ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Prevalência e fatores associados ao uso de álcool, tabaco e outras drogas em gestantes
Prevalence and factors associated with the use of alcohol, tobacco and other drugs in pregnant women
Felipe Leonardo Rigo1; Mariana Louzada Prates2; Pedro Sérgio Pinto Camponêz3; Thaizy Valânia Lopes Silveira3; Rebeca Pinto Gomes Costa3; Ana Cláudia da Cunha3; Simone Nascimento Santos Ribeiro3
1. Hospital Infantil João Paulo II; Belo Horizonte, MG, Brazil
2. Universidade Federal de Viçosa Ringgold standard institution - Nutrição e Saúde Vicosa, MG, Brasil
3. Hospital Sofia Feldman - Serviço de neonatologia. Belo Horizonte, MG, Brasil
Felipe Leonardo Rigo
E-mail: felipeleonardorigo@hotmail.com
Recebido em: 02/08/2020
Aprovado em: 07/09/2020
Instituição: Hospital Infantil João Paulo II. Alameda Ezequiel Dias, 345 - Centro , Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. CEP: 30150-260
Resumo
INTRODUÇÃO: O aumento do consumo de drogas lícitas e ilícitas vem contribuindo para agravamentos de saúde, problemas sociofamiliares, incidências da violência, constituindo um problema de saúde pública global. Na gravidez, afeta o binômio mãe-feto, uma vez que grande parte das substâncias ultrapassa a barreira placentária e hematoencefálica.
OBJETIVOS: Verificar a prevalência e os fatores associados ao uso de álcool, tabaco e outras drogas em gestantes.
MÉTODOS: Estudo epidemiológico transversal, descritivo e quantitativo, que incluiu 198 gestantes, que fizeram acompanhamento pré-natal em uma maternidade em Belo Horizonte. Os dados foram obtidos por formulário, abrangendo questões socioeconômicas e obstétricas e sobre o uso de drogas antes e durante a gestação, através da aplicação do instrumento ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance Involvement ScreeningTest). Realizou-se análise estatística de frequências absolutas e relativas frente às variáveis de interesse e teste Qui-Quadrado para regressão logística univariada.
RESULTADOS: A prevalência do uso de drogas ilícitas e lícitas antes da gestação foi de (32,3%) e, na gestação, de (15,5%). As drogas mais consumidas pelas gestantes foram o álcool (10,1%), seguido do tabaco (7,5%) e maconha (2%). A regressão logística univariada apontou maior risco em consumir substâncias psicoativas a gestante com baixa escolaridade, solteira, desempregada e sem religião.
CONCLUSÃO: O aumento do consumo de substâncias psicoativas em gestantes é um problema de saúde pública e identificar o risco do consumo de drogas em momento oportuno possibilita intervir eficazmente, levando à prevenção de possíveis agravos às mães e neonatos.
Palavras-chave: Gestantes. Drogas ilícitas. Cuidado pré-natal.
INTRODUÇÃO
O aumento do consumo de drogas lícitas e ilícitas vem contribuindo para agravamentos de saúde, problemas sociofamiliares, incidências da violência, constituindo um problema de saúde pública global.1,2 O fenômeno do consumo de crack, álcool e outras drogas é complexo, multifatorial e com forte cunho histórico-cultural.1,3
Pesquisas recentes realizadas pelo Centro Brasileiro de informações sobre drogas psicotrópicas (CEBRID) identificaram que o consumo de cocaína no Brasil aumentou consideravelmente a partir da década de 80 até os dias atuais, principalmente sob a forma de crack, porém o consumo desta última é bem menor que o uso de outras drogas lícitas como álcool e tabaco.1
O uso de substâncias psicoativas na gravidez afeta o binômio mãe-feto, uma vez que grande parte das substâncias encontradas nas drogas ultrapassa a barreira placentária e hematoencefálica. O primeiro trimestre de gestação se caracteriza pela formação das estruturas do feto, como o tubo neural, e a utilização de drogas nesse período torna-se um alarmante para o inadequado desenvolvimento fetal.2,4
O uso do tabaco está relacionado com uma série de complicações maternas e aumenta em 40% a chance de haver parto prematuro e o nascimento de bebês de baixo peso, e em 70% o risco de aborto espontâneo. Outros riscos são restrição do crescimento intrauterino, síndrome da morte súbita infantil, asma, infecções respiratórias, agravamentos de quadros alérgicos, redução de QI (Quociente de Inteligência) e distúrbios de comportamento, além de contribuir para o aumento da mortalidade fetal e neonatal.1,3,4
