RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 30 e-30105 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20200035

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Artigo Original

Consumo de cigarros e tentativa de cessação do tabagismo entre participantes e não-participantes do grupo de apoio ao abandono do tabaco em unidades básicas de saúde

Cigarette consumption and attack of tobacco cessation between participants and nonparticipants of the support group to the abandonment of tobacco in basic health units

Rodolfo Ribeiro de Jesus; Alan da Rosa Maçalai; Daniel Jordão Corrêa de Oliveira; João Victor Rebello Matos; Leonardo Zuna Vasquez; Reni Geraldo Lopes-Junior; Guillermo Patrício Ortega Jácome; Nathália Barbosa do Espírito Santo Mendes; Edimar Pedrosa Gomes

Universidade Presidente Antônio Carlos, Faculdade de Medicina de Juiz de Fora - Juiz de Fora - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência

Rodolfo Ribeiro de Jesus
E-mail: rodolforibeirojesus@gmail.com

Recebido em: 27/02/2019
Aprovado em: 24/03/2020

Instituição: Universidade Presidente Antônio Carlos, Faculdade de Medicina de Juiz de Fora - Juiz de Fora - Minas Gerais - Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: a dependência do tabaco envolve questões comportamentais, cognitivas, sociais e fisiológicas, que dificultam o sucesso da interrupção do hábito de fumar na primeira tentativa.
OBJETIVO: comparar o consumo de cigarros e tentativa de cessação do tabagismo entre participantes e não participantes do Grupo de apoio ao abandono do tabaco em Unidades Básicas de Saúde.
MÉTODOS: estudo descritivo, exploratório que utilizou para coleta de dados questões sobre o consumo de tabaco baseadas no questionário validado Global Adult Tobacco Survey 2011.
RESULTADOS: participaram 322 pacientes, sendo 13,4% participantes do grupo e 86,6% não participantes. Quanto ao consumo de tabaco, 81,4% e 49,9%, respectivamente, no grupo e não grupo, eram tabagistas. Evidenciou-se que a cessação do tabagismo foi menor entre os pacientes que participaram do grupo (18,6%) em comparação com os que não participaram (50,2%) (p=0,000). No que tange à tentativa de cessação do tabagismo, independentemente de participar ou não do grupo, a maioria dos tabagistas tentou parar de fumar no último ano (90,6% e 85,3% respectivamente). Sobre as comorbidades associadas ao tabagismo, observou-se na amostra estudada a prevalência de 54,7% (p=0,049).
CONCLUSÃO: o Grupo de apoio ao abandono do tabaco não foi determinante para ajudar o paciente a tentar parar de fumar e obter sucesso na cessação do tabagismo. Entretanto, cabe aos profissionais incentivar as ações previstas na Política Nacional de Controle do Tabaco e implementar estratégias que possam auxiliar tabagistas nas tentativas de cessação e manutenção da abstinência do hábito de fumar em longo prazo.

Palavras-chave: Tabagismo; Abandono do Uso de Tabaco; Centros de Saúde; Atenção Primária à Saúde.

 

INTRODUÇÃO

O uso do tabaco está associado a uma taxa de óbito estimada no século passado em 100 milhões de pessoas, podendo chegar a um bilhão no presente século, o que coloca o tabagismo como um relevante problema de saúde pública e um importante fator de risco evitável de doenças não transmissíveis, como neoplasias, doenças cardiovasculares e doenças respiratórias.1-2

No mundo, a região que possui maior percentual de pessoas que fumam tabaco é a Europa (29%) e a menor, a África (12,4%). A Região das Américas, em 2010, apresentou 18,7% de tabagistas adultos. O Chile foi o país que teve a maior prevalência de fumantes (40,1%); Cuba registrou 54,7% de homens e o Chile 37,5% de mulheres fumantes. No Brasil, nesse mesmo ano, o percentual de adultos fumantes era de 17,6%, com estimativa para 2025 de cair para 11,7%.2

