RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 30. (Suppl.6) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.v30supl.5.03

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Relato de Caso

Distrofia macular anular concêntrica benigna: Relato de caso

Benign concentric annular macular dystrophy: Case report

Frederico de Miranda Cordeiro1; Carolina Serpa Braga2; Aline Reuter Pimenta3; Anna Carlinda Arantes de Almeida Braga4; Pedro Luiz Lage Bodour Danielian5; Haroldo Gonçalves Dias Júnior6; João Vitor Menezes Costa7; Tereza Cristina Moreira Kanadani8

1. Instituto de Olhos Ciências Médicas (IOCM) - Belo Horizonte/Minas Gerais / https://orcid.org/0000-0002-2779-3798
2. Instituto de Olhos Ciências Médicas (IOCM) - Belo Horizonte/Minas Gerais / https://orcid.org/0000-0003-1663-7877
3. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (CMMG) - Belo Horizonte/ Minas Gerais / https://orcid.org/0000-0001-7403-9811
4. Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) - Belo Horizonte/Minas Gerais / https://orcid.org/0000-0003-2134-1982
5. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte/Minas Gerais / https://orcid.org/0000-0001-8893-071X
6. Instituto de Olhos Ciências Médicas (IOCM) - Belo Horizonte/Minas Gerais / https://orcid.org/0000-0002-6832-5085
7. Instituto de Olhos Ciências Médicas (IOCM) - Belo Horizonte/Minas Gerais / https://orcid.org/0000-0003-0965-1021
8. Instituto de Olhos Ciências Médicas (IOCM) - Belo Horizonte/Minas Gerais / https://orcid.org/0000-0002-8782-8462

Endereço para correspondência

Frederico de Miranda Cordeiro
AME Excelência em Visão
Avenida Presidente Vargas, 99 (salas 104-108-109) Centro
Congonhas/Minas Gerais, Brasil. CEP: 36410066
Telefone: +55 (31) 99724-0657
Email: mcordeiro.fred@gmail.com

Resumo

A distrofia macular anular concêntrica benigna (DMACB) é uma doença incomum, cuja principal característica é a presença simétrica e bilateral da maculopatia em bull's eye. Apesar de geralmente apresentar boa acuidade visual, pode apresentar variações na apresentação clínica. Trata-se do relato de caso de uma paciente de 51 anos, com queixa de baixa da acuidade visual progressiva bilateral. Exame oftalmológico releva maculopatia em bull's eye, porém sem história de uso prévio de medicações tópicas e/ou sistêmicas, sem antecedentes familiares e doenças oftalmológicas. Exames complementares, como angiografia fluorescente, tomografia de coerência óptica e autofluorescência auxiliam no diagnóstico de DMACB. Diante de maculopatias em bull's eye, importantes diagnósticos diferenciais devem ser levados em consideração, como distrofia de cones, uso de cloroquina e seus derivados, buraco macular crônico e doença de Stargardt.

Palavras-chave: Degeneração Macular. Angiofluoresceinografia. Diagnóstico Diferencial. Relatos de Caso.

 

INTRODUÇÃO

A distrofia macular anular concêntrica benigna (DMACB), descrita pela primeira vez em 1974 por August F. Deutman, é um quadro raro hereditário de padrão autossômico dominante. Como o próprio nome sugere, a DMACB normalmente se desenvolve sem acometimento significativo da acuidade visual (AV), o que, somado ao seu caráter raro, torna ainda mais difícil a estimativa de sua prevalência na população. Entretanto, alguns casos apresentam redução significativa da AV, além de alteração da visão cromática no eixo tritan, manifestações que ocorrem, geralmente, na vida adulta.1,2

Alguns estudos indicam que mutações no gene IMPG-1, no cromossomo 6, estão relacionadas à doença. É descrita, também, uma possível correlação entre a localização dessa mutação e o prognóstico da doença.3

