ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Doença tromboembólica na gestação
Thromboembolic disease in pregnancy
Mayra Sette Rotsen Junqueira1; Leonardo Lopes Tonani1; Fernando de Siqueira Ribeiro1; Juliana Moysés Leite2; Paula Cristina Soares3; José Helvécio Kalil de Souza4
1. Pós-Graduando em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Mater Dei
2. Médica do Serviço de Medicina fetal do Hospital Mater Dei
3. Residente em Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Odete Valadares
4. Mestre em Ginecologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Oncologista Ginecológico, Professor Substituto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Minas Gerais, Preceptor da Pós-Graduação em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Mater Dei
Mayra Sette Rotsen Junqueira
R. Patagônia nº 220 aptº 702 B - Sion
BH - MG CEP: 30320-080
E-mail: mayrasette@larnet.com.br
Resumo
A doença tromboembólica é das principais causas de morbimortalidade materna. Fatores inerentes à gestação, trombofilias, obesidade, infecção, parto operatório, entre outros, predispõem a mulher grávida a risco cinco vezes mais alto de desenvolver a doença. A mortalidade por embolia pulmonar pode ocorrer em até 15% dos casos não tratados de trombose venosa profunda, evidenciando a necessidade de terapêutica adequada. O diagnóstico deve ser preciso, uma vez que a anticoagulação é prolongada e tem grande impacto na vida da paciente. Este trabalho revê a literatura sobre trombose venosa profunda e embolia pulmonar, fatores de risco, diagnóstico, tratamento e profilaxia.
Palavras-chave: Doença tromboembólica. Gestação. Anticoagulação.
INTRODUÇÃO
A doença tromboembólica tem sido considerada, na última década, uma das principais causas de morbimortalidade materna. Incide em aproximadamente 0,05-0,3% das gestações, ocorrendo com igual freqüência nos três trimestres e no pós-parto. Em gestantes com história prévia de tromboembolismo, o risco de recorrência atinge 12%.1,2
O tromboembolismo pulmonar ocorre em 15 a 25% dos casos de trombose venosa profunda (TVP) não tratada, sendo responsável por taxa de mortalidade materna de 12 a 15%, sendo necessário tratamento adequado uma vez diagnosticado o quadro trombótico.3
FATORES DE RISCO
Vários fatores de risco inerentes à gestação predispõem ao desenvolvimento de tromboembolismo, de forma que sua incidência é cinco vezes maior na gestante quando comparada à mulher não grávida.3
Os fatores de risco associados à gestação compõem três grupos de acordo com a tríade de Virchow (hipercoagulabilidade, estase venosa e lesão endotelial).
Os fatores que contribuem para o estado de hipercoagulabilidade são:
aumento dos pró-coagulantes II, VII, IX, X, XII, aumento de quase 100% do fibrinogênio, aumento da agregação plaquetária, diminuição do co-fator proteína S, aumento da resistência à proteína C ativada (inativa fatores Va e VIIIa), inibição placentária da fibrinólise.
Os fatores que contribuem para estase são:
aumento da distensibilidade venosa por diminuição do tônus vascular, compressão vascular pelo útero gravídico dificultando o retorno venoso.
Os fatores que contribuem para lesão endotelial são:
cesariana, parto vaginal operatório.
Alguns fatores de risco adicionais podem estar presentes na gestação, aumentando a chance de fenômenos tromboembólicos, como:
história prévia de tromboembolismo, história pessoal ou familiar de trombofilia, idade superior a 35 anos, obesidade (IMC superior a 29 Kg/m2), varicosidade, repouso prolongado por mais de 4 dias, desidratação, infecção, trauma, fratura, cirurgia pélvico-abdominal.
A trombofilia é uma anomalia congênita ou adquirida da hemostasia.3,4,5
Existem evidências de que a incidência de trombofilias é aumentada em pacientes com complicações gestacionais, incluindo perda gestacional de repetição, hipertensão gestacional e crescimento intra-uterino restrito. É sensato promover o rastreamento para a trombofilia em gestantes com um ou mais dos problemas clínicos acima descritos e as que possuem história de tromboembolia recorrente ou mesmo sem fator de risco aparente. 6,7
DIAGNÓSTICO
Trombose venosa profunda (TVP)
Ocorre mais comumente em veias ileofemorais e da panturrilha, com predileção pela perna esquerda.1
A suspeita clínica surge quando se evidenciam: dor, eritema, edema e empastamento do membro inferior, diferença entre a circunferência das panturrilhas maior que três cm, dorsoflexão do pé dolorosa (sinal de Homan +) e/ou dilatação venosa superficial. A sintomatologia pode ser inexistente quando a trombose ocorre em veias ilíacas.8
O diagnóstico deve ser procurado diante de qualquer suspeita clínica de TVP por pelo menos um exame confirmatório.
