ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Penfigóide de membranas mucosas oculares: relato de caso
Ocular Mucous membrane pemphigoid: case report
Bernardo Franco de Carvalho Tom Back1; Bruno de Barros Massote2; Carolina Miranda Hannas3; Isabella Cristina Tristão Pinto3; Laura Fontoura Castro Carvalho2; Maria Isabel Passos Simões Dias Sampaio Tom Back3; Pedro Rezende Henriques4
1. Centro Oftalmológico de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil
2. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Medicina. Belo Horizonte -MG, Brasil
3. Instituto de Olhos Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte -MG, Brasil
4. Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, Oftalmologia. Belo Horizonte - MG, Brasil
Laura Fontoura Castro Carvalho
Email: laurafontourac@gmail.com
Instituição: Centro Oftalmológico de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil
Resumo
O penfigóide de membranas mucosas é uma doença autoimune, sistêmica, rara, caracterizada pela produção de anticorpos contra antígenos localizados na pele e nas mucosas. Esta patologia gera um processo inflamatório crônico recidivante e cicatrização aberrante, apresentando diagnóstico difícil nos estágios iniciais da doença. Entre outras características, pode-se manifestar como uma conjuntivite crônica e recorrente, o que dificulta e retarda o início do tratamento. Quanto mais precoce seu diagnóstico e início da intervenção, melhor é o prognóstico visual do paciente. O presente trabalho visa relatar um caso de penfigóide de membranas mucosas descrevendo seus principais sinais e sintomas e suas diferentes formas de apresentação, facilitando seu diagnóstico precoce e correta terapêutica. O oftalmologista desempenha um papel fundamental na evolução da doença, por ser, frequentemente, um dos primeiros médicos a ser procurado por esses pacientes.
Palavras-chave: Penfigoide Mucomembranoso Benigno. Biópsia. Dapsona.
INTRODUÇÃO
O Penfigoide de Membranas Mucosas (MMP), anteriormente denominado penfigóide cicatricial (PC), corresponde a um grupo de doenças autoimunes bolhosas subepiteliais que afetam principalmente membranas mucosas. É caracterizado pela deposição linear de imunoglobulinas IgG, IgA e C3 na membrana basal epitelial, gerando um processo inflamatório crônico recidivante e cicatrização aberrante nesses locais.1,2 Atinge pacientes com idade média de 65 anos e tem uma preponderância leve, mas definitiva, para mulheres a uma taxa de 3:1.3,4
O MMP pode-se manifestar como doenças orais, oculares, cutâneas, genitais, nasofaríngeas e esofaríngeas.1 Aproximadamente 80% dos pacientes com MMP têm envolvimento ocular, caracterizado por uma conjuntivite cicatrizante crônica, encurtamento progressivo dos fórnices conjuntivais, simbléfaro, entrópio cicatricial e triquíase. A doença ativa, associada à disfunção das glândulas meibomianas e à obstrução do ducto lacrimal, pode conduzir a um olho seco grave e a complicações subsequentes tais como úlceras, cicatrizes e neovascularização corneana.5,6
O padrão ouro para o diagnóstico da MMP é a biópsia associada a técnica de imunofluorescência. A taxa de biópsias positivas varia de 20% a 67% dos casos, sendo que uma biópsia negativa não exclui a doença.4
O estadiamento da doença ocular é feito de acordo com o sistema de classificação de Foster: presença de conjuntivite crônica com fibrose subepitelial, (estágio I), encurtamento do fórnice conjuntival (estágio II), simbléfaro (estágio III) e anquilobléfaro (estágio IV).3
O objetivo desse artigo é ilustrar o MMP a partir de um relato de caso um de paciente jovem, alertando para uma doença que, apesar de rara, atinge adultos ainda em idade produtiva, com alta taxa de morbidade, levando à amaurose e, inclusive, ao óbito nos casos mais avançados.
DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente, 43 anos, sexo masculino, atendido no setor de urgência queixando-se de dor, secreção ocular e baixa acuidade visual em ambos os olhos, de início há cerca de três meses. Relatava que, nesse período, surgiram lesões em face, orelhas, membros superiores e inferiores. Negava trauma ou contato com produtos químicos na região dos olhos. Fez uso de colírios, os quais não sabia informar os nomes, prescritos em outro serviço. Ao exame físico, constatou-se anquilobléfaro importante em ambos os olhos, impedindo abertura palpebral do olho direito e possibilitando pequena abertura do olho esquerdo. Sua melhor acuidade visual era de movimento de mãos em ambos os olhos. Apresentava lesões úlcero-crostosas com exsudação muco-purulenta no pavilhão e conduto auditivo, na região mandibular direita, nos cotovelos, joelhos e no dorso (Figura 1).
O paciente foi encaminhado ao departamento de plástica ocular e foi aventada hipótese diagnóstica de MMP estágio IV de Foster, e infecção secundária das lesões dermatológicas. A infecção secundária foi tratada com cefalexina 500mg de 6/6 horas. Para a doença de base, optou-se por iniciar ministração de dapsona (100 mg/dia) e prednisona (80 mg/dia), sendo realizada revisão laboratorial e dosagem de G6PD antes do início da medicação.
Foi realizada biópsia de lesão dermatológica, constatando-se clivagem dermoepidérmica com escamocrosta e leve infiltrado inflamatório na derme superficial com presença de eosinófilos e neutrófilos. A derme apresentava áreas de espessamento de colágeno, compatíveis com processo cicatricial. A imunofluorescência direta não pôde ser realizada uma vez que o hospital não possuía tal exame.
O paciente recebeu alta, após melhora do quadro geral e da infecção secundária, para acompanhamento ambulatorial com dermatologia e plástica ocular.
DISCUSSÃO
Comparando os dados epidemiológicos de outros países, a idade do início dos sintomas no paciente em análise foi mais precoce (paciente: 43 anos, França: 60 anos e Alemanha: 65 anos).7 Além disso, o paciente é do sexo masculino, apesar da epidemiologia apresentar uma maior prevalência feminina da doença.5
Um estudo canadense, utilizando a classificação de Foster, apresentou os estágios dos pacientes com MMP no atendimento terciário: estágio I: 7,8%; estágio II: 21,8%; estágio III: 65,6% e estágio IV: 4,6%. O paciente desse trabalho teve acesso ao serviço terciário em estágio ainda mais avançado do que a média internacional, estágio IV de Foster.8
Os achados da biópsia de pele realizada no paciente foram indistinguíveis do pênfigo bolhoso (PB). Para a confirmação laboratorial MMP, seria necessário uma imunofluorescência direta que não pôde ser realizada. A imunofluorescência direta do tecido perilesional é importante para o diagnóstico de MMP, pois revela a presença de finos depósitos homogêneos lineares de IgG, C3 e, às vezes, IgA, sendo que a presença IgA nunca é vista no PB.7 Entretanto, o paciente deste estudo está incluso dentro dos 25-30% dos pacientes com MMP que apresentam acometimento dermatológico e com maior possibilidade de ter uma autoimunidade às proteínas BP 180 (lesões dermatológicas) e β4 integrina (lesões oculares).5 Percebe-se assim, que o quadro clínico, oftalmológico e dermatológico do paciente, é bastante característico de MMP, mesmo sem o acesso à imunofluorescência direta.
Com relação à terapêutica, o que a literatura nos mostra é que a dapsona e o metotrexato têm sido a primeira linha de tratamento em MMP leve a moderado. A ciclofosfamida oral diária combinada com prednisona em altas doses, também é um regime de tratamento muito utilizado. No caso apresentado, foi iniciado dapsona 100mg/dia e prednisona 80 mg/dia. Entretanto, o paciente possuía um acometimento grave da conjuntiva ocular, em estágio IV de Foster e já com perda importante da visão, o que torna importante avaliação de uma terapia complementar caso não haja resposta ao tratamento convencional. A terapêutica com imunoglobulina intravenosa (IgIV), atualmente, é restrita aos pacientes com refratariedade ao tratamento ou que tiveram efeitos colaterais graves.