No Brasil, de acordo com dados de 2016 da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas - Vigitel, por inquérito telefônico nas capitais brasileiras, a prevalência de tabagismo variou de 5,1% em Salvador a 14% em Curitiba. As maiores taxas de frequências de fumantes foram encontradas, entre homens, em Curitiba (17,8%) e, entre mulheres, em São Paulo (12,1%). As menores frequências de fumantes, no sexo masculino, ocorreram em Salvador (6,8%) e, no sexo feminino, em São Luís (2,3%). A frequência do hábito de fumar diminuiu com o aumento da escolaridade e foi particularmente alta entre homens e mulheres com até oito anos de escolaridade (17,5% e 11,5% respectivamente), excedendo em cerca de duas vezes a frequência observada entre indivíduos com 12 ou mais anos de estudo.3

Considerando o panorama epidemiológico associado ao uso do tabaco, e com o reconhecimento de que a expansão do tabagismo constitui um problema mundial, durante a 52ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 1999, os estados membros das Nações Unidas propuseram a adoção do Primeiro Tratado Internacional de Saúde Pública da história da humanidade. Trata-se da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde (CQCT/OMS). Esse tratado determina um conjunto de medidas, cuja meta precípua é deter a expansão do consumo de tabaco, ou seja, sua oferta e demanda.4 A CQCT/OMS conta com assinaturas de mais de 160 países, o que significa o compromisso dessas nações em ratificar e aprovar o tratado em seus territórios.5

A adesão do Brasil à CQCT/OMS ocorreu em 2005, tendo sido ratificada pelo Congresso Nacional e, em janeiro de 2006, esta foi promulgada pelo Presidente da República. Com isso, a implementação nacional desse tratado internacional de saúde pública ganhou o status de Política de Estado.4

A Política Nacional de Controle do Tabagismo, além de englobar ações educativas, de comunicação, de atenção à saúde, junto com o apoio à adoção ou ao cumprimento de medidas legislativas e econômicas com vistas a prevenir a iniciação do tabagismo, principalmente entre adolescentes e jovens, visa promover ações diretivas à cessação do hábito de fumar, proteger a população da exposição à fumaça ambiental do cigarro e reduzir o dano individual, social e ambiental advindo de produtos derivados do tabaco. Essa política articula a Rede de Tratamento do Tabagismo no Sistema Único de Saúde, o Programa Saber Saúde, as Campanhas e outras ações educativas, além da Promoção de Ambientes Livres de cigarro.6

O nível de Atenção Primária à Saúde ocupa uma posição privilegiada e estratégica para controle do tabaco no âmbito do SUS, assim como para outros agravos crônicos à saúde. Considerando que o tabagismo ainda é um problema de saúde prevalente no Brasil, a atenção ao fumante, assim como a prevenção para o início do hábito de fumar cigarros deve fazer parte das responsabilidades das equipes de saúde que atuam nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs).6

Nas UBSs, os profissionais de saúde devem realizar abordagem individual breve e/ou básica e grupos operativos para o controle do tabagismo. Denominado no presente estudo de grupo de apoio ao abandono do tabaco (Gaat), o grupo operativo é organizado com quatro reuniões compostas por sessões estruturadas de abordagem cognitivo-comportamental, além de consultas médicas com distribuição de medicação (Bupropiona e repositores de nicotina) e do manual do participante, que reforça as discussões realizadas em grupo. Além disso, mensalmente ocorrem sessões de manutenção para aqueles que conseguiram deixar o hábito de fumar a fim de evitar a recidiva.4

A maioria das pessoas para de fumar com sucesso em curto prazo, porém, a recaída em um período de até 12 meses é bastante comum. A tentativa de se abster do fumo exige um esforço contínuo, assim como a persistência em executar estratégias autorregulatórias no sentido de manejar de modo efetivo as situações que poderão constituir-se em gatilhos para a retomada do hábito de fumar.7

