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CAPES/Qualis: B2
Fatores associados ao estado nutricional no envelhecimento
Nutritional status' associated factors in the elderly
Renata Junqueira Pereira1; Rosângela Minardi Mitre Cotta2; Sylvia do Carmo Castro Franceschini2
1. Nutricionista, Especialista em Nutrição Humana e Saúde, Mestranda em Ciência da Nutrição pelo Departamento de Nutrição e Saúde/Universidade Federal de Viçosa
2. Doutoras, Professoras Adjuntas do Departamento de Nutrição e Saúde/Universidade Federal de Viçosa
Renata Junqueira Pereira
Departamento de Nutrição e Saúde/Universidade Federal de Viçosa
Av. PH Rolfs, s/n - Campus Universitário
Viçosa - MG - CEP 35571-000
E-mail: rejunp1@yahoo.com.br, rmmitre@ufv.br
Resumo
Os desvios nutricionais nos idosos são agravados não só pelas alterações fisiológicas, que geralmente acarretam um declínio das funções orgânicas, mas também pelos aspectos socioeconômicos, pela dependência física e mental e pelos efeitos secundários do uso concomitante de vários tipos de medicamentos. O envelhecer está ainda associado a mudanças na composição corporal, que têm grande impacto sobre as condições de saúde dos indivíduos. Entre os principais problemas nutricionais estão os dois extremos: o sobrepeso, que aumenta o risco de doenças crônicas, e o baixo peso, predispondo ao risco de infecções e mortalidade. Desse modo, diante da análise bibliográfica, concluiu-se que o grupo idoso é dotado de peculiaridades que o distanciam do adulto jovem e que impõem a necessidade de mais atenção e preocupação com a saúde de modo especial, principalmente no que diz respeito à alimentação, que tão intimamente está associada aos novos padrões de morbidades.
Palavras-chave: Envelhecimento. Aspectos Nutricionais. Sobrepeso. Subnutrição.
INTRODUÇÃO
O aumento da longevidade constitui-se em um dos maiores êxitos da segunda metade do século XX. O envelhecimento da população, ao mesmo tempo em que representa um dos maiores triunfos da humanidade, é também um dos maiores desafios.1
Atualmente, no Brasil, os idosos representam cerca de 10% da população geral. O Censo de 2000 informou que dos 169.500.000 brasileiros, 15,5 milhões possuíam 60 anos ou mais, sendo, na maioria, mulheres, viúvas, com baixas escolaridade e renda.2
Hoje, no país, coexistem doenças transmissíveis e crônico-degenerativas em função da mudança do perfil epidemiológico da população. Como o Estado ainda se preocupa com o desafio da mortalidade infantil e doenças infecciosas, não tem desenvolvido, de maneira satisfatória, estratégias para a efetiva prevenção e tratamento das doenças crônico-degenerativas e suas complicações.3 Assim, o envelhecimento da população e o aumento da esperança de vida causam o incremento de doenças crônicas e de incapacidades que requerem atenção sóciosanitária mais efetiva.
Outro aspecto a ser considerado em relação à saúde do idoso é o estado nutricional. Segundo Otero4, o distúrbio nutricional mais importante observado entre eles é a desnutrição energético-protéica (DEP), associada ao aumento da mortalidade e susceptibilidade às infecções e à redução da qualidade de vida. O baixo peso excessivo da população idosa é apontado como o fator mais fortemente associado à mortalidade do que o excesso de peso.
A relevância da prevalência da obesidade também deve ser considerada, devido à sua associação com os distúrbios psicológicos, sociais, aumento do risco de morte prematura, de diabetes mellitus, de hipertensão arterial sistêmica, de dislipidemias, de doenças cardiovasculares e do câncer.5
Diante dessa perspectiva, é importante a compreensão do papel da nutrição, tanto precoce como tardia, no retardo ou modulação do processo de envelhecimento e na promoção do estado nutricional adequado para o idoso.6
O presente trabalho busca descrever os fatores que interferem no consumo alimentar e na nutrição do idoso. De maneira complementar, discutem-se os aspectos mais relevantes dos principais problemas nutricionais na atualidade que afetam esses indivíduos.
FATORES QUE ACOMETEM O CONSUMO ALIMENTAR DO IDOSO
Fatores socioeconômicos
De acordo com Veras7, o baixo poder aquisitivo é muito prevalente na população idosa brasileira. A condição financeira desfavorável tem reflexos no estado nutricional, considerando-se a aquisição de gêneros de custo mais baixo e de qualidade inferior.
