RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 20. 2

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Artigo Original

O treinamento de pais e cuidadores: ensinando a educar e promovendo a saúde mental

Parents and caregivers training: teaching to educate and promoting mental health

Rute Velasquez1; Sandra das Dores Souza1; Isadora Adjuto1; Lourdes Maria Muñoz1; José Carlos Cavalheiro Silveira1,2

1. Ambulatório do Trauma/Hospital das Clínicas da UFMG, Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Av. Alfredo Balena, 190 - Sala: 810, B: Santa Efigênia
Belo Horizonte, MG - Brasil, CEP: 30.130.100
Email: rutevelasquez@gmail.com

Recebido em: 19/05/2010
Aprovado em: 04/06/2010

Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

Educar sem usar de violência pode ser tarefa difícil, principalmente para quem teve um modelo de educação violenta e tem que enfrentar problemas de comportamento de seus filhos como desobediência, mentira e agressividade. Para evitar a repetição de padrões educativos violentos, existem técnicas de educação pacíficas que podem ser ensinadas, como o treinamento de pais (TP). Este artigo revisou a literatura sobre as experiências brasileiras de treinamento de pais, enfocando as técnicas utilizadas e os seus resultados, verificando a sua aplicabilidade em programas públicos de saúde mental. Foram realizados levantamentos bibliográficos nas bases de dados SCIELO e PUBMED/MEDLINE utilizando-se as palavras-chaves "treinamento pais"; "violência"; "saúde mental"; "TEPT". No total, foram encontrados cinco estudos abordando o treinamento de pais, sendo que apenas um deles utilizou TP em ambulatório de Psiquiatria Infantil. Foi também descrita neste artigo a experiência clínica do ambulatório de trauma da UFMG. Concluiu-se que houve coerência entre os resultados de artigos que relataram o uso de TP e entre estes resultados e a experiência clínica do ambulatório de trauma e que o treinamento de pais e cuidadores pode favorecer que o contexto familiar seja mediador da saúde mental de crianças e adolescentes, ao minimizar as práticas educativas violentas no ambiente doméstico.

Palavras-chave: Pais/educação; Educação em Saúde; Violência; Saúde Mental; Transtornos de Estresse Pós-Traumáticos.

 

O TREINAMENTO DE PAIS (TP)

Compreender que os problemas de comportamento dos filhos podem estar associados ao contexto familiar já foi novidade. Stanley G. P. Hall, em 1888, fundou a primeira instituição destinada ao estudo do desenvolvimento infantil e em específico à educação de pais, estabelecendo nova perspectiva sobre o cuidado aos filhos. Na segunda metade do século XX surgiu a necessidade de os pais adotarem postura democrática na educação de seus filhos, baseada no respeito mútuo, no reconhecimento dos sentimentos da criança e no favorecimento do autoconhecimento. O papel dos pais foi considerado vital para o adequado desenvolvimento dos filhos, na perspectiva denominada abordagem ecológica do desenvolvimento. Para Urie Bronfenbrenner, essa abordagem "privilegia os aspectos saudáveis do desenvolvimento, os estudos realizados em ambientes naturais e a análise da participação da pessoa focalizada no maior número possível de ambientes e em contato com diferentes pessoas [...]." 1 Na história da Psicologia moderna, segundo Goldwin2, alguns dos mais antigos e importantes precursores da ideia de se utilizarem colaboradores na terapia foram Mowrer e Mowrer3, quando realizaram uma intervenção em que os pais atuavam para o tratamento da enurese noturna dos filhos - os autores criaram um colchão que fazia soar uma campainha quando era molhado e obtiveram êxito no tratamento da enurese noturna. A sua experiência contribuiu para evidenciar a importância da atuação psicoterapêutica dos pais no ambiente natural da criança. Isso permitiu à criança ter mais contato com as intervenções psicoterapêuticas, que ocorriam no ambiente natural durante todos os dias e não mais uma vez por semana, apenas durante uma hora e no consultório; os resultados demonstraram mais eficiência, havendo também diminuição dos custos do tratamento. McMahon4 considera que foram decisivos no histórico do desenvolvimento de técnicas de TP os diversos estudos sobre os enfoques psicoterapêuticos tradicionais e a constatação da inexistência de diferenças entre os indivíduos que haviam recebido o tratamento psicológico tradicional e aqueles do grupo-controle - sem qualquer tratamento. Esses resultados evidenciaram a necessidade da criação de estratégias que facilitassem ao sujeito generalizar suas conquistas obtidas no contexto clínico para o ambiente natural, assim os ganhos adquiridos na psicoterapia seriam aplicados nos locais em que o problema de comportamento se apresentava.

