ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Abordagem videolaparoscópica de cisto ovariano gigante em paciente pediátrica: Relato de Caso
Video laparoscopic approach of a giant ovarian cyst in a pediatric patient: Case Report
Camila Pereira Testa; Danielle Costa Nazareth; Kelly Christina de Castro Paiva
Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora - Suprema, Juiz de Fora, MG. Brasil
Endereço para correspondênciaDanielle Costa Nazareth
E-mail: danicostann@gmail.com
Recebido em: 30/05/2020
Aprovado em: 13/08/2020
Instituição: Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora - Suprema
Resumo
O cistoadenoma seroso de ovário (CSO), predomina entre os 20 e 50 anos de idade, sendo incomum em pacientes pediátricas. Os cistos gigantes são superiores a 15 cm ou aqueles que atingem a cicatriz umbilical. A sintomatologia pode ser discreta e inespecífica, sendo necessária a avaliação complementar com exames de imagem e dosagem de marcadores tumorais para precisão diagnóstica e definição terapêutica. Os CSO gigantes são passíveis de torção, rotura e compressão de órgãos adjacentes, sendo necessária a ressecção cirúrgica, não havendo consenso na literatura a respeito da melhor abordagem cirúrgica. O presente relato traz o caso de um paciente do sexo feminino, 12 anos, com queixas inespecíficas e crescimento progressivo do abdome há 2 meses. As imagens revelam massa cística em topografia de ovário esquerdo, com dimensões de 24,3cm X 19,1cm. A abordagem cirúrgica foi realizada por videolaparoscopia, uma conduta, frente a esse diagnóstico, poucas vezes descrito na literatura. O caso teve evolução favorável e excelente prognóstico, demonstrando a segurança da abordagem por essa via, mesmo nos cistos gigantes, possibilitando um pós-operatório menos doloroso, hospitalização mais curta e resultado estético satisfatório. Reforça-se que uma intervenção videocirúrgica bem sucedida, depende da experiência do cirurgião e de infra-estrutura hospitalar adequada.
Palavras-chave: Cistos ovarianos; Cistadenoma seroso; Laparoscopia.
INTRODUÇÃO
Tumores ovarianos em sua grande maioria são benignos (80%) e predominam em dois terços dos casos na faixa etária de 20 a 50 anos, com menor proporção na infância1. As tumorações ovarianas, císticas ou sólidas, são consideradas raras no grupo pediátrico, sendo que sua incidência equivale a 2,6 para cada 100 mil em meninas entre 4 a 14 anos de idade2. Elas representam um variado espectro de lesões com múltiplas etiologias. Dentre os benignos, os cistos funcionais são os mais frequentes, com predomínio aos 12 e 14 anos. Em geral, os neoplásicos proliferativos são achados incomuns nessa faixa etária. Quando ocorrem, a forma mais encontrada é o cisto seroso do ovário (CSO), um tumor epitelial que representa 15 a 25% dos tumores benignos e que será descrito no presente relato de caso¹.
O encontro de um CSO de grande volume é um acontecimento raro e na literatura alguns casos foram relatados esporadicamente, principalmente em pacientes adultas e idosas3. Muitas vezes as pacientes são assintomáticas inicialmente, até que o tamanho do cisto seja considerável e grande o suficiente para causar efeito compressivo aos órgãos adjacentes4. A prevalência dessa afecção é maior durante a vida reprodutiva, visto que os mais comuns se relacionam com a funcionalidade das gônadas5.
A videolaparoscopia é o padrão ouro para abordagem de cistos benignos ovarianos, contudo, a decisão é do cirurgião e leva em consideração o tamanho da tumoração, sendo que a definição da abordagem dos cistos gigantes ainda não é bem clara na literatura. Os cistos gigantes são considerados por alguns autores como maiores do que 10 a 15 cm, todavia outros autores colocam como sendo aqueles que atingem a cicatriz umbilical6.
O presente artigo relata o caso de uma paciente pediátrica de 12 anos, fato que não corresponde à faixa etária observada na literatura, sendo na referência bibliográfica uma raridade. Foram encontrados, a partir de pesquisas em base de dados PubMed, 5 relatos que englobam o uso da laparoscopia em cistos ovarianos gigantes na infância. De forma semelhante, apresentaram sintomatologia inespecífica e foram diagnosticados devidamente por métodos laboratoriais e de imagem, descartando causas malignas. A abordagem videolaparoscópica proporcionou evolução favorável e excelente prognóstico.
