ISSN (on-line): 2238-3182
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CAPES/Qualis: B2
Diabetes gestacional: perfil e evolução de um grupo de pacientes do hospital das clínicas da UFMG
Gestational diabetes: profile and evolution of a group of patients from the university hospital of Minas Gerais
Anelise Impeliziere Nogueira1; Jonas Soares Silva Santos2; Lucas Ligeiro Barroso Santos2; Ivone Maria Martins Salomon3; Marcelo Militão Abrantes4; Regina Amélia Lopes Pessoa Aguiar5
1. Médica endocrinologista e professora adjunta do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Enfermeira do Ambulatório Borges da Costa, Setor de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Professor de Estatística e Epidemiologia da Faculdade de Medicina de Barbacena. Barbacena-MG, Brasil
5. Professora adjunta do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Anelise Impeliziere Nogueira
Secretaria do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da UFMG
Avenida: Prof. Alfredo Balena, 190, 2º andar, sala 246, Bairro: Santa Efigênia
CEP: 30130-100, Belo Horizonte, MG - Brasil
Email: anelise@medicina.ufmg.br
Recebido em: 17/11/2010
Aprovado em: 23/02/2011
Instituição: Serviço de Endocrinologia e Setor de Gestação de Alto Risco do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
OBJETIVOS: a finalidade deste trabalho foi avaliar a presença de fatores de risco, tipo e resposta ao tratamento, incidência de complicações maternas, fetais e perinatais, além de persistência do diabetes pós-parto.
MÉTODOS: foram acompanhadas 66 portadoras de diabetes mellitus gestacional (DMG) no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008. Para isso, utilizou-se protocolo preestabelecido.
RESULTADOS: a história familiar de diabetes foi positiva em 65% dos casos. Destaca-se o fato de que apenas 30% das pacientes apresentaram índice de massa corporal (IMC) pré-concepcional normal (entre 18 e 25). Em contrapartida, 35% apresentaram sobrepeso (IMC entre 25 e 29,9) e outros 35% encontraram-se distribuídas entre diversos graus de obesidade. Quanto ao IMC ao término da gestação, 35% das gestantes encontravam-se em obesidade grau I (entre 30 e 34,9) e 13% em obesidade grau III (IMC acima de 40). Os sintomas sugestivos de diabetes ocorreram em 45,5% das pacientes. O diagnóstico de DMG foi estabelecido por glicemias de jejum alteradas em 45% do grupo e a insulinoterapia foi necessária em 53%. As complicações maternas ocorreram em 42% das gestantes, principalmente pré-eclâmpsia e infecção do trato urinário. As complicações fetais ocorreram em 46% dos casos, principalmente macrossomia e polidrâmnio. A morbidade perinatal foi elevada e acometeu 62% dos recém-nascidos, sendo hipoglicemia neonatal a complicação mais freqüente. A taxa de diabetes pós-parto foi de 18%. Destaca-se também alta porcentagem de pacientes (37%) que não retornaram ao serviço de endocrinologia após o parto para confirmação da persistência ou não do DM. Cesariana e parto vaginal tiveram praticamente a mesma prevalência, com 51,5 e 48,5%, respectivamente. Ocorreram quatro mortes súbitas intraútero, o que corresponde a 6% das pacientes analisadas.
CONCLUSÃO: nossos achados estão em concordância com a literatura, tendo em vista a alta morbidade perinatal, fetal e materna observada e característica do DMG.
Palavras-chave: Diabetes Gestacional/diagnóstico; Diabetes Gestacional/terapia; Complicações na Gravidez.
