ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Hérnia Lombar Primária
Primary Lumbar Hernia
Daniella Montecino Vaz de Melo1; Ana Paula Fernandes Braga1; Silvio Pereira Borges Junior1; Thais de Moura Braga1; Julia Salles Rezende Dias1; Helbert de Paula Pupo Nogueira1; Patricia Taranto Sousa Lima2; Rafael Calvão Barbuto3; Vinícius Rodrigues Taranto Nunes1
1. Hospital da Policia Militar de Minas Gerais, Cirurgia Geral - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
2. Hospital das Clínicas de Minas Gerais, Cirurgia Geral - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
3. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Cirurgia Geral - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
Daniella Montecino Vaz de Melo
E-mail: danivazdemelo@gmail.com
Recebido em: 08/10/2019
Aprovado em: 13/04/2020
Instituição: Hospital da Policia Militar de Minas Gerais, Cirurgia Geral - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
Resumo
A hérnia lombar é uma condição médica rara resultante da protrusão do conteúdo intra ou extra-peritoneal através de um defeito na parede póstero-lateral do abdome. As hérnias lombares podem ser primárias, quando surgem espontaneamente em uma das áreas de fraqueza lombar (o trígono lombar superior ou o inferior), ou secundárias, conseqüente a trauma ou cirurgia prévia. Pode ser tratada por via aberta ou laparoscópica, com resultados semelhantes em ambas modalidades.
Palavras-chave: Hérnia; Cirurgia Geral; Dor Lombar.
INTRODUÇÃO
A hérnia lombar consiste de uma protrusão de um órgão ou tecido extra-peritoneal por um defeito congênito ou adquirido na parede abdominal póstero-lateral1,2. Trata-se de uma hérnia rara e há na literatura apenas relatos de casos esporádicos. P. Barbette foi o primeiro a sugerir a existência destas hérnias em 16721,2,3,4, mas a primeira publicação foi realizada apenas em 1731 por R. J. C. Garangeot, que observou uma hérnia lombar encarcerada durante uma autópsia1,2,3,5,6,7.
A região lombar é delimitada superiormente pela 12ª costela, medialmente pelo músculo eretor da espinha, inferiormente pela asa do ilíaco e lateralmente pelo músculo oblíquo externo1,3,4,5,6,8,9. Esta região contém alguns pontos de fraqueza pelos quais pode protrundir uma hérnia. Os dois pontos mais comuns de protrusão herniária são o trígono lombar superior (descrito por Grynfelt em 1886) e o trígono lombar inferior (descrito por Petit em 1783) 1,3,6,8. O trígono de Grynfelt é maior que o trígono de Petit, o que justifica a ocorrência mais freqüente de hérnia espontânea nesse1,2,3,6,10,11,12. São limites do trígono superior a 12ª costela e o músculo serrátil superiormente, a borda lateral do músculo quadrado lombar e o músculo eretor da espinha medialmente e o músculo obliquo interno lateralmente. Seu assoalho é composto pela fáscia transversalis e a aponeurose do músculo transverso do abdome, e seu teto é formado pelo músculo latíssimo dorsal. O espaço de Petit é formado por um triângulo delimitado pela asa do ilíaco inferiormente, o músculo oblíquo externo lateralmente e a borda do músculo latíssimo dorsal medialmente1,3,5.
RELATO DO CASO
Paciente masculino, 70 anos, apresentando à avaliação inicial dor lombar e uma protrusão lombar esquerda, que havia sido notada seis meses antes. Apresentava bronquite crônica, adquirida após 59 anos de tabagismo pesado (40 cigarros/dia). Havia sido submetido à hernioplastia inguinal bilateral cinco meses antes e ressecção transuretral da próstata 14 meses antes.
Ao exame físico, notava-se uma massa de aproximadamente 7,0 x 7,0 cm, localizado na região lombar esquerda, abaixo da 12ª costela, que protrundia quando o paciente se inclinava para frente ou durante manobra de Valsalva, e era facilmente redutível quando em repouso (Figura 1). O restante do exame físico encontrava-se sem outras alterações. Ultrassonografia (US) da região revelou um defeito de 1,3 cm na aponeurose do músculo transverso.
DESCRIÇÃO TÉCNICA
O paciente foi submetido à correção cirúrgica da hérnia, sob anestesia geral, posicionado em decúbito ventral. Foi realizada uma incisão transversa de aproximadamente 10,0cm de extensão no local de protrusão. Realizada dissecção do tecido subcutâneo, e secção e afastamento do músculo latíssimo dorsal. Detectado um lipoma herniando pelo trígono de Grynfelt (através de um anel herniário de 1,5 x 1,5 cm), o qual foi dissecado até sua base (Figura 2) e, então, ligado e ressecado. O anel herniário foi reconstruído com sutura contínua utilizando fio de Poligalactine 910 número 0 (Figura 3). Foi utilizada uma tela de Polipropileno para correção o defeito herniário, que foi fixada com sutura contínua com fio de Polipropileno número 2.0 (Figura 4). Posteriormente foi realizada a síntese, por planos, do músculo latíssimo dorsal, tecido subcutâneo e pele.
O paciente recebeu alta hospitalar no dia seguinte à cirurgia, sem ocorrência de intercorrências no pós operatório imediato. Após trinta dias, ele retornou ao ambulatório assintomático, sem evidências de recorrência. No retorno ambulatorial após seis meses da cirurgia, mantém-se assintomático, sem sinais de recidiva.
