ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Epidemiologia do acidente de trabalho na experiência cirúrgica de um hospital geral
Epidemiology of working accident in a general hospital surgical experience
Alcino Lázaro da Silva1; Cirênio de Almeida Barbosa2; Max Vivas de Castro3; Jeová Moreira da Costa Júnior3
1. Professor Titular de Cirurgia do Aparelho Digestivo da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Mestre e Doutor em Cirurgia, Universidade Federal de Minas Gerais. Professor-Assistente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais
3. Residente de Cirurgia Geral.
Alcino Lázaro da Silva
Rua Guaratinga - 151, Bairro Sion
Belo Horizonte - MG. CEP: 30315-430
Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e na Fundação de Pesquisa e Ensino em Cirurgia (FUPEC).
Resumo
O acidente de trabalho é importante causa de lesão física ou perturbação funcional, podendo levar o paciente ao óbito ou provocar seqüelas irreversíveis. Este trabalho tem como objetivo investigar as características dos pacientes vítimas de acidente de trabalho e sua conseqüência. Trata-se de um estudo retrospectivo com base em busca ativa em prontuários médicos, sendo estudados 301 casos. Houve predomínio do sexo masculino (90,69% dos casos), incidindo em mais alto número na faixa etária dos 20 aos 24 anos. Os dias da semana com mais atendimento a esses pacientes foram quinta e sexta-feira, principalmente no período de nove horas às 12 horas. O principal agente do acidente de trabalho foi o trauma provocado por algum tipo de peça ou ferramenta e, conseqüentemente, as feridas cortocontusas se destacaram. As mãos e os antebraços foram as regiões mais acometidos e a principal conduta tomada foi a sutura simples das feridas.
Palavras-chave: Acidentes de Trabalho; Epidemiologia; Ferimentos e Lesões/etiologia; Ferimentos e Lesões/cirurgia; Hospitais Gerais.
INTRODUÇÃO
Em nosso meio, o acidente de trabalho é importante causa de lesão física ou perturbação funcional, resultando em morte ou incapacidade temporária ou permanente. Vários fatores estão relacionados com as causas de acidente de trabalho, como a carga horária, a condição de saúde física e mental do trabalhador, seu grau de qualificação, pressões externas sofridas, entre outras.
O maquinismo industrial e a necessidade de aumento de produção das empresas, acarretando mais pressão sobre seus funcionários, fazem com que se tornem mais susceptíveis a se acidentarem. É de conhecimento de todos, principalmente de médicos que trabalham em serviços de urgências, a alta incidência de acidentes de trabalho em nosso país.
Pelo fato de o Hospital Municipal de Contagem estar situado em uma região com grande concentração de indústrias, interessou-se em investigar melhor a forma com que os pacientes se acidentavam em seus ambientes de trabalho e suas repercussões, que os fizeram procurar assistência médica em um serviço de urgências.
MÉTODO
Trata-se de estudo retrospectivo de uma busca ativa em prontuários médicos de pacientes atendidos pela equipe de cirurgia geral do Hospital Municipal de Contagem no período de janeiro a maio de 2001. O levantamento buscou os seguintes dados: características dos pacientes, idade, sexo, mecanismos de trauma em relação ao agente, horário e dia da semana em que ocorreram e as características das lesões quanto ao tipo, localização e tratamento. Foram avaliados 301 pacientes.
RESULTADOS
Dos 301 pacientes estudados, a grande maioria era de homens (90,69%), sendo atendidas apenas 28 mulheres (9,31%). Em relação à idade, uma paciente com 15 anos relatou ter se acidentado em seu trabalho. A faixa etária com o maior número de casos foi entre 20 e 24 anos (69 casos-22,2%), seguida pelas idades de 25 a 29 anos (53 casos - 17,60%). (Graf. 1). O número de pacientes atendidos de segunda à quarta-feira foi semelhante, variando de 47 a 51 casos, com aumento na quinta e sexta-feira. (Graf. 2)
Durante o período noturno, de 20 às seis horas, foram poucos os pacientes atendidos. Houve aumento progressivo do número de casos a partir das sete horas, atingindo o pico máximo por volta das 10 horas (Graf. 3). Das 11 às 14 horas manteve-se elevado o número de atendimentos, ocorrendo declínio após esse horário.
