ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Púrpura de henoch-schönlein associada à vacina contra febre amarela: Relato de caso e revisão de literatura
Association between yellow fever vaccine and henoch-schönlein purpura: Case report and literature review
Rosa Priscila Oliveira Monte Andrade1; Luís Arthur Brasil Gadelha Farias2; Ana Rívia Silva Jovino1; Marcellus Henrique Loiola Ponte Souza3; Kirla Wagner Poti Gomes1,4
1. Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Serviço de Reumatologia - Fortaleza - Ceará - Brasil
2. Universidade Federal do Ceará (UFC), Faculdade de Medicina - Fortaleza - Ceará - Brasil
3. Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), Serviço de Gastroenterologia - Fortaleza - Ceará - Brasil
Luís Arthur Brasil Gadelha Farias
E-mail: luisarthurbrasilk@hotmail.com
Recebido em: 04/07/2018
Aprovado em: 20/02/2020
Instituição: Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Serviço de Reumatologia - Fortaleza - Ceará - Brasil
Resumo
A púrpura de Henoch-Schönlein é uma vasculite associada a imunocomplexosque afeta predominantemente pequenos vasos. Os principais sintomas são púrpura cutânea, glomerulonefrite aguda, dor abdominal e artrite. Relata-se o caso de uma estudante de 17 anos de idade com dor abdominal e púrpura palpável simétrica em membros inferiores iniciados uma semana após a vacinação contra a febre amarela. A endoscopia digestiva alta mostrou intensa duodenite enantematosa com petéquias e a biópsia duodenal evidenciou vasculite de pequenos vasos, compatível com púrpura de Henoch-Schönlein. Foi tratada com glicocorticóide e evoluiu com resolução completa dos sintomas. Não há casos relatados mostrando a associação da púrpura de Henoch- Schönlein e a vacina contra febre amarela.O alerta para essa possível manifestação assume grande importância nos dias de hoje, uma vez que a vacinação contra a febre amarela será gradualmente introduzida em todo o território brasileiro.
Palavras-chave: Febre amarela; Vacinação; Púrpura de Schoenlein- Henoch.
INTRODUÇÃO
A Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS), atualmente conhecida como vasculite por imunoglobulina A (IgA), é uma vasculite complexa que afeta pequenos vasos, principalmente na infância. Os sintomas comuns da doença são púrpura palpável, glomerulonefrite aguda, dor abdominal, artralgia e/ou artrite. O diagnóstico é normalmente confirmado por achados histopatológicos da pele (vasculite leucocitoclástica) e dos rins (lesão mesangial com diferentes graus de hipercelularidade), que demonstram depósitos difusos de IgA.1,2
No Brasil, o surto recente de febre amarela aumentou a preocupação do governo com a vacinação contra essa doença.3 Recentemente, a vacinação foi expandida para estados sem surtos de infecção, como Ceará e Rio Grande do Norte, para prevenir a disseminação dessa infecção.4,5 Apesar dos efeitos adversos conhecidos, não há casos relatados mostrando associação entre PHS e a vacina contra febre amarela (VFA).
Relata-se o caso de uma paciente de 17 anos que evoluiu com PHS uma semana após a vacinação contra febre amarela.
RELATO DO CASO
Uma estudante de 17 anos de idade, sem comorbidades, apresentou dor abdominal difusa e purpura palpável nos membros inferiores (figura 1). Uma semana antes dos sintomas, ela apresentou odinofagia de leve intensidade e passageira, sem febre, logo após ter sido vacinada contra febre amarela. O hemograma completo, coagulograma, VHS, PCR e sumário de urina foram normais. VDRL, sorologias para HIV, hepatite B e C foram negativas. Tomografia computadorizada abdominal com contraste não mostrou alterações. Ela foi diagnosticada com possível PHS, sendo prescrito prednisona 40mg/dia e omeprazol 20mg/ dia. Não seguiu as recomendações médicas e, uma semana depois, apresentou dor abdominal de forte intensidade com vômitos, evoluindo com hematêmese, sem novas lesões cutâneas. Endoscopia digestiva alta mostrou duodenite enantemática intensa, com petéquias (figura 2). Biópsia duodenal foi realizada e evidenciou vasculite de pequenos vasos, sugerindo PHS.
Foi iniciado tratamento endovenoso com metilprednisolona, na dose equivalente a 1mg/kg/dia de prednisona, bromoprida e omeprazol. A paciente evoluiu com resolução dos sintomas em menos de 24 horas e recebeu alta com prednisona 1mg/kg/dia. A dose foi mantida por 3 semanas e reduzida gradualmente, sem recidiva da doença após suspensão completa do corticoide depois de 3 meses de tratamento.
DISCUSSÃO
A púrpura de Henoch-Schönlein, também conhecida por vasculite por IgA, é uma doença primária da infância em que há deposição dessa imunoglobulina nos pequenos vasos, causando inflamação na pele, intestino,articulações e rins, com glomerulonefrite indistinguível da nefropatia por IgA.1,2A causa da PHS ainda é desconhecida. Imunização, infecções, alergia alimentar, medicações e genética podem ter papel no desencadeamento da doença.6,7,8 Bonneto C et. al publicaram uma revisão sistemática incluindo 75 estudos sobre doenças autoimunes e vacinação.Treze deles exploravam a possível relação entre PHS e vacinação.8Outros pesquisadores mencionam as vacinas contra hepatite A, meningite B e C e HPV como possíveis desencadeadoras da doença.6,9,10Os autores desconhecem outros relatos na literatura médica associando VFA a essa doença.
Vasculites não são consideradas até o momento manifestação da VFA, que tem como principais eventos adversos febre, cefaleia, mal estar, astenia e leve reação local, como eritema e dor.4 Foram descritas, mais raramente, complicações neurológicas graves, como encefalomielite disseminada aguda e síndrome de Guillain-Barré, e complicações viscerais, como a doença viscerotrópica aguda, cursando com hepatite, insuficiência renal e hemorragias.4,11
Não é possível garantir que o surgimento da PHS tenha relação causal direta com a vacina contra a febre amarela, até porque a paciente apresentou odinofagia antecedendo a vasculite. Sabe-se que em crianças infecção de vias aéreas superiores e faringoamigdalite purulenta podem desencadear a PHS em até 50% dos casos.12 Entretanto, o curto período de tempo entre a vacinação e a doença aumenta a possibilidade de que ela tenha sido o fator desencadeante.
O alerta para essa possível manifestação relacionada à vacina assume grande importância nos dias de hoje, uma vez que a VFA encontra-se disponível em todo o território brasileiro e, consequentemente, seus eventos adversos serão mais prevalentes.3,4,5 No entanto, como a associação entre a VFA e a PHS nunca havia sido relatada, a preocupação com a vasculite não deve influenciar a indicação da imunização. A prevenção dessa infecção grave com a vacina supera em muito o risco de possíveis complicações decorrentes dela.
REFERÊNCIAS
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4. BRASIL. Ministério da Saúde. Febre amarela: guia para profissionais de saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção a Saúde. - Brasília: Ministério da Saúde, 2017. Acesso em 22 de Março de 2018. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/febre_amarela_guia_profissionais_saude.pdf>.
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