RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 30. (Suppl.5) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.v30supl.5.04

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Artigo Original

Malformações vasculares pulmonares congênitas: análise de 24 casos

Congenital vascular anomalies of the lungs: analysis of 24 cases

Ludmila Houara Castro Machado1; Emanuelle Ferreira Xavier1; Natalia Nicolai Gomes1; Erundina Ponciano de Souza2; Wilson Rocha Filho3

1. Médica Residente em Pneumologia e Alergia Pediátrica do Programa de Residência Médica do Hospital Infantil João Paulo II, Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Pneumologista e Alergista Pediátrica pelo Hospital Infantil João Paulo II
3. Pneumologista e Alergista Pediátrico, Médico Preceptor e Coordenador do Programa de Residência Médica (PRM) em Pneumologia e Alergia Infantil do Hospital João Paulo II, Belo Horizonte MG - Brasil

Endereço para correspondência

Hospital Felício Rocho
Endereço: Av. do Contorno, 9530 - Barro Preto
Belo Horizonte - MG. CEP: 30110-934
E-mail: wrocha2227@gmail.com

Resumo

OBJETIVO: Avaliar a casuística de malformações vasculares do serviço de pneumologia de um hospital público referência estadual para o atendimento pediátrico e analisar os achados clínicos predominantes associados a estas malformações.
MÉTODOS: Foi realizado um levantamento de todos os casos de malformações vasculares pulmonares diagnosticadas no serviço, no período de agosto de 1986 a dezembro de 2003. Por meio da análise de prontuários destes pacientes, as seguintes variáveis foram avaliadas: alteração estrutural pulmonar, as manifestações clínicas, a idade média ao diagnóstico, o sexo do paciente e evolução clínica.
RESULTADOS: As patologias encontradas foram: sequestro pulmonar - 6 casos (25%), agenesia e/ou hipoplasia pulmonar - 7 casos (30%), fístulas artériovenosas - 4 casos (16%), anel vascular - 6 casos (25%) e agenesia da valva pulmonar - 1 caso (4%). Nove pacientes pertenciam ao sexo masculino e 13 ao sexo feminino. A idade ao diagnóstico variou de 1 mês a 58 anos A sintomatologia variou de acordo com a patologia: infecção respiratória de repetição, estridor, cianose e dispneia foram os achados mais frequentes. Dos 22 pacientes estudados, 11 (50%) casos foram passíveis de correção cirúrgica.
CONCLUSÃO: As malformações vasculares pulmonares são patologias raras, porém o pediatra deve tê-las em mente para se obter um diagnóstico precoce, propedêutica correta e se possível correção cirúrgica dessas patologias.

Palavras-chave: Anomalias congênitas, pulmão, malformação vascular

 

INTRODUÇÃO

As malformações pulmonares congênitas abrangem um amplo espectro de condições envolvendo o parênquima pulmonar, as vias aéreas pulmonares e a vasculatura1. De acordo com as manifestações radiológicas e patológicas, podem ser divididas em três categorias: anomalias broncopulmonares, vasculares e vasculares e pulmonares combinadas1. As desordens mais comuns incluem malformação adenomatoide cística congênita (CCAM)2, sequestro broncopulmonar (SBP), lesões híbridas que contêm CCAM e SBP, atresia brônquica, enfisema lobar congênito.2 Dentre as malformações vasculares pode-se incluir: agenesia da artéria pulmonar, Síndrome de Cimitarra, malformações arteriovenosas, anel vascular e o sequestro pulmonar.

A incidência anual dessas malformações varia de 30 a 42 casos por 100.000 habitantes, ou 0,06% a 2,2% de todos os pacientes internados em hospitais gerais3. Pacientes com malformações pulmonares congênitas podem apresentar manifestações clínicas graves desde o nascimento ou serem assintomáticos até idade adulta. O advento da imagem prénatal e o avanço da imagem pós-natal levaram a um aumento no número de diagnósticos, especialmente a partir da década passada4,5.

