RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 30. Esp DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20200054

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Relato de Caso

Vasculopatia Livedoide: Desafio Diagnóstico e Evolução Favorável Após 5 Anos de Tratamento com Rivaroxabana

Livedoid Vasculopathy: Diagnosis Challenge and Favorable Evolution Five Years-Fold of Follow-Up After Rivaroxaban Treatment

Lia Monnerat Lemos dos Santos1; Carolina Berzoini Albuquerque1; Maria Christina Marques Nogueira Castañon2; Heloina Lamha Machado Bonfante3; Herval Lacerda Bonfante4,5,6

1. Universidade Federal de Juiz de Fora - Faculdade de Medicina Juiz de Fora, MG - Brasil
2. Universidade Federal de Juiz de Fora - Departamento de Morfologia Juiz de Fora, MG - Brasil
3. Faculdade de Ciências Medicas e da Saúde de Juiz de Fora - Clínica Médica - Endocrinologia. Juiz de Fora, MG - Brasil
4. Universidade Federal de Juiz de Fora - Departamento de Farmacologia. Juiz de Fora, MG - Brasil
5. Santa Casa de Misericórdia de Juiz de - Serviço de Reumatologia. Juiz de Fora, MG - Brasil
6. Faculdade de Ciências Medicas e da Saúde de Juiz de Fora - Clínica Médica - Reumatologia. Juiz de Fora, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Herval Lacerda Bonfante
E-mail: herval.bonfante@ufjf.edu.br

Recebido em: 27/05/2020
Aprovado em: 22/08/2020

Instituição: Universidade Federal de Juiz de Fora - Departamento de Morfologia Juiz de Fora, MG - Brasil.

Resumo

INTRODUÇÃO: A vasculopatia livedoide (VL) é caracterizada por um uma alteração trombogênica pauci-inflamatória ou não inflamatória na qual há oclusão e trombose de vênulas e capilares superficiais da derme, levando à isquemia cutânea e à formação de úlceras dolorosas recorrentes que se cicatrizam lentamente. Seus achados histopatológicos cardinais são: deposição de material fibrinoide na luz vascular, hialinização da parede do vaso, infartos teciduais e ausência de achados histopatológicos compatíveis com uma vasculite verdadeira.
OBJETIVO: Relatar um caso relativamente raro de vasculopatia livedoide, associado com neuropatia periférica, discutindo sua apresentação clínica, seu diagnóstico laborioso e tratamento inovador.
RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 49 anos, branca, apresentando lesões cutâneas ulceradas, extremamente dolorosas em membros inferiores, de aumento progressivo em profundidade e extensão, com 19 anos de evolução, sem estabelecimento do diagnóstico de certeza e tratamento eficaz. Após revisão, a análise histopatológica revelou úlcera associada à necrose epidérmica, com trombose e hialinização de parede de vasos dérmicos superficiais compatíveis com vasculopatia livedoide, não sendo detectado infiltrado inflamatório permeando a parede dos vasos alterados. Para tratamento, instituiu-se a rivaroxabana na dose de 15mg/dia e para o quadro álgico, duloxetina, 60 mg/dia. O tratamento com rivaroxabana mostrou-se eficaz na cicatrização das úlceras e prevenção de novas lesões com uma resposta favorável notada a princípio em aproximadamente 60 dias e mantendo-se por 5 anos.
CONCLUSÃO: A rivaroxabana mostrou-se uma boa opção de tratamento para esta dermatopatia, sendo uma medicação bem tolerada e de mais fácil administração, proporcionando melhora na qualidade de vida desses pacientes.

Palavras-chave: Vasculopatia, Rivaroxabana, Diagnóstico, Tratamento farmacológico, Resultado do tratamento.

 

INTRODUÇÃO

A vasculopatia livedoide (VL), também denominada livedo vasculite, vasculite hialinizante segmentar, vasculite livedoide, livedo reticular com úlceras "de verão", livedo reticular com úlceras "de inverno", atrofia branca de Milian (atrophie blanche) e PURPLE (úlceras purpúricas dolorosas com padrão reticular das extremidades inferiores), primeiramente descrita por Milian, em 1929, constitui quadro relativamente raro. Estima-se sua incidência em 1:100.000/ano, com uma proporção entre mulheres e homens de 3:1.1 A maior incidência ocorre entre 15 e 50 anos, com idade média de 32 anos.