Este estudo tem como hipótese: a participação no Gaat realizado em Unidades Básicas de Saúde pode auxiliar o fumante a ter sucesso na cessação do uso do tabaco. O objetivo principal é comparar o consumo de cigarros e a tentativa de cessação do tabagismo entre participantes e não participantes do Gaat em Unidades Básicas de Saúde. Os objetivos secundários são: identificar o perfil sociodemográfico dos pacientes; relacionar consumo de cigarros e tentativa de cessação do tabagismo e apontar comorbidades associadas ao uso do tabaco.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, realizado com pacientes tabagistas e ex-tabagistas cadastrados em UBSs, na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. A rede de serviços de Atenção Primária à Saúde da cidade é composta por 63 UBSs, distribuídas em sete regiões administrativas e 12 sanitárias. Em 39 UBSs, existem 89 equipes que compõem a Estratégia de Saúde da Família e 24 equipes que atuam segundo o modelo Tradicional de Assistência. Em duas das UBSs, coexistem o Modelo Tradicional e a Estratégia de Saúde da Família.8

Para a seleção das UBSs, foi realizada uma amostragem por conglomerados em dois estágios. No primeiro estágio, foram sorteadas de forma aleatória simples 16 UBSs das diversas regiões do município. No segundo estágio, foram incluídos os pacientes tabagistas e ex-tabagistas que estavam na UBS no período estipulado para a coleta de dados, que atendiam aos critérios de inclusão, que aceitaram participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os critérios de inclusão dos pacientes na pesquisa foram: ser tabagista ou ex-tabagista, adulto (maior de 18 anos), de ambos os sexos, cadastrado na UBS pertinente ao seu domicílio.

O acesso aos pacientes foi realizado após autorização do Departamento de Programas e Ações da Atenção Primária à Saúde da Subsecretaria de Atenção Primária à Saúde, que forneceu a relação das UBSs do município que mantém o Gaat.

Para a obtenção dos dados, utilizou-se um questionário elaborado especificamente para esta pesquisa, com questões objetivas sobre dados pessoais, socioeconômicos e principais comorbidades associadas ao tabagismo. O conteúdo referente ao consumo do tabaco foi elaborado tomando como base o questionário validado Global Adult Tobacco Survey, com versão em português elaborada pelo Grupo Colaborativo para a Pesquisa Mundial sobre Tabagismo em Adultos.9

O questionário foi aplicado no momento mais conveniente ao paciente, gastando-se cerca de 10 a 20 minutos com a entrevista. Compuseram o estudo 322 questionários, sem necessidade de exclusão de nenhum deles. Os participantes foram abordados nas UBSs, no setor de acolhimento, na sala de espera, por ocasião das consultas médicas e antes ou depois da realização do Gaat.

A coleta de dados foi realizada nos meses de setembro e outubro de 2018 e os resultados foram tratados com base em estatística descritiva. Utilizaram-se os programas Access 2013, Microsoft Corporation®USA e o Statistical Package for the Social Sciences - SPSS 21.0, IBM®SPSS Statistic. O teste Qui-quadrado foi utilizado para a comparação das variáveis categóricas. O nível de significância adotado para o estudo foi 5%.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac), em 11 de junho de 2018, sob o Parecer nº 2.706.478.

 

RESULTADOS

Foram entrevistados 322 pacientes tabagistas e ex-tabagistas. Destes, 13,4% eram participantes do Gaat e 86,6% não participantes. Considerando a totalidade dos pacientes, verificou-se que a maior parte eram mulheres (58,7%); cor branca (54,7%); com o ensino fundamental incompleto (51,9%); faixa etária entre 40 e 65 anos (66,5%) e renda familiar de até três salários mínimos (68,3%) (Tabela 1).

 

 

Quando comparado o consumo atual de tabaco entre os participantes (43 indivíduos) e os não participantes do Gaat (279 indivíduos), constatou-se que 81,4% e 49,9%, respectivamente, eram tabagistas. A cessação do tabagismo foi menor entre os pacientes que participaram do Gaat (18,6%) em comparação com os que não participaram (50,2%) (p=0,000) (Tabela 2).