O objetivo deste estudo foi avaliar a casuística do nosso serviço e analisar os achados clínicos predominantes nas diversas malformações vasculares pulmonares encontradas.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo realizado pela Divisão de Alergia e Pneumologia do Departamento de Pediatria do Hospital Infantil Joao Paulo II juntamente com o Serviço de Hemodinâmica do Hospital Felício Rocho, no qual foi realizado um levantamento de todos os casos de malformações vasculares pulmonares diagnosticadas nos serviços, no período de agosto de 1986 a dezembro de 2003. A partir de então, por meio da análise de prontuários destes pacientes, as seguintes variáveis foram avaliadas: alteração estrutural pulmonar, manifestações clínicas, idade média ao diagnóstico, sexo do paciente e evolução clínica. Por tratarse de um estudo retrospectivo, com análise em prontuário, não foi necessário termo de consentimento para análise dos dados.

 

RESULTADOS

Detectamos 22 pacientes que compreendiam 24 malformações no período estudado (Tabela 01). Nove pacientes (41%) pertenciam ao sexo masculino e treze (59%) pertenciam ao sexo feminino. A idade na época do diagnóstico variou de 1 mês a 58 anos, visto que o Serviço de Hemodinâmica abrange pacientes de todas as idades. Os casos encontrados correspondiam às seguintes patologias: sequestro pulmonar - 6 casos (25% do total das malformações); agenesia/hipoplasia pulmonar - 7 casos (30%); fístulas arteriovenosas - 4 casos (16%); anel vascular - 6 casos (25%); agenesia da valva pulmonar - 1 caso (4%).

 

 

Em relação ao sequestro pulmonar observou-se uma variação significativa na idade ao diagnóstico: 1 a 58 anos, com média de 28,9 anos. Não houve preponderância de sexo. A sintomatologia clínica foi semelhante pois todos os pacientes relatavam história de infecção pulmonar recorrente. Um dos pacientes apresentava, além das infeções de repetição, hemoptises (Tabela 02). Durante o ato cirúrgico, notou-se a presença de corpo estranho intrabrônquico em um paciente, associado ao sequestro pulmonar. Um outro paciente possuía, além do sequestro pulmonar no lobo inferior direito, agenesia da artéria pulmonar direita, a qual também foi diagnosticada pelo estudo hemodinâmico. O sequestro intralobar correspondeu a 83,3% dos casos, havendo apenas um caso de sequestro extralobar (16,7%). Em todos os casos houve acometimento apenas do pulmão direito, sendo que em cinco casos o sequestro estava localizado no lobo inferior e em um caso no lobo médio. O diagnóstico dessa malformação foi confirmado através de estudo hemodinâmico em todos os casos. Cinco pacientes (83,3%) foram submetidos a toracotomia com ressecção do lobo acometido e evolução satisfatória no pós-operatório. Não houve informações sobre abordagem cirúrgica do sequestro pulmonar diagnosticado no paciente de 58 anos.

 

 

O grupo referente à agenesia e hipoplasia pulmonar correspondeu a 30% das malformações estudadas. Nestes pacientes o diagnóstico foi mais precoce, com idade média de 3,2 anos (1 a 7 anos). Dois (33,3%) dos seis pacientes pertenciam ao sexo masculino e quatro (66,7%) ao sexo feminino. Todos possuíam história de taquidispnéia desde o período neonatal e quatro pacientes (66,7%) relatavam diagnóstico prévio de "pneumonia". Quanto ao tipo de alteração encontrada neste grupo de malformação vascular, três pacientes (43%) tinham agenesia da artéria pulmonar direita, dois pacientes (28,5%) tinham agenesia da artéria pulmonar esquerda e dois pacientes (28,5%) apresentavam hipoplasia pulmonar esquerda. O diagnóstico foi obtido através de estudo hemodinâmico em todos os pacientes, sendo que três realizaram também tomografia computadorizada de tórax.

Como foi relatado anteriormente, um dos pacientes possuía, também, seqüestro pulmonar, sendo submetido a lobectomia inferior direita. Um outro paciente possuía, além da agenesia de artéria pulmonar direita, fístula arteriovenosa em lobo superior direito e inúmeras outras malformações como agenesia renal esquerda, estenose anal, dextrocardia, persistência do canal arterial com hipertensão pulmonar moderada, escoliose da coluna lombar, alterações de vértebras sacrais e deformidades ósseas do quadril, hemivértebras dorsais, além de malformações do pavilhão auricular direito. Esta criança evoluiu para óbito após lobectomia para ressecção da fístula arteriovenosa em lobo superior direito. Um dos pacientes portadores de hipoplasia pulmonar esquerda apresentava, também, uma comunicação interatrial.