O consumo abusivo do álcool, nas primeiras semanas de gestação, pode estar relacionado a casos de abortamento espontâneo. Entre a 3ª e a 8ª semana gestacional, pode causar maior risco de malformação congênita como também comprometer o desenvolvimento fetal. Além disso, pode causar déficits cognitivos menores ou a Síndrome Fetal Alcoólica (SAF)4, que é caracterizada por alterações na coordenação motora e na cognição, sendo a maior causa de retardo mental no Ocidente.5,6
Drogas ilícitas como maconha, cocaína, merla e crack podem contribuir para os casos de aborto, prematuridade, baixo peso ao nascer, diminuição do perímetro cefálico, anomalias congênitas, como hidrocefalia, problemas cardíacos, fissura palatina e alterações no aparelho digestivo e urinário.1-3
O presente estudo torna-se relevante uma vez que o consumo de drogas lícitas e ilícitas durante a gestação é um agravo que traz sérias repercussões para a gestante e o feto. A investigação epidemiológica do perfil do consumo em gestantes possibilita intervenção prévia e viabiliza o acesso a serviços especializados de tratamento. Além disso, ressalta-se que há uma escassez de pesquisas direcionadas à população feminina e gestante.
O objetivo deste estudo foi analisar a prevalência e os fatores associados ao uso de álcool, tabaco e outras drogas em gestantes que realizam acompanhamento pré-natal em uma maternidade de Belo Horizonte - MG.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo epidemiológico transversal, descritivo, sob a abordagem quantitativa e realizado no Centro de Parto Normal Dr. David Capistrano da Costa Filho unidade intra-hospitalar de uma maternidade referência no estado de Minas Gerais.
A população do estudo foi composta por gestantes que realizaram acompanhamento pré-natal de risco habitual e alto risco no período de novembro de 2016 a janeiro de 2017. Foram excluídas do estudo duas gestantes que eram menores de 18 anos, cujos responsáveis legais não foram encontrados para assinarem o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).
Para seleção das participantes, foi feito o convite de forma pessoal e as que aceitaram participar, mediante o esclarecimento prévio da pesquisa, assinaram, de forma livre e espontânea, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o TALE, quando pertinente. As informações foram registradas no próprio hospital, em local reservado. As gestantes foram informadas sobre os riscos mínimos do aceite da pesquisa e lhes foi assegurado o sigilo das informações fornecidas, sendo estas divulgadas apenas para fins científicos.
A coleta de dados foi dividida em duas etapas. Primeiramente, foram coletadas informações em questionário semiestruturado para o registro das variáveis sociodemográficas e obstétricas. Para a segunda parte, utilizou-se a versão brasileira do ASSIST (Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test).
O ASSIST, sigla que traduzida significa "Teste para triagem do envolvimento com fumo, álcool e outras drogas", é autoaplicável e composto de questões que permitem coletar informações acerca do padrão de uso de substâncias lícitas e ilícitas. O instrumento permite quantificar a intensidade do uso e a frequência dos problemas relacionados. Através de uma pontuação final, indica o grau de comprometimento com a substância usada.7
Para o cálculo amostral, levou-se em consideração um erro amostral de 5% (0,05), nível de confiança de 90% (0,9) e prevalência de uso de drogas na população analisada de 24% (0,24), resultando em um total de 198 gestantes.
A variável dependente analisada foi o risco relacionado ao uso de drogas lícitas e ilícitas durante o período gestacional e as variáveis independentes analisadas foram: idade, cor de pele, escolaridade, renda familiar, uso de drogas na vida, estado civil, ocupação e religião. Esses dados foram tabulados em planilha do programa Microsoft Excel® (2016) para posterior análise de frequências absolutas e relativas, frente às variáveis de interesse.
Para avaliar a força de associação das variáveis que apresentaram correlação com a variável dependente (p<0,005), foi considerado o teste de Qui-Quadrado de Pearson e foram calculadas a frequência e a proporção de algumas variáveis categóricas e outras transformadas em dicotômicas para a realização de testes. As análises foram realizadas no software Stata Corporation, CollegeStation, Texas (STATA). versão 12.0, considerando 5% de significância.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Sofia Feldman (CEP/HSF) e aprovado sob o parecer n.1765581.
