RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 30. Esp DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20200057

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Relato de Caso

Síndrome de hopkins: um relato de caso e revisão de literatura

Hopkins syndrome: a case report and literature review

Francine de Paula Roberto Domingos1; Natanael Lourenço2

1. Universidade Federal de Lavras, Curso de Medicina - Departamento de Ciências da Saúde - Lavras - Minas Gerais - Brasil
2. Universidade Federal de Lavras, Departamento de Ciências da Saúde - Lavras - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência

Francine de Paula Roberto Domingos
E-mail: francinedepaularoberto@gmail.com

Recebido em: 15/02/2020
Aprovado em: 29/06/2020

Instituição: Universidade Federal de Lavras, Departamento de Ciências da Saúde - Lavras - Minas Gerais - Brasil

Resumo

A síndrome de Hopkins (SH) é uma doença do neurônio motor que acomete o corno anterior da medula espinhal e ocorre após crise de asma. Há poucos casos publicados desde que essa doença foi descrita pela primeira vez, em 1974. Sua fisiopatologia ainda não é completamente compreendida. Além disso, a Síndrome de Hopkins é incomum e, por isso, difícil de ser diagnosticada. Este artigo descreve uma criança que desenvolveu plegia dos membros superiores depois de uma crise de broncoespasmo, assim como o processo diagnóstico e tratamento implementado para a SH. O objetivo deste relato é difundir a apresentação clínica da SH e discutir diagnósticos diferenciais e conduta no ambiente científico.

Palavras-chave: Neurologia; Células do corno anterior; Asma.

 

INTRODUÇÃO

Também chamada de paralisia semelhante à poliomielite associada à asma, a Síndrome de Hopkins (SH) é uma doença do neurônio motor, no corno anterior da medula, que se segue após ataque agudo de asma e é mais comum em crianças1. A primeira descrição foi feita em 1974 e, desde então, poucos relatos foram realizados2;3.

Na SH, as manifestações neurológicas costumam surgir cerca de 4 a 11 dias após a crise de asma4;5. Apresenta-se, clinicamente, como monoplegia ou diplegia e geralmente apresenta evolução desfavorável1.

A fisiopatologia da doença ainda é obscura; os relatos de caso, quando realizada análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), geralmente evidenciam pleocitose com predomínio de mononucleares, sem alteração na concentração de glicose e proteínas5. A Ressonância Magnética encefálica geralmente é normal, mas pode demonstrar alargamento do cone medular, com hipersinal em T2, notadamente no corno anterior da medula. Tais alterações sugerem edema na região do corno anterior da medula, o que permite aventar a possibilidade de que a etiopatogenia seja inflamatória5.

O tratamento preconizado para a síndrome é a pulsoterapia com metilprednisolona (30mg/kg/dia durante 5 dias), associada a Imunoglobulina intravenosa (2g/kg por 5 dias) e fisioterapia5.

 

DESCRIÇÃO DO CASO

L.H.N.M., 3 anos, natural de Lavras (MG), filho único, 17 kg, sem histórico de outras comorbidades, imunizações atualizadas. Possui desenvolvimento neuropsicomotor normal e não há histórico familiar para doenças neurológicas.

O paciente apresentou crise de broncoespasmo, sendo tratado com beta 2 agonista de curta duração para abortamento da crise. Após quatro dias apresentou, ao despertar, súbita plegia de membro superior esquerdo, com preservação da sensibilidade. Evoluiu com marcha hemiplégica e diminuição de reflexos osteotendíneos à esquerda, sem alteração do nível de consciência, cognição ou função dos nervos cranianos.

Radiografia do braço esquerdo e amostras de sangue não revelaram alterações, assim como a Tomografia Computadorizada (TC). A Ressonância Magnética (RM) de encéfalo evidenciou realce do sinal no corno anterior da medula nas ponderações T2 e Flair, sem outras alterações.

Radiografia de tórax revelou áreas de imagem hipotransparente, sugestivas de pneumonia; foram realizados internação e tratamento da pneumonia e broncoespasmo durante 10 dias. Neste período apresentou retenção urinária e constipação intestinal. Diante do broncoespasmo, associado às alterações neurológicas do exame físico e com o aspecto da ressonância, foi aventada a hipótese diagnóstica de SH.

Após o tratamento da pneumonia, iniciou-se a conduta terapêutica para a Síndrome de Hopkins. O tratamento proposto foi pulsoterapia com Metilprednisolona na dose de 30mg/kg/dia. Não foi possível iniciar a terapia com Imunoglobulina Humana concomitante devido à falta na rede pública municipal desse medicamento; foi instituído acompanhamento com fisioterapia e terapia ocupacional.

Posteriormente, foi realizada eletroneuromiografia no paciente, a qual revelou panplexopatia braquial à esquerda, axonal, pré-ganglionar, com acentuado grau de acometimento, com sinais de desnervação ativa e reinervação crônica, acometendo com mais intensidade troncos médio e inferior.

