ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Atuação dos micrornas como biomarcadores na retinopatia diabética
Microrna as biomarkers in diabetic retinopathy
Ana Carollina Simão Diniz; Antonio de Pádua Gandra Santiago Filho; Beatriz Maria Monteiro Sousa; Clara Lopes de Lima
Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG - Brasil
Endereço para correspondênciaBeatriz Maria Monteiro Sousa
E-mail: beatrizmmonteiro25@gmail.com
Resumo
Introdução: A retinopatia diabética (RD) é umas das principais complicações relacionadas à diabetes mellitus (DM) e é a principal causa de cegueira em pessoas com idade entre 20 e 74 anos. Atualmente, a RD pode ser diagnosticada apenas por especialistas treinados, fator que em muitos casos dificulta a identificação precoce do quadro. Estudos recentes revelam que os MicroRNAs (miRNAs) circulantes, grupo de sequências curtas conservadas de RNAs endógenos, desempenham papel significativo no desenvolvimento de DM. Objetivo: Analisar a relevância diagnóstica e prognóstica do microRNA na retinopatia diabética e seu papel na patogênese da doença. Metodologia de busca: Revisão de literatura nas bases de dados PubMed e Scielo entre os anos de 2015 e 2020, utilizando como descritores os termos em inglês ''MicroRna as biomarkers'' e ''diabetic retinopathy''. Discussão: A RD é caracterizada por lesões e por oclusões progressivas de vasos da retina. As modificações epigenéticas, incluindo regulação de miRNAs, contribuem para a patogênese da doença. Sob essa perspectiva, estudos demonstram que há expressão aumentada ou diminuída de determinados miRNAs durante a patogênese da RD, sendo o miR-200b, miR-29b, miR-21 e o miR-126 os mais estudados atualmente. Considerações finais: Os estudos mostram que níveis alterados de miRNA circulantes podem fornecer um novo biomarcador para a detecção e monitoramento da doença. Apesar dos grandes avanços relacionados ao tema nos últimos anos, a maioria dos estudos foram feitos em animais ou em uma pequena amostra de humanos, necessitando de novos estudos com maior amostra.
Palavras-chave: Retinopatia diabética. Biomarcadores. MicroRNAs.
INTRODUÇÃO
A retinopatia diabética (RD) é umas das principais complicações relacionadas à diabetes mellitus (DM) e é a principal causa de cegueira em pessoas com idade entre 20 e 74 anos. A RD afeta aproximadamente 150 milhões de pessoas em todo o mundo e o número deve dobrar até 2025, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Atualmente, a RD pode ser diagnosticada apenas por especialistas treinados, fator que, em muitos casos, dificulta a identificação precoce do quadro, principalmente em regiões onde esses profissionais são escassos. Além disso, os tratamentos disponíveis são destinados apenas à fase proliferativa da RD e apresentam diversos efeitos colaterais. A única estratégia terapêutica nos estágios iniciais da RD é um controle rígido da glicemia. Já os tratamentos para retinopatia diabética proliferativa são foto coagulação a laser panretinal e vitrectomia em casos selecionados, e injeções de anti-VEGF recentemente foram usadas como outra opção de tratamento. No entanto, efeitos colaterais sistêmicos graves podem se desenvolver e pode haver recorrência da neovascularização alguns meses após a injeção de anti-VEGF. Portanto, é necessário elucidar novos métodos diagnósticos e terapêuticos.1,2
Estudos recentes revelam que os MicroRNAs (miRNAs) circulantes, grupo de sequências curtas conservadas de RNAs endógenos que modulam a expressão gênica por meio de regulação transcricional e pós-transcricional, desempenham papel significativo no desenvolvimento de DM. Esses pequenos RNAs desempenham papéis vitais na proliferação, na migração e na apoptose de células humanas, incluindo células retinais. Os microRNAs devido a suas características estruturais, podem representar um importante biomarcador de triagem com alta sensibilidade e especificidade na identificação da RD, também podem revelar mudanças em uma via biológica associada à progressão da doença, ou mesmo ao risco de progressão da doença.3
REVISÃO DA LITERATURA
A pesquisa científica tem buscado desvendar a fisiopatologia de diversas doenças para o desenvolvimento de novos caminhos terapêuticos. Nesse âmbito, o miRNA (ou microRNA) vem ganhando a atenção da comunidade científica como um possível biomarcador e alvo terapêutico. Em 2008, quatro estudos independentes demonstraram a presença de miRNAs livres de células de forma estável no sangue, e que seus níveis séricos/plasmáticos poderiam ser correlacionados a condições patológicas e, portanto, potencialmente utilizáveis como biomarcadores não invasivos. Essas pequenas moléculas circulantes provaram ser altamente estáveis, resistindo a condições deletérias como ebulição, múltiplos ciclos de congelamento e descongelamento e pH alto ou baixo. Devido à sua importância em uma ampla gama de processos biológicos, miRNAs foram propostos como novos biomarcadores para o diagnóstico, para o monitoramento do tratamento e para o prognóstico de uma ampla gama de doenças, entre elas a retinopatia diabética.4,5
Diante do exposto, realizou-se uma revisão da literatura a fim de se organizar e discutir os principais estudos que investigam a relação dos miRNAs com a retinopatia diabética. As bases de dados consultadas foi o PubMed e o Scielo. Foram selecionados artigos, entre 2015 e 2020, realizados com humanos ou animais, redigidos na língua inglesa e utilizou-se como palavras-chave os descritores MeSH: microRNA AND Retinopathy diabetic, miRNA AND Diabetic Diseases.