Os casos de fístulas arteriovenosas representaram 16% do total das malformações estudadas. A idade ao diagnóstico variou de 1 mês a 31 anos, com idade média de 9,3 anos. Neste grupo não foi observada predominância de sexo. História de dispnéia aos esforços, presença de cianose e baqueteamento digital foram os achados clínicos mais significativos. Dos quatro pacientes estudados com essa patologia, as fístulas eram difusas em dois casos, não sendo, desta forma, passíveis de correção cirúrgica. Um dos pacientes apresentava a fístula arteriovenosa em lobo inferior direito, sendo submetido a lobectomia com boa evolução. O quarto paciente, portador de fístula arteriovenosa em lobo superior direito, também foi submetido a lobectomia, mas veio a falecer no pósoperatório. Cabe ressaltar que este paciente era portador de inúmeras malformações já relatadas anteriormente.

No grupo dos pacientes com anel vascular foram diagnosticados quatro casos de duplo arco aórtico sendo três em crianças do sexo feminino, com idades de quatro e seis meses, e um caso em uma criança do sexo masculino portadora de síndrome de Down com idade de dois anos. Foi diagnosticado um caso de alça da artéria pulmonar em um paciente de nove meses do sexo masculino e um caso de artéria subclávia aberrante em um paciente de um ano de idade. Todos os pacientes portadores de duplo arco aórtico e alça da artéria pulmonar relatavam estridor ou respiração ruidosa desde o nascimento e em dois pacientes havia história de broncopneumonia anterior ao diagnóstico (Tabela 03). O paciente portador de artéria subclávia anômala queixava-se de vômitos e regurgitações desde o nascimento e após introdução de alimentos sólidos na dieta passou a apresentar dificuldade para degluti-los. Três desses pacientes realizaram radiografia de tórax com esôfago contrastado, que evidenciou compressão extrínseca sugestiva de anel vascular. Uma criança com duplo arco aórtico realizou radiografia de tórax convencional que foi considerado normal e ao realizar broncoscopia evidenciou compressão traqueal extrínseca na parede anterior lateral direita. Posteriormente, foi realizado estudo hemodinâmico para confirmação desta anomalia. A tomografia computadorizada de tórax foi realizada no paciente portador de alça da artéria pulmonar e mostrou o vaso anômalo envolvendo o brônquio principal esquerdo. Este exame também foi realizado no paciente com Síndrome de Down a fim de diagnosticar o duplo arco aórtico.

 

 

Dos seis casos de anel vascular, três pacientes foram submetidos a correção cirúrgica evoluindo sem intercorrências no pós-operatório. Um paciente, portador de duplo arco aórtico, apresentou pneumonia nosocomial 20 dias após o estudo hemodinâmico, evoluindo para o óbito. O paciente portador de artéria subclávia anômala foi acompanhado ambulatorialmente assim como um paciente do sexo masculino com duplo arco aórtico.

Encontrou-se no estudo uma criança do sexo feminino portadora de agenesia da valva pulmonar diagnosticada aos 2 anos. Não há informações sobre sua evolução clínica.

 

DISCUSSÃO

As malformações vasculares pulmonares não são patologias frequentes e deve-se ter um alto grau de suspeição a fim de que o diagnóstico seja feito o mais precocemente possível.

Na casuística dos serviços, o sequestro pulmonar foi uma das malformações vasculares mais frequentes. Tratase de uma malformação congênita que é caracterizada por de tecido pulmonar displásico e não funcional que recebe seu suprimento sanguíneo de artérias sistêmicas aberrantes e não está em continuidade com a árvore traqueobrônquica6. Eles podem ser classificados em intralobares ou extralobares. O sequestro pulmonar intralobar está localizado dentro do parênquima pulmonar sem sua própria pleura visceral, enquanto o sequestro pulmonar extralobar está localizado fora do parênquima pulmonar com sua própria pleura visceral.7 O sequestro intralobar é o tipo mais frequente, correspondendo 75% dos casos8 e dos seis pacientes estudados, cinco eram portadores de seqüestro intralobar. Ao contrário do que é relatado na literatura, todos os casos estavam localizados à direita (5 em lobo inferior direito e 1 em lobo médio direito) quando se sabe que a maioria dos sequestros pulmonares se localizam preferencialmente em lobos inferiores e à esquerda6.

