RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 30. (Suppl.2) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.v30supl.2.02

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Artigo de Revisão

Degeneração macular relacionada à idade: o potencial terapêutico das células-tronco

Age-related macular degeneration: the therapeutic potential of stem cells

Adhara de Queiroz Muradas1; Juliana Vieira Figueiredo Urbano1; Pablo Sousa de Oliveira1; Senice Alvarenga Rodrigues Silva2

1. Ciências Médicas de Minas Gerais, Faculdade de Medicina. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Instituto de Olhos Ciências Médicas. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Juliana Vieira Figueiredo Urbano
Email: juhurbano@gmail.com

Resumo

Introdução: A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é uma patologia ocular crônico-degenerativa com perda progressiva e irreversível da visão central. Os avanços no campo da pesquisa das células-tronco têm voltado suas atenções para a aplicação da terapia celular com o intuito de regenerar tecidos oculares que são danificados por essa doença. A DMRI exsudativa possui terapia com anti-fator de crescimento endotelial vascular, e a DMRI seca ou atrófica, não possui terapia aprovada disponível. Objetivo: Avaliar o potencial terapêutico do uso de células-tronco no tratamento de DMRI seca por meio de estudos que demonstraram a segurança e eficácia de experimentos cominjeções intravítreas de fração mononuclear da medula óssea contendo células CD34+. Métodos: Revisão da literatura em artigos entre 2009 e 2017, usando como base os bancos de dados Scielo, PubMed e Lilacs. Resultado: Estudos evidenciaram que o uso de injeções intravítreas de fração mononuclear da medula óssea contendo células-tronco CD34+ está associado com melhora significativa da acuidade visual e do limiar de sensibilidade macular. Ademais, a ausência de crescimento tumoral, desenvolvimento de neovascularização coroidal, a não associação com inflamação significativa e o não comprometimento da função visual demonstrou a segurança da utilização da terapia. Conclusão: Os avanços nos estudos demonstraram que o uso da terapia celular na DMRI atrófica acarreta melhora da visão, proporcionando melhor qualidade de vida. Por isso, verifica-se a necessidade do investimento em novas pesquisas para ampliar os testes e confirmar se esta abordagem de tratamento será realmente eficaz e bem tolerada.

Palavras-chave: Degeneração macular. Células-tronco. Tratamento. Atrofia geográfica. Retina.

 

INTRODUÇÃO

A retina é uma estrutura ocular complexa, multifacetada, que pode ser dividida funcionalmente em duas partes: a primeira se mostra como uma entidade funcional integrada por cones, bastonetes e suas conexões neurais, as quais são responsáveis por recolher a luz e convertê-la em impulsos nervosos transmitidos pelo nervo óptico. A segunda parte é o epitélio pigmentar da retina subjacente e a sua lâmina basal, denominada membrana de Bruch. Essas estruturas possuem como função a manutenção da integridade da barreira entre a coroide e a retina. A coroide, que se apresenta principalmente como uma túnica vascular, se localiza entre a retina e a esclera e constitui a principal fonte de suprimento sanguíneo para a metade externa retiniana.1, 2

A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é uma patologia ocular crônico-degenerativa que afeta a porção central da retina, a mácula. A sua principal manifestação é a perda progressiva e irreversível da visão central, responsável por fornecer maior foco e riqueza de detalhes às imagens interpretadas pelo cérebro humano.1

O objetivo deste estudo é avaliar o potencial terapêutico do uso de células-tronco no tratamento de DMRI seca por meio de estudos que demonstraram a segurança e eficácia de experimentos com injeções intravítreas de fração mononuclear da medula óssea contendo células CD34+ em pacientes com DMRI atrófica.

 

REVISÃO DE LITERATURA

Foi realizada uma revisão da literatura em artigos científicos usando como base os bancos de dados Scielo, PubMed e Lilacs, utilizando os descritores "degeneração macular", "células-tronco", "tratamento", "atrofia geográfica" e "retina" de artigos entre 2009 e 2017.

