RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 30. Esp DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20200055

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Relato de Caso

Coarctação Aórtica Assintomática Associada a Valva Aórtica Bicúspide em Homem de 71 Anos: Relato de Caso

Asymptomatic Aortic Coarctation Associated with Bicuspid Aortic Valve in 71 Year-Old Man: Case Report

Antônio José Muniz1; Leonardo Romaniello Gama de Oliveira2; Vinícius Parma Ruela2; Rafaela Vidigal da Cruz Brito2; Ludymila Samara Alves da Mata Souza2; Beatriz Modesto Scalassara2

1. Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora - Departamento de hemodinâmica. Juiz de Fora, MG. Brasil
2. Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora- Curso de Medicina. Juiz de Fora, MG. Brasil

Endereço para correspondência

Beatriz Modesto Scalassara
E-mail: scalassarabeatriz@gmail.com

Recebido em: 28/05/2020
Aprovado em: 25/08/2020

Instituição: Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora - Departamento de hemodinâmica, Juiz de Fora, MG. Brasil.

Resumo

A coarctação da aorta é uma malformação congênita caracterizada porestreitamento focal da luz do vaso, cujas apresentações clínicas variam de acordo com a gravidade da constrição e da persistência do canal arterial (PCA). A presença de tal condição em idosos é extremamente rara, sendo a sobrevida nessa faixa etária absolutamente excepcional. Apresentamos um caso de coarctação aórtica associada a valva aórtica bicúspide em um homem de 71 anos, o qual permanecera assintomático durante toda a vida. Do nosso conhecimento, trata-se do primeiro relato de caso de tal condição no hemisfério sul. Conclui-se que a aferição de pressão arterial de membros inferiores possibilita diagnóstico precoce e redução da morbimortalidade por complicações cardiovasculares.

Palavras-chave: Doenças da Aorta; Cardiopatias Congênitas; Aorta.

 

INTRODUÇÃO

A coarctação da aorta (CoA) é uma malformação congênita que corresponde a 5-10% de todas as malformações cardiovasculares1, caracterizada por estreitamento focal da luz do vaso, cujas apresentações clínicas variam de acordo com a gravidade da constrição e da persistência do canal arterial (PCA). A localização mais frequente de CoA é no istmo, antes da desembocadura do canal arterial (denominada CoA préductal). As consequências hemodinâmicas principais da CoA envolvem elevação dos níveis pressóricos e hipertrofia do ventrículo esquerdo (VE). Ademais, até 85% dos pacientes com CoA têm outras malformações associadas, como valva aórtica bicúspide e comunicação interventricular.2,3,4

CoA com PCA manifesta-se por cianose na porção inferior do corpo e exige detecção precoce logo após o nascimento. Por outro lado, casos de CoA sem PCA podem permanecer assintomáticos por muitos anos, sendo evidenciados tardiamente, através do exame físico, pela discrepância de pressão arterial entre membros superiores e inferiores, além de claudicação, hipotermia e hipodesenvolvimento de membros.3

CoA não corrigida assintomática em idosos é extremamente rara, pois a enfermidade, geralmente, relaciona-se a redução considerável da expectativa de vida devido a complicações cardiovasculares, além dos sinais e sintomas serem precocemente perceptíveis na maioria dos casos. As taxas de mortalidade giram em torno de 90% até a quinta década de vida, desse modo, a sobrevida de pacientes idosos com tal condição é absolutamente excepcional.2

O presente estudo possui o intuito de relatar um caso extremamente raro de CoA assintomática associada a valva aórtica bicúspide em um homem de 71 anos (morador da zona rural de Minas Gerais, Brasil) atendido no serviço de hemodinâmica de um hospital de Juiz de Fora.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética da instituição, obtendo parecer favorável.

 

RELATO DO CASO

O paciente permanecera sem queixas durante toda a sua vida. O mesmo já havia sido diagnosticado com valva aórtica bicúspide e fazia acompanhamento cardiológico anual. Após início de queixas de pirose retroesternal, compareceu a um serviço de gastroenterologia sendo posteriormente indicado à endoscopia digestiva alta, a qual evidenciou desvio importante do esôfago.

Foi então recomendada a realização de uma tomografia computadorizada (TC) de tórax, exame que foi capaz de diagnosticar a CoA (Figura 1). O laudo revelou o seguinte: sinais de coarctação aórtica entre a crossa e o segmento descendente, com o diâmetro da porção estenótica de 1,4 cm de sua luz e os segmentos pré e pósestenóticos com diâmetros máximos de 3,2 cm e 4,5 cm, respectivamente. Notaram-se também, discretos ateromas na aorta em seu segmento pré-estenótico, condicionando irregularidades parietais. As alterações vasculares descritas condicionam leve compressão sobre a parede posterolateral esquerda da traqueia e de forma mais evidente sobre o esôfago, rechaçando-o para a direita. As demais porções da aorta também se encontram ectasiadas, medindo 4,5cm no terço médio do segmento ascendente e 3,5cm no terço médio do descendente.

 


Figura 1. Coarctação da aorta entre o arco aórtico e o segmento descendente.