INTRODUÇÃO
O termo diabetes gestacional tem sido utilizado para definir mulheres com início ou primeiro reconhecimento de intolerância à glicose durante a gravidez. No entanto, em 2010, a Associação Internacional de Grupos de Estudos em Diabetes e Gravidez (IADPSG), um grupo de consenso internacional com representantes de várias organizações obstétricas e de diabetes, incluindo a American Diabetes Association (ADA), recomendou uma alteração nesta terminologia. Agora, o diabetes diagnosticado durante a gravidez pode ser classificado como pré-gestacional ou gestacional.1-3
O diagnóstico de diabetes prévio (ou pré-gestacional) pode ser feito em mulheres que satisfaçam qualquer um dos seguintes critérios na sua primeira visita pré-natal:
Glicemia de jejum > 126 mg/dL;
hemoglobina glicada > 6,5% a partir de um ensaio padronizado;
glicemia casual > 200 mg/dL, que é posteriormente confirmada pela glicemia de jejum ou hemoglobina glicada, como indicado anteriormente;
Já o diagnóstico do diabetes gestacional (DMG) pode ser feito em mulheres que cumpram um dos seguintes critérios:
Glicemia de jejum > 92 mg/dL, mas <126 mg/dL na primeira visita pré-natal;
pelo menos um resultado anormal no teste de tolerância oral à glicose (glicemia de jejum, uma e duas horas após ingestão oral de 75 gramas de dextrosol) realizado entre 24 e 28 semanas de gestação.
Aproximadamente 7% das gestações são complicadas pelo DMG, resultando em mais de 200 mil casos por ano. A prevalência pode variar de 1 a 14% de todas as gestações, dependendo da população estudada e dos testes de diagnóstico empregados.1,2
O reconhecimento das gestantes portadoras de DMG é de grande importância e deve ser realizado o mais precocemente possível. Sua identificação visa não apenas a minimizar os efeitos adversos dessa desordem metabólica sobre o binômio mãe-filho, como também identificar as mulheres com risco aumentado de desenvolver diabetes no futuro.4,5
A maioria das gestantes com diagnóstico de DMG retorna à tolerância normal aos carboidratos no puerpério. Mesmo assim essas mulheres devem ser acompanhadas no pós-parto a intervalos regulares com o intuito de se detectar precocemente um possível diabetes, principalmente na preparação de futura gestação, uma vez que a recorrência do DMG é evento comum.6,7
Determinados aspectos da história médica, familiar e obstétrica foram identificados em mulheres com risco aumentado de desenvolver DMG (Tabela 1). Entretanto, quando considerados apenas esses aspectos identificados como fatores de risco, o diagnóstico de DMG foi realizado em apenas metade das gestantes. Desta forma, esses fatores de risco têm baixa sensibilidade em detectar o DMG, sendo então insuficientes para selecionar gestantes com risco aumentado de apresentar esse distúrbio.5,8,9
Em estudo americano com 3.744 gestantes com rastreamento de rotina para DMG foi constatado que negras e hispânicas tiveram risco aumentado de desenvolver essa intercorrência quando comparadas com brancas.10
Uma vez que o DMG é caracteristicamente um distúrbio da segunda metade da gestação, quando a insulino-resistência é máxima, a hiperglicemia identificada no primeiro trimestre denota, quase sempre, doença prévia à gestação.11
As controvérsias a respeito do critério diagnóstico para o DMG são inúmeras, tornando difícil determinar sua real prevalência.11,12 Esta varia conforme os critérios diagnósticos, o país, a instituição, os fatores ambientais e a população sob estudo.
O Hospital das Clínicas da UFMG a partir de 1º de julho de 2009 passou a adotar protocolo específico para diagnóstico de DMG, adaptando-se aos critérios diagnósticos utilizados pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, conforme orientação da Sociedade Brasileira de Diabetes13 (Tabela 2).
Em gestantes portadoras de DMG, o tratamento deve ser iniciado com dietoterapia e estímulo à prática de exercício físico.14 A indicação de insulinoterapia ocorre quando, apesar do uso adequado da dieta prescrita, a glicemia de jejum permanece acima de 95 mg% ou a glicemia uma hora pós-prandial esteja acima de 140 mg% ou duas horas pós-prandial acima de 120 mg%.15,16 Entre 15 e 22% das gestantes com essa condição necessitarão de insulina em adição à dietoterapia para manter níveis glicêmicos aceitáveis durante a gestação.17 Essas pacientes correspondem a um subgrupo de mulheres com elevado risco de complicações caso o diagnóstico e o tratamento adequados não sejam prontamente instituídos.15-17
As mulheres com diabetes pré-gestacional (DMPG) ou gestacional (DMG) com diagnóstico na primeira metade da gestação têm risco três a quatro vezes mais alto de malformações fetais, enquanto as mulheres com DMG controlado apresentam taxas de malformação próximas das exibidas pela população obstétrica em geral.18-20 O ganho excessivo de peso durante a gestação relaciona-se com aumento do risco de desenvolvimento de macrossomia fetal.21,22
Todas as formas de diabetes durante a gravidez estão associadas a risco aumentado de morte perinatal, definida como o óbito fetal a partir de 22 semanas completas de gestação (154 dias), pois a hiperglicemia resulta em metabolismo anaeróbico fetal com hipóxia e acidose. A incidência de morte fetal em mulheres diabéticas diminuiu drasticamente com a melhoria do cuidado ao diabetes. A prevenção do óbito fetal depende de cuidado pré-natal multidisciplinar intensivo, com controle da glicemia e vigilância fetal apropriada.23,24
PACIENTES E MÉTODOS
Foram acompanhadas 66 pacientes, no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, no Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com o diagnóstico de DMG. As gestantes foram encaminhadas a partir do Pré-Natal do Serviço de Obstetrícia da UFMG ou de outros serviços de pré-natal do município da Grande Belo Horizonte.
