RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 30. Esp DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20200043

Voltar ao Sumário

Relato de Caso

Técnica de "sanduíche uterino" no controle da hemorragia pós-parto: uma nova combinação de sutura uterina compressiva e balão intrauterino

"Uterine Sandwich" Technique to Control Postpartum Hemorrhage: A New Combination of Compressive Uterine Suture and Intrauterine Balloon

Álvaro Luiz Lage Alves1; Lucas Barbosa da Silva2; Carolina Nogueira de São José3; Bruna Roque Ribeiro3; Alice Moreira dos Santos Marques3; Agnaldo Lopes da Silva Filho4

1. Doutorado em Ginecologia e Obstetricia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais; Hospital Sofia Feldman; Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Doutorado em Ginecologia-Obstetrícia e Mastologia pela Faculdade de Medicina de Botucatu, Brasil. Hospital Sofia Feldman; Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Acadêmica em Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Doutorado em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Brasil. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil. Hospital Sofia Feldman. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Álvaro Luiz Lage Alves
E-mail: alvarolalves@task.com

Recebido em: 17/04/2020
Aprovado em: 20/07/2020

Instituição: Hospital Sofia Feldman, Belo Horizonte, MG, Brasil

Resumo

Hemorragia Pós-parto é a maior causa mundial de histerectomia periparto, mesmo entre mulheres com desejo de fertilidade futura. Sua abordagem terapêutica deve ser efetuada por uma sucessão de procedimentos farmacológicos e cirúrgicos antes de se recorrer à histerectomia. Contemporaneamente, várias técnicas conservadoras do útero foram desenvolvidas, com destaque para as ligaduras vasculares, suturas uterinas compressivas, balões intrauterinos, embolização arterial e os balões intravasculares. A combinação de sutura uterina compressiva e balão intrauterino, também intitulada técnica do "sanduíche uterino", é uma estratégia alternativa para o controle hemorrágico e preservação uterina. Este artigo apresenta um caso de atonia uterina não responsiva à terapêutica farmacológica tratado com uma técnica de "sanduíche uterino" que utilizou uma nova combinação de técnicas. O relato de caso é referente a uma paciente submetida a cesariana devido a falha de indução que evoluiu com atonia uterina não responsiva ao tratamento farmacológico. Um balão intrauterino BT-Cath foi associado à técnica de Barbosa da Silva, que combina desvascularização uterina e aplicação de duas alças verticais de sutura uterina compressiva. O controle hemorrágico foi obtido após infusão de 100 ml de solução salina no balão. A paciente evoluiu com anemia, porém sem outras complicações. A técnica cirúrgica adotada foi eficiente na obtenção do controle hemorrágico e na preservação uterina, e não foi associada a complicações graves per ou pós-operatórias.

Palavras-chave: Hemorragia Pós-Parto; Artéria Uterina; Oclusão com Balão; Mortalidade Materna; Preservação da Fertilidade.

 

INTRODUÇÃO

Hemorragia pós-parto - HPP é definida como a perda sanguínea cumulativa de 1.000 mililitros - ml ou mais de sangue, acompanhada por sinais ou sintomas de hipovolemia, dentro das 24 horas após o nascimento. Atualmente, se apresenta como a complicação séria mais presente no nascimento e a causa mais frequente de morbidade materna grave e de mortalidade materna passível de prevenção.1 Quando grave e resistente a tratamento médico conservador, a HPP é a maior causa mundial de histerectomia periparto, mesmo entre mulheres jovens com desejo de gestações futuras.2

O controle da HPP deve ser efetuado por uma sucessão de procedimentos farmacológicos e cirúrgicos antes de se recorrer à histerectomia. Várias técnicas conservadoras do útero já foram desenvolvidas, com destaque para as ligaduras vasculares, suturas uterinas compressivas - SUC, balões intrauterinos - BIU, embolização arterial e os balões intravasculares.3

As SUC associadas a BIU se intitulam técnica do "sanduíche uterino". Este artigo apresenta um caso de atonia uterina não responsiva à terapêutica farmacológica tratado com uma técnica de "sanduíche" uterino que utilizou uma nova combinação de estratégias.

