RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 1

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Artigos de Revisão

Tuberculose: aspectos imunológicos na infecção e na doença

Tuberculosis: immunological aspects in the infection and in the disease

Ivana Lúcia Damásio Moutinho

Professora do Instituto Materno Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Rua: José Lourenço Kelmer, s/n - Campus Universitário, Bairro: São Pedro
CEP: 36036-330, Juiz de Fora, MG - Brasil
Email: ivanadamasio@terra.com.br

Recebido em: 21/01/2010
Aprovado em: 24/03/2010

Instituição: Instituto Materno Infantil da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, MG - Brasil

Resumo

A tuberculose (TB) é problema de saúde pública mundial, com quase dois milhões de mortes anualmente, o que torna imperiosa a busca por mais conhecimentos sobre seus aspectos imunológicos para que possa ser tratada e prevenida adequadamente. Apenas 5 a 10% dos seres humanos imunocompetentes são susceptíveis à TB e mais de 85% desses desenvolvem lesão exclusivamente nos pulmões. Ao contrário, indivíduos imunocomprometidos podem desenvolver TB sistêmica, que pode se tornar rapidamente letal. A resposta inflamatória Th1 é a principal responsável pela proteção contra o Mycobacterium tuberculosis (Mtb), sendo o interferon-gama a citocina importante no mecanismo de proteção, o que pode originar métodos diagnósticos mais precisos para a TB. O entendimento do equilíbrio entre a resposta Th1 e Th2 e do papel de células TCD8 e T regulatórias é essencial para o conhecimento da resposta imune contra o Mtb e a reflexão sobre a aquisição de novas formas de tratamento e prevenção da TB que, apesar de ser curável, causa milhões de mortes anualmente em todo o mundo.

Palavras-chave: Tuberculose; Tuberculose/imunologia; Sistema imunológico; Mycobacterium tuberculosis.

 

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) é das doenças infecciosas mais prevalentes em todo o mundo, endêmica em muitos países, responsável pela morte anual de mais de dois milhões de pessoas, sendo 450.000 com menos de 15 anos de idade.1 Estima-se em oito milhões o número de novos casos a cada ano, com mais de 80% deles em 22 países, sendo o Brasil o 16º entre os mais afetados pela doença no mundo.2 Há 70 anos a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a TB como emergência global3 e hoje estima-se sua prevalência em 32%,4 sendo a síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA) o principal fator de risco para o seu ressurgimento em países desenvolvidos5.

Estima-se que a TB ativa ocorra em 5-10% das pessoas infectadas pelo Mycobacterium tuberculosis (Mtb). As outras pessoas conseguem impedir a infecção eficientemente6 em fase de latência, em que não é contagiosa, mas a infecção pode sofrer reativação anos mais tarde, resultando em doença ativa.7

A imunidade celular é o principal mecanismo de defesa contra o Mtb, sendo realizada por intermédio do reconhecimento de antígenos por receptores em células da imunidade inata e adquirida, secretando citocinas imunorreguladoras pelos linfócitos TCD4+, particularmente na produção de interferon-gama (IFN-γ), a principal citocina inflamatória observada na TB.8

As manifestações da doença dependem do balanço entre a virulência do microrganismo e a competência imunológica do hospedeiro,9 combinação entre a resposta inata e a adquirida, uma vez que a proteção da resposta inata é limitada e o Mtb pode se multiplicar dentro do macrófago e disseminar-se hematologicamente. A idade é a variável dominante a determinar a resposta celular contra o Mtb, crucial para conter o microrganismo e impedir a progressão da TB.10 As crianças menores de três anos apresentam principalmente resposta imune humoral, fator que as torna vulneráveis à TB doença e às suas formas graves.11

A imunização eficiente é considerada a melhor forma de prevenção para o controle da TB. O BCG (Bacille-Calmette-Guérin) é o imunógeno derivado de proteínas do M. bovis em uso há mais de 80 anos, com eficiência em prevenir as formas graves da TB em crianças, mas não a infecção pelo Mtb. É relativamente ineficiente em sua capacidade de proteger os adultos contra a forma pulmonar da TB.12 O entendimento da resposta imune desenvolvida pelo hospedeiro contra o patógeno e o melhor conhecimento da resposta imune em crianças pode ser particularmente importante para o desenvolvimento de um imunógeno mais eficiente e para se estabelecer estratégias imunoterapêuticas.13

 