DISCUSSÃO
A RD é caracterizada em duas principais fases: a retinopatia diabética não proliferativa e a proliferativa. A primeira possui pequenas áreas de inchaço conhecidas como micro aneurismas. Sabe-se que durante o estágio inicial da RD, células epiteliais da retina humana e as células epiteliais pigmentares da retina, que são componentes da barreira hemato-retiniana (BHR), são afetadas e prejudicadas pelos efeitos adversos da alta taxa de glicose, o que induz disfunção da BHR e contribui para a progressão da RD e a segunda fase da doença. Na retinopatia diabética proliferativa, os fatores de crescimento secretados pela retina estimulam a proliferação de novos vasos sanguíneos, que crescem ao longo da superfície interna da retina e entram no humor vítreo, um fluído semelhante a um gel que preenche o olho, provocando hemorragias.1,2
O estresse oxidativo e a produção aumentada de mediadores inflamatórios, bem como as modificações epigenéticas, incluindo modificações de histonas e regulação de miRNAs, contribuem para a patogênese e para a complexidade da doença. Mecanismos epigenéticos, como metilação do DNA, modificações pós-translacionais de histonas na cromatina e RNAs não codificantes, medeiam a interação entre fatores de risco genéticos e ambientais. A persistência de alterações epigenéticas pode contribuir para o fenômeno da memória metabólica e para o estresse oxidativo, inflamação e acúmulo de matriz extracelular, que levam ao desenvolvimento de RD. Os principais miRNAs envolvidos na RD e estudados atualmente são o miR-200b, o miR-29b, o miR-21 e o miR-126.1,6
miR-29b e miR-200b
Considerando o papel dos miRNAs na patologia da doença, sabe-se que o miR- 29b e miR-200b são desregulados na RD. Os autores de pesquisas anteriores demonstraram experimentalmente que o miR-200b pode aliviar o desenvolvimento da RD ao regular negativamente seu gene alvo que é o fator de crescimento endotelial (VEGF), proteína de sinalização capaz de promover o crescimento de novos vasos sanguíneos. Contudo, estudos mostram também que o miR-200b tem um importante papel na regulação do gene Oxr1 (resistência à oxidação 1), e a sua super expressão pode desregular o Oxr1, que protege as células da retina contra apoptose e estresse oxidativo. Já o miR-29b, microRNA com efeitos anti apoptóticos e anti fibróticos, se apresenta como um biomarcador da RD, uma vez que sua diminuição no plasma resulta em aumento da deposição de matriz e fibrose retinal. 2,6,7
Uma pesquisa realizada por Li, et al 2017 mostrou que em comparação com pessoas saudáveis no grupo de controle, os pacientes com RD no grupo de caso diminuíram significativamente na expressão de miR-200b, e aumentaram significativamente na expressão de mRNA de VEGF.7
Resultados satisfatórios foram obtidos em camundongos Akita após 3 meses de injeção intravítrea de mir-200b, mostrando também o seu possível potencial terapêutico. Ademais, outro estudo caso-controle também mostrou que os níveis plasmáticos de miR-29b e miR-200b foram menores em pacientes com RD em comparação com aqueles sem RD em um hospital universitário terciário no sul do Brasil.6
miR-21
A respeito do mir-21, é importante evidenciá-lo, também, como alvo de estudos, posto que sua expressão se mostra positivamente relacionada ao curso da doença. Os resultados indicaram que esse microRNA estava associado ao processo patogênico de RD na DM tipo 2 e à gravidade da RD, estando em maior quantidade na retinopatia proliferativa em comparação com a não proliferativa. Diferentemente dos miR-200b e dos miR-29b, o miR-21 se manifesta na RD em super expressão, de tal forma a aumentar a quantidade de fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) e, consequentemente, a angiogênese. Além disso, miR-21 é super expresso em resposta à alta glicose e protege as células endoteliais contra a apoptose. Ademais, tal miRNA em quantidades elevadas pode estar associado à fibrose retinal, o que indica uma alternativa sensível e com bom custo benefício para a detecção precoce da retinopatia diabética proliferativa. Perfis de expressão de mir-21 aberrantes foram associados ao desenvolvimento de DR, e a modulação da expressão de miRNA da retina pode fornecer um potencial tratamento para DR.9