Do ponto de vista clínico, as manifestações cutâneas iniciais são geralmente bilaterais nos membros inferiores (MMII) apresentando edema associado a máculas e/ou pápulas purpúricas, puntiformes ou lenticulares, dolorosas, especialmente nos tornozelos e dorso dos pés. Estas, evoluem com ulcerações ao longo de semanas e até meses. Originam cicatrizes atróficas e nacaradas (atrofia branca), telangiectasias puntiformes, pigmentação acastanhada livedoide, acompanhadas de livedo racemoso ou seja, com trama reticulada interrompida.1

O principal mecanismo fisiopatogênico é um fenômeno vaso-oclusivo em decorrência de trombose intraluminal das vênulas, principalmente do terço superficial da derme e consequente hipóxia tecidual.1 Em pacientes com VL a correlação clínica, laboratorial e histopatológica são essenciais para excluir outras vasculites e comorbidades associadas. Além da correlação clinicopatológica, deve ser realizada uma avaliação laboratorial completa para detectar anormalidades sugestivas de doenças autoimunes sistêmicas, paraproteinemia, trombofilias congênitas e adquiridas.2

O objetivo desse trabalho é relatar um caso relativamente raro de vasculopatia livedoide associado a neuropatia periférica (uma manifestação não muito citada na literatura), diagnosticado pelo Serviço de Reumatologia da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora em conjunto com o Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, discutindo sua forma clínica, seu diagnóstico laborioso, o tratamento estabelecido no manejo clínico dessa doença e evolução após cinco anos de acompanhamento clínico.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 49 anos, branca, secretária, natural de Minas Gerais. Em acompanhamento pela endocrinologia com diagnóstico de hipotireoidismo de longa data, em uso de levotiroxina 75 mcg/dia. Durante uma de suas consultas com a endocrinologia, referiu que, aos 30 anos de idade, teve início um quadro de lesão cutânea em segundo pododáctilo direito após ferida traumática por atrito. A lesão inicial expandiu-se alcançando a região distal da perna direita, progredindo em profundidade e extensão. Havia dor intensa nos locais acometidos. Posteriormente, nova lesão desenvolveu-se em membro inferior esquerdo. A dor agravava-se em dias quentes, durante o período menstrual e em situações de ansiedade e tensão emocional. O quadro evoluiu com períodos de exacerbação e regressão parcial ao longo de 19 anos. Relatava diagnósticos prévios de celulite, erisipela e insuficiência venosa. Devido à dificuldade diagnóstica de sua lesão, foram solicitados os seguintes exames complementares: ultrassonografia com ecodoppler arterial e venoso dos membros inferiores sem alterações e, entre outros, o fator antinuclear (FAN) que mostrou resultado reagente com titulação de 1/640 no padrão nuclear pontilhado fino. Foi encaminhada ao Serviço de reumatologia em agosto/2014. Ao exame físico, evidenciavam-se lesões purpúricas, com extensa ulceração, associada a áreas atróficas e esbranquiçadas circundadas por halo purpúrico em perna direita, região maleolar medial esquerda e pé direito (Figuras 1A, 2A e 3A). Foram solicitados novos exames complementares: hemograma, ferritina, velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C reativa (PCR), anticorpos anticitoplasma de neutrófilo (p-ANCA, c-ANCA), anticoagulante lúpico (LAC), anticorpos anticardiolipina (ACA) IgG e IgM, anti-beta 2 Glicoproteina I, IgG e IgM, proteína C e S, homocisteína, anti-DNA, anti-SM, componentes do complemento C3 e C4, crioglobulinas, anti-Ro, anti-La, fator reumatoide (FR) e sorologias para hepatite B e C.

 


Figura 1. A - Extensa ulceração, associada a áreas atróficas e esbranquiçadas circundadas por halo purpúrico em terço inferior da perna direita; B - Evolução da referida lesão após quatro meses de tratamento; C - Cicatrização da lesão após oito meses de tratamento.

 

 


Figura 2. A - Ulceração em região maleolar medial esquerda antes do início do tratamento; B - Lesão referida após um mês do início do tratamento; C - Cicatrização da lesão após três meses de tratamento.