As pacientes selecionadas para este estudo assinaram o TCLE, conforme aprovado pelo COEP do Hospital das Clínicas da UFMG. Foram submetidas ao teste em vigor na época e consideradas portadoras de DMG se a glicemia em jejum se mantivesse acima de 105 mg% em duas ocasiões ou duas ou mais glicemias no TOTG acima dos valores preconizados com 100 g de dextrosol, ou seja, jejum acima de 95mg%; uma hora acima de 180 mg%; duas horas acima de 165 mg%; e três horas acima de 140 mg%, conforme preconizado pela Associação Americana de Diabetes (ADA). As gestantes foram acompanhadas pelos Serviços de Enfermagem, Nutrição, Endocrinologia e Obstetrícia de Alto-Risco, por meio de consultas semanais ou quinzenais, conforme a idade gestacional, o controle metabólico, complicações obstétricas ou intercorrências clínicas. Foram caracterizadas quanto à faixa etária, cor, índice de massa corporal (IMC), tabagismo, atividade física, forma de diagnóstico, idade gestacional, sintomatologia e presença de fatores de risco de DG (história familiar, ganho excessivo de peso durante a gestação atual, DMG prévio, história de abortamento de repetição, macrossômico prévio, natimorto, obesidade pré-concepcional, malformação prévia, prematuridade). Foi utilizado protocolo preestabelecido para o acompanhamento ambulatorial das gestantes (Tabela 3).
As pacientes foram incluídas no trabalho em qualquer trimestre da gestação. Foram avaliadas quanto à forma de tratamento (se dieta isoladamente, insulina em uma, duas ou múltiplas doses); quanto ao controle metabólico; quanto à presença de complicações materno-fetais (pré-eclâmpsia, piora da hipertensão arterial prévia, macrossomia, malformação, morte intraútero, oligoidrâmnio); quanto ao tipo de parto (vaginal ou cesáreo); quanto às complicações perinatais (grande para a idade gestacional - GIG -, pequeno para a idade gestacional -PIG -, anomalias congênitas, síndrome de angústia respiratória do recém-nascido - SARI -, hipoglicemia, hipocalcemia, tocotraumatismo, policitemia, hiperbilirrubinemia e infecção) e quanto à ocorrência de mortalidade perinatal. A partir de 40 dias do parto, um teste oral de tolerância à glicose foi realizado para avaliar a persistência do diabetes.
Os recém-nascidos foram avaliados por pediatras no berçário do Hospital das Clínicas, sendo obtidos peso, características nutricionais, estimativa da idade gestacional e rastreamento para malformações. Glicemias e cálcio foram dosados precocemente, magnésio caso houvesse hipocalcemia e as bilirrubinas nos prematuros ou conforme o quadro clínico.
As glicemias foram realizadas pelo método enzimático glicose-oxidase; a frutosamina pela redução do NBT em soro ou plasma com EDTA; e a glico-hemoglobina pelo método de Trivelli modificado. Quando em nível ambulatorial, essas glicemias foram sempre obtidas por enfermeiras da equipe, em sangue total capilar, no aparelho Glucometer 2Â (AMES) devidamente calibrado. Foram considerados valores de referência: a glicemia de jejum entre 60 e 90 mg%; pós-prandial (duas horas) até 120 mg%. O controle glicêmico capilar domiciliar foi realizado sempre que possível. O acompanhamento pela equipe de enfermagem constou de dosagem de glicemias capilares e pós-prandiais (às 14 e 17 horas), cetonúria, glicosúria e medida ponderal, além de aulas semanais em relação ao autocuidado e tratamento geral do diabetes.