 

 

Em relação à tentativa de cessação do tabagismo, independentemente de participar ou não do Gaat, a maioria dos tabagistas tentou parar de fumar no último ano (90,6% e 85,3% respectivamente) (Tabela 3).

 

 

Sobre as comorbidades associadas ao tabagismo, observou-se na amostra estudada a prevalência de 54,7%, estatisticamente significativa (p=0,049). Entre os participantes do Gaat (43), a prevalência foi de 67,4% (Tabela 4).

 

 

DISCUSSÃO

O serviço de Atenção Primária à Saúde, como primeiro ponto de contato da população com o sistema de saúde, por seus atributos, primeiro acesso, integralidade, longitudinalidade e coordenação do cuidado, tem a responsabilidade de apoiar e acompanhar o fumante em relação ao tratamento do tabagismo. Para esse fim, no Brasil, a Política Nacional de Controle do Tabagismo recomenda a realização do grupo operativo nas UBSs pela equipe de saúde, denominado no presente estudo de Gaat. Nesse grupo, promove-se a abordagem de temas que incluem prejuízos relacionados à saúde decorrentes do uso do tabaco; dependência do tabaco (dependência da nicotina, associação de comportamentos e dependência psicológica); métodos para deixar de fumar (parada abrupta e gradual); como lidar com a abstinência; benefícios após parar de fumar, entre outros.6

Os resultados da presente investigação mostraram que a participação no Gaat realizado nas UBSs do município estudado parece não ter determinado o sucesso na cessação do uso do tabaco. A maior parte dos pacientes que participaram do Gaat (81,4%) se declararam como tabagistas atuais contra 49,9% dos que não participaram. Outra questão que merece destaque é que o percentual de tentativa de cessação do tabagismo foi elevado, tanto entre os pacientes que participaram do Gaat como entre os que não participaram. Isso também mostra que participar do Gaat em UBSs não foi determinante para o fumante tentar cessar o tabagismo.

Corrobora estes resultados estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA), que verificou, a partir de pesquisa populacional com 5.078 fumantes, que quase 62% da amostra fez uma tentativa de cessação do tabagismo sem ajuda nos últimos 12 meses. Os resultados indicaram que as tentativas de desistir sem ajuda eram mais prováveis entre os homens em comparação com as mulheres (p< 0,001), grupos etários mais jovens comparados aos grupos etários mais velhos (p<0,001) e negros não hispânicos comparados aos brancos não hispânicos (p<001), entre as pessoas com menor renda em comparação com as pessoas com maior renda (p<0,001) e entre as pessoas com menor dependência de nicotina em comparação com aquelas com maior dependência de nicotina (p<0,001). Foi salientado que, mesmo considerando que o auxílio dos serviços de saúde para a cessação aumenta a probabilidade de desistir do hábito de fumar, as políticas e os programas devem desenvolver intervenções de cessação direcionadas a populações com maior probabilidade de cessar o tabagismo sem auxílio. Isso melhoraria as taxas de cessação do tabagismo.10

No Brasil, investigação com 62 ex-tabagistas mostrou que 79% haviam tentado parar de fumar antes da última tentativa - a bem-sucedida - e 21% pararam na primeira tentativa; a média foi de três tentativas prévias. Nas vezes em que não haviam conseguido parar de fumar, 56,5% não contaram com auxílio externo para cessar o tabagismo. A maior parte referiu que o motivo para parar foi preocupação com a saúde (41%).7

Abandonar o tabaco pode ser uma experiência difícil, pois a dependência engloba um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos, sociais e fisiológicos, que fazem com que poucos tabagistas consigam interromper com sucesso o hábito de fumar em sua primeira tentativa.11