O PATÓGENO E A DOENÇA

O Mtb é patógeno intracelular facultativo, aeróbio obrigatório, de crescimento lento, que pode se multiplicar dentro dos macrófagos e em outras células do organismo.14 Tem a capacidade de permanecer vivo por anos no granuloma formado pela reação tecidual e se multiplicar quando falham as defesas do hospedeiro.15 Seu genoma foi sequenciado e apresenta aproximadamente 376 proteínas específicas para a espécie, o que é altamente relevante no conhecimento dos seus fatores de virulência e para que tipo de antígenos a imunidade do hospedeiro se direciona, ampliando as expectativas de desenvolvimento de novos métodos de diagnóstico e controle da TB.14

A diferenciação entre infecção primária e doença constitui um dos grandes desafios encontrados na evolução da TB.9 A infecção ocorre quando indivíduos previamente sãos, geralmente na infância, inalam partículas de aerossóis contendo em torno de cinco bacilos que penetram nas vias aéreas inferiores. A consequência pode ser o desenvolvimento de processo pneumônico localizado, o foco parenquimal primário de Ghon, que se torna o sítio de deposição do Mtb. A partir desse foco, o bacilo se dissemina por linfáticos locais para o linfonodo regional, formando o complexo de Ghon, com ou sem reação pleural.9,15 Há infiltração de neutrófilos e monócitos, aumento progressivo de linfócitos T e B que circundam os macrófagos infectados, células dendríticas e fibroblastos, formando o característico granuloma tuberculoso.12 Esse granuloma é considerado o mecanismo que limita a disseminação do Mtb. Ele cria um local para a interação da resposta entre linfócitos T e macrófagos ativados pelo IFN-γ, que agem efetivamente para impedir a multiplicação do Mtb. Apesar disso, alguns bacilos persistem viáveis por meses a décadas e a doença latente pode sofrer reativação.7

Em pacientes com TB e SIDA verifica-se a disseminação do Mtb, com necrose pulmonar por incapacidade de formação do granuloma, o que torna impossível conter o bacilo no sítio primário da infecção, levando frequentemente ao acometimento de vários órgãos.14

As manifestações clínicas de tosse, expectoração, hemoptise, febre, sudorese noturna, anorexia e perda de peso ocorrem quando a doença se instala efetivamente, ou seja, quando não há controle da infecção, dando início ao processo pneumônico inflamatório. Esse infiltrado pode sofrer cavitação e caseificação, o que se dá mais frequentemente no lobo superior pulmonar direito. A progressão do infiltrado inflamatório para a cronicidade pode causar fibrose, deixando como sequela a baixa elasticidade da área pulmonar acometida.12

 

A RESPOSTA IMUNE AO MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS

A capacidade de gerar resposta imune eficiente contra o Mtb torna a maioria dos indivíduos resistentes à doença e o curso da TB é determinada pelo tipo de resposta imune contra a micobactéria.14 Em aproximadamente 5% dos indivíduos imunocompetentes a infecção poderá progredir para doença ativa em torno de dois anos; e em outros 5% a reativação pode acontecer mais tardiamente.16

É sabido que o organismo humano tem complexo mecanismo mediado por linfócitos T e macrófagos para o controle do Mtb, com eventos que incluem a expressão de citocinas antimicobacterianas como o IFN-γ e o FNT-α, a produção dos óxidos tóxicos derivados do nitrogênio e a lise no fagolisossomo. O Mtb consegue, no entanto, de maneira ainda pouco conhecida, escapar dos mecanismos de defesa do hospedeiro e persistir vivo, dentro do granuloma, em quase um terço da população.17

Os principais mecanismos de escape do Mtb envolvem a produção de moléculas como o ESAT-6, capaz de inibir a produção de IL-12 e IFN-γ. A inibição tanto da apoptose de macrófagos infectados e quanto da fusão do fagócito ao lisossomo favorece a sobrevida e a multiplicação dos bacilos no interior do fagócito17. A lipoproteína 19KDa e derivados lipídicos do Mtb interagem com TLR2 (receptor de superfície celular nos fagócitos e outras células, capazes de reconhecer estruturas microbianas) e, unidos, induzem a resposta predominantemente inflamatória encontrada na TB. A sinalização via TLR2 em resposta ao Mtb, entretanto, aumenta a secreção de IL-10, citocina Th2, pelas células dendríticas e macrófagos, o que sugere o envolvimento de mecanismo micobacteriano controlador da resposta inflamatória no hospedeiro.18

A latência é o maior obstáculo à erradicação da infecção pelo Mtb, exigindo o conhecimento dos mecanismos imunes na persistência e na reativação da TB. 19