 

Ecodopplercardiograma torácido revelou função sistólica normal do VE com disfunção diastólica discreta, valva aórtica bicúspide calcificada e de reduzida mobilidade, estenose valvar aórtica de grau moderado com regurgitação discreta, gradiente entre o VE e a aorta de 24mmHg.

Ecodopplercardiograma transesofágico revelou cavidades cardíacas e espessuras musculares dentro da normalidade, função sistólica preservada do VE, aneurisma do septo interatrial sem shunt ao ecodopplercardiograma transtorácico, além de coarctação da aorta descendente.

O paciente foi então encaminhado para procedimento cirúrgico no Serviço de Hemodinâmica de um hospital de Juiz de Fora, no qual realizou-se implante de prótese endovascular na aorta torácica através de punção da artéria femoral esquerda. Após o implante, o paciente experimentou sucesso clínico e angiográfico imediatos.

 

DISCUSSÃO

Os estudos sobre esse tema foram selecionados por meio de pesquisas na base de dados MEDLINE. 5-13 Miró et al., em relato de caso com revisão da literatura em 1999, detectou nove casos até então, incluindo um paciente de 92 anos atendido na França em 1828.8

Em 2010, Tinoco et al., descreveram o caso de uma mulher de 66 anos que foi diagnosticada com endocardite infecciosa sobre o tecido que recobria a CoA. A ecocardiografia transesofágica revelava vegetações na coarctação. O esquema de tratamento com ceftriaxona e gentamicina intravenosas foi adotado com posterior sucesso terapêutico e, segundo os autores, o estado clínico da paciente e sua desenvolvida rede de circulação colateral contraindicavam uma abordagem cirúrgica invasiva.11

Em 1998, Patel et al., relataram o caso de um homem de 79 anos que fora submetido a toracotomia e implante aórtico para desvio de aneurisma. Houve também ressecção da estenose e de porção do aneurisma pós-estenótico.13

Além dos casos acima destacados, há outros escassamente disponíveis na literatura médica que compartilham diversas semelhanças. Do nosso conhecimento, trata-se do primeiro relato de caso de tal condição no hemisfério sul.

 

CONCLUSÃO

Concluímos que CoA pré-ductal pode ser devidamente diagnosticada, mesmo nos pacientes idosos, através de exame físico detalhado que inclua a aferição da pressão arterial em todos os membros, permitindo a detecção precoce dessa condição e, por conseguinte, tratamento mais efetivo que reduza a morbimortalidade. Sabe-se que tais pacientes possuem risco adicional de morte por dissecção aórtica ou hemorragia cerebral. Apesar disso, as estratégias terapêuticas para essas condições não estão completamente consolidadas na literatura e inexiste consenso entre especialistas.

 

REFERÊNCIAS

1. Grech V. Diagnostic and surgical trends, and epidemiology of coarctation of the aorta in a population-based study. Int J Cardiol 1999; 68:197-202.

2. Campbell M. Natural history of coarctation of the aorta. Br Heart J 1970; 32:633-40.

3. Brasileiro Filho. Patologia. 8th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.

4. Onohara D, Sato A, Tasaki Y, et al. Co-existence of severe coarctation of the aorta and aortic valve stenosis in a 65-yearold woman: a case report. Ann Thorac Cardiovasc Surg. 2014;20 Suppl:750-3.

5. Cevik S, Izgi C, Cevik C. Asymptomatic Severe Aortic Coarctation in an 80Year-Old Man. Texas Heart Institute Journal 2004;31(4):429-31.

6. Convens C, Vermeersch P, Paelinck B, et al. Aortic coarctation: a rare and unexpected cause of secondary arterial hypertension in the elderly.Cathet Cardiovasc Diagn 1996;39(1):71-4.

7. Iuliano L, Micheletta F, Natoli S, et al. Aortic coarctation in the elderly: how many errors lie behind an unexpected diagnosis? Intern Emerg Med 2007;2(3):207-9.

8. Miró O, Jiménez S, González J, et al. Highly effective compensatory mechanisms in a 76-year-old man with a coarctation of the aorta. Cardiology. 1999;92(4):284-6.

9. Arroyo-Rodríguez AC, Molina-Cancino DL, Arias-Navarro E, et al. Complex aortic coarctation and a bicuspid aortic valve with severe stenosis in a 68 year-old woman. Arch Cardiol Mex. 2018;88(2):153-5.

10. Fallatah R, Elasfar A, Amoudi O, et al. Endovascular repair of severe aortic coarctation, transcatheter aortic valve replacement for severe aortic stenosis, and percutaneous coronary intervention in an elderly patient with long term follow-up. J Saudi Heart Assoc. 2018;30(3):271-5.

11. Tinoco I, López E, Gutiérrez JF, et al. [Infective endarteritis complicating aortic coarctation in a 66-year-old woman]. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2010 Jan;28(1):689.

12. Park JH, Chun KJ, Song SG, et al. Severe aortic coarctation in a 75-year-old woman: total simultaneous repair of aortic coarctation and severe aortic stenosis. Korean Circ J. 2012;42(1):62-4.

13. Patel Y, Jilani MI, Cho K. Coarctation of the aorta presenting in a 79-year-old male. Thorac Cardiovasc Surg. 1998;46(3):158-60.