DISCUSSÃO
Hafner et al. afirma que o cirurgião geral terá a oportunidade de corrigir hérnia lombar apenas uma vez durante sua vida profissional1,3. Trata-se de uma condição médica rara, com menos de 300 casos relatados na literatura1,2,3,6,9,11,12,13.
As hérnias lombares podem ser congênitas ou adquiridas. As congênitas costumam se manifestar durante a infância (usualmente em menores de 2 anos de idade) e são comumente associadas a malformações congênitas, como aplasia da musculatura lombar3,4,9,10,14. As adquiridas correspondem a 80% das hérnias lombares e podem ser divididas em primárias ou secundárias, sendo as primárias mais comuns1,2,10. As hérnias adquiridas primárias ocorrem espontaneamente no trígono lombar superior (como no caso relatado) ou, menos comumente, no trígono lombar inferior. São considerados fatores predisponentes para sua ocorrência: idade, desnutrição e bronquite crônica (estes presentes no paciente relatado), além de obesidade, atrofia muscular, doenças crônicas debilitantes, infecção de ferida operatória e sepse pós-operatória1,2,3,9,15,16. As hérnias adquiridas secundárias correspondem a 25% de todas as hérnias lombares, podendo resultar de trauma, infecção ou cirurgia prévia1,2,4,9,10,11,12, e são consideradas difusas, pois não estão restritas a um dos trígonos relatados ou se estendem além dos limites anatômicos da região lombar3,4,5.
A apresentação típica é de uma massa assintomática redutível, protrundindo através da área lombar suprailíaca, usualmente em pacientes entre 50 e 70 anos 6,10,17. Menos comumente, os pacientes podem se apresentar com dor lombar ou desconforto abdominal3,8,11,18. O paciente relatado apresentava dor lombar, que se trata de um sintoma inespecífico, normalmente subestimado pelo médico, e pode ser erroneamente diagnosticado como hérnia de disco ou distensão muscular. A dor lombar é uma queixa vaga, mas muito comum em consultas médicas, e, apesar de a hérnia lombar ser uma causa rara deste sintoma, deve ser lembrada como diagnóstico diferencial.
A história natural das hérnias lombares é de crescimento gradual, se tornando cada vez mais sintomáticas3,6,19. Aproximadamente 24% das hérnias lombares primárias encarceram, e 18% se tornarão estranguladas, com sinais de obstrução e isquemia intestinal5,11,20. Conseqüentemente, a maioria dos cirurgiões indica a correção cirúrgica, à exceção dos pacientes cujo risco cirúrgico é inaceitável.
Devido a sua baixa incidência, ainda não há consenso na literatura quanto à melhor forma de tratamento das hérnias lombares8,13,21. Existem duas abordagens principais de tratamento operatório: a abordagem aberta tradicional, com reparo direto do defeito ou com uso de tela, e a abordagem laparoscópica (transperitoneal ou extraperitoneal) 1,5,8.
O reparo direto pode ser realizado com sobreposição da fáscia adjacente e das estruturas musculares por meio de sutura com fio inabsorvível. Este método pode ser eficaz em casos nos quais o anel herniário é pequeno1,5,8.
Uma alternativa ao reparo primário, especialmente quando o defeito é maior, pode ser o uso de retalhos músculo-aponeuróticos. Esses métodos exigem grande extensão de dissecção e têm o potencial de complicação com perda da vascularização do retalho, resultando em isquemia, atrofia muscular, e, potencialmente, em um defeito herniário maior que o inicial5,8,13.
CONCLUSÃO
A literatura já demonstrou que o uso de próteses sintéticas com a técnica livre de tensão garante melhores resultados na correção de todos os tipos de hérnia5. A tela (normalmente de Polipropileno ou Dacron) deve ser posicionada de acordo com princípios da técnica livre de tensão, abaixo da camada muscular, ultrapassando pelo menos 3,0 cm a borda muscular do defeito herniário, e fixada com fio inabsorvível5. No caso relatado, a dissecção da região lombar foi facilitada por se tratar de uma área inexplorada previamente, além de se tratar de crescimento recente da hérnia (crescimento visível de apenas 6 meses).
As maiores séries de hérnia lombar primária em adultos lidam apenas com a abordagem aberta, enquanto existem apenas relatos de casos quanto à abordagem laparoscópica destas hérnias8. Tal fato se deve à sua baixa incidência e a pouca experiência da maioria dos cirurgiões com sua abordagem. Logo, o único estudo comparativo da literatura se baseia em hérnias lombares secundárias. Este estudo concluiu que a abordagem laparoscópica parece ser preferível à cirurgia aberta em termos de resultado, tempo de internação e custo de tratamento8,21. No entanto, por se tratar de método seguro e eficaz, a cirurgia aberta com uso de prótese é aceitável para o tratamento das hérnias lombares primárias8, e, por isso, foi o tipo de abordagem adotada no caso relatado. Os resultados foram satisfatórios, representados pelo curto tempo operatório e de internação, pequena incisão cutânea e, principalmente, pela boa recuperação do paciente.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer o Dr Bernardo Milani pelas sugestões feitas na confecção deste artigo.
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