Os critérios para internação incluíram aquelas cujo controle metabólico inadequado e complicações materno-fetais necessitassem de acompanhamento hospitalar. A equipe de nutrição orientou todas as pacientes de forma individualizada, com seguimento semanal, com dietas contendo cerca de 30 Kcal/kg de peso ideal.
Para análise mais acurada da evolução do perfil metabólico das pacientes ao longo da gestação, foi realizado o cálculo da mediana das glicemias de jejum, 14 e 17 horas, assim como da frutosamina e da glico-hemoglobina de cada paciente, para cada trimestre. A Tabela 4 apresenta a porcentagem de pacientes que apresentaram valores inferiores ou superiores ao valor de referência para cada uma dessas variáveis, em um determinado período gestacional. Foram considerados valores de referência a glicemia de jejum de 95 mg/dL e as glicemias de 14 e 17 horas de 120 mg/dL. Os valores considerados limítrofes de normalidade para a frutosamina e glico-hemoglobina foram de 2 e 7 mg/dL, respectivamente.
Em um segundo momento, a partir da utilização do programa EPIINFO (VERSÃO 3.5 - 2008), foram avaliadas as possíveis associações entre essas variáveis, objetivando correlacionar a influência do perfil metabólico das gestantes sobre o surgimento de complicações maternas, fetais e perinatais. As comparações realizadas foram:
Fatores de risco maternos versus complicações fetais e perinatais;
IMC materno pré e pós-gestacional versus complicações fetais e perinatais;
medianas das glicemias, frutosamina e glico-hemoglobinas versus complicações fetais e perinatais;
tipo de tratamento materno versus complicações fetais e perinatais.
O objetivo nessa etapa foi identificar associações com significância estatística. Com o uso de tabelas de contingência foi empregado o teste qui-quadrado com a correção de continuidade de Yates. Quando pelo menos uma das frequências esperadas foi inferior a cinco utilizou-se o teste exato de Fisher. Foi adotado, ainda, nível de significância estatística de 5% (valor-p< 0,05). Também foram calculados a odds ratio e o intervalo de confiança de 95%.
Ressalta-se o fato de que a maioria das pacientes iniciou seu acompanhamento ambulatorial no decorrer do terceiro trimestre de gestação, o que justifica a escassez de dados relacionados ao perfil metabólico do início da gestação (primeiro e segundo trimestres).
RESULTADOS
Foram analisados neste trabalho o perfil das gestantes, o controle metabólico, a incidência de complicações materno-fetais e perinatais e a persistência de diabetes mellitus após o parto.
As características das 66 gestantes foram analisadas, mostrando, desta forma, o perfil do grupo estudado. A Tabela 5 resume as principais características do grupo de gestantes estudado. A idade média das pacientes foi de 34,4 anos, sendo que 27 gestantes (41%) apresentavam idades entre 35 e 40 anos e 15% (10 gestantes) engravidaram em idade superior a 40 anos. Em relação à cor, 62% das pacientes foram consideradas faiodermas. O tabagismo esteve presente em 19% do grupo estudado. Destaca-se o fato de que 24% das grávidas eram primigestas e cerca de 40% estavam em sua segunda gestação. A duração média da gestação foi de 38 semanas, sendo que 21% dos partos foram pré-termo. Outro dado que chama a atenção é que 55% das pacientes iniciaram seu acompanhamento no serviço de endocrinologia somente ao final da gestação, durante o terceiro trimestre, ao passo que somente 1,5% das gestantes iniciaram seu controle endócrino-metabólico durante o primeiro trimestre.
Das 66 pacientes, 59 (89%) tinham algum fator de risco de DMG. História familiar de diabetes mellitus foi apurada em 43 gestantes (65%); ganho excessivo de peso em 18 (27%); abortamento habitual, natimorto e prematuridade em 14 (21%), uma (1,5%) e quatro (6%) gestantes, respectivamente; história prévia de feto macrossômico foi relatado em 11 mulheres (17%) e obesidade pré-concepcional em 21 (32%). Houve associação de dois ou mais fatores de risco em 41 pacientes, correspondendo a 62%.