A venografia com contraste ascendente é o padrão ouro para o diagnóstico de TVP. Consiste na injeção de contraste iodado numa veia periférica da extremidade afetada e posterior registro de imagens radiográficas. O diagnóstico de TVP requer visualização de no mínimo dois diferentes defeitos de enchimento. O resultado falso-positivo pode resultar de técnica inadequada, contração da musculatura da perna, compressão venosa pelo útero gravídico, apesar seu deslocamento durante o procedimento, presença de hematoma, edema e cisto de Baker. Na gestação pode ser utilizado o venograma limitado, que consiste na colocação de avental de chumbo pélvico/abdominal para minimizar a radiação sobre o feto. A visualização da veia ilíaca pode ser comprometida, dificultando o diagnóstico de trombose isolada de veia ilíaca. A radiação absorvida pelo feto na venografia limitada unilateral é de menos de 0,05 rads e na venografia tradicional é de aproximadamente 0,314 rads. A venografia tradicional, quando necessária, pode ser utilizada. A venografia é relativamente segura para o feto, principalmente quando utilizado avental de proteção, 3 não se associando, até o momento, com o aumento de malformações ou mortes fetais.
A pletismografia de impedância é método propedêutico que detecta a trombose por meio da mudança na resistência elétrica entre dois pontos consecutivos como resultado da mudança de fluxo sanguíneo. Constitui-se em recurso seguro, de custo mais reduzido do que a venografia, entretanto, não é sensível para detectar trombos proximais não obstrutivos ou de panturrilha por eles não interferirem de forma significativa na hemodinâmica vascular. O resultado falso-positivo pode ocorrer em qualquer circunstância que dificulte o fluxo venoso. A plestimografia positiva após 20 semanas de gestação indica a realização de venografia antes de se iniciar a terapia anticoagulante.3
A ultra-sonografia venosa associada ao Doppler (duplex scanning) é o método não invasivo de mais acurácia, seguro, de custo reduzido e facilmente disponível. Consiste na avaliação da patência venosa obtida pela interpretação do som associada à visualização do fluxo sanguíneo arterial e venoso proporcionada pelo Doppler. O um exame ultra-sonográfico positivo, quando há suspeita clínica de TVP autoriza o início do tratamento com anticoagulante. Diante de ultra-sonografia normal, a sintomatologia pode ser relacionada à trombose de veias da panturrilha. A execução de ultra-sonografia seriada a cada 3-7 dias pode ser realizada, assim como a venografia para o estabelecimento diagnóstico.3-9
Embolia pulmonar (EP)
A embolia pulmonar contribui significativamente para a morbimortalidade materna, sendo, portanto, necessária a confirmação diagnóstica rápida para o estabelecimento de condutas adequadas.3
A suspeita clínica surge quando se evidenciam: dispnéia, taquipnéia, tosse, dor torácica pleurítica, taquicardia, hemoptise. É menos comum a febre baixa. A ausculta respiratória pode evidenciar diminuição do murmúrio vesicular. Em casos de embolia maciça, são freqüentes: síncope, hipotensão e cianose.3
A propedêutica para confirmação diagnóstica inclui radiografia de tórax, eletrocardiograma, cintilografia pulmonar e, se necessário, arteriografia pulmonar.
É indicativo de tromboembolismo pulmonar a telerradiografia de tórax normal associada à dispnéia importante. As anormalidades bem definidas à radiografia incluem oligoemia focal (sinal de Westermark), densidade periférica cuneiforme acima do diafragma (cunha de Hampton) e aumento da artéria pulmonar.10
O eletrocardiograma pode evidenciar taquicardia sinusal, sinais de sobrecarga direita, onda T invertida em V3, onda S em D1 e onda Q em V3.10
A cintilografia pulmonar é o principal exame de imagem para diagnóstico de TEP, além de ser segura para o feto. A técnica consiste em injeção endovenosa de partículas de albumina marcada com tecnécio, que avaliarão a perfusão pulmonar e a inalação de gases marcados por elementos radioativos que avaliarão a ventilação pulmonar. A presença de dois ou mais defeitos segmentares de perfusão em vigência de ventilação normal define uma cintilografia com alta probabilidade de TEP, indicando o tratamento. Em até 40% dos casos de cintilografia de baixa probabilidade associada à suspeita clínica, é observada TEP na arteriografia.É indicativa a realização de angiografia pulmonar, se a probabilidade é baixa ou moderada.3
A arteriografia pulmonar é o padrão ouro para diagnóstico de TEP. O diagnóstico é firmado quando se visualiza um defeito intraluminal de enchimento em pelo menos uma incidência. Está associada à taxa de 0,2-0,3% de mortalidade, atribuída ao contraste. A dose de radiação fetal é menor que a necessária para causar dano fetal, mesmo considerando-se a realização de cintilografia prévia.3
Está autorizado o tratamento com anticoagulante Se há acentuada suspeita clínica de EP, enquanto se realiza a propedêutica. Nos casos com diagnostico de TVP e suspeita clínica de EP, é desnecessária a realização de propedêutica para TEP.3
TRATAMENTO
O tratamento da doença tromboembólica na gestação consiste basicamente em anticoagulação.
