ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Promoção da saúde e prevenção da violência
Elza Machado de Melo
Nenhum cidadão hoje pode menosprezar o impacto da violência, nenhum profissional de saúde lhe pode fechar os olhos, nenhum de nós está livre de sentir os seus efeitos, pelo simples fato de que é presença marcante na nossa vida, no nosso cotidiano: no mundo, morrem mais de 1,6 milhões de pessoas por ano e mais de 16 milhões de internações/ano são causadas pela violência; no Brasil, é a primeira causa de morte na faixa etária que vai dos cinco aos 49 anos; e em 2006, segundo dados do Datasus, quase 100 mil brasileiros morreram de homicídios, suicídios e eventos no trânsito. Acompanhando esses dados, outros, menos imediatamente visíveis, intensificam a gravidade da situação, sendo este o caso de lesões leves que não demandam cuidados de saúde e não são notificadas; ou aquelas que permanecem ocultas em virtude dos padrões culturais ou dos vínculos existentes entre vítima e agressor, como é o caso da violência doméstica, ou em virtude do medo, quando está envolvido o tráfico de armas e de drogas. E ainda há aquelas que são difíceis de medir e, até mesmo, de perceber, como, por exemplo, a violência psicológica. Como se não bastasse tudo isso, há muitos outros estragos causados pela violência - é funesta a sua consequência para o sistema de saúde, com ocupação dos leitos, demanda por procedimentos mais sofisticados, gastos aumentados; para a sociedade, por causa dos prejuízos econômicos, pelo dilaceramento do tecido social e deterioração das relações; para as pessoas, pelo sofrimento que marca vítimas, famílias e comunidades. Não por acaso, hoje, formalmente, o tema faz parte da agenda da saúde e várias são as formas de sua institucionalização no setor: lançamento, no Brasil, do Programa de Atenção à Saúde Integral da Mulher-PAISM, a partir da influência do movimento feminista, em 1983; promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), resultante de ampla mobilização social da qual participaram os profissionais de saúde, em 1990; reconhecimento formal das reivindicações do movimento feminista pela Organização Mundial de Saúde-OPAS, 1994; inclusão do tema violência na pauta da OPAS em 1993 e da Organização Mundial de Saúde como problema de Saúde de Saúde Pública, 1996; inclusão das causas externas de morbimortalidade na Classificação Internacional das Doenças (CID-10), 1996; instituição do Plano de Ação de Prevenção da Violência contra Crianças e Adolescentes, instituído pelo CONASEMS, em parceria com a UNICEF, 1998; promulgação da Política Nacional de Redução de Morbimortalidade de Acidentes e Violências, 2001; criação do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil (PAIR), 2002; substituição no Relatório Mundial da Organização Panamericana de Saúde do termo "causas externas" pela expressão "violência e saúde", 2002; participação do CONASEMS na Rede Gandhi, 2003; promulgação no Brasil da Política de Direitos Sexuais e de Direitos Reprodutivos, 2004; promulgação do Estatuto do Idoso, 2003; criação, pelo Ministério da Saúde, da Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção de Saúde e Cultura da Paz, constituída por NÚCLEOS de Prevenção da Violência, implantados nos estados e municípios, nas universidades e nos serviços de saúde, 2004; abertura de editais pelo Ministério da Saúde, destinados ao financiamento da estruturação e funcionamentos dos NÚCLEOS - 2005 a 2009; realização dos seminários intitulados "Violência: Uma Epidemia Silenciosa", pelo CONASS, em parceria com o MS e com a OPAS, 2007 e 2008; emissão de Portarias voltadas para a regulação da notificação das violências e acidentes: Portaria 1.968/2001, que trata da notificação obrigatória por profissionais de saúde de violências e maus-tratos contra crianças e adolescentes; Portaria 1.969/2001, referente ao preenchimento e registro das AIHs; Portarias 969 e 970 de 2002, que criam nova ficha de registro dos pacientes no SUS, e Portaria 1.356 de junho de 2006, que define os recursos para a implantação da Rede de Serviços Sentinela de Vigilância de Violências e Acidentes - Rede VIVA/MS. Por fim, não poderíamos deixar de registrar a mesma orientação no âmbito da UFMG, com a criação do NÚCLEO de Promoção de Saúde e Paz, do Departamento de Medicina Preventiva e Social/FM/UFMG, que passa a integrar a Rede Nacional em 2004. Essencial nesse envolvimento do setor saúde com a abordagem do tema violência é o reconhecimento explícito de que ele não pode se restringir, em hipótese alguma, aos danos já causados, por inúmeros motivos, a começar pela própria filosofia do SUS, que se aplica sob medida para esse problema, pois as mortes e os adoecimentos são todos evitáveis e, além disso, dependem fundamentalmente do modo como levamos nossa vida em sociedade; porque é conhecido o fato de que grande parte das vítimas sequer chega ao serviço de saúde e morre no local mesmo do evento e ainda porque sabemos que muito pouco pode ser feito quando o ato já se consumou, tratando-se de vítimas fatais, é claro, mas também das não fatais, irremediavelmente comprometidas, psicológica ou fisicamente. Assim, as palavras de ordem são atenção, promoção de saúde e construção da paz, como estratégias centrais de prevenção da violência, tarefa para a qual, todos, sem exceção, são convocados, lançando mão dos seus saberes e práticas e habilidades. Esse é o sentido deste número da Revista Médica de Minas Gerais: propor esta discussão aos profissionais de saúde. Por isso ele é muito especial.
Elza Machado de Melo
Professora Associada do Departamento de Medicina Preventiva e Social/FM/UFMG
Coordenadora do Núcleo de Promoção de Saúde e Paz/FM/UFMG
Copyright 2024 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License