RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 30. Esp DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20200031

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Relato de Caso

Carcinoma adenoescamoso da vesícula biliar: relato de caso

Gallbladder adenosquamous carcinoma: case report

Ricardo Carvalho Assante; João Carlos Saldanha; Adilha Rua Micheletti

Universidade Federal do Triangulo Mineiro, Patologia cirúrgica - Uberaba - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência

Ricardo Carvalho Assante
E-mail: ricardoassante@gmail.com

Recebido em: 27/02/2020
Aprovado em: 13/04/2020

Instituição: Universidade Federal do Triangulo Mineiro, Patologia cirúrgica - Uberaba - Minas Gerais - Brasil

Resumo

O carcinoma adenoescamoso da vesícula biliar é neoplasia epitelial com componente glandular e componente escamoso, é subtipo raro de carcinoma, geralmente é diagnosticada tardiamente e por esse motivo apresenta mal prognóstico. É comumente associado a colelitiase, ocorre principalmente em pacientes idosos e pode ser um achado incidental em vesículas de colecistectomia por colecistite. No caso a ser relatado houve suspeita de malignidade durante realização de colecistectomia videolaparoscópica, o exame de biopsia por congelação confirmou a etiologia maligna da lesão e este demonstrou ser ferramenta importante de auxílio de tomada de decisão terapêutica.

Palavras-chave: Carcinoma; Doenças da Vesícula Biliar; Neoplasias da Vesícula Biliar.

 

INTRODUÇÃO

O carcinoma adenoescamoso da vesícula biliar é uma neoplasia rara, agressiva e com escassos relatos na literatura. Seu diagnóstico, em geral, é tardio e, portanto, quando descoberto, está em fase avançada, com invasão de estruturas adjacentes4. É encontrado de modo incidental ocasionalmente em avaliações anatomopatológicas de pacientes submetidos à colecistectomia por colelitíase, correspondendo a 0,5% de todas as neoplasias.

O principal fator de risco associado às neoplasias da vesícula biliar é a colelitíase. Sua frequência é substancialmente maior em indivíduos maiores de 60 anos e naquelas cujas vesículas que apresentam parede com espessura maior que 0,3cm5, 10.

Considerando-se a raridade e a gravidade do carcinoma adenoescamoso, consideramos importante relatar este caso.

 

RELATO DE CASO

Feminino, 72 anos, internado no dia 11/03/2019 em hospital público terciário para realização de colecistectomia devido a colelitíase sem colecistite. Indicada colecistectomia videolaparoscópica e, no intraoperatório, observada massa na vesícula biliar que comprometia secundariamente o cólon transverso. Realizada ainda colangiografia que mostrou falha de enchimento no colédoco distal. Realizado, no primeiro tempo cirúrgico, colecistectomia, coledocotomia e coledocostomia à Kehr com clareamento da via biliar. A vesícula biliar foi enviada para biópsia por congelação com diagnóstico de carcinoma adenoescamoso. Em um segundo tempo cirúrgico, realizada hepatectomia segmentar (4 e 5) e colectomia direita oncológica com ileostomia terminal, sem intercorrências.

Evoluiu no pós-operatório imediato com hipotermia, inconsciência, sem reação aos estímulos álgicos, pupilas isocóricas, fotorreagentes, hidratada, descorada, em ventilação mecânica por tubo orotraqueal e hemodinamicamente instável com uso de drogas vasoativas. No dia 14/03/2019 apresentavase extremamente grave, dependente de drogas vasoativas em doses acima do alvo, em falência múltipla de órgãos e ventilação em parâmetros elevados. No dia seguinte evoluiu para parada cardíaca em assistolia, sendo constatado o óbito.

Ao exame macroscópico a vesícula biliar apresentava mucosa pardo-avermelhada, granulosa, com ulcerações e dois cálculos incrustados em sua parede, sendo esta pardo-avermelhada, elástica, com pontos de necrose e espessura máxima de 1,5cm. O intestino grosso apresentava implante branco e firme no tecido adiposo adjacente a sua parede. O segmento de fígado apresentava infiltração tumoral branca, firme e irregular ao redor do sítio de implantação da vesícula biliar, com comprometimento neoplásico da margem de ressecção.