A ingestão inadequada de nutrientes constitui risco nutricional, principalmente em idosos. Segundo Florentino8, pode-se identificar diversas formas de consumo alimentar em função da renda; quanto mais elevada a renda, maior a variedade e o poder de aquisição de gêneros alimentícios.
No Brasil, 53 milhões de indivíduos têm renda inferior à linha de pobreza.9 Apesar disso, a influência das condições socioeconômicas sobre a saúde do idoso tem recebido pouca atenção no país.7
A renda influencia o acesso aos alimentos, podendo interferir fortemente na deterioração do estado nutricional dos idosos. Muitas vezes, a aposentadoria ou o salário do idoso é a principal, senão a única, fonte financeira fixa da família, tornando o acesso aos alimentos desequilibrado e deficiente, principalmente no grupo das carnes, leites e derivados.8
Segundo a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN), um quarto dos idosos com renda per capita inferior a meio salário mínimo apresenta baixo peso.10
Em estudo de Lima-Costa et al.11, analisando a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), os idosos com renda mais baixa, quando comparados aos de renda mais elevada, apresentam piores condições de saúde e capacidade funcional, bem como menos uso dos serviços de saúde. Isso confirma que os indivíduos de baixa renda estão em desvantagem quanto à situação de saúde, incluindo a nutrição.
Ramos12, em estudo com idosos residentes em centro urbano de São Paulo, verificou que a maioria dos idosos dividia o domicílio com seus filhos e, muitas vezes, com filhos e netos. Esses domicílios multigeracionais acomodavam mais de 50% dos idosos estudados. Esse tipo de arranjo domiciliar, além de muito freqüente, associa-se a baixas condições socioeconômicas, afetando principalmente mulheres com moderado grau de dependência12.
Essa convivência com familiares pode oferecer benefícios como apoio familiar nas condições debilitantes e de dependência, reduzindo o isolamento, assim como gerar conflitos intergeracionais que acabam por diminuir a auto-estima e deteriorar o estado emocional do idoso, afetando de forma marcante o processo de nutrição adequada.
O suporte familiar exerce efeitos positivos sobre sua saúde, reduzindo os impactos negativos do estresse na saúde mental13, minimizando as influências de enfermidades e dos aspectos psicológicos sobre o apetite, melhorando o consumo alimentar.
Em relação aos idosos de renda maior, a inadequação alimentar pode ser decorrente de fatores como: solidão, isolamento social, mais acesso aos alimentos industrializados e hábito de suprimir refeições.8 Com freqüência observa-se elevado consumo de produtos industrializados entre os idosos e essa modificação certamente afeta a adequação de nutrientes, colocando o indivíduo em risco nutricional.
Fatores psicossociais
A alimentação do idoso é também influenciada pelas desordens afetivas, isolamento social, ausência de papel social, imagem corporal distorcida, perdas cognitivas, baixa auto-estima, condições físicas precárias e depressão.8
Segundo Florentino8, a perda do apetite e a recusa ao alimento podem ser indicativas de problemas de saúde, contribuindo para a deterioração do estado nutricional no idoso. Paralelamente, a ansiedade pode estar relacionada a excessivo consumo alimentar, com conseqüente aumento do peso.
A participação e integração social têm também influência relevante no consumo alimentar do idoso. O isolamento social, a ausência de papel social e a conseqüente baixa auto-estima fragilizam o idoso e podem afetar o apetite. O indivíduo pode agir reduzindo a quantidade de alimentos ingerida ou desinteressando-se pelo ato de alimentar-se.8
De acordo com Florentino8, a própria aposentadoria tem função de reduzir a valorização social do idoso, reforçando o preconceito em relação à improdutibilidade.
A depressão associa-se ao estado nutricional pela redução da ingestão de nutrientes. A falta de apetite pode ser sintoma que sugere depressão entre idosos13.