No mundo, a DMRI afeta 8,7% dos idosos;1 a prevalência é estimada em 196 milhões em 2020 e 288 milhões em 2040.2 É a principal causa de cegueira em pacientes com mais de 50 anos de idade nos países desenvolvidos e nos países subdesenvolvidos, como o Brasil, ocupa o terceiro lugar.3 Com o aumento da expectativa de vida das populações, de uma forma geral, estima-se que também aumente o número de indivíduos afetados por doenças crônico-degenerativas. Nesse sentido, mediante um contexto de envelhecimento populacional global devido ao processo de transição demográfica e consequente ampliação da incidência da DMRI, os avanços no campo da pesquisa das células-tronco têm voltado suas atenções para a aplicação da terapia celular com o intuito de regenerar os tecidos oculares que são danificados por essa doença.3,4 Consequentemente, essa terapia tem sido considerada como uma possível alternativa para oferecer cura e/ou interrupção da progressão da DMRI seca, subtipo de patologia que a medicina atual não proporciona recursos terapêuticos.4

 

DISCUSSÃO

A DMRI é uma doença multifatorial, de etiologia não esclarecida totalmente, mas sabe-se que está relacionada à degeneração do epitélio pigmentar da retina. Inúmeros fatores de risco são reconhecidos, porém a idade se mostra como o mais prevalente. Fatores de risco ocular incluem a presença de drusas moles, alteração pigmentar macular e neovascularização da coroide no outro olho. Fatores de risco sistêmicos incluem hipertensão, tabagismo e história familiar positiva. Os sintomas mais comuns de DMRI são embaçamento da visão central, metamorfopsia e visão reduzida, podendo levar a um escotoma central e importante perda de visão.5

Existem duas formas dessa doença, a úmida (exsudativa) e a seca (atrófica). Durante o exame oftalmoscópico do fundo de olho, é possível perceber edema macular na variedade exsudativa, muitas vezes associada à hemorragia retiniana e exsudato lipídico em torno da mácula.5 Nesse sentido, é importante destacar que enquanto a DMRI exsudativa possui como opção terapêutica a terapia com anti-fator de crescimento endotelial vascular, a DMRI seca, a qual possui frequência de 85%, não possui terapia aprovada disponível e sua manifestação característica é a atrofia geográfica (Figura 1).

 


Figura 1. Comparação entre as máculas em uma retina normal (A) e em retinas com DMRI nas formas exsudativa (B) e atrófica (C).

 

Essa disfunção se caracteriza por áreas bem delineadas de hipopigmentação ou despigmentação devido a uma ausência ou a uma atenuação do epitélio pigmentar da retina subjacente.6 Os mecanismos para o desenvolvimento da atrofia geográfica incluem isquemia, senescência, dano oxidativo e foto-oxidativo e inflamação, diretamente ou através de mecanismos apoptóticos.7 O único tratamento aprovado a DMRI atrófica no momento é baseado no "Estudo da Doença Ocular Relacionada à Idade". Esse estudo demonstrou que a suplementação diária de vitaminas e minerais antioxidantes reduz em 25% o risco de desenvolver uma doença avançada em 5 anos.8,9

A fisiopatologia da DMRI seca é caracterizada por alterações degenerativas envolvendo a parte externa da retina, epitélio pigmentar e membrana de Bruch. À medida que o indivíduo envelhece, as células do epitélio pigmentar tornam-se menos eficientes no desempenho de suas funções. Assim, a retina não é oxigenada adequadamente e passa a acumular resíduos, o que acarreta a formação de depósitos denominados drusas amorfas. Com isso, as células da membrana pigmentar da retina lentamente degeneram-se, causando perda da visão central.5

Estudos abertos prospectivos e não randomizados, que analisaram alterações na acuidade visual e nos resultados de angiografia com fluoresceína, autofluorescência de fundo, imagem infravermelha, tomografia de coerência óptica e microperimetria, evidenciaram que o uso de injeções intravítreas de fração mononuclear da medula óssea contendo células-tronco CD34+, obtidas pela aspiração e pelo processamento de células da medula óssea de cada paciente com DMRI atrófica, está associado com melhora significativa da acuidade visual e do limiar de sensibilidade macular.10 Tal fato se deve à capacidade que as células CD34+ possuem de se enxertarem na retina lesada e em sua vasculatura após injeções intravítreas (Tabela 1).