Os cortes histológicos da neoplasia demonstraram neoplasia maligna infiltrativa composta por ácinos em sua maioria pequenos, com células que variavam de pavimentosas a colunares, com focos com presença mucina intracelular (Figura 1). Entremeadas aos ácinos, encontravam-se outros grupamentos com diferenciação escamosa (Figura 2), formação de pérolas córneas, presença de pontes intercelulares e de células disceratóticas. As células da neoplasia apresentavam atipia intensa e grande pleomorfismo nuclear. Realizado ainda estudo imunohistoquímico através da técnica de polímeros e empregando o anticorpo anti-p63, que foi positivo em grande parte das células neoplásicas (Figura 3), confirmando a diferenciação escamosa. Desta forma a neoplasia foi classificada como carcinoma adenoescamoso primário da vesícula biliar pouco diferenciado e ulcerado. O carcinoma infiltrava toda espessura da vesícula biliar, apresentava extensa necrose e invasão perineural, estendia-se para o fígado e sua margem de ressecção. Além disso, foi encontrado um linfonodo comprometido pelo carcinoma e um implante na parede do intestino grosso.

 


Figura 1. Foco de adenocarcinoma com células produtoras de mucina ao lado de necrose (HE, 400X).

 

 


Figura 2. Foco de carcinoma com diferenciação escamosa infiltrando hepatócitos (HE, 200X).

 

 


Figura 3. Positividade para o anticorpo anti-p63 no componente escamoso da neoplasia em marrom (Técnica de polímeros, 400X).

 

DISCUSSÃO

O carcinoma adenoescamoso da vesícula biliar é neoplasia rara e agressiva. O prognóstico em geral é significativamente pior do que o dos adenocarcinomas usuais, apresentando maior potencial de invasão direta de órgãos adjacentes. No entanto, metástases linfonodais são menos frequentes no carcinoma adenoescamoso6.

É definido como tumor com componente escamoso variando entre 25 e 99% e representa 4% dos carcinomas invasores da vesícula biliar, neoplasias puramente escamosas representam 1% desses6.

São tumores silenciosos nos seus estágios iniciais. A maioria dos casos são assintomáticos e diagnosticados incidentalmente durante avaliação de vesículas biliares retiradas por colelitíase e/ ou colecistite e seus sintomas são inespecíficos, sendo os mais comuns dor abdominal e icterícia, além de sintomas relacionados a invasão de órgãos adjacentes4,8.

Radiologicamente, as neoplasias malignas da vesícula biliar têm como principais achados massas preenchendo sua luz, espessamento da parede e massas polipoides em seu interior. Os principais diagnósticos diferenciais radiológicos são colecistite xantogranulomatosa, adenomiomatose, outras neoplasias malignas hepatobiliares e doenças metastáticas1.

Histologicamente, além de aspectos morfológicos típicos, os componentes escamosos e glandulares apresentam imunofenótipo que corresponde a sua linha de diferenciação celular. Tipicamente o componente escamoso apresenta expressão nuclear de p63 e o glandular apresenta expressão citoplasmática de CEA7.

 

CONCLUSÃO

O carcinoma adenoescamoso representa uma condição rara, de prognóstico reservado e diagnóstico em estágio avançado, cujo tratamento deve ser imediatamente instituído.

No caso apresentado, o tumor foi achado incidental em colecistectomia devido a colelitíase, apresentou infiltração de órgãos adjacentes no momento do diagnóstico e evoluiu para óbito.

Devido à escassez de publicações sobre pacientes com carcinoma adenoescamoso da vesícula biliar a tomada de decisões terapêuticas se torna difícil, porém existem indícios de melhora prognóstica significativa em casos em que se realiza cirurgia curativa3,14. Entretanto, consegue-se realizar cirurgia curativa em apenas um quarto dos pacientes com tumor de vesícula biliar e o diagnóstico precoce é um fator preponderante para a determinação do prognóstico do paciente. Ressalte-se que, aumento no número de cirurgias curativas pode ser alcançado através da abertura sistemática da vesícula biliar ainda no ato cirúrgico para investigação de doença neoplásica3.

Por fim, no caso apresentado, a realização da biópsia por congelação foi crucial para a definição da etiologia maligna imediata, direcionando a tomada de decisão cirúrgica.

 

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