O diagnóstico de DMG foi realizado a partir de glicemias de jejum alteradas, em 30 gestantes, correspondendo a 45,5% do grupo.
A obesidade foi distúrbio materno muito prevalente, porém vale ressaltar que o peso pré-concepcional foi informado pelas pacientes na primeira consulta de pré-natal. O ganho médio de peso durante a gestação foi de 11,1 kg, em média. Destaca-se que apenas 30% das pacientes apresentaram IMC pré-concepcional adequado (entre 18 e 25). Em contrapartida, 35% possuíam sobrepeso (IMC entre 25 e 29,9) e os outros 35% encontravam-se distribuídos entre os diversos graus de obesidade. Quanto ao IMC ao término da gestação, 35% das gestantes manifestaram obesidade grau I (entre 30 e 34,9) e 13% obesidade grau III (acima de 40). A Tabela 6 exibe os índices de massa corporal maternos pré e pós-gestacionais.
O controle metabólico não foi satisfatório, como demonstrado na Tabela 4. Somente 31 gestantes (47%) permaneceram apenas com dieta durante o acompanhamento. A utilização de insulina foi necessária em 36 pacientes (53%), sendo sete (11%) em dose única, 11 (17%) em duas doses e 17 (26%) em três ou mais doses diárias (Figura 1). Foi usada a insulina humana NPH, associada ou não à regular.
As complicações maternas (Figura 2) aconteceram em 28 (42%) das gestantes, destacando-se a infecção do trato urinário em 12 pacientes (18%), a piora da HAS prévia em 12 (18%), a pré-eclâmpsia em cinco (7,5%) e as complicações obstétricas em duas (3%)
As complicações fetais (Figura 3) acometeram 46% das gestações, com alta incidência de macrossomia e polidrâmnio, manifestada em 19 (29%) e 16 (24%) dos recém-nascidos, respectivamente. Oligoidrâmnia foi descrita em três gestações (4,5%).
A prevalência de cesariana e parto vaginal foi praticamente a mesma, sendo, respectivamente, de 51,5 e 48,5%.
A incidência de complicações perinatais (Figura 4) foi elevada (62%) e deveu-se, principalmente, à alta incidência de hipoglicemia, manifestada em 23 recém-nascidos (35%). Foram considerados macrossômicos 10 (15%) recém-nascidos e a SARI foi constatada em quatro (6%).
Nas gestações incluídas no estudo, houve quatro óbitos intraútero, correspondendo à prevalência de 6%. Um aspecto em comum observado nesse grupo de gestantes com perda fetal foi a idade materna, uma vez que, em todos os casos, as gestantes possuíam idade igual ou superior a 38 anos. A idade gestacional por ocasião do óbito fetal variou entre 22 e 32 semanas. Um dos fetos apresentava malformações múltiplas: esquizencefalia, fenda labial e palatina, pescoço curto, ausência de nariz, polidactilia, pé tor-to e braquicefalia (25).
A taxa de permanência do diabetes no pós-parto foi de 18%, levando-se a questionar se essas gestantes já seriam portadoras de diabetes "pré-gestacional". Destaca-se também a grande porcentagem de pacientes (37%) que não retornaram ao serviço de endocrinologia após o parto para confirmação da persistência ou não do DM.
Após análise detalhada envolvendo variáveis do controle metabólico materno e as complicações fetais e perinatais, com o uso do programa EPI-INFO, obtiveram-se 15 associações com significância estatística, ou seja, valor-p igual ou inferior a 0,05. A Tabela 7 demonstra quais são essas associações e seus respectivos níveis de significância estatística. Outras comparações foram propostas, mas não atingiram o nível de significância estatística preestabelecida.
As associações obtidas correlacionam, principalmente, fatores de risco maternos, como obesidade pré-gestacional, abortamento habitual, prematuro e/ou macrossômico prévio à novas complicações fetais e perinatais, tais como: feto macrossômico atual, GIG, tocotraumatismo, icterícia e malformações. Da mesma forma, nas gestantes em que o controle metabólico durante a gestação foi complicado, por exemplo, com mau controle do peso, medianas das glicemias e glico-hemoglobinas elevadas ou tratamento insulínico com múltiplas doses, houve também alta incidência de complicações fetais e neonatais, como oligoidrâmnio, GIG, icterícia, malformações e hipoglicemia neonatal.