RELATO DE CASO
ROAB, feminina, caucasiana, 12 anos, peso de 64,8kg, altura de 1,55m e IMC de 27 kg/m2, procedente de Juiz de Fora, Minas Gerais, foi atendida no serviço básico de saúde apresentando queixas de dor em cólica em região de baixo ventre, compatível com dismenorréia, e crescimento progressivo do abdome há 2 meses, sendo identificada uma tumoração palpável abdominal, indolor à palpação superficial e profunda.
Foi referenciada para o serviço de ginecologia para melhor avaliação, sendo na anamnese comprovado que a dor relatada seguia um padrão cíclico e compatível com período menstrual, aparentemente não relacionada com a tumoração percebida à palpação. Na história, relata ter percebido a tumoração há dois meses, mas negou manifestações compressivas, como sintomas urinários, constipação, anorexia, vômitos, náuseas, perda de peso ou qualquer sangramento anormal, sendo a tumoração descrita como assintomática.
Menarca aos 11 anos, ainda com ciclos menstruais irregulares. Ao exame físico foi constatada grande massa palpável 4cm acima da cicatriz umbilical (Figura 1), móvel, indolor à palpação superficial e profunda.
Dado seguimento na ginecologia, foi solicitado exame de B-HCG e marcadores tumorais (CEA, CA-125, alfa-fetoproteína e CA-19.9), obtendo no retorno todos os resultados negativos, além de exames de imagens complementares.
Como seguimento, foi realizado exame de ultrassonografia abdominal e tomografia de abdome e pelve. A tomografia (Figura 2) revelou "volumosa imagem evidenciando massa hipodensa, com densidade cística homogênea de paredes lisas, medindo 25x20cm, localizado na linha média, estendendo-se desde a pelve ao epigástrio, rechaçando estruturas abdominais como alças intestinais, provavelmente relacionado à patologia de topografia ovariana esquerda, sem demais alterações." Os exames foram realizados com caráter diagnóstico e para decisão terapêutica cirúrgica, sendo a paciente encaminhada para o serviço de cirurgia pediátrica.
Os fatos concomitantes que corroboraram para possibilitar o crescimento dessa tumoração incluem: a ausência de sintomas atrelado ao não comprometimento inicial estético, devido à relação peso e altura da paciente (IMC de 27 kg/m2), a demora dos fluxos de atendimento entre atenção básica, serviço de ginecologia e de cirurgia pediátrica. E, por fim, a realização dos exames complementares e marcação do ato cirúrgico, ressaltando ainda o curto espaço de tempo de crescimento da tumoração abdominal, ocorrendo em período de quatro meses, desde a detecção até o momento de resolução cirúrgica.
A decisão terapêutica foi pela videolaparoscopia. Iniciou-se com aspiração do conteúdo cístico guiada por laparoscopia (Figura 3), seguido de dissecção segura do pedículo vascular do ovário esquerdo e exérese do mesmo através da cicatriz umbilical (Figura 4). A técnica foi realizada com os devidos cuidados para a tentativa de preservação da gônada acometida, contudo, não sendo possível neste caso devido ao grande tamanho da tumoração, sendo preservada a gônada contralateral não acometida, que se apresentava com aspecto normal.
Foi conduzida a excisão segura (Figura 5) e sem nenhuma complicação intraoperatória. Após resultado de exame histopatológico, foi confirmado Cistoadenoma Seroso.
A paciente evoluiu sem intercorrências, obtendo alta hospitalar em 4 dias. No seguimento pós-operatório tardio (12 meses), a paciente se apresentava com completa resolução do quadro, ciclos menstruais regulares, queixando-se apenas de dismenorréia, sintoma isolado, compatível com ciclos ovulatórios.
DISCUSSÃO
Os tumores serosos representam aproximadamente 30% de todos os tumores ovarianos7. O cistoadenoma seroso de ovário (CSO) é uma das neoplasias mais frequentes na prática clínica. Essa é uma neoplasia de característica frequentemente multilocular, podendo em alguns casos ser unilocular, revestida por células epiteliais altas, cilíndricas e ciliadas, circundadas por um líquido seroso claro, além de apresentar superfície lisa e com vasos abundantes1.