Não houve predominância de sexo em relação ao sequestro intralobar, dado este compatível com a literatura3. A idade média ao diagnóstico foi de 28,9 anos. Os pacientes com seqüestro intralobar apresentam-se com tosse crônica, expectoração mucopurulenta e pneumonia de repetição, sendo que metade deles atingem cerca de 20 anos de idade sem ter o diagnóstico9.

Em 100% dos casos analisados havia história clínica de infecções pulmonares de repetição e todos os pacientes apresentavam radiografia de tórax alterada. Em algumas ocasiões, o processo infeccioso que envolvia o segmento sequestrado também afetava o parênquima circunjacente, obscurecendo a alteração radiológica. No entanto, após resolução do processo pneumônico a natureza da massa subjacente era evidenciada. Houve um paciente com relato de hemoptise associada a infecções pulmonares de repetição. Neste paciente, além do sequestro pulmonar foi encontrado, durante o ato cirúrgico, um corpo estranho intrabrônquico.

Embora o diagnóstico de sequestro pulmonar possa ser fortemente suspeitado pela história clínica e alterações radiológicas, o diagnóstico definitivo só é dado através de angiografia. Todos os casos relatados nesta casuística tiveram o diagnóstico confirmado por estudo hemodinâmico. Responsável também por um grande número de malformações neste estudo, estão as agenesias/aplasias/hipoplasias do pulmão, com sete casos relatados. De acordo com Boyden existem três graus de interrupção do desenvolvimento pulmonar. O primeiro é a agenesia, onde existe uma completa ausência de um ou ambos os pulmões, sem suprimento vascular ou bronquial. O segundo, aplasia em que existe um brônquio rudimentar que termina em fundo cego, sem evidências de vasculatura pulmonar ou tecido parenquimatoso. O terceiro, a hipoplasia, ocorre uma diminuição do número e/ou tamanho das vias aéreas, vasos e alvéolos10. Segundo dados da literatura, a incidência é baixa e não existe predominância por sexo ou hemitórax nestes tipos de malformações11. No entanto, no atual estudo houve uma incidência do sexo feminino de 2:1 em relação ao masculino, possivelmente devido ao número relativamente pequeno de casos. Três pacientes (43%) apresentavam sua malformação à direita, todos portadores de agenesia da artéria pulmonar direita. Dois pacientes (28,5%) apresentavam agenesia da artéria pulmonar esquerda e havia dois casos (28,5%) de hipoplasia pulmonar esquerda. Vários mecanismos patogenéticos tentam explicar a hipoplasia pulmonar. Ela pode ser primária sem causa identificável de subdesenvolvimento ou secundária à limitação do desenvolvimento normal do pulmão fetal por várias causas, incluindo oligoidrâmnio materno, distrofias torácicas, grandes hérnias diafragmáticas e massas pulmonares congênitas4. É comum a associação de anormalidades do trato urinário com hipoplasia pulmonar, como acontece na Síndrome de Potter. Sugere-se que a presença de oligohidrâmnio nestas condições leva a hipoplasia como resultado da compressão torácica pela parede uterina12,13. Hislop e colaboradores acreditam que a relação entre agenesia renal e hipoplasia pulmonar pode estar relacionada com deficiência do metabolismo renal da prolina14. Wigglesworth e colaboradores sugerem que a deficiência do crescimento pulmonar que ocorre na presença de oligohidrâmnio esteja relacionada com a perda da habilidade do pulmão em reter o líquido normalmente produzido15.

Quatro pacientes apresentavam outras malformações associadas. Um deles era portador de agenesia da artéria pulmonar direita e sequestro pulmonar; o outro paciente apresentava agenesia da artéria pulmonar direita e hérnia de Bochdaleck; o terceiro paciente apresentava inúmeras malformações como agenesia da artéria pulmonar direita, agenesia renal e alterações esqueléticas graves. O quarto paciente, portador de hipoplasia pulmonar esquerda apresentava, também, uma comunicação interatrial. A associação de malformações pulmonares com outras malformações é bem descrita na literatura1,16.