A literatura destaca as elevadas taxas de tentativas do abandono do tabaco em contraponto às baixas taxas de sucesso. Nos EUA, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) avaliou as estimativas nacionais de comportamentos de cessação entre adultos com idade ≥ 18 anos, utilizando dados dos inquéritos nacionais de saúde de 2000, 2005, 2010 e 2015. Durante o período de 2000-2015, ocorreu aumento na proporção de tabagistas que relataram tentativa de parar no último ano, pararam de fumar recentemente, foram aconselhados a deixar de fumar por um profissional de saúde e usaram aconselhamento e/ou medicação de cessação (p<0,05). Ainda nesse período, menos de um terço das pessoas usou métodos de cessação baseados em evidências ao tentar parar de fumar. Os autores salientaram a importância de abordar os tabagistas, aconselhá-los a parar, promover tratamentos de cessação baseados em evidências, removendo barreiras ao acesso ao tratamento.12

No Brasil, pesquisa que constatou a prevalência de 62,5% de fracasso na cessação do tabagismo mostrou que esse insucesso estava associado com a menor faixa etária, pois pacientes da faixa etária de 20 a 39 anos de idade, quando comparados com maiores de 60 anos, tiveram 68% mais risco de fracasso. As variáveis "menor tempo de tabagismo" e "maior número de cigarros/dia" mostraram-se associadas ao fracasso na cessação. Ressaltou-se também que o menor grau de motivação estava associado ao insucesso na cessação.13

A automotivação é considerada fundamental para o sucesso da cessação por tabagistas. Aqueles com baixa motivação têm maiores chances de fracasso comparados aos tabagistas com alta motivação. Mesmo o paciente que procura ajuda para cessar o tabagismo, ele pode necessitar de estratégias de motivação. Nesse sentido, durante a abordagem à pessoa tabagista, investigam-se as principais doenças e fatores de risco relacionados ao tabagismo, bem como se avalia o grau de dependência em relação ao cigarro, seu estágio de motivação para a cessação do tabagismo e suas preferências para o tratamento, de modo a situar o tabagismo na integralidade da assistência.6

Pesquisa realizada nos EUA revelou que fumantes não motivados a cessar o tabagismo não constituíam um grupo homogêneo. As pessoas preocupadas com a saúde, que apresentavam um número maior de doenças prévias relacionadas ao tabagismo e percepções de alto risco deste hábito, tiveram alta motivação de parar o uso do tabaco em relação às outras. Outros fumantes com barreiras psicossociais, a maioria jovens com parceiros tabagistas e mais fumantes em casa, tiveram chances mais baixas de nunca planejar desistir. Um terceiro grupo, que apresentava tabagistas motivados e confiantes para cessar o tabagismo, teve doenças relacionadas ao tabagismo, percebeu os riscos de fumar e os benefícios de deixar o tabagismo tiveram probabilidade cumulativa de planejamento maior para a demora em cessar o hábito de fumar. Por isso, sugerem-se abordagens de intervenção personalizadas e mensagens específicas para motivar o abandono do cigarro.14

A entrevista motivacional tem sido desenvolvida como método clínico para promover nas pessoas com doenças crônicas mudanças de conduta, ajudando-as a resolver as ambivalências vividas e a conseguir suas próprias motivações. As estratégias da entrevista motivacional se pautam em um estilo colaborativo, evocativo e de respeito à autonomia do paciente. Sua prática se baseia em quatro processos fundamentais: estabelecer uma relação; traçar um objetivo; evocar e estabelecer um plano de ação. Esta prática precisa cumprir os seguintes princípios básicos: evitar o redirecionamento, entender as motivações do paciente, escutá-lo de maneira empática e capacitá-lo para a mudança de comportamento.15

Em Louisville, Kentucky, EUA, estudo quase-experimental comparou os efeitos da entrevista motivacional realizada por médicos residentes e enfermeiros em grupos de pessoas tabagistas. Quando médicos e enfermeiros trabalharam juntos, os pacientes alcançaram melhores resultados: diminuição do número de cigarros fumados por dia, maior autoeficácia e menores escores de dependência à nicotina e índices positivos de satisfação.16