 

 

A média da melhor acuidade visual (MAVC) corrigida antes da injeção das células CD34+ foi de 1,18 logMAR (20/320+1). Aos 3, 6 e 12 meses após a injeção intravítrea, os MAVCs médios foram 1,04 logMAR (20/200-2), 1,02 logMAR (20/200-2) e 1,0 logMAR (20/200-1) e 1,0 logMAR (20/200), respectivamente. A MAVCs variou de 20/125 -1 para 20/800 no início do estudo, aumentando para 20/63 -1 e 20/500 -2 no primeiro mês e a 20/40 e 20/800 no sexto mês. 10

As células-tronco CD34+ têm um grande potencial no tratamento de doenças degenerativas da retina, uma vez que são células multipotentes com efeito trófico parácrino, e não por substituição celular direta. Estas células secretam fatores neurotróficos e angiogênicos, como o fator neurotrófico ciliar, o fator básico de crescimento de fibroblastos e o VEGF, os quais, provavelmente, atuam nas células danosas restabelecendo os caminhos sinápticos na retina do paciente. Dessa forma, as CD34+ provavelmente possuem menor ação na área de atrofia, uma vez que o seu efeito é trófico e não possuem capacidade de reposição celular.11 No entanto, alguns estudos têm demonstrado a capacidade dessas células de integrar e de diferenciar neurônios da retina.12 Foi verificado, também, mediante exames de angiografia com fluoresceína, a ausência de crescimento tumoral, alterações na perfusão e desenvolvimento de neovascularização coroidal nos pacientes. Com relação à tomografia de coerência óptica nos estudos, não foi verificado alterações na espessura ou anatomia macular em nenhum momento. Na microperimetria, foi avaliada a sensibilidade do limiar médio, a qual teve melhora significativa principalmente a partir do sexto mês.10

Ademais, a não associação com inflamação significativa e o não comprometimento da função visual da retina dos indivíduos submetidos nas pesquisas, demonstrou a segurança da utilização da terapia celular na DMRI seca.10

 

CONCLUSÃO

A DMRI é uma doença degenerativa e incapacitante e, por isso, necessita de tratamento preventivo e curativo eficaz. Os avanços nos estudos envolvendo as células tronco demonstraram que a injeção intravítrea de fração mononuclear da medula óssea contendo células CD34+ é segura em pacientes com DMRI atrófica. Os resultados preliminares demonstraram uma melhora significativa na acuidade visual, principalmente em pacientes com áreas menores de atrofia geográfica, provavelmente devido ao efeito trófico dessas células. Dessa forma, pode-se dizer que o uso da terapia celular no tratamento dessa patologia acarreta melhora da visão dos pacientes, proporcionando-os melhor qualidade de vida.

A incidência da DMRI atrófica aumenta com o avançar da idade e o processo de transição demográfica populacional tem acarretado aumento progressivo dos casos. Então, estudos com amostras maiores e o uso de tecnologias como óptica adaptativa são importantes para uma melhor compreensão do comportamento dessas células nas doenças da retina. Consequentemente, verifica-se a necessidade do investimento em novas pesquisas para ampliar os testes, confirmar e determinar se esta abordagem de tratamento será realmente eficaz e bem tolerada.

 

REFERÊNCIAS

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9. Grupo de Pesquisa do Estudo 2 sobre Doenças Oculares Relacionadas à Idade (AREDS2), Chew EY, SanGiovanni JP, Ferris FL, et al. Luteína / zeaxantina para o tratamento de catarata relacionada à idade: relatório de ensaio randomizado AREDS2 nº 4. JAMA Ophthalmol. 2013; 131 (7): 843-850.

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