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ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Perfil epidemiológico dos pacientes com HIV/AIDS no alto vale do Jequitinhonha, 1995-2008
Epidemiological profile of patients with HIV/AIDS in vale do Jequitinhonha, 1995-2008
Thamara de Souza Campos1; Liliane da Consolação Campos Ribeiro2
1. Mestranda em Ciências da Saúde - Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Doutoranda em Ciências da Saúde - Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Diamantina, MG - Brasil
Thamara de Souza Campos
Rua: Frutal, 197, Bairro: Santa Efigênia
Belo Horizonte, MG - Brasil
Email: thamarasc@yahoo.com.br
Recebido em: 26/04/2009
Aprovado em: 29/09/2010
Instituição: Programa de DST/HIV/AIDS do Alto Jequitinhonha
Resumo
O objetivo deste estudo foi traçar o perfil epidemiológico dos portadores do vírus da imunodeficiência humana e síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA/AIDS) atendidos no Programa Municipal de doenças sexualmente transmissíveis/SIDA-AIDS em Diamantina/MG, de 1995 a 2008, referência do Alto Vale do Jequitinhonha. O método utilizado foi retrospectivo descritivo e exploratório, por meio de análise de prontuários dos 65 pacientes cadastrados, sendo que 58,5% (n=38) eram mulheres, 63,1%(n=41) moravam na zona urbana e 43,1% (n=28) eram solteiros. A ocupação principal das mulheres e dos homens de 50 (n=19) e 66,6% (n=18) como dona de casa e atividade manual, respectivamente. A atividade sexual era mantida por 87,7% (n=57) dos pacientes, sendo que 52,3% (n=34) deles possuíam parceiro fixo, e 83,1% (n=54) eram heterossexuais. Antes do diagnóstico, 66,2% (n=43) nunca usaram preservativo e 76,9% (n=50) nunca fizeram uso de drogas injetáveis. Constituem traços da infecção no Alto Jequitinhonha a interiorização, heterossexualização, feminização e pauperização.
Palavras-chave: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida/epidemiologia; Assistência Ambulatorial; Epidemiologia.
INTRODUÇÃO
A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) é das mais importantes epidemias de toda a história. Decorre, principalmente, da forma como o vírus da imunodeficiência humana (VIH) é transmitido; por sua elevada mutagenicidade; pela inexistência de vacina eficaz; e pelo fato da infecção promover a degradação imunológica.1 A associação dessas questões a problemas de ordem social e econômica tornou essa epidemia um desafio para a sociedade moderna.
Sua incidência mundial chega a 5 milhões de casos por ano, apesar da disponibilidade de tratamento, perfazendo cerca de 39 milhões de infectados. Deste total, 60% se encontram nos países africanos, onde a epidemia se soma a problemas como a fome, guerras civis, falta de políticas eficazes de saúde e educação. É na Ásia, entretanto, que se espera alta incidência de casos de SIDA, pois em alguns de seus países a incidência superou os 1.000% de 1996-2003.2
O Brasil é, hoje, o único país do Terceiro Mundo a possuir programa adequado de políticas para a SIDA voltado para o tratamento e controle da epidemia, além de garantir legislação especial para o portador do VIH.3 Para que esse programa fosse vitorioso, destacaram-se grandes avanços, como: os programas de distribuição gratuita de medicação antirretroviral e de tratamento de doenças oportunistas; a realização de exames de diagnóstico e acompanhamento clínico; a criação de rede laboratorial para monitoramento de resistência à medicação; a capacitação de profissionais para a atenção de portadores de DST/VIH/SIDA; a quebra de patente de medicamentos e a sua disponibilidade em custos permissivos para a situação de países em desenvolvimento; os programas de educação veiculados na mídia, entre outros. Essas políticas já foram capazes de reduzir de forma sustentada a mortalidade por SIDA e a incidência da doença.4
No estado de Minas Gerais, já foram notificados 19.170 casos de SIDA, sendo 70% homens e 30% mulheres. A cada ano tem aumentado a interiorização da epidemia no estado de Minas Gerais.5
Apesar da atenção redobrada em relação à SIDA no país, observa-se tendência ao crescimento da epidemia em municípios de menor porte em relação aos grandes centros urbanos.6
O conhecimento do perfil epidemiológico da região do Alto Vale do Jequitinhonha em relação à SIDA constitui-se em pressuposto para o desenvolvimento de estratégias adequadas ao seu controle na região, seja em relação à sua prevenção ou à assistência. Este trabalho objetiva estabelecer o perfil epidemiológico da SIDA dos pacientes atendidos pelo Programa Municipal DST/SIDA-AIDS de referência de toda a região do Alto Vale Jequitinhonha.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Trata-se de estudo retrospectivo descritivo e exploratório, por meio de análise de prontuários de pacientes atendidos no Programa Municipal de DST/SIDA-AIDS, do município de referência do Alto Vale Jequitinhonha.