RESULTADOS
Dentre as 198 gestantes entrevistadas, a prevalência de consumo de drogas lícitas ou ilícitas antes da gestação foi de 32,3% e, durante o período gestacional, de 15,5%.
Quanto às características sociodemográficas das mulheres, 70,2% encontravam-se na faixa etária entre 20 e 34 anos, 57% se declararam parda, 77,8% tinham até 11 anos de estudo, 46% possuíam renda de 1 a 2 salários mínimos, 48% eram casadas, 65,2% trabalhavam e 87,9% declararam ter religião. (Tabela 1).
Em relação às variáveis referentes à consulta pré-natal, 57,6% das participantes realizaram pré-natal de risco habitual e 67,7% das entrevistadas foram abordadas na consulta acerca das possíveis complicações do uso de drogas durante o período gestacional. Dentre as gestantes que utilizaram algum tipo de drogas lícitas e ilícitas e conforme pontuação do teste ASSIST, 7% necessitaram de Intervenção breve. (Tabela 2).
Entre as entrevistadas, 64,6% consumiram álcool antes da gestação e 10,1% durante esse período. Já o uso do tabaco aparece com 28,2% de consumo anterior à gestação e 7,5% durante a gestação, seguido da utilização de maconha em 13,6% anterior à gestação e de 2 % durante o período gestacional. As demais substâncias psicoativas consumidas antes da gravidez foram o crack (4,5%) e anfetaminas (2%). O percentual do uso de drogas simultâneas, lícitas e ilícitas, foi de 89 % antes da gestação e 26,6% na gestação. (Tabela 3).
A análise de regressão logística univariada apresentou como variáveis de risco associadas ao consumo de drogas durante a gestação: escolaridade inferior a 9 anos p<0,023, ser solteira p<0,022, não possuir ocupação p<0,039 e não ter religião p<0,003.
DISCUSSÃO
Neste estudo, a prevalência do uso de drogas ilícitas e lícitas durante a gestação foi de 15,5%. Em pesquisa realizada com gestantes nas unidades de atenção básica no município de Maringá2, evidenciou-se percentual de consumo 18,2% de drogas ilícitas e, em estudo de Rocha e colaboradores5, a taxa de consumo foi de 1,45% para o consumo de drogas ilícitas.
O uso de substâncias psicoativas constitui um relevante problema de saúde pública que necessita de maiores investigações epidemiológicas. O uso de drogas entre as mulheres gestantes também pode resultar em várias complicações, como síndrome de abstinência neonatal, baixo peso ao nascer e prematuridade.2,3
De acordo com o último relatório mundial sobre drogas (UNODC), o consumo de drogas entre homens e mulheres relaciona-se a normas sociais e culturais nos diferentes países. Conforme esse documento, os homens têm maior acesso aos diversos tipos de substâncias psicoativas, principalmente nos países ocidentais, e, nestes, o consumo é mais acentuado em mulheres jovens, porém em menor porcentagem que na população masculina juvenil.2
O motivo desencadeador para o uso de drogas em mulheres é diverso e tende a divergir em comparação aos homens. Algumas pesquisas consideram que o consumo de substâncias psicoativas é devido a algum problema de saúde mental e os mais frequentes são relacionados a comportamentos internalizantes e externalizantes. As mulheres canalizam os sintomas mentais e comportamentais em forma de depressão ou ansiedade, que podem levar ao consumo de drogas.2,3
A literatura aponta alguns fatores de risco associados ao consumo de substâncias psicoativas na gestação, entre eles: histórico de violência sexual e física, vulnerabilidade social, jovialidade, doença mental, falta de informação ou déficit cognitivo para a compreensão acerca das complicações na vida e na gestação e dependência pregressa.4,5,6