DISCUSSÃO
O diabetes é intercorrência frequente no ciclo grávido-puerperal. Essa associação, conforme mostra a literatura, acarreta alta incidência de morbimortalidade perinatal. Nossos achados estão em concordância com a literatura, uma vez que aqui foi observada elevada taxa de prematuridade (21% de partos pré-termo) e distúrbios metabólicos.
Em relação à amostra estudada, deve-se ressaltar, é representativa daquela existente em nosso serviço, como de regra ocorre em serviços semelhantes. Caracteriza-se por estar implantado em hospital público, que atende a acentuado número de gestantes, muitas das quais carentes, que afluem em demanda de atenção médica geral e pré-natal.
Destaca-se que 89% das gestantes do grupo estudado apresentaram algum fator de risco de DG. Trata-se de incidência bastante expressiva quando comparada às da literatura. Outro questionamento proposto refere-se à possibilidade de subdiagnóstico de diabetes gestacional durante o acompanhamento pré-natal habitual, já que a incidência de atendimentos no serviço de Obstetrícia por essa causa mostra-se, retrospectivamente, inferior à indicada na literatura internacional.
A maior parte do diagnóstico foi realizada a partir de glicemias de jejum alteradas em duas ocasiões, o que é atípico no diagnóstico de DMG, em que habitualmente se relatam glicemias normais em jejum e elevadas após o teste de sobrecarga à glicose.
Em relação às complicações maternas, ressalta-se infecção do trato urinário acometendo 18% das gestantes, muitas vezes caracterizada como bacteriúria assintomática, o que reforça a importância da procura sistematizada das infecções assintomáticas do trato urinário, pela realização de culturas de urina periódicas, independentemente de sintomas específicos. Da mesma forma, a piora de HAS preexistente e a pré-eclâmpsia mostraram-se muito prevalentes (18% das pacientes), corroborado pela literatura.26
Os resultados do presente estudo demonstraram que o controle metabólico das pacientes não foi adequado, ocorrendo, assim, subsequentemente, elevada taxa de morbimortalidade fetal e perinatal.
Pacientes com feto macrossômio prévio tiveram chance aumentada de intercorrências como GIG e macrossomia na nova gestação (p 0,0001 e 0,02, respectivamente). Da mesma forma, mulheres com história de abortamentos habituais demonstraram em nossa pesquisa altas chances de gerarem fetos malformados (p 0,05).
Outro dado interessante refere-se à relação estatisticamente significativa observada neste estudo: mães que tiveram filhos prematuros em gestações anteriores tiveram mais chances de gerarem fetos macrossômicos na gestação atual (p 0,049). Essa relação justifica-se pelo fato de que mulheres com mau controle glicêmico em gestações pregressas provavelmente tiveram complicações relacionadas ao DMG, determinando-se a necessidade de interrupção prematura da gestação. Assim, em uma nova gestação, essas mulheres tendem a apresentar novamente mau controle metabólico (talvez sejam pacientes portadoras de diabetes pré-gestacional não diagnosticado), havendo, consequentemente, mais chances de macrossomia nessas gestações.
Obesidade pré-concepcional implicou altos índices de tocotraumatismo e GIG (p 0,049 e 0,05, respectivamente) em novas gestações. Índice de massa corporal (IMC) pré-concepcional elevado, entre 25 e 29,9 (sobrepeso), esteve associado ao quadro de GIG e icterícia fetal (p 0,042).
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, pode-se constatar que, naquelas pacientes em que o controle metabólico gestacional foi mal-sucedido, houve também mais chances de complicações. Salienta-se a associação entre malformação fetal atual com as medianas do terceiro trimestre da glicemia de jejum superiores a 95 mg/dL e/ou da glico-hemoglobina superior a 7,0 mg/ dL (p dessas associações de 0,04 e 0,05 respectivamente).