Estudos de causa e efeito em modelos animais evidenciam que a imunidade antiMtb é mediada especialmente por linfócitos TCD4+ e TCD8+ do tipo Th1.12 As células TCD4+ desempenham a principal função na resposta à micobactéria.20 Cerca de 20 dias são o suficiente para a produção de IFN-γ por linfócitos Th1, com seu acúmulo no pulmão e parada do crescimento bacteriano.7 Pacientes com mutação recessiva de genes para receptores ligantes de IFN-γ, a subunidade IL-12p40 e a cadeia β1 do receptor de IL-12, e os portadores de SIDA adoecem gravemente quando infectados pelo Mtb, pois são incapazes de sintetizar IFN-γ e outras citocinas Th1, o que impede a formação do granuloma para conter o parasito, com a formação de lesão difusa e necrótica, não se restringindo o crescimento do Mtb ao sítio da infecção.14

Após a fagocitose, os bacilos inalados ficam em vacúolos citoplasmáticos e são apresentados aos linfócitos TCD4+ pelo complexo principal de histocompatibilidade de classe II, MHC-II, presente nos macrófagos, células dendríticas e linfócitos B. Essas células são chamadas de apresentadoras de antígenos (APCs) e produzem citocinas inflamatórias como o FNT e a IL-1, capazes de recrutar neutrófilos e monócitos.21

Os receptores tipo Toll (TLRs) são os principais envolvidos no reconhecimento de antígenos do Mtb e responsáveis pela ativação de macrófagos e células dendríticas.12 Controlam a ligação entre a resposta imune inata e adquirida, o que leva à expressão de moléculas coestimuladoras como o CD80 e CD86 na superfície de macrófagos e células dendríticas, capazes de interagir com os receptores CD28 nos linfócitos T, ampliando a resposta imune.20 As citocinas produzidas pelas APCs, como a IL-12, e citocinas produzidas pelos linfócitos T ativados, como a IL-2, mantêm a ativação e a proliferação de linfócitos, o que induz a resposta celular predominantemente pró-inflamatória.20

O IFN-γ é a principal molécula ativadora de macrófagos, a citocina-chave para o controle da infecção, mas insuficiente.22 Com o FNT-α, estimula a produção de óxido nítrico sintetase (NOS-2), responsável por altos níveis de óxido nítrico e outros radicais intermediários do nitrogênio (RNI), que são bactericidas e participam da resistência à infecção pelo Mtb.17 O FNT-α é primordial no controle e manutenção do granuloma por regular localmente a concentração de quimiocinas para o recrutamento de células, prevenindo a reativação da TB. Sua neutralização pode resultar em reativação fatal da doença.18

A IL-12 aumenta a produção de IFN-γ em células natural killer (NK) e a expansão de células Th1 antígeno específicas. Outras citocinas como a IL-23, IL-18 e IL-27 também são importantes indutoras da produção de IFN-γ.20

A secreção de IL-23 é essencial para a secreção da IL-17, potente indutor de expressão de quimiocinas, substâncias capazes de causar a migração de leucócitos do sangue para o local da inflamação.23 Pessoas com deficiência do gene IL-12Rβ1 possuem baixa capacidade de produzir IL-23 e a produção de IFN-γ é menor. A IL-12, citocina pró-inflamatória, reduz a expressão de IL-17 e isto parece demonstrar intrigante autorregulação da inflamação, já que na mutação do gene IL-23R ocorre susceptibilidade inflamatória, particularmente no intestino. O equilíbrio entre a secreção de IL-23/IL-17 e IL-12/IFN-γ parece ser essencial para a regulação da inflamação em resposta à infecção pelo Mtb e outras micobactérias. O papel protetor dessas citocinas poderá ser usado no aperfeiçoamento da vacina contra o Mtb.24

Após infectar macrófagos no pulmão, o Mtb se instala precocemente no fagossoma e escapa do sistema imune pela inibição da maturação do fagossoma e fusão com o lisossoma.25 No entanto, antígenos da micobactéria são secretados em vesículas apoptóticas, associados ao MHC classe I, e estimulam células TCD8+ através do fenômeno denominado apresentação cruzada.26 Uma vez ativados, esses linfócitos também produzem IFN-γ e liberam grânulos enzimáticos ricos em granulisina, que ativam outras enzimas capazes de degradar lipídios e causar a lise celular por apoptose.27 Não é conhecido ao certo se a ação das células TCD8+ se dá apenas por sua habilidade citotóxica e produção de IFN-γ ou pela combinação dessas e de outras funções da célula a serem esclarecidas.28 A atividade citotóxica de células TCD8+ de pulmões de camundongos infectados fica prejudicada quando esses animais têm deficiência de TCD4+, o que ocorre na infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH). O entendimento da interação entre a atividade de células TCD4+ e TCD8+ durante a infecção pelo Mtb é imperativo para o sucesso em busca de nova e eficiente vacina.29