O estigma e o medo futuro de perder a guarda do filho são fatores que contribuem para a omissão da mulher usuária de substâncias psicoativas nas consultas de pré-natal.3 A detecção oportuna no período gestacional é algo complexo e requer do profissional um manejo adequado ao investigá-la, pois uma postura de julgamento pela equipe pode levar a gestante a omitir o consumo. Desse modo, é preciso capacitação dos profissionais, empatia e anamnese detalhada para que os sinais e sintomas possam ser considerados e a confiança seja estabelecida.3-5
Nesta Pesquisa, o maior risco em consumir substâncias psicoativas na gestação está associado à mulher com baixa escolaridade, solteira, sem religião e desempregada. Em estudo qualitativo realizado com gestantes em um hospital em Maringá, a baixa escolaridade e a ausência de vínculo empregatício também foram considerados fatores desencadeantes do uso de drogas de abuso.5 Segundo Rocha6, mulheres solteiras possuem uma situação de vulnerabilidade familiar e sua gestação está associada a outros fatores de risco, como baixa escolaridade, baixo nível socioeconômico e gravidez indesejada, o que aumenta as chances de uso de drogas lícitas.2-8
Alguns autores afirmam que a religiosidade e a espiritualidade, independentemente da crença professada, atuam como fatores de prevenção ao uso de drogas, pois viabilizam o processo de recuperação da dependência de substâncias psicoativas. Além disso, reduzem as chances de recaída, agem como fatores de proteção para o consumo de tais substâncias9,10 e são responsáveis por promover um estilo de vida saudável e aumentar a adesão ao tratamento.10
Em relação ao consumo de drogas antes da gestação, este decaiu pela metade durante o período gestacional, o que pode revelar uma maior preocupação das mulheres quanto aos riscos fetais e maternos dado que se assemelha a outros estudos.4,5 Esse decréscimo pode ser resultante do acesso facilitado aos serviços de saúde, da maior adesão ao pré-natal e de uma abordagem multiprofissional de qualidade, que contempla a abordagem acerca das implicações do uso de drogas e os riscos ao binômio.
De acordo com Kassada e colaboradores4, em estudo realizado com gestantes, 52,78% declararam não ter recebido orientação profissional durante o pré-natal acerca do consumo de drogas e suas consequências ao binômio. Neste estudo, 32,3 % das mulheres afirmaram que não foram abordadas sobre os riscos frente ao consumo de substâncias psicoativas. Um pré-natal de qualidade exige do profissional realizar uma anamnese detalhada, que investigue e abranja os riscos da exposição ao consumo de drogas lícitas e ilícitas através de informações claras e objetivas. Só assim é possível se fazer um rastreio efetivo do consumo de substâncias psicoativas por gestantes.
Nesta pesquisa, o tabaco foi a substância lícita mais consumida antes e durante a gestação, e esse dado é similar a outros dois estudos de investigação nacional.4,5
O tabagismo na gestação possui efeitos deletérios bastante sutis e mais difíceis de serem identificados pelos profissionais de saúde, trazendo consequências tanto durante a gravidez quanto na lactação. Estudos apontam que cerca de 80% das mulheres fumantes continuam com tal hábito durante sua gestação.2,3,6
Em relação ao consumo de álcool, 10,1 % fizeram uso durante a gravidez neste estudo, valores que estão de acordo com a literatura. A prevalência de uso de álcool na gestação varia entre 0,5 e 62%, dependendo do tipo de estudo e do método de investigação utilizados.2-4 Em uma pesquisa realizada na unidade básica no Rio Branco, Acre, a droga lícita mais consumida foi o álcool, com 37%. Já em pesquisa realizada por Gouvea e colaboradores11, sobre o consumo entre gestantes cadastradas no SisPreNatal, em regiões da cidade de Londrina, o consumo de bebida alcoólica foi de 19,3%.