O principal agente do acidente de trabalho foi o trauma provocado por algum tipo de peça ou ferramenta, perfazendo 27,24% dos casos. Em segundo lugar, vêm os instrumentos cortantes (10,29%) que não faca, estilete, canivete e vidro, os quais foram diferenciados do restante (TAB. 1). A prensa foi o agente que desencadeou as lesões mais graves, como amputação e esmagamento de dedos.
Coincidindo com o principal agente, as lesões mais diagnosticadas no serviço foram as feridas cortocontusas (147 vezes). As feridas incisas também tiveram significativa incidência, ocorrendo em 54 pacientes. As lesões mais graves foram: fraturas expostas - 17 em dedos, uma em fíbula, uma em mandíbula; as lesões tendinosas (sete casos), amputações traumáticas de dedos (três); queimadura de 3º grau; esmagamento de dedo; e luxação exposta de dedo, uma ocorrência de cada. Os casos de trauma crânio-encefálico (TCE) e trauma torácico foram todos de intensidade leve (Tab. 2). Quanto à localização das lesões, as mãos e os antebraços corresponderam a 64,35% das regiões acometidas.
A grande maioria das lesões (60,96%) foi tratada com sutura da ferida, outras 16,12% apenas com curativo e em 35 pacientes a única conduta foi a orientação (Graf. 4). Em 17 casos, foi necessário manter o paciente em observação hospitalar, principalmente naqueles vítimas de TCE. Em oito queimados foi realizado desbridamento; em seis procedeu-se à exérese de corpo estranho: em quatro foi drenado hematoma e em um dos sete que apresentavam lesão tendinosa foi realizada tenorrafia, sendo os demais encaminhados à terapêutica especializada.
Dos 301 eventos atendidos, 31 (10,29 %) necessitaram ser encaminhados a outras especialidades, sendo a maioria (19) para a cirurgia plástica, nos casos de fraturas expostas de dedos e mandíbula, amputações traumáticas de dedos, lesões tendinosas, queimaduras de 2º e 3º graus e esmagamento de dedo. Outros nove pacientes necessitaram ser avaliados pela ortopedia, nos casos de contusões, luxações e suspeitas de fraturas. Para a oftalmologia, foram encaminhados três pacientes - dois apresentando corpo estranho no olho e um com queimadura ocular.
DISCUSSÃO
A faixa etária com número mais alto de ocorrências foi a de 20 a 24 anos, talvez aquela em que os trabalhadores têm menos experiência na atividade exercida e menos qualificações. Constatou-se que com o avançar da idade houve diminuição no número de casos (Graf. 1)
Como era de se esperar, quinta-feira com 74 casos e sexta-feira com 61 foram os dias em que os pacientes mais se acidentaram, provavelmente por ser o terceiro e o quarto dias de trabalho da semana e, conseqüentemente, já estariam mais cansados, com capacidade de concentração reduzida e mais propícios a acidentes. Pelo fato de a jornada de trabalho ser reduzida no final de semana, o número de casos atendidos no sábado e domingo foi insignificante (Graf. 2)
Como mãos e antebraços foram os locais mais acometidos, há de se supor que este resultado encontrado seja conseqüente ao fato de que mãos e antebraços ficam em contato direto ou muito próximo das máquinas e instrumentos de trabalho.
CONCLUSÃO
Este trabalho teve como objetivo investigar as características dos pacientes vítimas de acidente de trabalho e sua conseqüência. Trata-se, portanto, de um estudo importante que demonstra em números o com que o cirurgião geral se depara, em sua rotina diária, no atendimento em serviços de urgências.
Do exposto neste artigo, detectou-se que na maioria das vezes houve solução simples por parte do cirurgião geral, que resolveu quase 90% dos casos. Outras poucas especialidades foram necessárias em aproximadamente 10% dos eventos.
Num hospital geral em que há um serviço de cirurgia geral ativo, presente e bem estruturado, pode-se dar solução rápida e eficaz, não só nestes casos como na maioria das demandas eletivas e de urgências.
REFERÊNCIAS
1. Lucca RS, Mendes R. Epidemiologia dos acidentes do trabalho fatais em área metropolitana da região sudeste do Brasil. Rev Saúde Pública 1993 jun.;27(3):168-76. [citado em fev. 2006 Fev 19]Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101993000300003&lng=pt&nrm=iso.
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