 

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente de 25 anos, primigesta, com gestação única de 41,0 semanas e sem morbidades associadas, foi internada para indução do parto motivada pelo termo tardio. Após uso sequencial de misoprostol e ocitocina durante 30 horas e 50 minutos, foi indicada cesariana por falha de indução. Foi extraído um récem-nato do sexo feminino que pesou 3905 gramas e recebeu índice de Apgar de 9 e 10 no primeiro e quinto minuto, respectivamente. A paciente evoluiu com atonia uterina durante a cesariana, não responsiva ao tratamento farmacológico instituído com 60 unidades de ocitocina, 0,2 miligramas de metilergometrina, 1000 microgramas de misoprostol e 1 grama de ácido tranexâmico. Foi optado por intervenção cirúrgica inicial por meio da técnica de Barbosa da Silva - TBS. Conforme a recomendação de aplicação passo a passo desta técnica, a reflexão vesico-uterina foi incisada para rebatimento inferior vesical e em seguida foram bilateralmente aplicados pontos de oclusão nos ramos ascendentes das artérias uterinas. Após avaliação do controle hemorrágico, foram aplicadas as duas alças longitudinais de sutura compressiva da técnica (Figuras 1 e 2). Uma vez que houve melhora inicial do sangramento uterino, foi efetuada a laparorrafia. Após finalização da cesárea, houve recidiva do sangramento uterino e um BIU BT-Cath foi introduzido e imediatamente infundido com 100 ml de solução salina, propiciando controle hemorrágico definitivo (Figura 3). Os índices de choque imediatamente após a instalação do quadro hemorrágico e 12 e 24 horas após foram, respectivamente, 0,9, 0,8 e 1,0. Antibioticoprofilaxia com cefalosporina de primeira geração foi instituída durante o tamponamento intrauterino e o balão foi removido após 13 horas e 50 minutos, sem recidiva hemorrágica. A paciente evoluiu com anemia, porém sem outras complicações.

 


Figura 1. Técnica de desvascularização e sutura uterina compressiva de Barbosa da Silva. Visão anterior do útero: execução da ligadura do ramo ascendente da artéria uterina direita.

 

 


Figura 2. Técnica de desvascularização e sutura uterina compressiva de Barbosa da Silva. Visão anterior do útero: ligadura bilateral da artéria uterina e as alças longitudinais bilaterais de sutura uterina compressiva amarradas no fundo uterino.

 

 


Figura 3. Balão intrauterino BT-Cath. Fonte: http://www. utahmed.com/pdf/58281.pdf.

 

DISCUSSÃO

A técnica do "sanduíche uterino" foi uma alternativa descrita pela primeira vez por Danso e Reginald (2002), que utilizaram um balão prostático three-way associado à SUC de B-Lynch em um caso de HPP. 4 Desde então, foram publicados alguns relatos de casos e algumas pequenas séries de casos em que a técnica foi aplicada como uma estratégia de controle hemorrágico e de preservação do útero. As publicações relatam, principalmente, aplicação das SUC de B-Lynch e de Hayman, com taxas de até 100% de sucesso.5 Destaque para a série de 11 casos publicada por Yoong et al. (2012), em que o controle hemorrágico foi obtido em todas as pacientes por meio da associação da SUC de Hayman ao BIU de Bakri, infundido com 150 a 350 ml.6