Para o registro das informações foi construído um instrumento submetido, posteriormente, à validação de aparência e conteúdo, cujo objetivo foi avaliar se os itens do instrumento estavam explicitados adequadamente e se representavam o universo do conteúdo estudado. Dois docentes de universidade pública foram convidados a realizar a validação de aparência e conteúdo, o que facilitou o desenvolvimento da pesquisa.
Foram estudadas todas as pessoas com VIH/SIDA, de 13 anos de idade ou mais, atendidas no Serviço de Referência desde janeiro 1995 a dezembro 2008 e que continuaram em tratamento, ou seja, não foram a óbito nem abandonaram a terapêutica. O instrumento foi preenchido pela própria pesquisadora.
As variáveis socioeconômicas foram faixa etária, local de moradia, cor, anos de estudo, ocupação e estado civil. As variáveis relacionadas à infecção foram atividade sexual, tipo de relação sexual, relação com parceiro fixo, uso de preservativo antes e depois do diagnóstico e uso de drogas injetáveis.
Foi utilizada a classificação das ocupações com base no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dividindo as profissões em "não manual" e "manual", compreendidos, respectivamente, por: proprietários rurais, profissionais liberais "clássicos" (tais como advogados, médicos e engenheiros), outros profissionais universitários (como enfermeiros, psicólogos e analistas de sistema), empregadores, empresários autônomos, dirigentes (como diretores), ocupações técnicas e artísticas (professores, práticos de enfermagem e dançarinos), ocupações não manuais de rotina (auxiliares administrativos, secretários e comerciários), supervisores do trabalho manual (inspetores gerais e encarregados de obras); e trabalhadores rurais, trabalhadores da indústria moderna (técnicos gráficos e encadernadores e da indústria eletrônica), trabalhadores da indústria tradicional (pedreiros, carpinteiros e costureiros), trabalhadores no comércio ambulante (feirantes e vendedores ambulantes), trabalhadores nos serviços pessoais (cabeleireiros, cozinheiros e manicures), trabalhadores nos serviços gerais (faxineiros, seguranças e motoristas) e trabalhadores nos serviços domésticos (empregadas domésticas e babás).7 Foi acrescentada a categoria Dona de Casa pela quantidade significativa de registros.
Foram respeitados os aspectos éticos estabelecidos pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas envolvendo seres humanos. O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal dos Vales do Rio Jequitinhonha e Mucuri, sob número do protocolo definitivo 0626/08.
As informações coletadas pertinentes ao objetivo proposto neste artigo foram digitadas em um banco de dados no software SPSS - Statistical Pckage for the Social Sciences for Windows versão 12.0, a partir do qual foram realizadas as análises de frequência das variáveis categóricas e descritivas das variáveis quantitativas.
RESULTADOS
Foram estudados 65 pacientes portadores de VIH/SIDA distribuídos nas seguintes categorias: mulheres (58,5%; n=38), moradores de zona urbana (63,1%; n=41), faiodermos (60%; n=39), solteiros (43,1%; n=28), com escolaridade informada (54,8%; n=35) de um a três anos e de oito a 11 anos entre as mulheres (40,9%, n=9) e os homens (53,8%, n=7) respectivamente. A principal ocupação foi o trabalho manual em 66,6% dos homens (n=18) e em 50% das mulheres - 50% (n=19) como donas de casa (Tabela 1).
A atividade sexual foi mantida por 87,7% (n=57) dos pacientes. Destes, 52,3% (n=34) tinham parceiro fixo, sendo que entre os homens a proporção era a mesma de ter ou não parceiro fixo; 83,1% (n=54) das relações eram heterossexuais, porcentagem mais alta entre mulheres. A utilização do preservativo antes e após o diagnóstico de SIDA foi declarada como nunca ter sido usado e não há informação em 66,2% (n=43) e 75,4% (n=49) dos casos, respectivamente. O uso de drogas injetáveis nunca foi feito por 76,9% (n=50) dos pacientes (Tabela 2).