Existem trabalhos avaliando também drogas anti-fator de necrose tumoral alfa (antiTNFα) no tratamento de MMP de pacientes que não responderam à ciclofosfamida ou IgIV, com o uso de 25 mg de etanercept subcutâneo, duas vezes por semana, ou monoterapia com infliximab 5 mg/kg por via intravenosa.9
Como o MMP é uma doença sistêmica, os medicamentos tópicos são usados apenas como uma medida temporária para aliviar os sintomas, até que a terapia sistêmica mantenha estável a inflamação ocular. Os corticosteróides tópicos e subconjuntivais, podem oferecer alívio de curto prazo dos sintomas, mas são ineficazes na prevenção da progressão da doença. Além dos corticosteróides tópicos, alguns estudos já tentaram avaliar a eficácia de medicações tópicas como inibidores da calcineurina, ciclosporina A e tacrolimus, para o tratamento do MMP ocular, mas notaram falha de resposta terapêutica adequada.9
Embora os medicamentos tópicos não tenham sido capazes de impedir a progressão ou induzir remissão do MMP ocular, eles podem ajudar no tratamento das cicatrizes conjuntivais. As aplicações tópicas e subconjuntivais da mitomicina C, droga que demonstrou ser capaz de alterar a cicatrização na cirurgia de glaucoma, também têm sido utilizadas no tratamento cirúrgico de casos avançados.9
A combinação de inflamação crônica e fibrose conjuntival levam à disfunção grave das glândulas meibomianas e anormalidades do filme lacrimal. Associado ao filme lacrimal inadequado, o trauma mecânico gerado pela queratinização das margens das pálpebras e a desorganização dos cílios, levam à erosão da córnea, úlceras e, consequentemente, neovascularização e conjuntivalização com perda da visão. Por isso, há necessidade de ampla lubrificação e tratamento da triquíase.8 A triquíase pode ser tratada com depilação mecânica, eletrólise bipolar, ablação por radiofreqüência, ablação a laser ou crioterapia.5
No presente artigo, buscou-se demonstrar que o MMP é uma doença sistêmica rara e de apresentações variadas, o que dificulta seu diagnóstico precoce e aumenta o grau de morbidade gerado pela doença. Como o oftalmologista é, muitas vezes, o primeiro médico a ser procurado por esses pacientes, é essencial que o especialista fique atento aos sinais e sintomas da doença e, lembrando-se sempre desta patologia como diagnóstico diferencial em casos de conjuntivite crônica ou de simbléfaros sem causas aparente.
REFERÊNCIAS
1. Chan LS, Ahmed AR, Anhalt GJ, Bernauer W, Cooper KD, Elder MJ, et al. Th e fi rst international consensus on mucous membrane pemphigoid: defi nition, diagnostic criteria, pathogenic factors, medical treatment, and prognostic indicators. Arch Dermatol. 2002 Mar;138(3):370-9.
2. Wang K, Seitzman G, Gonzales JA. Ocular cicatricial pemphigoid. Curr Opin Ophthalmol. 2018 Nov;29(6):543-551.
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5. Broussard KC, Leung TG, Moradi A, Th orne JE, Fine JD. Autoimmune Bullous Diseases with Skin and Eye Involvement: Cicatricial Pemphigoid, Pemphigus Vulgaris and Pemphigus Paraneoplastica. Clin Dermatol. 2016 Mar-Apr; 34(2): 205-13
6. Brunner M, Lacoste K, Bernauer W. Control of Ocular Disease in Mucous Membrane Pemphigoid. Klin Monbl Augenheilkd. 2014 Apr;231(4):331-4.
7. Holubar K, Honigsmann H, Wolff K. Cicatricial pemphigoid: Immunofl uorescence investigations. Arch Dermatol. 1973 Jul; 108(1): 50-2.
8. Goldich Y, Ziai S, Artornsombudh P, Avni- Zauberman N, Elbaz U, Rootman DS, et al. Characteristics of patients with ocular cicatricial pemphigoid referred to major tertiary hospital. Can J Ophthalmol. 2015 Apr; 50(2): 137-42.
9. Queisi MM, Zein M, Lamba N, Meese H, Foster CS. Update on Ocular Cicatricial Pemphigoid and Emerging Treatments. Surv Ophthalmol. 2016 May- Jun; 61(3): 314-7.
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