São utilizadas para anticoagulação heparina não fracionada (HNF), heparina de baixo peso molecular (HBPM) e anticoagulante oral.11
As heparinas agem ligando-se à antitrombina III e ao co-fator II. Possuem ação imediata. A HNF é controlada pelo tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) e a HBPM pelo fator antiXa.5,11
A HNF e HBPM não acometem o feto por não ultrapassarem a barreira placentária. Entretanto, podem ocasionar complicações maternas. O uso prolongado de HNF pode desencadear osteoporose, trombocitopenia, hemorragia e alergia. Embora a experiência com HBPM em Obstetrícia ainda permaneça limitada, estudos têm evidenciado taxas mais baixas de efeitos adversos, como trombocitopenia, osteoporose e sangramento.12
Gestantes em uso de heparina devem ser submetidas à contagem semanal de plaquetas nos primeiros três meses de anticoagulação, objetivando detectar possível plaquetopenia.3
O anticoagulante oral utilizado, a varfarina, age inibindo a formação de fatores de coagulação vitamina K dependentes (II, VII, IX, X). A sua ação é controlada pelo tempo de protrombina.11
A varfarina atravessa a placenta, sendo capaz de provocar efeito teratogênico e hemorragia fetal. No primeiro trimestre, principalmente entre seis e nove semanas, está associada a embriopatias, tais como hipoplasia nasal, anormalidades oculares, escoliose e encurtamento dos membros. Próximo do termo, há aumento do risco de hemorragia materna, fetal e neonatal. Estudos recentes têm revelado índice mais alto de disfunção neurológica mínima e baixo coeficiente de inteligência em crianças expostas à varfarina durante a gestação. Portanto, o seu uso na gravidez fica restrito a gestantes usuárias de valva cardíaca mecânica. No pós-parto o seu uso está autorizado, pois a sua concentração no leite é insignificante. 1
O esquema medicamentoso com dose de ataque e manutenção, bem como a anticoagulação pós-parto, está indicado nas Tabelas 1, 2, 3 e 4.1,3,11,13,14
A terapia alternativa com trombolíticos como estreptoquinase e uroquinase produz rápida resolução do êmbolo pulmonar, entretanto, a experiência é muito limitada com o seu uso durante a gestação, devendo reservá-las para circunstâncias em que a terapia convencional falha e a paciente mostra sinais de deterioração progressiva. As hemorragias placentárias pós-parto podem ocorrer quando são usados na gestação agentes fibrinolíticos.
Na embolia pulmonar recorrente, apesar de adequada anticoagulação, está indicada a introdução de um filtro de veia cava inferior, infra-renal (filtro de pombo) ou supra-renal (filtro de Greenfield).10
PROFILAXIA
A profilaxia de TVP na gestação permanece controversa1,3.
Há variações de conduta sobre quando, em quem e como utilizar a tromboprofilaxia. Recomenda-se em casos de:
Passado de TVP associada à trombofilia em paciente em uso de coagulante: HNF ou HBPM em dose de manutenção (vide tratamento) e anticoagulação habitual no pós-parto. Passado de TVP associada à trombofilia sem uso de anticoagulante, passado de TVP idiopático, história familiar de trombofilia: HNF - 10.000UI 12/12h SC ou enoxaparina - 40 mg/dia subcutânea ou dalteparina - 5.000 UI/dia subcutânea e anticoagulação no pós-parto. Gestantes com perda gestacional de repetição precoce ou tardia por pré-eclâmpsia, crescimento intra-uterino restrito e descolamento prematuro de placenta: esquema anterior associado ao ácido acetilsalicílico 100mg via oral por dia. Portadores de valva cardíaca mecânica: HNF ou HBPM dose de manutenção (vide tratamento) até 12 semanas, varfarina 5mg/ dia via oral de 13-36 semanas (manter RNI entre 2,5 e 3,5), HNF 10-12 UI/Kg/h intra-venosa de 36 semanas até 4 h antes do parto (regime hospitalar) e anticoagulação habitual no pós-parto.
REFERÊNCIAS
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