DISCUSSÃO
O perfil epidemiológico dos 65 pacientes com VIH/SIDA, no Alto Vale do Jequitinhonha, atendidos no Serviço de Referência DST/SIDA-AIDS de Diamantina/MG, no período de 1995 a 2008, acompanhou a evolução da epidemia no país. A escolaridade e a ocupação foram usadas como marcadores da situação socioeconômica, observando-se o aumento dos casos de VIH/SIDA associado à baixa escolaridade8 e à ocupação manual. Representam profissões de baixa remuneração por seu trabalho7, o que indica a pauperização da doença. As mulheres, em 40,9% (n=9), estudaram um a três anos, caracterizando a tendência da epidemia a atingir pessoas com níveis de escolaridade mais baixos.8 Há significativo aumento de donas de casa neste estudo, sendo de 50% a sua frequência, dado já observado em outros estudos.7
Esses dados são preocupantes, pois, apesar do Brasil ter mais casos notificados em homens, a velocidade de crescimento da epidemia é, como em outros países, mais significativa nas mulheres.9
Os homens apresentaram crescimento da ocupação manual de 66,6% (n=18), na sua maioria trabalhadores rurais. Aproximadamente 36,9% (n=24) da população estudada moravam na zona rural. Esses dados são confirmatórios de estudos anteriores, no que diz respeito à razão das taxas crescentes de VIH/SIDA entre trabalhadores rurais e a interiorização da epidemia.7
Acredita-se que a falta de informação e de conhecimento sobre a infecção, a transmissão e os métodos de prevenção estejam diretamente ligados à escolaridade e acesso aos meios de comunicação e saúde.10,11
A via sexual é a forma predominante de transmissão do VIH no Brasil, ocorrendo em 92,1% (n=35) das mulheres com indivíduos do sexo oposto. A relação heterossexual é a forma de transmissão que mais tem contribuído para a feminização da epidemia no Brasil.12 Vários fatores biossocioculturais estão associados à propagação do VIH/SIDA entre as mulheres pela relação heterossexual.
A transmissão do homem para a mulher ocorre mais efetivamente, devido às condições biológicas (a maior extensão da mucosa vaginal), e pelo fato do vírus se apresentar em quantidade muito maior no líquido seminal, quando comparado ao fluido vaginal.13 As questões que envolvem a identidade de gênero determinam os papéis sociais de homens e mulheres, cuja assimetria aumenta a vulnerabilidade das mulheres à infecção.14 Na subalternidade da relação mulher e homem, quando o relacionamento envolve afeto, é comum perpassar a sensação ilusória de que o amor garante "proteção" contra a "infecção".15
A aceitação das mulheres quanto às relações extraconjugais de seus parceiros como sendo "coisa de homem", "normal" implica comportamento de risco e vulnerabilidade feminina causada pela submissão, dependência de seus parceiros e o amor como elementos integrantes da identidade feminina, impedindo as ações preventivas.12 No perfil apresentado, 65,8% (n=25) e 33,3% (n=9) das mulheres e dos homens possuíam parceria fixa, respectivamente, constatando-se mais fidelidade do sexo feminino.
O uso do preservativo (camisinha), masculino ou feminino, constitui-se no único método que impede a propagação do VIH/SIDA por via sexual, além das demais DSTs. Apesar das campanhas incessantes dos programas de saúde, a taxa de uso do preservativo está aquém do esperado.16 O uso do preservativo entre as mulheres é reduzido com o aumento da sua idade, em casadas ou nas que possuem relacionamento estável, nas de baixa escolaridade e renda, sendo que, destas, 17,1% disseram usar o preservativo para se proteger.17 Martins et al.18 evidenciaram que os principais motivos para a não utilização do preservativo eram: não gostar de usá-lo, confiança no parceiro e imprevisibilidade das relações sexuais. Neste estudo, a utilização de preservativo antes da descoberta da soropositividade mostrou que 66,2% (n=43) nunca usaram. E após o diagnóstico, 75,4% (n=49) não mencionaram a sua utilização, comportamento que representa grave problema de saúde coletiva.
O uso do preservativo é dever do portador do VIH, em virtude da ampla transmissão mediante a relação sexual, o que reflete a consciência e a responsabilidade da pessoa acometida e seu parceiro.19 Isso reflete a importância do uso de preservativo durante todas as relações sexuais e também da orientação de seu uso pelos profissionais de saúde a qualquer pessoa, seja ela adolescente ou idosa.
CONCLUSÃO
Apesar das limitações decorrentes da falta de informações nos prontuários aqui estudados, dados importantes foram revelados sobre a epidemia na região do Alto Vale do Jequitinhonha. Esse perfil é marcado pelos traços da interiorização, heterossexualização, feminização e pauperização.
Em região na qual o VIH evolui em meio às pessoas menos favorecidas, mulheres e menos escolarizados, a epidemia de SIDA representa desafio para a sociedade e profissionais de saúde engajados em seu controle. Esses dados incitam a busca por meios para efetivar as medidas de prevenção, de forma culturalmente sensível, para abranger os diferentes grupos populacionais, com grau de instrução em diversos níveis e, principalmente, levar a informação a todos pelos meios de comunicação em saúde.
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