Um dos casos de óbito intraútero apresentava malformações múltiplas sugestivas da síndrome de Dandy Walker (SDW), uma síndrome não familiar. Trata-se de anormalidade congênita do sistema nervoso central, caracterizada por deficiência do desenvolvimento das estruturas médias cerebelares, dilatação cística do quarto ventrículo e deslocamento ascendente dos seios transversais, tentório e tórcula. Entre os sinais clínicos estão protuberância occipital, aumento progressivo do crânio, arqueamento das fontanelas anteriores, papiledema, ataxia, distúrbios da marcha, nistagmo e comprometimento intelectual. Geralmente apresentam-se atresiados os forames de Lushka e Magendie. Em três quartos dos casos há outras malformações cerebrais como agenesia do corpo caloso, heteropsias, lissencefalia ou estenose do aqueduto de Sylvius.25
Observa-se no presente estudo que as pacientes possuíam poucos recursos para a realização das glicemias capilares, o que impossibilitou o conhecimento de suas médias glicêmicas. Todavia, como grande parte das glicemias realizadas foi acima da média, acredita-se que todo o controle glicêmico também tenha sido inadequado. Contrariamente ao descrito na literatura, 53% das gestantes necessitaram de insulina para o controle metabólico, talvez consequência de apresentarem, em grande parte, hiperglicemia em jejum ao diagnóstico ou pela idade mais avançada e IMC elevado.
Mulheres com mais dificuldades na obtenção da normoglicemia, apesar do tratamento insulínico com múltiplas doses, tiveram mais chances de macrossômicos e GIG na gestação atual (p de 0,04 em ambas as associações). A persistência do diabetes após o parto foi elevada, levando a reclassificar essas gestantes como possíveis portadoras de diabetes pré-gestacional.4
Foram constatadas gestantes com obesidade pós-gestacional, IMC pós-parto entre 30 e 39,9, complicações como GIG, icterícia e oligoidrâmnio, como mostra a Tabela 7. Esse aspecto reflete provável mau controle metabólico durante todo o período gestacional.
Mediana da glicemia de 14 horas (duas horas pós-prandial) durante o terceiro trimestre, superior ao valor de referência de 120 mg/dL, foi associada à hipoglicemia neonatal (p 0,048). Em relação aos resultados perinatais, observa-se concordância com a literatura, em que a elevada taxa de hipoglicemia neonatal, macrossomia e SARI é atribuída ao controle metabólico inadequado e a fatores de risco mater-nos. A macrossomia, por exemplo, é achado comum nas gestações de multíparas, com idade mínima de 30 anos, maior estatura e índice de massa corporal (IMC) elevado, que apresentam antecedentes obstétricos de macrossomia fetal, de intolerância à glicose ou diabetes e familiares de diabetes mellitus.27,28
A indicação de internação hospitalar parece, também retrospectivamente, passível de reavaliação, considerando as características da população atendida. Neste sentido, a utilização de critério mais liberal, com admissão hospitalar mais precoce, em pacientes mais carentes, ajudaria a otimizar o controle clínico. Há de se considerar, contudo, que o caráter social dessas admissões não foi previsto como proposta metodológica neste trabalho.
Acredita-se que o fenômeno do mau controle metabólico tão evidenciado em nosso estudo correlaciona-se ao baixo nível socioeconômico da população atendida; à escassez de recursos materiais e humanos especializados; e ao descuido frequente dos setores de cuidado primário no reconhecimento das peculiaridades no manuseio das gestantes diabéticas, o que provoca atraso no encaminhamento aos centros de referência e prejudica o controle glicêmico adequado e precoce.
Considera-se, em função disto, extremamente importante a persistência no estudo do tema, buscando seu melhor conhecimento e o aprimoramento dos recursos humanos e materiais disponíveis. Neste sentido, o reconhecimento precoce do diabetes gestacional, o tratamento "ótimo" do mesmo e a valorização dos diversos fatores de prognóstico perinatal envolvidos são fundamentais para a redução da morbimortalidade perinatal. Trata-se de grande desafio para a saúde pública.
AGRADECIMENTOS
À professora REGINA AMÉLIA PESSOA AGUIAR, chefe do Serviço de Pré-natal de Alto Risco do Ambulatório de Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Às enfermeiras do Serviço de Endocrinologia, em especial Ivone Salomon, e a toda a equipe do Serviço de Endocrinologia. Ao professor e estatístico Dr. Marcelo Militão, por sua preciosa ajuda na interpretação dos números de nossa pesquisa. Aos residentes dos Serviços de Obstetrícia e Endocrinologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
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