Todos os pacientes relatavam taquidispnéia desde o período neonatal, embora a idade média ao diagnóstico tenha sido de 2,8 anos. Além da taquidispnéia presente em 100% dos casos, 75% dos pacientes com agenesia/hipoplasia pulmonar também relatavam infecções pulmonares anteriores. De acordo com a literatura, os portadores dessa malformação podem ser assintomáticos ou podem apresentar vários graus de dificuldade respiratória, dependendo da gravidade do subdesenvolvimento pulmonar4. Em pacientes pediátricos assintomáticos, a agenesia pulmonar, aplasia ou hipoplasia costuma ser um achado incidental4. Todos os pacientes realizaram radiografia de tórax e estudo hemodinâmico para confirmação diagnóstica. Cerca de 35% dos pacientes realizaram tomografia computadorizada de tórax que, em alguns casos, se faz importante para diferenciar agenesia de situações como atelectasia, bronquiectasias extensas com colapso pulmonar e fibrotórax.

Quatro pacientes apresentavam fístulas arteriovenosas pulmonares. Em dois casos, elas eram bilaterais e em dois outros casos eram localizadas: um paciente apresentava-se com fístula arteriovenosa em lobo inferior direito e o segundo paciente em lobo superior direito. Define-se como fístula artériovenosa congênita uma comunicação vascular anormal entre artéria e veia pulmonar, sem capilares intermediários17. Cerca de 8 a 20% dos pacientes possuem essa malformação bilateral e 33-50% apresentam múltiplas fístulas.3 A telangiectasia hemorrágica hereditária (THH) ou síndrome de Rendu-Osler-Weber é uma condição autossômica dominante na qual até 35% dos casos têm as fístulas pulmonares, frequentemente múltiplas17. Um dos nossos pacientes, portador desta patologia, estava em programa de transplante pulmonar, mas faleceu em novembro de 1996, antes da sua realização.

A idade média de diagnóstico das fístulas artériovenosas geralmente é de 41 anos, entretanto, na nossa casuística a idade média ao diagnóstico foi de 9,3 anos3. Não houve preponderância de sexo embora se saiba que esta patologia ocorre com maior frequência nas mulheres18. O sintoma mais frequente foi dispnéia, seguido por cianose e baqueteamento digital. Nenhum paciente relatou hemoptise, queixa comum nesta malformação. A proporção de pacientes assintomáticos varia de 13 a 56% em diferentes estudos, o que significa que ausência de sintomas não exclui o diagnóstico19.

Todos os pacientes realizaram radiografia de tórax que estava alterada em 100% dos casos. Nos pacientes com microfístulas artériovenosas difusas, notava-se um padrão intersticial bilateral. Ecocardiograma bidimensional foi realizado em três pacientes e cintilografia pulmonar com estudo da ventilação e perfusão em dois pacientes. Sabese que a cintilografia é útil para confirmar e quantificar a presença de shunt direita para esquerda. O resultado positivo não é específico para malformações arteriovenosas pulmonares. Por outro lado, um estudo negativo exclui o diagnóstico19. O diagnóstico de certeza é dado através de angiografia pulmonar3, estudo este que confirmou o diagnóstico nos quatro pacientes avaliados.

As opções terapêuticas desta patologia incluem cirurgia e embolização. Acompanhamento regular sem tratamento invasivo nos pacientes com fístulas clinicamente silenciosas19. Dois pacientes foram submetidos a lobectomia. Um deles evoluiu bem no pós-operatório; o outro paciente evoluiu para óbito. No entanto, era portador de inúmeras malformações, inclusive agenesia da artéria pulmonar direita já citada anteriormente. O terceiro paciente, portador de Doença de Rendu-Osler-Weber, faleceu em novembro de 1996. Informações sobre evolução do quarto paciente não estavam disponíveis.

Seis pacientes deste estudo eram portadores de anel vascular, denominação introduzida pela primeira vez por Gross em 1945 para indicar anomalias vasculares que circundam a porção intratorácica do esôfago e traqueia20. O duplo arco aórtico estava presente em três pacientes do sexo feminino e um do sexo masculino. Um paciente era portador de alça da artéria pulmonar e de artéria subclávia anômala.