O BT-Cath (balloon tamponade catheters; Utah Medical Products, Inc., Midvale, UT, USA) é um balão industrializado projetado especificamente para uso intrauterino. Assemelha-se ao balão de Bakri, diferindo deste por apresentar seu cateter nivelado na superfície distal do balão. Fabricado de silicone, possui formato de pêra e duplo lúmen, sendo um para infusão e outro para drenagem sanguínea. A solução salina é infundida por meio de um three-way que se comunica com o lúmen de infusão. São preconizadas infusões de 250 a 300 ml (máximo de 500 ml) após parto vaginal, de 60 a 250 ml após cesárea e de 100 na associação a SUC.7 O maior estudo envolvendo o BIU BT-Cath foi publicado por Uygur et al. (2014) e incluiu 53 mulheres com HPP por placentas prévias. A taxa de sucesso no controle hemorrágico foi de 85% e o tempo médio de tamponamento uterino foi de 9,8 horas. Eles concluíram que o balão BT-Cath é simples para o uso, mesmo entre médicos com pouca experiência, sendo uma escolha de tratamento eficaz quando o tratamento medicamentoso falha. Recomendaram infusão mínima do balão, período reduzido de tamponamento uterino e esvaziamento precoce. Entretanto, em nenhum dos casos desta série o BT-Cath foi utilizado como técnica do "sanduíche uterino"8.

A TBS associa a inserção de alças uterinas compressivas longitudinais à ligadura bilateral dos ramos ascendentes das artérias uterinas, com recomendação de aplicabilidade passo a passo. Na sua execução, o útero é exteriorizado e a reflexão vésico-uterina incisada para o rebatimento inferior da bexiga e exposição dos ramos ascendentes das artérias uterinas. São efetuados pontos simples (ou opcionalmente, pontos em oito) nos ramos ascendentes da artéria uterina, bilateralmente. Caso não ocorra o controle hemorrágico, duas alças de suturas compressivas longitudinais são inseridas sequencialmente no útero. O segmento uterino é transfixado no sentido antero-posterior, 2 cm abaixo da borda inferior da histerotomia e a aproximadamente 3 cm da margem lateral do útero. O fio percorre externamente o corpo uterino, no sentido longitudinal, e as alças são amarradas no fundo uterino, com um duplo nó. Toda a técnica é efetuada com fio absorvível9.

A associação da ligadura bilateral das artérias uterinas às alças longitudinais compressivas contribui para aumentar a eficácia das SUC. Esta associação se apresenta como uma das vantagens da TBS, aqui utilizada. Em uma auditoria de cinco anos, Chai e To (2014) documentaram elevação na taxa de sucesso das SUC de 66 para 74% quando associadas a técnicas de desvascularização ou a BIU10. Além disso, a TBS inclui apenas quatro passagens da agulha pelo útero, o que facilita a memorização e execução do procedimento9. Ao destacar que a técnica de Hayman não exige histerotomia e inclui seis passos para execução técnica, Yoong et al. (2015) comentaram que os nove passos da sutura de B-Lynch pode ser a razão do surgimento subsequente de várias modificações.11 Sendo assim, quando comparada às técnicas mais difundidas, a técnica aqui utilizada oferece as vantagens de também dispensar a abertura uterina e de reduzir ainda mais os passos para execução técnica.

Na técnica de "sanduíche uterino", devido à compressão efetuada pela sutura, a quantidade de solução salina infundida no balão deve ser inferior a habitual. O volume infundido variou muito entre as publicações (30 a 500 ml) e os casos complicados por necrose uterina reforçam a necessidade desta definição. Além disso, infecção uterina foi a complicação mais observada, o que sinaliza para a necessidade de vigilância puerperal rigorosa6,12,13. No caso aqui descrito, foi optado pela menor infusão suficiente para obtenção do controle hemorrágico, pela antibioticoprofilaxia durante o tamponamento intrauterino e pelo esvaziamento precoce do balão. Não houve recidiva da hemorragia e não foram detectadas complicações infecciosas. Infecção puerperal tem sido a principal complicação associada ao uso de BIU. A maioria dos autores preconiza a administração de antibióticos simultânea ao tamponamento intrauterino. Entretanto, não existe consenso com relação às drogas, doses e tempo de administração7,14.