 

ALTERAÇÕES NA RESPOSTA IMUNOLÓGICA NA TB

O balanço entre a imunidade inespecífica e a específica, com predominância da resposta Th1, pode gerar resposta protetora contra o Mtb, mas diversos fatores podem alterar a resposta imunológica.30 O uso de drogas imunossupressoras, carências nutricionais e infecção pelo VIH são as causas mais frequentes de multiplicação de bacilos enclausurados no granuloma de indivíduos infectados com consequente adoecimento.20

A virulência da micobactéria é capaz de modular a apoptose de macrófagos infectados, alterando importante mecanismo de defesa do hospedeiro contra o Mtb. Quanto mais capacidade de produção de IL-10 e redução na secreção de FNT-α no infectado, mais inibição da apoptose de macrófagos que contém os bacilos, baixa produção de IL-12 com mais capacidade de adoecimento.31

Alterações na produção de citocinas regulatórias como ocorre em pacientes diabéticos, que apresentam baixa produção de IL-1 e IL-6; em indivíduos com leucemia mielocítica crônica, com baixa secreção de IL-1 e aumento de IL-10; nos coinfectados pelo VIH, com diminuição da produção de IL-8 e baixa capacidade fagocítica de neutrófilos podem diminuir ou suprimir a resposta protetora e aumentar a susceptibilidade a infecções por patógenos intracelulares como o Mtb.27

Wu et al.32 demonstraram, em pacientes com TB, mais secreção de fatores que inibem a diferenciação e a função de células dendríticas, o que provoca deficiente resposta Th1. Células mononucleares de sangue periférico (PBMC) dos pacientes expressavam alto nível de secreção de IL-5 e IL-9 quando estimuladas com o antígeno específico do Mtb ESAT-6. A neutralização da IL-9 ocorria com aumento na secreção de IFN-γ e IL-12, sugerindo o possível papel dessas citocinas na queda da resposta Th1 de pacientes com TB.

O antígeno ESAT-6 é um potente estimulador da imunidade celular em indivíduos infectados com o Mtb, o que pode favorecer a produção de nova vacina antiMtb. No entanto, esse antígeno contribui para a virulência do Mtb, como demonstrado em modelos animais. Ele é mediador da lise celular e capaz de inibir a produção de IL-12 por fagócitos mononucleares, afetando a sinalização dos receptores de células TCD4+ e TCD8+ (TCR) e inibindo a secreção de IFN-γ.33

Vários estudos tentam esclarecer os mecanismos imunológicos nas infecções por bactérias intracelulares, sendo que o encontro de citocinas produzidas por células Th2, como a IL-4 e a IL-10, pode refletir incapacidade de responder a essas bactérias. Estas e outras citocinas supressoras da atividade Th1 e de marcadores da atividade Th2, como IgE e IgG4, são frequentemente encontradas em TB avançada.12 Indivíduos que apresentam aumento da expressão de IL-10 podem manifestar ausência de resposta à vacinação com BCG.34

Níveis altos de CD30 solúvel no plasma (sCD30), um marcador da produção de citocinas tipo Th2, são encontrados no sangue de pacientes desnutridos com TB extensa. Há, ainda, forte correlação negativa entre os níveis de sCD30 e a idade das crianças com TB, todos estados imunocomprometedores, em que não se encontra resposta ideal contra o Mtb.13

A resposta imune mediada por LT com secreção de citocinas, principalmente o IFN-γ, a produção de óxido nítrico e o FNT-α, produzido por LT e macrófagos, é essencial ao controle da TB latente, na organização do granuloma e limitando a resposta inflamatória. Pacientes em uso de drogas antiFNT-α para doença inflamatória crônica intestinal (Infliximab®) demonstram alto risco de desenvolver a TB pulmonar e formas disseminadas que podem ser fatais.35 Nos indivíduos em uso dessas drogas, verifica-se incremento de bacilos tissulares, deterioração histopatológica que pode levar à metaplasia e ao acúmulo de fluido no espaço alveolar. O efeito causado pela droga parece ser dose-dependente.36

O desenvolvimento de infecções por patógenos intracelulares está relacionado a vários fatores e certamente a capacidade genética do indivíduo em controlar estas infecções é o diferencial no aparecimento da doença. O conhecimento de genes envolvidos na resposta imune ao Mtb poderá contribuir para as estratégias de controle e prevenção da TB.6