 

 


Figura 3. A - Lesões ulceradas em pé direito, associadas a áreas atróficas e esbranquiçadas circundadas por halo purpúrico; B - Evolução da referida lesão após quatro meses de tratamento; C - Cicatrização da lesão após oito meses de tratamento.

 

As alterações encontradas foram: anemia hipocrômica e microcítica, com ferritina baixa (10 ng/mL) atribuída à perda menstrual e provável presença de processo inflamatório ativo (PCR = 21mg/L, VR = até 0,6mg/L; VHS na 1º hora = 35mm/h, VR = até 25 mm/h), sendo que os demais exames apresentavam resultados negativos ou dentro da normalidade. Além dos exames laboratoriais, devido ao quadro álgico de MMII, foi levantada a hipótese de neuropatia periférica e foi solicitada eletroneuromiografia (ENMG) de MMII que mostrou evidências eletrofisiológicas de neuropatia sensitivo motora axonal e desmielinizante, acometendo o membro inferior esquerdo. Devido à cronicidade da doença e indefinição diagnóstica, foi realizada revisão histopatológica da biópsia das lesões de MMII. Na análise de novos níveis de cortes histológicos observou-se necrose epidérmica, alterações vasculares hialinizantes e trombose vascular superficial consistente com vasculopatia oclusiva, compatível com o diagnóstico de vasculopatia livedoide. Não foi detectado infiltrado inflamatório permeando a parede dos vasos alterados (Figura 4). Confirmado o diagnóstico de VL, foram tentados tratamentos com glicocorticoides (prednisona via oral na dose de 0,5 mg/Kg/dia), ácido acetil salicílico (100 mg/dia) e ciclosporina via oral (3mg/Kg/dia), sem resultados satisfatórios após 3 meses de uso. Não havendo resposta após este período, foi iniciado tratamento contínuo com rivaroxabana na dose de 15mg/ dia e posteriormente duloxetina, 60mg/dia e a melhora foi observada nos meses seguintes, sendo que, após oito meses de tratamento, houve melhora completa da dor e cicatrização total das lesões da região distal da perna direita e região maleolar medial esquerda (Figuras 1B e 1C; 2B e 2C) e cicatrização parcial das lesões do pé direito (Figura 3 B e 3C). No início de 2018 a terapia com duloxetina foi suspensa após redução prévia da dose para 30 mg/dia, sem retorno da dor e após 4 anos de uso, a terapia com rivaroxabana foi também suspensa, com acompanhamento para possibilidade de retorno do tratamento, em caso de reaparecimento das lesões, o que não ocorreu até o início de 2020.

 


Figura 4. Histopatologia das lesões cutâneas da vasculopatia livedoide revelou adelgaçamento ou ulceração epidérmica, espessamento fibroso dérmico moderado a denso. Vasos dilatados e um número aumentado na derme superficial e média, alguns contendo trombos hialinos intraluminais. A - Lâmina HE 100 ×; B - Referida lâmina em aumento 200 ×.

 

DISCUSSÃO

A VL pode ser a manifestação cutânea de diversas doenças que podem levar a trombose não inflamatória dos vasos dérmicos. Até o presente momento a etiopatogênese da doença não está claramente estabelecida. A VL pode ser primária (dita idiopática) ou secundária, principalmente relacionada a doenças autoimunes sistêmicas e estados de hipercoagulabilidade.

Dentre as doenças autoimunes sistêmicas, as mais comumente associadas à VL são o lúpus eritematoso sistêmico (LES), a esclerose sistêmica, a artrite reumatoide, a síndrome de Sjögren e a síndrome antifosfolipidio (SAF). Embora a paciente apresentasse FAN positivo, não foram encontrados dados clínicos ou laboratoriais para o diagnóstico de LES, Síndrome de Sjögren ou outras doenças reumáticas autoimunes ou trombofilias, como mutação do fator V de coagulação (Leiden), mutação do gene da protrombina, mutação do inibidor do ativador do plasminogênio (PAI), deficiência da antitrombina, deficiência das proteínas C e S, elevação da lipoproteína (a) e SAF que já foram correlacionadas à esta dematovasculopatia3,4, mas não confirmadas pelos exames complementares desta paciente. Pacientes portadores de algumas dessas síndromes clínicas citadas podem apresentar maior incidência de VL em comparação à população geral.