miR-126
Em referência ao miR-126, revela-se sua importância como um biomarcador para o rastreamento de lesões endoteliais da retina e para o diagnóstico precoce de RD periférica, de modo a se apresentar em menores quantidades na retinopatia diabética proliferativa comparado a retinopatia diabética não proliferativa. Estudos em camundongos com retina isquêmica revelaram, assim como em pacientes com complicações decorrentes da RD, diminuição dos níveis de miR-126 e um aumento dos fatores angiogênicos, tais como o VEGF, a insulina, dentre outros. Outro estudo em retinas de ratos diabéticos mostrou que o tratamento com Niaspan pode regular a expressão do microRNA-126, que se provou ser um regulador positivo chave da sinalização angiogênica em células endoteliais e da integridade vascular. Assim, o Niaspan pode suprimir os níveis elevados de VEGF e, finalmente, superar a neovascularização retinal induzida por diabéticos, aumentando o miR-126. Por esse motivo, entende-se a associação do miR-126 com a patologia em questão e sua influência como um possível alvo terapêutico no tratamento contra a RD.3,9,10
CONCLUSÃO
Os estudos mostram que níveis alterados de miRNA circulantes podem fornecer um novo biomarcador minimamente invasivo para a detecção da doença e para o monitoramento de sua progressão. A pesquisa sobre miRNAs teciduais e circulantes apresenta grandes desafios e complexidade, porém poderá auxiliar no desenvolvimento de marcadores circulantes de diagnóstico e de prognóstico mais acurados em comparação aos já utilizados, assim como novas estratégias terapêuticas para os diferentes estágios da RD.
Apesar dos grandes avanços relacionados ao tema nos últimos anos, a maioria dos estudos foram feitos em animais, ou somente em uma pequena amostra de humanos. Os estudos atuais sobre biomarcadores são limitados, pela necessidade de tamanhos de amostra maiores, de validação cruzada em diferentes populações e grupos étnicos, além de técnicas analíticas eficientes em termos de tempo e de custo. Portanto, ainda são necessários outros estudos com maior amostra, capaz de elucidar melhor o biomarcador e sua forma de atuação.
REFERÊNCIAS
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2. Martinez B, Peplow PV. MicroRNAs as biomarkers of diabetic retinopathy and disease progression. Neural Regen Res. 2019 Nov;14(11):1858-69.
3. Qin LL, An MX, Liu YL, Xu HC, Lu ZQ. MicroRNA-126: a promising novel biomarker in peripheral blood for diabetic retinopathy. Int J Ophthalmol. 2017 Apr;10(4):530-4. 4. Donati S, Ciuffi S, Brandi ML. Human Circulating miRNAs Real-time qRT-PCR-based Analysis: An Overview of Endogenous Reference Genes Used for Data Normalization. Int J Mol Sci. 2019 Sep;20(18):4353.
5. Ma J, Wang J, Liu Y, Wang C, Duan D, Lu N, et al. Comparisons of serum miRNA expression profi les in patients with diabetic retinopathy and type 2 diabetes mellitus. Clinics (São Paulo). 2017 Feb;72(2):111-5.
6. Costa e Silva MED, Polina ER, Crispim D, Sbruzzi RC, Lavinsky D, Mallmann F, et al. Plasma levels of miR-29b and miR-200b in type 2 diabetic retinopathy. J Cell Mol Med. 2019 Feb;23(2):1280-7. 7. Li EH, Huang QZ, Li GC, Xiang ZY, Zhang X. Eff ects of miRNA-200b on the development of diabetic retinopathy by targeting VEGFA gene. Biosci Rep. 2017 Mar;37(2).
8. Jiang Q, Lyu XM, Yuan Y, Wang L. Plasma miR-21 expression: an indicator for the severity of Type 2 diabetes with diabetic retinopathy. Biosci Rep. 2017 Mar;37(2).
9. Rezk NA, Sabbah NA, Saad MSS. Role of MicroRNA 126 in screening, diagnosis, and prognosis of diabetic patients in Egypt. IUBMB Life. 2016 Jun;68(6):452- 8.
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