Como não existem ensaios clínicos randomizados comparando as diferentes técnicas de "sanduíche uterino", nenhuma conclusão pode ser tomada com base em relato ou série de casos que afirmam que determinada técnica é a mais efetiva ou de menor morbidade. Sendo assim, a experiência e a habilidade dos cirurgiões permanecem como os fatores que devem determinar a seleção da técnica a ser realizada15.

 

CONCLUSÃO

Podemos afirmar que este caso ilustrou a eficácia de uma nova combinação de técnicas para execução do "sanduíche uterino". O "sanduíche uterino" utilizando a associação da TBS ao BIU BT-Cath é uma nova estratégia para o controle da HPP. Este procedimento pode integrar o conjunto de técnicas cirúrgicas que proporcionam o controle hemorrágico e preservam o útero no tratamento da HPP, principalmente nos quadros ocorrendo durante cesarianas.

 

REFERÊNCIAS

1. Main EK, Goffman D, Scavone BM, Low LK, Bingham D, Fontaine PL et al. National partneship for maternal safety: consensus bundle on obstetric hemorrhage. Anesth Analg. 2015; 121:142-8.

2. Bodelon C, Bernabe-Ortiz A, Schiff MA, Reed SD. Factors associated with peripartum hysterectomy. Obstet Gynecol. 2009; 114:115-23.

3. Chandraharan E, ArulkumaranS. Surgical aspects of post partum haemorrhage. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol 2008; 22(6):1089-102.

4. Danso D, Reginald P. Combined B-Lynch suture with intrauterine balloon catheter triumphs over massive postpartum haemorrhage. BJOG. 2002; 109:963.

5. Nelson WL, O'Brien JM. The uterine sandwich for persistent uterine atony: combining the B-Lynch compression suture and na intrauterine Bakri balloon. Am J Obstet Gynecol 2007 :e9-10.

6. Yoong W, Ridout A, Memtsa M, Stavroulis A, Aref-Adib M, Ramsay-Marcelle Z et al. Application of uterine compression suture in association with intrauterine balloon tamponade ('uterine sandwich') for postpartum hemorrhage. Acta Obstet Gynecol Scand. 2012; 91:147-51.

7. Bakri YN,Ramin SM, Barss VA. Use of intrauterine balloon catheters for control of uterine hemorrhage, 2012. Disponível em http://www.uptodate.com/. Acesso em: 16 out. 2012.

8. Uygur D, Ensari TA, Ozgu-Erdinc AS, Dede H, Erkaya S, Danisman AN. Successful use of BT-Cath balloon tamponade in the management of post partum haemorrhage due to placenta previa. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2014; 181:223-8.

9. Alves ALL. Avaliação de diferentes técnicas cirúrgicas na abordagem da hemorragia pós-parto com e sem preservação uterina [tese]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais; 2018.

10. Chai VYK, To WWK. Uterine compression sutures for management of severe postpartum haemorrhage: five-year audit. Hong Kong Med J. 2014; 20:113-20.

11. Yoong W, Lodhi W, Karoshi M, Chava C, Hamilton J. Re: the Hayman uterine compression suture. BJOG. 2015; 1716-7.

12. Lodhi W, Golara M, Karangaokar V, Yoong W. Uterine necrosis following application of combined uterine compression suture with intrauterine balloon tamponade. J Obstet Gynaecol. 2012; 32:30-1.

13. Merrick K,Jibodu A, Rajesh U. The difficult PPH: experience of combined use of B-Lynch brace suture and intrauterine Bakri balloon in York hospital, UK. J Obstet Gynaecol 2013; 33(3):314-5.

14. Keriakos R, Chaudhuri S. Operative interventions in the management of major postpartum haemorrhage. J ObstetGynaecol. 2012; 32:14-25.

15. Fotopoulou C, Dudennhausen JW. Uterine compression sutures for preserving fertility in severe postpartum haemorrhage: an overview 13 years after the first description. J Obstet Gynaecol. 2010; 30(4):339-49.