A capacidade funcional e a autonomia no idoso podem assumir mais relevância do que as próprias enfermidades, pois estão diretamente associadas à qualidade de vida.12
As precárias condições físicas limitam suas atividades diárias, prejudicando o preparo e a realização das refeições, pois em determinadas condições físicas a compra de alimentos e o preparo das refeições tornam-se tarefas difíceis.14
Alterações fisiológicas
No idoso são comuns as perdas sensoriais. O sistema sensorial pode deteriorar-se em função de uma variedade de fatores, incluindo: o próprio envelhecimento; determinadas enfermidades; uso de medicamentos; intervenções cirúrgicas e exposição ambiental.15
As sensações de paladar, odor, visão, audição e tato diminuem em proporções individuais. A disgeusia e a hiposmia têm seu início por volta dos 60 anos e agravam-se com a idade, principalmente após os 70 anos.16
A reduzida habilidade em detectar odores e gostos pode não apenas reduzir o prazer associado à alimentação, como também prejudicar a correta seleção do alimento saudável, aumentando os riscos de envenenamento alimentar, ingestão de alimentos deteriorados por microorganismos ou exposição a substâncias químicas tóxicas do ambiente.17
Segundo Harris15, a estimulação sensorial diminuída pode causar prejuízo a alguns processos metabólicos, uma vez que as secreções salivares, gástricas e pancreáticas são induzidas pelo sistema sensorial.
As perdas de audição e visão também podem influenciar no reconhecimento e escolha alimentares, além de limitar fisicamente o indivíduo que prepara as próprias refeições, diminuindo a ingestão adequada de nutrientes.
Outros problemas que afetam o consumo alimentar e a nutrição do idoso estão relacionados à saúde oral.
Os fatores responsáveis pelo declínio da saúde oral nos idosos são: o aumento da cárie dental, as infecções periodontais, o uso de próteses mal ajustadas e a xerostomia.8
A xerostomia afeta mais de 70% dos idosos e pode reduzir acentuadamente a ingestão de alimentos, por causar dificuldades de mastigação e deglutição, levando-o a evitar determinados alimentos, predispondo-o ao risco nutricional.15
A saliva, além de umedecer a boca, também tem ação tamponante, neutralizando os ácidos bacterianos e sendo, portanto, cariostática.8 Deste modo, uma redução da secreção salivar pode facilitar o surgimento de cáries.
A falta de higiene bucal, geralmente associada à diminuição da destreza manual e a incapacidades físicas, contribui para o desenvolvimento da cárie dental e das doenças periodontais8, cujos problemas, não tratados, são as principais causas de perda de dentes em idosos15. Além disso, a conseqüente dificuldade de mastigação e o uso de próteses podem predispô-lo à má-nutrição.
Existem também evidências acerca das alterações na função gastrintestinal com o avanço da idade. Em geral, a função esofagiana encontra-se preservada no idoso, podendo ser afetada pela presença de enfermidades neurológicas.18 Em relação ao estômago, uma das alterações que mais ocorre com o envelhecimento é o desenvolvimento da gastrite atrófica e a conseqüente incapacidade de secretar ácido gástrico.19 A hipocloridria pode levar à má absorção de nutrientes devido ao excessivo crescimento bacteriano no intestino delgado e outras causas disabsortivas.15 Entre as modificações intestinais é observado certo grau de atrofia na mucosa e no revestimento muscular, além de menor motilidade do cólon, resultando em absorção deficiente dos nutrientes, com favorecimento da diverticulose.6,14 A disponibilidade e absorção de cálcio no intestino delgado estão diminuídas, contribuindo para a deficiência de cálcio e o desenvolvimento da osteoporose.15 A constipação intestinal é muito freqüentemente relatada em idosos. Entre suas principais causas destacam-se: a ingestão deficiente de líquidos e fibras, a falta de atividade física (principalmente nos casos de imobilidade), a ingestão inadequada de energia, o menor número de refeições diárias, a depressão e fatores psicológicos.15 A função pancreática é preservada no envelhecimento.20,21
O fígado pode sofrer várias alterações, como diminuição do peso e do número de hepatócitos, com aumento do tecido fibroso, interferência na biotransformação de drogas, na síntese protéica, no metabolismo das lipoproteínas e na secreção biliar.6
Efeitos secundários de medicamentos
Os idosos geralmente apresentam múltiplas enfermidades e, portanto, utilizam mais quantidade de medicações.