Recentemente, sugere-se a existência de uma forma secundária de VL que pode estar associada a COVID-19, uma pandemia que surgiu em Wuhan, China. É observado que, além da pneumonia e da síndrome do desconforto respiratório agudo, a doença leva ao envolvimento multissistêmico. Há relatos de lesões cutâneas na forma de erupções cutâneas urticariformes e maculopapulares, lesões eritematosas em dedos das mãos e pés ("dedos de COVID"), lesões semelhantes a vesículas da varicela, além de VL, que talvez esteja relacionada ao distúrbio de coagulação visto nas formas mais graves.5

As alterações fisiopatológicas da VL ocorrem nos vasos sanguíneos superficiais da derme. Há menor atividade fibrinolítica com menor liberação do inibidor de ativador do plasminogênio (PAI) na parede dos vasos.3 Além disso, ocorre aumento da agregação plaquetária e dos níveis de fibrinopeptídeo A, caracterizando um estado trombogênico. Todo este processo justifica a oclusão e trombose encontrada nesses vasos, culminando na redução da pressão parcial de oxigênio nessas áreas e levando à isquemia cutânea. Consequentemente, ocorre necrose e formação de úlceras dolorosas recorrentes que se cicatrizam lentamente.3

Os achados histopatológicos da VL são caracterizados pela oclusão dos vasos superficiais da derme por deposição de fibrina intravascular e trombose, hialinização segmentar e proliferação endotelial. Pode haver infiltrado linfocitário perivascular, geralmente em grau mínimo. Sendo assim, são achados histopatológicos cardinais da VL: deposição de material fibrinoide na luz vascular, hialinização da parede do vaso e infartos teciduais.6 Ausência de inflamação da parede do vaso diferencia esta vasculopatia de uma vasculite verdadeira. Embora, estes depósitos fibrinoides (observados à revisão da biópsia da paciente) sejam bem característicos para a diagnose da VL e ocorram em todos os estágios, os mesmos podem ser confundidos com o fenômeno secundário análogo que ocorre sob quase toda ulceração comum. 3 Assim, as características histológicas da VL no contexto clínico apropriado são diagnósticas.

O diagnóstico clínico diferencial da VL é feito com vasculite leucocitoclástica, poliarterite nodosa cutânea, SAF, estase venosa crônica, pioderma gangrenoso, dermatite factícia, pseudo-Kaposi e doença de Degos.3 Deve-se atentar para o fato de que as cicatrizes do tipo atrofia branca de Milian não são patognomônicas da VL. Essas representam um mero aspecto cicatricial, que pode ser resultante de vários tipos de injúria, como as causadas também pela esclerose sistêmica, LES, doença de Degos e insuficiência venosa crônica.3

A abordagem terapêutica da VL é variada e um dos parâmetros de avaliação de sua eficácia é a melhora da dor, o primeiro marcador da atividade da doença. Esta possui caráter isquêmico (por infarto cutâneo focal), sendo de forte intensidade, estando presente em todos os indivíduos e afetando profundamente suas atividades sociais e laborais e de sua qualidade de vida, afastando-os, por vezes, até do convívio familiar. Ademais, as ulcerações frequentes culminam em cicatrizes progressivas, muitas vezes desfigurantes.7

A concomitância da neuropatia periférica nessa vasculopatia dermatológica é rara e pouco relatada na literatura.4,8 Quando ocorre, alguns pacientes, apresentam quadro de parestesias ou hiperestesias, caracterizado como mononeurite múltipla. Possivelmente, o envolvimento do sistema nervoso periférico ocorre devido a áreas de isquemia multifocal decorrentes da deposição de fibrina e trombina nos vasa nervorum.4,8 Em alguns relatos de casos de pacientes com VL e mononeurite múltipla foi realizada a biópsia neural, que evidenciou ectasia capilar e congestão com hemorragia, com extenso infarto do nervo periférico e das células de Schwann, resultando em perda axonal sem evidência de inflamação significativa. Esses achados histopatológicos corroboram com a teoria de acometimento da vasa nervorum e com a ideia de que a mesma doença trombótica ocorre em pequenas vasos da pele e nervos, sem vasculite envolvida no processo.4,8,9

