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CAPES/Qualis: B2
Coroidopatia hipertensiva associada a pré-eclâmpsia em paciente com trombofilia: um relato de caso
Hypertensive choroidopathy associated with pre-eclampsia in a patient with thrombophilia: A case report
Carolina Miranda Hannas1; Isabella Cristina Tristão Pinto1; Maria Isabel Passos Simões Dias Sampaio Tom Back1; Daniel Bodour Danielian Filho2; Mauro César Gobira Guimarães Filho3
1. Instituto de Olhos Ciências Médicas. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Centro Universitário de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
Daniel Bodour Danielian Filho
Email: danielbodour98@gmail.com
Resumo
A Coroidopatia Hipertensiva é uma complicação vascular rara, eventualmente associada à pré-eclâmpsia, que pode levar a perda visual, se a doença base não for corretamente manejada. No presente trabalho objetiva-se descrever um caso raro de paciente com heterozigose para gene da protrombina, que apresentou pré-eclâmpsia e descolamento prematuro de placenta durante a gravidez, além de hemorragia intraparto, e evoluiu com coroidopatia hipertensiva com remissão completa.
Palavras-chave: Pré-eclâmpsia. Trombofilia. Protrombina. Coróide.
INTRODUÇÃO
A hipertensão arterial sistêmica grave pode causar danos significativos a múltiplos órgãos, inclusive aos olhos. Complicações oculares, como retinopatia, neuropatia óptica e coroidopatia, são encontradas. Destas, a retinopatia hipertensiva é a mais frequente, já a coroidopatia é muito menos comum.1
A coroidopatia hipertensiva está relacionada, principalmente, a quadros de insuficiência renal, feocromocitoma, hipertensão essencial maligna e toxemia gravídica.2 Neste último quadro, inclui-se a pré-eclâmpsia, uma emergência clínica e obstétrica caracterizada por proteinúria e hipertensão arterial sistêmica após 20 semanas de gestação.3 Quando associada à trombofilia, a pré-eclâmpsia pode ser agravada, segundo alguns estudos.4-7
Os principais sinais e sintomas da coroidopatia hipertensiva são baixa de acuidade visual (BAV) súbita, descolamento seroso da retina, manchas de Elschnig e estrias de Siegrist.2 A perda visual pode ocorrer caso a doença de base não for tratada.8 Em relação aos exames de imagem utilizados para o diagnóstico e acompanhamento, destacam-se a tomografia de coerência óptica (OCT) e a angiografia fluoresceínica (AF).
O presente trabalho tem como objetivo descrever um caso raro de coroidopatia hipertensiva em uma paciente gestante com trombofilia, decorrente a um quadro pré-eclâmpsia grave. O acompanhamento oftalmológico foi realizado até a completa resolução do quadro e ilustrado por meio de imagens de OCT e AF.
DESCRIÇÃO DO CASO
Puérpera, 22 anos, primípara e sem comorbidades, encaminhada ao serviço de oftalmologia com queixa de BAV de início súbito, pouco antes do parto. Na 34ª semana de gestação, a paciente foi diagnosticada com pré-eclâmpsia, apresentando pressão arterial sistêmica de 160x110 mmHg e descolamento prematuro de placenta (concomitante ao início da BAV), sendo submetida a cesariana de urgência. No peroperatório, intercorreu com hemorragia importante, sendo realizada transfusão sanguínea, e com decesso fetal. Ao final da cirurgia, evoluiu com insuficiência renal aguda.
Ao exame oftalmológico, realizado dois dias após o parto, apresentou, no olho direito (OD), acuidade visual com correção (AVCC) de 0,40 e pressão intraocular (PIO) de 09 mmHg e, no olho esquerdo (OE), AVCC de 0,28 e PIO de 11 mmHg. Em ambos os olhos (AO), ausência de alterações à biomicroscopia e, à fundoscopia, foram evidenciados vítreos transparentes, escavações fisiológicas e reflexo foveal reduzido. À AF de AO, notou-se má perfusão coroideana sugestiva de coroidopatia hipertensiva aguda. (Figuras 1A e 1B). A OCT, realizada 15 dias após o parto, evidenciou descolamento seroso foveal no OD (Figura 2) e atenuação importante dos fotorreceptores foveais no OE (Figura 3), sem descolamento seroso no momento da realização do exame.