O achado característico da DMACB é a maculopatia em bull's eye, em que se percebe uma lesão em formato de anel ao redor da mácula. Assim, o seu diagnóstico diferencial envolve toxicidade pelo uso regular de cloroquina e hidroxicloroquina, distrofia de cones, buraco macular crônico e doença de Stargardt.2,4

O objetivo deste artigo é apresentar um caso de doença macular anular concêntrica benigna e, diante dos exames complementares e apresentação clínica, discutir e apresentar os diagnósticos diferenciais das maculopatias em bull's eye.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 51 anos, apresenta queixa de baixa AV progressiva em ambos os olhos (AO), com início há 02 anos. Refere que não apresenta histórico prévio de doenças oftalmológicas, tratamentos oculares, comorbidades sistêmicas ou uso de qualquer medicação tópica, oral ou parenteral. Nega qualquer alteração oftalmológica na família.

Ao exame, apresenta AV corrigida de 20/50-3 e 20/50+2 no olho direito e esquerdo, respectivamente. À biomicroscopia nota-se catarata nuclear inicial em AO. Pressão intraocular de 15 mmHg em AO. À fundoscopia observa-se brilho macular reduzido, com área atrófica anular circunscrita à região da fóvea, simétrica em AO (Figura 1).

 


Figura 1: Fundoscopia evidenciando brilho macular reduzido e área atrófi ca anular circunscrita à região em AO, caracterizando o achado em bull's eye.
Fonte: acervo dos autores

 

Após o exame clínico e diante do sinal da maculopatia em bull's eye, foram levantadas as hipóteses diagnósticas que contemplassem tal alteração. Assim, exames complementares foram solicitados para a elucidação diagnóstica.

Realizado, então, angiofluoresceinografia (AFG) que evidenciou área hiperfluorescente macular por defeito em janela simétrica em AO (Figura 2). A autofluorescência demonstrou hipoautofluorescência central com halo hiperfluorescente em AO (Figura 3). A tomografia de coerência óptica (OCT) revelou atrofia da retina externa perifoveal, com descontinuidade da zona elipsóide em AO (Figura 4).

 


Figura 2: Angiofl uoresceinografi a evidenciando área hiperfl uorescente macular por defeito em janela simétrica em AO.
Fonte: acervo dos autores

 

 


Figura 3: Autofl uorescência demonstrando hipoautofl uorescência central com discreto halo hiperfl uorescente em AO.
Fonte: acervo dos autores

 

 


Figura 4: OCT indicando signifi cativa atrofi a de retina externa perifoveal, com descontinuidade da zona elipsóide em AO.
Fonte: acervo dos autores

 

Foram também solicitados eletro-oculograma e eletrorretinograma. No entanto, a paciente não teve acesso a tais exames.

Diante da apresentação clínica e dos exames complementares, aventou-se a hipótese diagnóstica de DMACB, sendo uma das maculopatias em bull's eye. Optou-se, portanto, por acompanhamento clínico semestral e orientação quanto à possibilidade de transmissão hereditária de tal condição.

 

DISCUSSÃO

A DMACB consiste em uma distrofia retiniana de manifestação clínica variável, geralmente de curso benigno, mas podendo haver redução da AV e discromatopsia, principalmente em casos de degeneração macular mais generalizada com maior acometimento dos fotorreceptores.2,3,5

O achado em bull's eye requer o diagnóstico diferencial com toxicidade por cloroquina e seus derivados, distrofia de cones e a doença de Stargardt. As distrofias de cones consistem num grupo de distúrbios hereditários que podem se manifestar com AV reduzida, discromatopsias graves, nistagmo e fotofobia.6

Devido à semelhança na apresentação clínica dessas condições, caracterizada pela maculopatia em bull's eye, os exames complementares são fundamentais para a diferenciação da DMACB. A AFG permite a visualização do contraste na área de rarefação do EPR, que se evidencia pela formação de um anel hiperfluorescente ao redor da fóvea em AO4. O defeito em janela com aspecto pontilhado coalescente também pode ser visualizado na doença de Stargardt na AFG. No entanto, diferentemente da DMACB, essa condição apresenta o característico silêncio coroidiano, além das lesões amareladas ("flecks") ao nível do EPR.7,8,9