Acreditamos que parte do quadro álgico da paciente, poderia relacionar-se a neuropatia, o que nos motivou associar a duloxetina após 2 meses do início de rivaroxabana, sendo notado efeito adicional no alívio da dor. Entretanto, Miguel D e colaboradores (2020), relatam o alívio da dor na VL somente após 5 meses de uso da rivaroxabana na dose de 20 mg/dia.10

Não há consenso na literatura quanto ao tratamento da VL. No entanto, dado que a fisiopatologia potencialmente envolve alteração nos mecanismos trombogênicos ou deficiência do processo fibrinolítico, terapias com medicamentos estimuladores da atividade fibrinolítica endógena, inibidores da formação de trombo (antiagregantes plaquetários), vasodilatadores, hemorreológicas e anticoagulantes vêm sendo utilizados.10,11. Esses vários tratamentos têm como objetivo modular ou interferir nos distúrbios hemostáticos microcirculatórios. Em contrapartida, o uso de corticosteroide tópico, sistêmico e intralesional não mostrou resultado satisfatório, assim como outras terapias imunomoduladoras.

Muitos optam pela escolha terapêutica da heparina ou da varfarina. No entanto, sabe-se que alguns pacientes apresentam resistência à heparina por se tratar de um fármaco de aplicação subcutânea. A varfarina, por sua vez, apresenta como inconveniente, além dos riscos, a necessidade de acompanhamento laboratorial contínuo. Estudos atuais buscam resultados terapêuticos com outros medicamentos no tratamento da VL. Um estudo que comparou o uso de diferentes classes de medicamentos, mostrou que a rivaroxabana, um inibidor oral do fator Xa da coagulação, possuía adicional benefício de não requerer injeções diárias ou monitoramento laboratorial regular, o que melhora a adesão do paciente à terapêutica.12 Outros estudos demonstraram significativa melhora da dor e das úlceras cutâneas com o uso deste medicamento7,10. Um deles demonstrou tais efeitos com 4 semanas de tratamento com rivaroxabana (10 mg/dia), mostrando-se eficaz também na prevenção da ocorrência de dor e de novas úlceras, mostrando uma resposta rápida e contínua. Além disso, esse tratamento mostrou-se seguro, especialmente na prevenção de eventos hemorrágicos, sendo bem tolerado pelos pacientes com VL.7

O estudo RILIVA também demonstrou resultados favoráveis com uso de rivaroxabana no tratamento da dor em pacientes com VL.13 Franco Marques e colaboradores (2018), avaliando uma série de quatro casos, demonstrou que o uso de terapia de longa duração com rivaroxabana reduziu com sucesso as ulcerações cutâneas em poucas semanas. O medicamento oral foi bem tolerado pelos pacientes em uma dose de 10 mg ou 20 mg diariamente, melhorando a qualidade de vida além de permanecerem livres de quaisquer efeitos adversos notáveis.14

Devido a tais evidências, a rivaroxabana foi o fármaco escolhido, beneficiando a paciente com melhora parcial da dor inicialmente e cicatrização completa das úlceras após 8 meses de tratamento. Em seguimento de 5 anos, o uso desse fármaco demonstrou eficácia e segurança, proporcionando uma melhora significativa da qualidade de vida da paciente, nosso principal objetivo. Optou-se também pela associação com duloxetina, um antidepressivo inibidor de recaptação da serotonina e de noradrenalina (IRSN) para controle álgico. Os IRSN são eficazes para vários tipos diferentes de dor neuropática, sendo indicados como fármacos de primeira linha, com recomendação A.15 Nesta paciente foram eficientes como relatam os trabalhos da literatura.

 

CONCLUSÃO

Embora seja rara, a VL causa grande morbidade aos pacientes devido à dor, limitação funcional e principalmente pelo diagnóstico tardio, às vezes até por anos. Na atualidade a rivaroxabana na dose de 15mg/dia demonstra, em grande parte dos casos relatados, um resultado satisfatório na abordagem terapêutica, com segurança e facilidade de uso. No caso relatado, houve uma excelente resposta, com cicatrização completa das lesões e sem recorrência das mesmas até cinco anos de controle clínico. Concluímos, portanto, que os resultados terapêuticos favoráveis somados a facilidade da via de administração e o fato de não ser necessária monitoração laboratorial rotineira, torna a rivaroxabana um tratamento promissor para pacientes com vasculopatia livedoide.

 

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

 

REFERÊNCIAS

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