ 80 anos (3 ± 4; mediana ± intervalo interquartil; P = 0,02), todavia, considerando os mesmos grupos etários, não houve diferenças significativas entre os escores do MEEM (13 ± 6,2 versus 13± 6 versus 15 ± 5; mediana ± intervalo interquartil; P = 0,34). A análise comparativa dos valores do MEEM com as variáveis estudadas pode ser observada na Tabela 2.

 

 

DISCUSSÃO

A DA pode ser dividida em DA de Início Tardio (DAIT) e DA de Início Precoce (DAIP). A DAIT acomete pessoas acima de 60 anos, sendo responsável por 90-95% dos casos de DA, enquanto a DAIP é característica de indivíduos abaixo de 60anos7.

O valor protetor da educação para a incidência e prevalência de demência e DA foi demonstrado consistentemente através de estudos funcionais de neuroimagem, afirmando que o ensino superior está associado a uma taxa mais lenta de depósitos beta-amilóides e ao metabolismo preservado da glicose cerebral8.

Tendo em vista a elevada prevalência de quadros demenciais como a DA, para facilitar o diagnóstico precoce e definir a melhor estratégia de tratamento para cada paciente, o rastreio cognitivo é de extrema importância9. Idealmente, um teste para o exame do estado mental deve ser simples e de rápida aplicação. Além disso, deve também dispensar material complementar e conhecimento especializado, de modo a ser utilizado também por para-médicos, como o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM)4, que permanece sendo o instrumento de rastreio mais utilizado no Brasil10.

Os critérios diagnósticos da DA normalmente são operacionalizados de maneiras diferentes e, geralmente, resultam de uma única avaliação, sem acompanhamento. Além disso, os efeitos de raça, cultura e educação sobre as medidas de diagnóstico não são bem estudadas6. Nesse estudo, buscamos avaliar a relação de algumas variantes, principalmente a escolaridade, entre os participantes.

Esse estudo mostrou que níveis educacionais maiores proporcionaram melhores desempenhos em testes cognitivos, dada a significativa correlação entre a escolaridade e a pontuação no MEEM. Segundo os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2015, a taxa de analfabetismo na população brasileira acima de 60 anos era de 22,3%.11 Nesse estudo, a média de escolaridade dos participantes era de 3 anos, com 83 pacientes acima dessa faixa e 51 analfabetos, responsáveis por aproximadamente 27,5%, acima da média nacional.

Além disso, o nível de escolaridade foi significativamente maior nos indivíduos com idade entre 60-69 anos. O baixo nível educacional está relacionado à pobreza ou à diminuição do status socioeconômico, a pior situação de saúde e menor acesso aos serviços de saúde12, e como visto, está presente na grande maioria dos pacientes mais velhos. Dentre a amostra coletada, houve maior prevalência no sexo feminino (68,6%), viúvos com 49,7% e leucodermos com 61%, aproximadamente.

Os achados foram consistentes com diversos estudos, mostrando que pessoas com níveis educacionais maiores possuem melhor performance em testes cognitivos, quando comparadas aos com menor escolaridade 13,14,15,16. Apesar disso, os resultados do estudo não apresentaram significância em relação à idade e ao sexo dos participantes. Tal resultado pode ter como uma das explicações a alta sensibilidade e baixa especificidade do MEEM, visto que este é um exame de rastreio e não diagnóstico, e pode variar de acordo com os valores de corte.

Somado a isso, o "padrão-ouro" para avaliação de quadros demenciais é a avaliação geriátrica ampla e o acompanhamento de médio e longo prazo dos indivíduos, para então se obter a confirmação diagnóstica17.

Dentre as limitações do estudo pode-se citar, primeiramente, o fato de que, por ser um estudo observacional transversal, não foi feito acompanhamento da evolução clínica e progressão cognitiva dos participantes. Segundo, foi necessário o uso de uma amostra reduzida, devido à exclusão de pacientes com características que pudessem causar viés ao estudo.

De uma forma geral, esta pesquisa nos encoraja a investigar o papel da educação e da reserva cognitiva nas mudanças cognitivas relacionadas a essa e também a outras condições neurológicas.

Com base no exposto, observa-se que a educação não está associada apenas a uma vantagem cognitiva, de modo que os indivíduos bem educados possuem melhor função cognitiva e requerem mais patologia para atingir qualquer nível de comprometimento cognitivo; A educação também modifica a associação entre patologia e cognição em qualquer nível de dano cerebral18.

 

CONCLUSÃO

Esse estudo aponta relevante relação entre a escolaridade e pontuações obtidas no teste cognitivo, determinando a associação entre o nível educacional mais elevado e a maior habilidade cognitiva dos pacientes com DA. Sendo assim, ressaltamos a relevância do presente estudo para salientar a importância do uso de ferramentas como o MEEM e de seus pontos de corte na prática clínica como forma precoce de rastreio, além de reforçar a necessidade de programas específicos de intervenção populacional.

 

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