A maioria dos idosos consome pelo menos um medicamento, sendo que um terço deles requer cinco ou mais drogas simultaneamente.22
O uso dos medicamentos varia conforme a idade, o sexo, as condições de saúde e outros fatores de natureza social, econômica ou demográfica.22 Atualmente, essa prática tem gerado preocupação quanto aos gastos excessivos e aos possíveis efeitos, benéficos ou indesejáveis.23 O uso de vários tipos de fármacos concomitantemente por idosos aumenta a incidência de interações medicamentosas, efeitos colaterais e complicações por uso inadequado.23
Com o envelhecimento, diminui a massa muscular e a água corporal; com isso, o metabolismo hepático, os mecanismos homeostáticos, bem como a capacidade de filtração e de excreção renal, podem ficar comprometidos.22 As mudanças fisiológicas que acompanham o processo de envelhecimento influenciam as concentrações de medicamentos e seu metabolismo, de forma que a polifarmácia e a interação entre duas ou mais drogas podem influenciar negativamente a capacidade funcional, bem como a habilidade psicomotora e cognitiva dos idosos, aumentando o risco de acidentes, ferimentos, isolamento e, finalmente, institucionalização.23
Além disso, os efeitos secundários de fármacos, como xerostomia, sialorréia, alterações do paladar, diminuição da sensibilidade olfativa, acloridria, diarréia, constipação, entre outros, podem causar limitações na ingestão alimentar e provocar alterações no estado nutricional do idoso, que pode já estar agravado por outras intercorrências do processo de envelhecimento.24
Adicionalmente, o fármaco pode ter sua biodisponibilidade afetada pelos nutrientes, bem como pode comprometer a absorção destes, agravando o estado de mánutrição.25
Segundo Campos et al.25, entre os efeitos adversos de fármacos que prejudicam a nutrição, estão: a diminuição da absorção intestinal por tranqüilizantes e psicofármacos; a desidratação e depleção de eletrólitos por diuréticos e laxantes; a alteração da microbiota intestinal por antibióticos; a predisposição a gastrite, osteoporose e hiperglicemia causada pelos glicocorticóides e o favorecimento ao surgimento de gastrite e úlceras pelos analgésicos.
Por isso, a múltipla prescrição medicamentosa e as interações entre medicamentos e nutrientes podem tornar delicado o manejo nutricional no idoso, contribuindo para o desenvolvimento de quadros de desnutrição.
DISTÚRBIOS NUTRICIONAIS NO ENVELHECIMENTO
Sobrepeso
Segundo Lolio et al.26, o sobrepeso e a obesidade são mais incidentes em mulheres entre 65 e 74 anos de idade do que em homens nessa mesma faixa etária. Os dados deste estudo apontam 40% das mulheres idosas com sobrepeso e 22,2% com obesidade.
Tavares e Anjos27, analisando dados da PNSN/89, encontraram mais prevalência de sobrepeso em idosos residentes nas áreas urbanas do Sul e Sudeste brasileiros, nos grupos de renda mais alta, maior escolaridade e melhor qualidade de moradia. Em percentuais, os dados revelaram prevalência de sobrepeso e obesidade de 30,4% em homens e 50,2% em mulheres.
Os dados são preocupantes, visto que a obesidade influencia adversamente a pressão arterial sistêmica, o metabolismo da glicose e os lipídeos sanguíneos, podendo propiciar o surgimento de enfermidades crônico-degenerativas e sua conseqüente redução da capacidade anátomo-funcional.26
Ainda não há dimensão do impacto do sobrepeso e da obesidade na longevidade, embora diversos estudos mostrem que o alto IMC atua como fator protetor do risco de mortalidade em indivíduos acima de 70 anos.28
Subnutrição
A magreza excessiva tem sido mais associada à mortalidade na população idosa do que o excesso de peso.29
Como fatores de risco para má-nutrição em idosos destacam-se: a depressão, pobreza, solidão, problemas mentais, desidratação, incapacidades físicas, pequena variedade de alimentos, enfermidades que elevam as necessidades nutricionais ou interferem na utilização de nutrientes, falta de exposição à luz solar, acuidade reduzida do paladar, problemas orais (boca seca, infecção, edentulismo, dentaduras não ajustadas, dificuldades de deglutição) e uso de fármacos30. Entre as causas secundárias da desnutrição incluem-se a anorexia, má absorção crescente por doença intestinal e acloridria e o alcoolismo.
A prevalência da magreza em idosos no Brasil apresenta-se preocupante por estar dentro dos limites (10 a 19%) referidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como marcadores de situação de pobreza27. A prevalência de magreza é mais elevada nas últimas faixas de idade, com ligeira predominância no sexo feminino.
Os resultados da PNSN refletem as precárias condições de vida da população idosa no país. O grupo idoso é de extrema fragilidade e necessita de mais atenção em relação aos cuidados nutricionais, tendo em vista a situação brasileira, no que concerne às graves alterações nutricionais observadas nesse grupo etário. É fundamental que os fatores de risco para a subnutrição sejam corretamente identificados e minimizados e, as necessidades dos grupos fragilizados, atendidas de maneira satisfatória.
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