RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 16. 2

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Relato de Caso

Tuberculose peritoneal: relato de caso

Peritoneal tuberculosis: case report

Ana Paula Colósimo1; Afonso Carlos da Silva2; Luana Marques Baliello3; Lisandra Araújo de Paula3; Luciana de Oliveira Costa3; Lorenna Carla Lima e Silva3

1. Residente de Clínica Médica do Hospital Escola de Itajubá-HE
2. Prof. Titular do Departamento de Clínica Médica do HE
3. Acadêmica do sexto ano da Faculdade de Medicina de Itajubá

Endereço para correspondência

Ana Paula Colósimo
Rua Miguel Braga, 631.
Bairro Boa Vista Itajubá - MG CEP 37505-030
E-mail: colosimo@uol.com.br

Resumo

A tuberculose peritoneal consiste num processo inflamatório crônico causado pelo Mycobacterium tuberculosis. Sua sintomatologia é inespecífica, com comprometimento sistêmico. É aqui descrito o caso de um paciente de 35 anos de idade, alcoólatra, portador de cirrose hepática. Seu diagnóstico foi definido após realização de biópsia peritoneal feita durante a laparotomia exploradora. Iniciou-se o tratamento preconizado e o paciente recebeu alta em boas condições clínicas.

Palavras-chave: Peritonite Tuberculosa; Peritônio/ultraestrutura; Relatos de casos

 

INTRODUÇÃO

A peritonite tuberculosa é das principais doenças que acometem o peritônio, embora não seja das formas mais comuns da tuberculose1. Atinge todas as faixas etárias2, mas distingue particularmente dois grupos de pacientes: mulheres negras entre 20 e 40 anos e alcoólatras de ambos os sexos, de qualquer raça, com idades entre 40 e 60 anos1.

A doença é causada pelo Mycobacterium tuberculosis. Acredita-se que seja iniciada com a reativação de focos latentes implantados no peritônio durante a disseminação hematogênica remota e permanecidos hibernantes1.

Suas características clínicas são ambíguas e, portanto, de difícil diagnóstico, uma vez que deriva de processo inflamatório crônico3.

A tuberculose peritoneal predomina em regiões mais pobres do país4. Afeta comumente indivíduos com baixa imunidade e é facilmente confundida com cirrose hepática.

O presente relato descreve o caso de um paciente de 35 anos de idade, alcoólatra, com dor abdominal e ascite, sendo inicialmente tratado como portador de cirrose, sem melhora clínica. A descrição se justifica pela importância de se pensar no diagnóstico de tuberculose peritoneal em pacientes com ascite e clínica abdominal inespecífica, principalmente em alcoólatras.

 

RELATO DE CASO

Paciente de 35 anos, caucasiano, masculino, alcoólatra, tabagista, natural e procedente de Maria da Fé. Há seis meses iniciou com dor abdominal que piorou nos últimos 15 dias. Foi hospitalizado com dor no quadrante inferior do abdome, em pontada, de moderada intensidade com irradiação para a região lombar, flanco e hipocôndrio esquerdo. Apresentava também anorexia, constipação, distensão abdominal, náuseas, vômitos e sudorese. A dor exacerbava-se com a alimentação e minorava com uso de dipirona. Sem febre, melena ou enterorragia.

Referia duas internações anteriores devido a sintomatologia semelhante. Em ambas foi tratado como cirrótico por alcoolismo, recebendo alta sem melhora de suas queixas.

Apresentava-se em regular estado geral, hipocorado +/+4, dispnéico, normocárdico e normotenso. As auscultas cardíaca e pulmonar eram normais. O padrão respiratório era predominantemente torácico. No abdome havia ruídos hidroaéreos, timpanismo à percussão, tensão aumentada, dor à palpação profunda, principalmente do hipocôndrio e flanco esquerdos. À manobra de Smith-Bates evidenciava-se nodulações na parede abdominal. Estavam ausentes visceromegalias, macicez móvel e circulação colateral. Os sinais de Giordano, Blumberg e Murph foram negativos. Não havia edema de membros inferiores.

O hemograma, a bioquímica e a urina rotina mantiveram-se dentro da normalidade. As provas inflamatórias - proteína C retiva, mucoproteína, hemossedimentação - apresentavam-se positivas. O teste tuberculínico e o antivírus da imunodeficiência humana estavam negativos.

A radiografia de tórax demonstrou imagens nodulares na região infraclavicular direita e no um terço inferior direito.

O ultra-som abdominal evidenciou alteração hepática sugestiva de cirrose, ascite grau II, espessamento de alças intestinais, traves de fibrina, espessamento e nódulos peritoneais.

A paracentese guiada por ultra-som e a análise do líquido ascítico enviado para análise revelou caráter inflamatório exsudativo e pesquisa de Bacilo de Koch negativa.