Na prática, os cistos ovarianos gigantes representam um dilema no âmbito diagnóstico e terapêutico, visto que se apresentam clinicamente como uma massa de crescimento insidioso associado a sintomas inespecíficos como distensão abdominal, na ausência de dor e de distúrbios endócrinos. As complicações mais relacionadas ao CSO envolvem rotura e torção, além do efeito de massa, fazendo-se necessário tratamento adequado com ressecção cirúrgica8.
Além da distensão abdominal inespecífica, dor, náusea, vômito, alterações do hábito intestinal, hidronefrose, síndrome compartimental, dentre outros sintomas, ocasionalmente pode ocorrer a torção ou ruptura do cisto, levando a hemorragia e possível choque. A complicação pode levar também à formação de aderências futuras. Os diagnósticos diferenciais incluem cistos de várias outras topografias abdominais, e não identificar sua origem no pré-operatório pode ser um fator complicador na hora da decisão da via terapêutica4.
A faixa etária de maior incidência do Cistoadenoma Seroso situa-se entre 20 a 50 anos1. São frequentemente multiloculares, raramente com septações grosseiras, podendo apresentar projeções papilares e calcificações e, ao corte, mostram conteúdo claro ou acastanhado. Possuem consistência firme, base larga e coloração pálida medindo de 5 - 15 cm, raramente atingindo maiores dimensões9. Geralmente, esses tumores são assintomáticos ou possuem sintomas discretos1.
Em relação à apresentação clínica dessa patologia ovariana em crianças, a dor abdominal foi a queixa principal, mas há uma diferença na frequência de outros sintomas, incluindo aqueles que devem ser facilmente observados pelos pais, como massa abdominal visível ou distensão1,5,10.Em virtude dessa apresentação clínica variável que por vezes pode ser discreta, exames subsidiários como a ultrassonografia (USG) abdominal, tomografia computadorizada, ressonância magnética e dosagem de marcadores tumorais têm se mostrado oportunos para atingir precisão diagnóstica e definir a conduta terapêutica1.
A cirurgia é o tratamento definitivo, mas a preservação ovariana deve ser incentivada em pacientes sem definição reprodutiva10.
Quanto a preservação da função reprodutiva, o uso da técnica laparoscópica foi associado à maior preservação do tecido ovariano em um estudo retrospectivo realizado por Luczak J e Baglaj M em 2017, cujos resultados foram 55,66% vs 17,44% nos casos de laparotomia11. Isso corroborou com outros autores que recomendam esse método no tratamento de massas benignas e tumorais10,11.
Apesar das evidências acima apresentarem a importância da abordagem videolaparoscópica na preservação ovariana, as diretrizes internacionais de tratamento dedicadas aos pacientes pediátricos ainda não foram estabelecidas, causando uma grande dificuldade em fazer decisões terapêuticas apropriadas. O manejo das lesões ovarianas varia de acordo como tamanho e capacidade do cirurgião12.
CONCLUSÃO
Conclui-se então que o presente relato de caso permitiu contribuir com a literatura à medida que evidenciou uma abordagem videolaparoscópica segura de um cistoadenoma de ovário gigante, de topografia 4cm acima da cicatriz umbilical, possibilitando um pós-operatório menos doloroso, hospitalização mais curta e resultado estético satisfatório, visto que há relativa controvérsia na indicação de laparoscopia nessas massas devido aos riscos cirúrgicos, sendo um consenso ainda não definido e em estudo. Entretanto, é importante reforçar que ainda uma intervenção videocirúrgica bem sucedida é dependente da experiência do cirurgião e de uma infraestrutura hospitalar adequada.
A indicação do esvaziamento do conteúdo do cisto antes de iniciar a dissecção, para que fosse possível a retirada de sua cápsula pela cicatriz umbilical, se justificou por ter sido assegurado no pré-operatório as características benignas do cisto, sendo este sem septações grosseiras, de contornos regulares, móvel, além de todos os marcadores tumorais negativos, não sugerindo então componente de malignidade. Portanto, a conduta apresentava no presente estudo reforça que, ao ser descartado qualquer achado sugestivo de malignidade, a abordagem dos cistos ovarianos gigantes benignos por via laparoscópica mostrou-se segura e eficaz.
Esforços devem ser feitos para publicação de mais estudos que comprovam a eficácia do método e a sua segurança. Ainda não há consenso quanto à limitação de tamanho de cistos ovarianos para contraindicação do tratamento laparoscópico. Esperamos que este caso ajude a aumentar a evidência da técnica laparoscópica na gestão de cistos ovarianos gigantes.
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