RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 1

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Caso 1

Manuel Schütze1; Marcos Guimarães Silva1; Marianna Amaral Pedroso1; Solange Silva Magalhães2; Viviane Santuari Parisotto3

1. Acadêmicos do curso de Medicina na Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médica especialista em Clínica Médica, Plantonista do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Belo Horizonte - CIAT-BH. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Doutora em Pediatria, Professora Adjunta do Departamento de Propedêutica Complementar da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Av. Alfredo Balena, 190
Belo Horizonte, MG - Brasil, CEP: 30130-100
E-mail: parisottoviviane@yahoo.com.br

Recebido em: 24/10/2010
Aprovado em: 23/02/2011

Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil

 

 

 

CASO

Bombeiro, 31 anos, relata ter calçado bota pela manhã e trabalhado por aproximadamente 12 horas seguidas. Ao final desse período, começou a sentir dor progressivamente mais forte, em queimação, no pé direito. Ao retirar a bota e a meia, observou a lesão mostrada na imagem.

Considerando a história e o aspecto da lesão mostrada, o acidente mais provável é picada por:

Phoneutria (aranha armadeira)

Loxosceles (aranha marrom)

Tityus serrulatus (escorpião amarelo)

lacraia.

 

ANÁLISE DA IMAGEM

A imagem mostra uma vesícula no dorso do pé direito, provável conteúdo serossanguinolento, com dois pontos de inoculação e uma área eritematosa ao redor.

 

DIAGNÓSTICO

O paciente relata ter sentido discreta picada ao colocar a bota, mas como não encontrou animal algum ao retirá-la e sacudi-la, colocou-a novamente e foi trabalhar. Informa que começou a sentir dor após cerca de 10 horas. A imagem mostra lesão compatível com veneno de ação proteolítica e hemolítica. Essas características sugerem ampla probabilidade de picada pela Loxosceles, também conhecida como a aranha marrom.

 

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

Na picada pela Phoneutria, ou aranha armadeira, cujo veneno possui ação neurotóxica, observa-se geralmente apenas dor intensa imediata. Os sinais locais, quando presentes, são discretos. Na picada pelo escorpião amarelo, o Tityus serrulatus, a dor também é imediata, muito significativa, muitas vezes acompanhada por irradiação e parestesia do membro atingido. Os sinais locais também são raros. A picada pela lacraia também cursa com dor imediata, seguida do aparecimento de uma área eritematosa e edemaciada. Pode haver necrose, mas é incomum.

 

DISCUSSÃO DO CASO

As aranhas marrons, pertencentes ao gênero Loxosceles, não são agressivas e picam apenas quando comprimidas contra o corpo, geralmente quando a pessoa está se vestindo. São encontradas no interior das casas, dentro de sapatos, roupas e atrás dos móveis. Seu veneno tem ação proteolítica, hemolítica e coagulante. A picada pode cursar com dor discreta ou nenhuma. Inicialmente, o paciente se apresenta assintomático. Após oito a 12 horas, começa a queixar-se de dor, em queimação, de caráter progressivo. No local da picada observa-se o ponto de inoculação com área esbranquiçada de isquemia, rodeada por halo eritematoso. Essa área isquêmica aumenta progressivamente e podem surgir equimoses e sinais de necrose, caracterizando a chamada "placa marmórea".

Pode haver sintomatologia sistêmica como exantema, petéquias, equimose, icterícia, náuseas, tontura, cefaleia e hipertermia. Em alguns casos, pode ocorrer hemólise intensa, levando a anemia, icterícia, insuficiência renal e até ao óbito.

Nos acidentes graves é importante fazer a propedêutica complementar adequada: hemograma completo, bilirrubinas, amilase, ureia e creatinina séricas, urina rotina, TP, PTTa e fibrinogênio. Nesses casos, esperam-se usualmente linfopenia, eosinopenia, leucocitose com desvio à esquerda, hematúria, hemoglobinúria, aumento de amilase e provas de função renal e coagulação alteradas.

O tratamento usual é limpeza local, analgesia com dipirona ou AINES e hiper-hidratação (para prevenir lesão renal). Nos casos moderados ou graves, cinco a 10 ampolas de soro antiloxosceles ou antiaracnídeo devem ser aplicadas IV o mais precocemente possível. Nesses casos também é recomendado o uso de corticoide (prednisona 40-60 mg/dia durante 5-10 dias com redução gradativa, se necessário). Nos acidentes por Loxosceles é importante acompanhamento por 72 horas.

Nota: essas orientações estão de acordo com as recomendações do Centro de Informação Toxicológica de Santa Catarina (CIT/SC), instituição com ampla experiência nesse tipo de acidente.

 

ASPECTOS RELEVANTES

As aranhas marrons não são agressivas, picando apenas quando são comprimidas.

Acidentes ocorrem geralmente em casa, ao se vestir.

Os sintomas iniciam-se após 8-12 horas, a dor é em queimação e de caráter progressivo.

No local, observa-se usualmente ponto de inoculação com área de isquemia (placa marmórea) e halo eritematoso ao redor. Podem surgir bolhas e necrose.

Todas as picadas por animais peçonhentos devem ser lavadas com água e sabão.

Fazer analgesia com dipirona ou AINES, hiper-hidratar os pacientes.

Quando há comprometimento do estado geral, deve ser aplicado soro específico (evitar usar soro em casos leves para não sensibilizar a vítima) e corticoterapia.

Acompanhar pacientes por 72 horas e fazer propedêutica adequada.

 

REFERÊNCIA

1. Andrade Filho A, Campolina D, Borges M. Toxicologia na prática clínica. Belo Horizonte: Folium; 2001.