Realizada pesquisa para trombofilia, que evidenciou mutação do gene da protrombina, que confere risco aumentado de trombose. Após quatro meses de acompanhamento oftalmológico, sem uso de medicações, a paciente apresentou melhora importante da acuidade visual (20/20 AO). As OCTs seriadas realizadas mostraram resolução completa do quadro.
DISCUSSÃO
A Coroidopatia Hipertensiva, tipicamente, decorre de eventos hipertensivos malignos, como a pré-eclâmpsia, especialmente quando a pressão diastólica atinge valores maiores que 120 mmHg.8 Ocorre mais frequentemente em indivíduos jovens, cujos os vasos sanguíneos são mais flexíveis e não escleróticos, como no caso da paciente em questão.9
Os vasos da coróide são afetados mais severamente pela hipertensão arterial sistêmica aguda do que a vasculatura retiniana. Dentre as razões para esse fato, destacam-se o curso curto e a ausência de muitas ramificações das artérias coroideanas, que chegam à coriocapilar em ângulo reto. Ainda, o tônus vascular da coróide é regulado principalmente pelo sistema nervoso simpático, diferentemente dos vasos da retina que apresentam mecanismos auto-regulatórios.9
A hipertensão sistêmica aguda pode levar à extensa constricção da vasculatura coroideana e à isquemia, causando necrose focal da coróide e do epitélio pigmentar da retina (EPR). Como resultado da não perfusão, podem surgir lesões amareladas em regiões do EPR sobrejacentes a oclusões da coriocapilar, denominadas manchas de Elschnig.9 Com o tempo, tornam-se hiperpigmentadas e cercadas por margens de hipopigmentação. Configurações lineares de aparência semelhante a essas manchas, conhecidas como estrias de Siegrist, podem surgir seguindo o curso das artérias da coróide.10
Além disso, a isquemia pode resultar em disfunção da barreira hematorretiniana, que permite o acúmulo de líquido subretiniano e surgimento do descolamento seroso.10 No caso descrito, o descolamento foi resolvido após a normalização da pressão arterial sistêmica e recuperação da vasculatura da coróide.
Na coroidopatia hipertensiva, a AF mostra hipoperfusão de coróide focal nas fases iniciais. Já a OCT, é um exame não invasivo capaz de detectar alterações estruturais nas camadas da retina e da coróide. Na paciente em questão, a AF revelou má perfusão coroidiana em AO, além de descolamento seroso no OD e atenuação dos fotorreceptores no OE à OCT, corroborando para o diagnóstico. Cabe ressaltar que, provavelmente, o OE pode ter apresentado também um descolamento seroso, o qual já estava em estágio final de reabsorção, pois a OCT foi realizada 15 dias após o início do quadro.
Há muita controvérsia acerca da relevância que a mutação no gene da protrombina pode ter no desenvolvimento e agravamento da pré-eclâmpsia. Alguns estudos encontraram um risco aumentado de pré-eclâmpsia em geral e de pré-eclâmpsia grave em pacientes com a mutação do gene da protrombina.4-7 Essa mutação pode ter contribuído para o agravamento do quadro da paciente em questão.
O prognóstico de coroidoretinopatias secundárias à préeclâmpsia é favorável. Estudos revelam que a espessura subfoveal da coróide, apesar de se mostrar significativamente mais fina em gestantes com pré-eclâmpsia, em comparação com mulheres grávidas saudáveis, não revela diferença estatisticamente significativa neste grupos durante o período pós-parto.11 Fato que reflete a melhora considerável do quadro oftalmológico da paciente após o parto.
As doenças de base envolvendo a coroidopatia hipertensiva, como a pré-eclâmpsia, devem ser diagnosticadas e tratadas precocemente. Assim, em grande parte dos casos, o prognóstico visual será favorável, como no caso da paciente em questão. Ainda são necessários mais estudos para esclarecimento do real papel da mutação do gene da protrombina na fisiopatologia da préeclâmpsia, e se essa mutação estaria associada a um agravamento dos casos.
REFERÊNCIAS
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