Entre os tabagistas e ex-tabagistas que foram entrevistados (322) na presente pesquisa, a maior parte referiu nunca ter participado do Gaat (86,6%). Sobre esse baixo percentual de participantes no Gaat, salienta-se que, no município estudado, as UBSs funcionam no horário das 7h às 17h, período em que geralmente a população trabalha, o que pode estar dificultando a participação dos tabagistas no grupo. Por outro lado, é importante salientar que a questão da motivação da pessoa tabagista para cessar o hábito de fumar é apontada em estudos encontrados na literatura.17-19 É certo que a gestão dos serviços de saúde precisa atentar em oferecer aos pacientes condições de acesso ao atendimento em horário ampliado. No entanto, quando motivado, o paciente poderá vencer as barreiras que dificultam sua participação nos atendimentos ofertados pelo serviço de Atenção Primária à Saúde.

Ao explorar as motivações subjacentes, barreiras e rede social de apoio aos fumantes em um programa grupal de cessação tabágica de um bairro desfavorecido na Holanda, uma investigação constatou que o desejo dos tabagistas de parar foi mencionado por mais de um terço de frequentadores como motivação para o comparecimento ao grupo. Nenhuma barreira organizacional ao atendimento foi mencionada por tabagistas frequentes que referiram ter apoio social dentro e fora do programa.17

Investigação realizada em Nova Iorque (EUA) apontou a experiência de ex-fumantes que mantiveram a abstinência do tabaco por mais de um ano (1,5 a 18 anos). Os resultados sugerem que a manutenção da cessação do tabagismo foi determinada por múltiplas influências, com interação complexa entre os fatores biológicos, psicológicos, cognitivos e sociais. Entre esses fatores, destacaram-se a motivação para novas perspectivas de vida sem o cigarro, autotransformação e desejo de recuperar a aceitação. As conclusões do estudo ressaltaram a necessidade de um modelo compartilhado de tomada de decisão referente à cessação tabágica, no qual profissionais de saúde e pacientes tabagistas possam trocar informações e experiências para gerar uma decisão de tratamento mutuamente acordada. A tomada de decisão compartilhada e aconselhamento ou entrevistas motivacionais foram evidenciadas como intervenções terapêuticas importantes na prática clínica para ajudar as pessoas tabagistas a manterem a cessação em longo prazo.18

No Brasil, pesquisa de abordagem qualitativa salientou em seus resultados que a autodeterminação e o afastamento de atividades anteriormente associadas ao hábito de fumar foram mencionados por ex-tabagistas como fundamentais para a manutenção da abstinência do tabaco. Estes, associados aos ganhos relacionados à saúde e sociais, assim como às dificuldades vivenciadas para alcançar a cessação tabágica, levaram esses pacientes à decisão de afastarem-se do cigarro e de outros tabagistas para manter a abstinência do tabaco.19

Os dados de caracterização sociodemográfica da amostra apontaram que a maior parte dos pacientes eram mulheres; cor branca; com o ensino fundamental incompleto; faixa etária entre 40 e 65 anos e renda familiar de até três salários mínimos.

Quanto ao gênero, estudos de modo geral constataram que os homens fumam mais que as mulheres. Na Tunísia, pesquisa comunitária evidenciou maior prevalência do uso de tabaco na população masculina (50,4%) (n=341) quando comparada às mulheres (3,1%) (n=37).20 Por outro lado, a Organização Mundial da Saúde aponta que, na Europa, ocorre maior prevalência de fumantes entre as mulheres.21