A tomografia abdominal confirmou os achados ultrasonográficos, evidenciando com mais precisão o espessamento e a nodulosidade peritoneais (Fig. 2).

 


Figura 1 - Radiografia de tórax - imagem nodular em pulmão direito.

 

 


Figura 2 - Tomografia de abdome - espessamento e nodulosidade peritoneal.

 

A hipótese de tuberculose peritoneal foi aventada e foi realizada laparotomia exploradora com biópsia para diagnóstico definitivo. Observou-se importante espessamento peritoneal, com tecido friável e com pontos brancos (caseosos?) na superfície intestinal (Fig. 3). Presença de líquido ascítico claro, de moderada quantidade e com grande número de aderências impossibilitou a visualização do abdome superior.

 


Figura 3 - Laparotomia - espessamento peritoneal e imagem sugestiva de caseos no intestino.

 

Foi coletado material peritoneal para biópsia e o estudo microscópico evidenciou processo inflamatório crônico, com granulomas, muitos deles com necrose caseosa central e outros associados às células gigantes (Fig. 4). Foram isolados raros bacilos (Fig. 5).

 


Figura 4 - Anatomopatológico - granuloma.

 

 


Figura 5 - Anatomopatológico - bácilos de Koch.

 

Foi estabelecido o diagnóstico de tuberculose peritoneal. O tratamento foi instituído e o paciente encaminhado para tratamento ambulatorial.

 

DISCUSSÃO

A tuberculose é causa importante de peritonite em todo o mundo5, sendo problema significativo em países em desenvolvimento6, principalmente devido à epidemia da síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA)5.

As manifestações clínicas da tuberculose peritoneal são bastante inespecíficas. Na maioria das vezes o início é insidioso, com sintomas de comprometimento sistêmico como febre, emagrecimento, ascite, anemia, tumefação e dor abdominal5,7. Confunde-se com outras enfermidades8 e em 70% dos casos passam-se mais de quatro meses até que se estabeleça o diagnóstico1.

Os pacientes com tuberculose peritoneal sofrem com freqüência de cirrose concomitante, que pode ser incorretamente implicada como fonte da ascite, presente em mais de 95% dos estudos ultra-sonográficos5,6.

O estudo radiológico dos campos pleuropulmonares detecta processos ativos ou cicatriciais. A ultra-sonografia também auxilia no diagnóstico ao demonstrar ascite, fina e septada por traves móveis de fibrina, espessamento peritoneal e nodulosidade1.

O fluido ascítico, na maioria das vezes, apresenta aspecto serofibrinoso e o número de células é superior a 300/mm3, com predomínio de linfócitos. A pesquisa do bacilo de Koch raramente é positiva, tanto na cultura quanto no exame direto1. Formas extrapulmonares têm número mais alto de bacilo de Koch negativo em comparação às formas pulmonares2.

O teste tuberculínico é comumente negativo, principalmente em imunodeficientes.

Em pacientes com suspeita de peritonite tuberculosa, a laparoscopia consiste no método definitivo para estabelecimento do diagnóstico9. Em mais de 90% dos pacientes, achados sugestivos incluem nódulos peritoneais característicos visíveis à laparoscopia e granulomas que podem ser documentados por meio de biópsia peritoneal6.

O tratamento requer rifampicina e isoniazida por seis meses e pirazinamida durante dois meses. Com a terapia a recuperação é relativamente rápida. A febre desaparece em menos de duas semanas e a ascite em 30 a 90 dias. Nos casos tratados, a mortalidade é cerca de 5%1.

 

AGRADECIMENTO

Aos doutores Rodolfo Souza Cardoso, Alexandre Amato de Mesquita e Eduardo Augusto Vieira Moreira.

 

REFERÊNCIAS

1. Kaplan HI, Sadock BJ. Synopsis of psychiatry: behavioral sciences/clinical psychiatry. Baltimore: Williams & Wilkins; 1998.

2. Haynal A, Pasini W, Archinard M. Medicina psicossomática: abordagens psicossociais. Rio de Janeiro: Editora Médica e Científica; 2001.

3. Alexander FG, Selesnick ST. História da Psiquiatria. São Paulo: Ibrasa; 1963.

4. Damásio AR. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras; 2004.

5. Atkinson RL, Atkinson RC, Smith EE, Bem DJ, Nolen-Hoeksema S. Introdução à Psicologia de Hilgard. Porto Alegre: Artes Médicas; 2002.

6. Steinberg H. The sin in the aetiological concept of Johann Christian August Heinroth (1773-1843). Hist Psychiat 2004;15(3):329-44.

7. Enciclopédia Delta Universal. Rio de Janeiro: Editora Delta; 1986.