O duplo arco aórtico é o anel vascular mais comum causador de sintomas. Os dois arcos circundam e comprimem completamente a traqueia e o esôfago, produzindo desconforto respiratório e dificuldade alimentar21. Os pacientes apresentam como manifestações clínicas estridor, tosse, apneia, cianose e infecções respiratórias recorrentes21. Todos os pacientes do presente estudo apresentavam estridor e respiração ruidosa, sendo que dois deles possuíam história de pneumonia.

O paciente portador de alça da artéria pulmonar também apresentava estridor. Esta patologia a artéria pulmonar esquerda surge da artéria pulmonar direita e segue um trajeto entre o esôfago e a traquéia, comprimindo o esôfago anteriormente a traquéia posteriormente1.

A presença de artéria subclávia anômala ou aberrante, geralmente envolve a artéria subclávia direita e, raramente, a artéria subclávia esquerda quando existe um arco aórtico do lado direito.21 A artéria subclávia direita aberrante é a anomalia do arco mais comum, representando 0,5% da população em geral. Sua verdadeira incidência pode ser subestimada, tendo em vista o número significativo de pacientes assintomáticos21. A artéria aberrante não forma um anel vascular verdadeiro e seu diagnóstico frequentemente é acidental22. Quando sintomática, geralmente há disfagia e impactação se há compressão do esôfago posterior ou dispneia e tosse crônica por compressão traqueal22. Radiografia de tórax e a radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno (REED) foram realizados em 83% dos pacientes, sugerindo anel vascular. Em apenas um paciente, a radiografia de tórax foi normal. Neste caso, o diagnóstico de anel vascular foi sugerido pela broncoscopia. O diagnóstico foi confirmado por angiografia em quatro pacientes. O paciente portador de alça da artéria pulmonar também apresentava vaso anômalo no brônquio principal esquerdo.

A avaliação por imagem de um anel vascular geralmente começa com a radiografia convencional do tórax, sendo as vistas frontais e laterais necessárias para a apreciação do anel vascular23. O REED tem sido historicamente confiável e continua sendo uma excelente técnica para o diagnóstico de anel vascular, porém não fornece visualização direta do anel e, portanto, vem sendo substituída por métodos de imagem transversais. A angiotomografia desempenha um papel importante na identificação e definição da anatomia dessas anomalias complexas, ajudando assim o planejamento cirúrgico21. Apesar de sua precisão, a tomografia e ressonância não distinguem de maneira confiável entre estreitamento dinâmico ou estático das vias aéreas. Muitas crianças com anel vascular possuem traqueomalacia ou bronquiomalacia sendo necessária a realização de broncoscopia, que pode detectar a localização e extensão da obstrução das vias aéreas e o grau de sua compressão21.

Houve, ainda, um paciente portador de síndrome da agenesia da válvula pulmonar (SAVP) que além da agenesia da referida válvula, possuía uma comunicação interatrial com estenose pulmonar. Esta síndrome ocorre em cerca de 0,2% a 0,4% dos bebês nascidos vivos com doença cardíaca congênita24. Ela pode ser dividia em dois subtipos, o primeiro é caracterizado como SAVP com defeito do septo ventricular, aorta principal e ausência de canal arterial, que compartilha muitas semelhanças com Tetralogy of Fallot24. O outro tipo menos comum de SAVP tem septo ventricular intacto, menor grau de dilatação da artéria pulmonar e ducto arterioso patente, com ou sem atresia tricúspide.24 O diagnóstico da SAVP associada a um defeito do septo ventricular e à tetralogia de Fallot é geralmente feito durante a infância em contraste com pacientes com ausência de folhetos da válvula pulmonar com um septo ventricular intacto, que geralmente não são diagnósticos precocemente. Apenas casos isolados foram relatados em que o sofrimento cardiorrespiratório se desenvolveu durante o período neonatal, levando ao diagnóstico precoce25.

 

CONCLUSÃO

As malformações vasculares pulmonares são patologias pouco frequentes, mas o pediatra deve tê-las sempre em mente, sobretudo quando as queixas são dificuldade respiratória desde o nascimento, estridor de etiologia a esclarecer e infecções pulmonares de repetição. Uma propedêutica bem orientada levará ao diagnóstico mais precoce, reduzindo desta maneira a morbidade e mortalidade.

 

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