Os dados do inquérito telefônico Vigitel, entre 2006-2014, com fumantes da região Sul do Brasil corroboram os resultados do presente estudo no que diz respeito ao nível de escolaridade e faixa etária dos pacientes, embora mostrem que as maiores prevalências do uso do tabaco ao longo do período ocorreram em homens. Salientou-se uma tendência declinante da prevalência de fumantes para ambos os sexos, níveis de escolaridade e grandes regiões do Brasil, em quase todas as faixas etárias.22 Registrou-se um aumento de ex-tabagistas na faixa etária de 55-64 anos, 65 anos e mais e para os indivíduos de baixa escolaridade. Isso aponta que a meta global e nacional de redução de 30% do tabagismo até 2025 tem potencial para ser alcançada.23

A maioria dos entrevistados referiram possuir uma ou mais comorbidades associadas ao tabagismo (54,7%), independentemente de participarem ou não do Gaat. A prevalência de 67,4% entre os participantes do Gaat sugere que o elevado percentual de comorbidades associadas ao tabagismo pode ter levado os pacientes a buscarem apoio profissional na UBS para a cessação do hábito de fumar.

Hipertensão Arterial Sistêmica foi a doença mais citada pelos pacientes (45,3%). Essa doença crônica também foi associada ao uso do tabaco na pesquisa com 1.880 adultos realizada na Tunísia.20 Entre as doenças relacionadas ao tabagismo, citam-se o câncer de pulmão, da cavidade bucal e de mama; doenças respiratórias crônicas; restrição do crescimento intrauterino; predisposição a partos prematuros; com destaque para as doenças cardiovasculares.2

Em Pesquisa Nacional de Entrevistas de Saúde nos EUA, com fumantes e não fumantes constatou-se que a maior parte da mortalidade entre os tabagistas foi devido a doenças neoplásicas, vasculares, respiratórias e outras que podem ser causadas pelo tabagismo. A expectativa de vida foi encurtada em mais de dez anos entre os tabagistas em comparação com aqueles que nunca fumaram. Adultos que pararam de fumar com idades entre 25 e 34, 35 e 44, ou 45 e 54 anos ganharam cerca de dez, nove e seis anos de vida, respectivamente, em comparação com aqueles que continuaram a fumar. A cessação antes dos 40 anos de idade pode reduzir o risco de morte associado à continuidade do hábito de fumar tabaco em cerca de 90%.24

A complexidade que envolve o hábito de fumar deve ser considerada pelos profissionais de saúde ao atender o paciente tabagista. Mesmo que, no presente estudo, a participação no Gaat não tenha determinado o sucesso nas tentativas e na cessão do tabagismo, cabe aos profissionais incentivar as ações previstas no Gaat e na Política Nacional de Controle do Tabagismo e implementar estratégias que possam apoiá-los nas tentativas e manutenção da abstinência do hábito de fumar em longo prazo.

Nesse sentido, o profissional que atua nas UBSs, especialmente o médico, não pode perder de vista a abordagem oportuna aos pacientes tabagistas, independentemente se eles manifestam o desejo de parar de fumar ou não. Tal abordagem pode ser feita especialmente nas consultas, visitas domiciliares e grupos de educação em saúde para hipertensos, diabéticos, obesos e gestantes. Isso poderá melhorar o conhecimento dos tabagistas em relação às complicações do uso do tabaco e apoiá-los na cessação do hábito de fumar com vistas à prevenção de doenças crônicas correlacionadas ao tabagismo e à promoção da saúde.

 

CONCLUSÃO

Dos 322 pacientes entrevistados, 13,4% eram participantes do Gaat e 86,6% não participantes. Entre os participantes, 18,6% obtiveram sucesso na cessação do tabaco, contra 50,2% dos não participantes do Gaat. Em relação à tentativa de cessação do tabagismo, independentemente de participar ou não do Gaat, a maioria dos tabagistas tentou parar de fumar no último ano (90,6% e 85,3% respectivamente). Os resultados mostram que esse apoio realizado nas Unidades Básicas de Saúde do município estudado não foi determinante para ajudar o paciente a tentar parar de fumar e obter sucesso na cessação do tabagismo.

 

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