O exame de autofluorescência permite analisar a fisiologia do EPR por meio do mapeamento topográfico do acúmulo de lipofuscina. No caso da DMACB, tal mapa pode evidenciar um área de baixa atividade celular, traduzida por hipoautofluorescência central com discreto halo hiperfluorescente4. Na distrofia de cones, pode-se encontrar alteração similar, enquanto que, na doença de Stargardt, a autofluorescência, em geral, apresenta lesões hipoautofluorescentes, correspondendo à área macular, nem sempre acompanhada de halo hiperfluorescente. Na presença de "flecks", é possível avaliar áreas de hiper e hipoautofluorescências puntiformes ao redor da região foveal.9

Apesar da OCT ser pouco usado para o diagnóstico de DMACB devido à baixa especificidade, o achado de significativa atrofia da retina externa perifoveal com descontinuidade da zona elipsóide em AO contribui para auxiliar no diagnóstico da paciente. Trata-se de um exame que pouco contribui para a diferenciação das maculopatias em bull's eye.4

O eletrorretinograma (ERG) de campo amplo avalia a atividade elétrica da retina em resposta a um estímulo luminoso. Apesar de não ter sido utilizado no presente relato, o ERG poderia ser útil no diagnóstico diferencial com as distrofias de cone, condição que apresenta redução da amplitude e atraso na resposta do campo total. Na DMACB, espera-se um ERG de campo total sem alterações e, sendo assim, o ERG multifocal estaria melhor indicado nessa condição.4

Assim, a anamnese, a história familiar, os exames complementares e a investigação genética de pacientes que apresentam maculopatia em bull's eye são fundamentais para uma completa definição diagnóstica. Tal diferenciação é importante para o acompanhamento e orientação dos pacientes, uma vez que, apesar das semelhanças clínicas, o curso natural e prognóstico das doenças são diferentes entre si.2,3,5

 

REFERÊNCIAS

1. Deutman AF. Benign concentric annular macular dystrophy. Am J Ophthalmol. 1974; 78(3):384-96.

2. Mendonça LSM, Lavigne LC, Chaves LFOB, Garcia JMBB, Isaac DLC, Ávila M. Distrofi a macular anular concêntrica benigna. Rev Bras Oftalmol. 2015; 74(3):183-5.

3. González-Gómez A, Romero-Trevejo JL, Garcia-Ben A, Garcia-Campos JM. Bull's eye maculopathy caused by a novel IMPG-1 mutation. Ophthalmic genet. 2018; 40(1):71-3.

4. Pereira CR, Pereira MB, Damasceno EF. Autofl uorescência em um caso de distrofi a macular anular concêntrica benigna. Rev Bras Oftalmol. 2019; 78(4):260-3.

5. Gómez-Faiña P, Alarcón-Valero I, Buil Calvo JA, Calsina- Prat M, Matin-Moral D, Lillo-Sopena J, et al. Benign concentric annular macular dystrophy. Arch Soc Esp Oftalmol. 2007; 82:373-6.

6. Aboshiha J, Dubis AM, Carroll J, Hardcastle AJ, Michaelides M. Th e cone dysfunction syndromes. Br J Ophtalmol. 2016; 100(1):115-21.

7. Tsang SH, Sharma T. Stargardt Disease. Adv Esp Med Biol. 2018; 1085:139-151.

8. Maia Júnior OO, Takahashi WY, Arantes TEF, Barreto RBP, Andrade Neto JL. Estudo macular na doença de Stargardt. Arq Bras Oftalmol. 2008; 71(1): 7-12.

9. Gouveia EB, Morales MS, Allemann N, Matte G, Berezovsky A, Sallum JM. Aspectos da tomografi a de coerência óptica na doença de Stargardt: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2006 Aug;69(4):589-92.