Os mecanismos pelos quais o álcool afeta o concepto ainda não estão completamente elucidados. Acredita-se que a substância atravesse a barreira placentária, deixando o feto exposto a concentrações semelhantes à do sangue materno. Devido ao metabolismo e à eliminação do álcool serem mais lentos, o líquido amniótico fica impregnado pela substância, favorecendo a incidência da Síndrome Alcoólica Fetal (SAF).4-11-12
Estudos apontam maior risco de malformações, aborto espontâneo, baixo peso ao nascer, prematuridade, asfixia e mortalidade perinatal, além de diversos problemas físicos e mentais decorrentes do elevado consumo de álcool.4-11
O consumo de bebida alcoólica acarreta, como consequências, diversos malefícios para a saúde, não somente do concepto, como da mãe pelo risco de desenvolver doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, neoplasias, distúrbios neurológicos, depressão e diversas desordens afetivas. Também pode contribuir para o ganho de peso gestacional insuficiente, uma menor frequência às consultas de pré-natal e a probabilidade de usar outras drogas é muito maior.6-11
A droga ilícita mais consumida pelas mulheres antes e durante a gestação, neste estudo, foi a maconha, corroborando com estudos nacionais de Kassada4 e Maragoni5 e com dados mundiais.2,3 Na mulher, o consumo de maconha gera efeitos agudos, que incluem: euforia, taquicardia, ansiedade, entre outros. O reflexo desse uso no recém-nascido pode desencadear a síndrome narcótica leve de abstinência, que consiste de tremores finos, movimentos involuntários súbitos e reflexo de moro exagerado.2,4
Neste estudo, não houve relato do consumo de cocaína ou crack durante a gestação, e estudos nacionais apontam baixo percentual dessas substâncias em gestantes.6-8 Porém, pesquisas no país apontam um elevado consumo dessas substâncias na população geral. Outros estudos apontam um aumento alarmante de uso em gestantes, principalmente, nos Estados Unidos e na Europa.2,3 Logo, é importante refletir se as mulheres que consomem tais substâncias psicoativas durante a gestação realizam acompanhamento pré-natal ou se omitem o consumo durante o atendimento, o que poderia subestimar os dados encontrados. Entre as principais complicações maternas para o consumo de crack e cocaína, citam-se: parto prematuro, ruptura uterina, descolamento prematuro de placenta, arritmias cardíacas, isquemia/enfarte cerebral e até óbito.2-8-13
A cocaína atravessa rapidamente a placenta e pode causar constrição significativa dos vasos fetais, o que pode comprometer, de forma mais grave, o desenvolvimento cerebral do feto. Fatores psicossociais, como isolamento social e vulnerabilidade à violência urbana, contribuem para a manutenção do consumo do crack.13,14 Alguns autores afirmam que mulheres que consomem álcool e cigarro massivamente tendem ao risco de consumirem drogas ilícitas em um tempo mais curto.2-8
É importante esclarecer que nenhuma droga é segura para o uso durante a gestação. E, em relação ao álcool e outras drogas, não existe recomendação de dose.11 O potencial efeito teratogênico não pode ser desconsiderado pela equipe e aumenta com o uso simultâneo, pois o consumo, ainda que de baixos níveis, durante a gestação, pode ocasionar deformidades e alterar o desenvolvimento fetal.12,13
Acerca do consumo de álcool, tabaco e outras drogas durante a gestação e baseados na pontuação do teste ASSIST7-12, que foi aplicado em todas as participantes, observou-se que nenhuma necessitou ser encaminhada para serviço especializado e 7% necessitaram de Intervenção breve, que foi realizada pelo pesquisador. Esse tipo de intervenção objetiva identificar a presença de um problema, encorajar o indivíduo para a mudança de comportamento, como também recomendar estratégias para que essa mudança possa se concretizar. É utilizado para a prevenção e redução do consumo abusivo de drogas lícitas e ilícitas. Neste estudo, o uso do referido instrumento foi de fácil manejo pelo pesquisador e de grande valia no propósito da pesquisa.
É interessante que os profissionais de saúde conheçam e sejam capacitados para uso correto do ASSIST, devido a sua eficácia em identificar o risco de consumo de drogas. A utilização desse teste no período gestacional pode se tornar uma promissora ferramenta na prevenção de agravos às mães e aos neonatos.
Este estudo apresentou limitações por não esclarecer a relação causal entre uso de drogas lícitas e ilícitas durante a gestação, se o consumo de drogas lícitas levou ao uso de drogas ilícitas, e por constituir-se de informações autorrelatadas, o que pode gerar omissão de informações.
CONCLUSÃO
Neste estudo, observou-se que mulheres com baixa escolaridade, solteiras, sem religião e sem ocupação apresentam maior risco para o consumo de drogas. As substâncias mais utilizadas antes e durante a gestação foram o álcool, seguido do tabaco e da maconha. Notou-se um menor percentual de consumo dessas substâncias durante a gestação.
É importante que o profissional de saúde, durante o pré-natal, esteja atento e sensível em investigar os fatores de risco associados ao consumo de substâncias psicoativas. O uso do instrumento ASSIST possibilitou investigar, de forma ampla, esse consumo. A detecção oportuna possibilita uma intervenção precoce, reduz comportamentos de risco à saúde e melhora a qualidade da assistência ao binômio mãe-feto.
O enfrentamento e as ações governamentais para o fenômeno consumo de drogas ainda é um problema crítico e bastante complexo, principalmente entre mulheres e gestantes. É imperativo que haja maiores estudos acerca do consumo de substâncias psicoativas nessa população.
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