 

PAPEL DAS CÉLULAS T REGULADORAS (Treg) NA TB

A TB em atividade está associada a importante supressão da resposta imune específica ao Mtb, mas os mecanismos envolvidos não são ainda completamente conhecidos.37 A defesa eficiente do hospedeiro associa-se a intensa secreção de IFN-γ, entretanto, não é suficientemente capaz de eliminar o Mtb e de impedir que a infecção progrida para a doença. Por isso, a resposta imune observada na TB não pode ser interpretada somente com base num paradigma de regulação Th1-Th2.38

É evidente que células T regulatórias (Treg) possuam importante papel na regulação da resposta imune do hospedeiro contra o Mtb e em outras doenças infecciosas.37 Essas células previnem ou suprimem a ativação de outros linfócitos autorreativos. As Tregs são linfócitos TCD4+ e expressam altos níveis de CD25, cadeia α do receptor de IL-2, citocina necessária para a indução e autorregulação da resposta imune mediada por células T e proliferação e função efetora das células NK e células B. A geração de Treg depende do fator de transcrição FoxP3.21 Observa-se no sangue e no sítio da infecção de pacientes com TB número elevado de células Treg CD4+CD25+ e de FoxP3+. É provável que essas células desempenhem importante papel na patogênese da cronicidade da TB.39,40

A resposta imune na TB é muitas vezes modulada por intermédio da atividade imunossupressora, especialmente na doença grave, como evidenciado pela diminuição da produção de IL-2 e IFN-γ, e da anergia às proteínas do teste tuberculínico.12 Esse fenômeno correlaciona-se bem com o aumento na produção de IL-10, TGF-β1 e de outras citocinas com efeitos supressivos sobre a imunidade celular, sobretudo nas lesões granulomatosas pulmonares. O TGF-β1 é importante fator de desenvolvimento e atividade de células Treg. Em casos de TB avançada observa-se nível elevado de IL-4, o que pode sugerir o efeito supressivo de células Treg CD4+CD25+ sobre células TCD4+CD25-.41

A TB apresenta também aumento de células Treg CD4+CD25+ e baixos níveis de secreção de IFN-γ, com inversão dos seus valores após o tratamento. Isto sugere que a expressão de células Treg CD4+CD25+ na doença pode estar relacionada à baixa produção de IFN-γ.36 Essas células podem limitar a resposta imune efetiva, diminuindo o dano tecidual inflamatório, mas sua exagerada expressão pode impedir o controle adequado da infecção.37

O balanço entre a resposta efetora e a regulatória após a infecção pelo Mtb pode ditar o resultado e a progressão para a TB em atividade.41

 

CONCLUSÃO

O êxito na eliminação Mtb depende da correta interação entre a resposta inata ou inespecífica e a adquirida ou específica, em que participam inúmeras células e ampla rede de mediadores químicos. A variedade clínica, a localização pulmonar ou extrapulmonar da TB dependem da virulência do bacilo e do estado imunológico prévio do hospedeiro, que inclui o estado nutricional, enfermidades concomitantes, deficiências intrínsecas da resposta imunitária e fatores genéticos.

A adequada interação entre linfócitos TCD4+ e as células apresentadoras de antígenos (APCs), a produção de IL-12, indutora de citocinas Th1, e a secreção adequada de IL-2, fator de crescimento para a expansão clonal de linfócitos antígeno-específicos, são os responsáveis pela qualidade da resposta imunológica às micobactérias. A principal citocina Th1, o IFN-γ, aumenta os mecanismos microbicidas dos macrófagos para a eliminação do Mtb. Os linfócitos TCD8+ são ativos no mecanismo de lise celular, causando apoptose e consequente destruição do bacilo. Outras populações celulares certamente participam da modulação entre a resposta Th1 e Th2 e muito há que se conhecer a respeito da ação de células Treg na relação entre resposta inflamatória efetiva e autoagressão imunológica.

Como muitos adultos tuberculosos apresentam doenças coexistentes e a maioria se infectou pelo Mtb na infância, merece atenção o estudo de subpopulações de células T afetadas na TB infantil, quando tende a se manifestar de forma mais direta em resposta ao Mtb, o que pode evidenciar com mais nitidez o mecanismo da resposta imune na TB.

É imperioso o melhor conhecimento dos mecanismos que controlam a resposta imune contra o Mtb para a eficiente forma de tratamento e melhor prevenção da TB, seja por uso de novos imunomoduladores, seja na obtenção de vacina mais eficaz.

 

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