O paciente evoluiu com boa melhora clínica após a terapia, com recuperação parcial dos movimentos dos membros.

 

DISCUSSÃO

A Síndrome de Hopkins (SH) acomete, com maior frequência, crianças abaixo dos 13 meses de idade, embora haja dados na literatura de ocorrência da síndrome após a puberdade1;6. No presente caso, o paciente encontrava-se na primeira infância, conforme relatado na literatura, evoluindo com história clínica, assim como sinais e sintomas altamente sugestivos da doença, apesar de sua baixa prevalência na população7.

Diante disso, é importante destacar a etiologia incerta da SH, sendo propostas hipóteses como: a participação, ainda não comprovada, de vírus neurotrópicos (Coxsackie, Mycoplasma, herpes simples, adenovírus, echovirus), imunossupressão por corticoides, drogas neurotóxicas utilizadas no manejo da asma - como as xantinas- e uso agentes bloqueadores da junção neuromuscular1;8. Também já foi associada à imunossupressão que ocorre após episódio de asma, devido ao estresse fisiológico e à corticoterapia, tornando o paciente mais susceptível à invasão viral de células do corno anterior da medula9.

Após crise de asma - que pode ser de grave intensidade e com necessidade de ventilação mecânica - os pacientes evoluem com quadro paralisia flácida aguda de uma ou mais extremidades, sem comprometimento sensitivo ou cognitivo; a fraqueza inicia-se quando a crise de broncoespasmo está em remissão, evoluindo para plegia em horas ou dias sem melhora clínica espontânea posterior1. L.H.N.M. não desenvolveu episódio agudo grave de broncoespasmo, mas já apresentava sibilância previamente ao início da plegia, tornando a hipótese diagnóstica de SH altamente sugestiva, em razão do fator desencadeante.

No entanto, devem ser elaborados diagnósticos diferenciais, sendo os principais: Síndrome de Guillain-Barré, Mielite transversa e Mielite atópica4;5;7. Quanto à mielite atópica, postula-se a possibilidade de que seja uma entidade associada à SH, devido a seus fatores predisponentes e desencadeantes, tal como a apresentação clínica; por outro lado, a mielite atópica possui acometimento da região posterior do corno da medula espinhal e acredita-se que acometa, com maior frequência, pacientes jovens, mas após a puberdade7. Já a mielite transversa possui dois picos de maior incidência, mas mais tardios do que a SH e não cursa com a lesão medular no corno anterior, além disso, geralmente é precedida por quadros virais cerca de 3 semanas antes do surgimento dos sintomas10. A Síndrome de Guillain-Barré, por sua vez, acomete todas as faixas etárias, mas a sua incidência aumenta proporcionalmente à idade, ao contrário da SH; também está associada a infecções prévias e pode manifestar-se com alterações sensitivas, assim como disfunções vesicais e intestinais, as quais não estão presentes na SH, classicamente - embora o paciente do caso tenha apresentado essas manifestações11. A seguir, segue uma tabela com os principais diagnósticos diferenciais da SH (Tabela 1 1;7;10;11;12;13):

 

 

Outro aspecto importante da SH é a sua pouca resposta à corticoterapia3;4 e, apesar disso, L.H.N.M.demonstrou boa resposta ao tratamento isolado com pulsoterapia; o paciente evoluiu com retorno parcial dos movimentos do membro superior esquerdo e retomou a capacidade de manter-se em posição ortostática sem apoio, assim como progrediu retomando a capacidade de deambular. Somente após três sessões de pulsoterapia com metilprednisolona, foi possível ser iniciada a Imunoglobulina, de forma que o paciente continua a evoluir com boa resposta, embora não tenha retomado mobilidade completa.

Enfim, a SH é uma doença rara e de difícil suspeita, devido aos seus fatores desencadeantes, fisiopatologia e quadro clínico pouco conhecidos. Por outro lado, o desafio é ainda maior para iniciar o tratamento e obter um bom resultado, uma vez que não há tratamento padronizado completamente eficaz. Tal caso, relatado no presente artigo, devido ao diagnóstico precoce, mostrou boa resposta e tornou possível evitar futuras deficiências para o paciente.

Dessa forma, é necessário que a Síndrome de Hopkins seja mais discutida e conhecida a fim de permitir diagnóstico rápido e otimizar o tratamento.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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3. Hayashi, F; Hayashi, S; Matsuse, D; Yamasaki, R; Yonekura K; Kira J. Hopkins syndrome following the first episode of bronchial asthma associated with enterovirus D68: a case report. BMC Neurology. 2018, May; 18(1):71.

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8. Blomquist, HK; Bjorksten, B. Poliomyelitis-like illness associated with asthma. Arch Dis Child. 1980, Jan; 55(1):61-3.

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12. Pohl; D; Alper, G; Van Haren, K; Kornberg, AJ; Lucchinetti, CF; Tenembaum, S; Belman, AL. Acute disseminated encephalomyelitis: updates on an inflammatory CNS syndrome. Neurology. 2016, Aug; 87 (9 Suppl 2): 38-45.

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