O treinamento de pais pode ser conceituado no contexto clínico e da saúde como um enfoque para o tratamento dos problemas de comportamento que utiliza estratégias por meio das quais os pais são treinados a modificar a interação pais-filhos, com a finalidade de estimular o comportamento pró-social e diminuir/eliminar os comportamentos desadaptativos.5

Segundo McMahon4, ensinar os pais a atuarem como coterapeutas, a fim de modificar o comportamento problemático de seus filhos, foi ideia que surgiu no início da década de 60, como alternativa aos enfoques da terapia infantil tradicional. O modelo de TP nas décadas de 60 e 70 era triádico e envolvia: "um terapeuta (consultor), que trabalhava diretamente com o pai (mediador) para reduzir o comportamento problema da criança (objetivo)". Conforme Caminha e Pelisoli6, no período de 1980 houve aumento na conscientização de que os pais tinham papel educativo e terapêutico que poderia ser treinado para favorecer o desenvolvimento adequado de seus filhos. Segundo White et al.7: "Parent training is one of the most effective interventions for behaviour problems in young children. Most models of parent training are largely behavioural in content and have been developed from social learning theory".

A prática de TP aplicado à promoção da saúde mental infanto-juvenil

Os transtornos mentais geralmente diagnosticados pela primeira vez na infância ou adolescência - DSM-IV, 1995 - e que mais incomodam aos pais são aqueles relacionados a comportamentos externalizantes (hostilidade, oposição, agressividade, fugas, choro persistente), pois eles desequilibram as famílias e, mais rapidamente, geram a busca pelos serviços de saúde mental. No ambulatório de trauma (AMTRA) dos serviços de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, é muito comum a procura de mães pelo serviço em busca de solução para os transtornos de conduta de seus filhos, diante dos quais elas demonstram aumentar a frequência de comportamentos, como: negligência, maus-tratos, violência, incoerência nas regras educativas e punição inconsistente (a criança ora é punida, ora não ao praticar os mesmos atos), disciplina relaxada, falta de afeto e brigas intrafamiliares. Essas observações clínicas corroboram os achados de Carvalho e Gomide8, Ferreira e Marturano9 e Salvo et al.10 A relação entre estilos parentais de educação, transmissão intergeracional e conduta dos filhos pode ser verificada em Oliveira et al.11.

Stern12 demonstrou que pais que batem em seus filhos os tornam mais agressivos e essas crianças, por sua vez, aprendem a valorizar a força e o poder nos relacionamentos, reproduzindo o comportamento de seus pais, em vez de se expressarem e compartilharem verbalmente.

O TP tem sido aplicado a uma ampla variedade de problemas infantis; [...] e como uma primeira intervenção para pais que correm o risco de descuidar e maltratar seus filhos.2

 

METODOLOGIA

Foi realizado levantamento bibliográfico a respeito de TP utilizando-se as palavras-chave "treinamento de pais"; "saúde mental"; "violência"; "TEPT". Foram encontrados cinco programas de intervenção aplicados em âmbitos distintos. A base de dados mais profícua nesta pesquisa foi a Scielo, na qual foram encontrados dois artigos. Além desses, encontraram-se artigos em periódicos não indexados: um na Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, outro na Revista da Faculdade da PUC do Rio Grande do Sul e um no site Contextos Clínicos. Foram publicados três relatos sobre intervenções práticas com pais em hospital geral, sendo que apenas um era, de fato, um programa de TP. Os periódicos referidos são: a) revista eletrônica de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás; b) revista eletrônica Pediatria do Departamento de Medicina da USP; c) a mais recente (2009), o caderno Estudos de Psicologia (Campinas), em total de cinco artigos em língua portuguesa utilizando a técnica de TP. Na base de dados PubMed/MedLine não foram encontrados artigos em língua inglesa contendo as exatas palavras-chave citadas, mas somente práticas com grupos que não possuíam as características, o método e/ou as técnicas do TP.

 

DISCUSSÃO

Pinheiro et al.13 conduziram intervenção dirigida a pais de crianças com problemas de comportamento, moradores de duas favelas em Belo Horizonte. O programa contou com 55 pais, distribuídos em quatro grupos de aproximadamente 14 participantes cada. A idade média dos filhos era de 8,84 anos, sendo 61% do sexo masculino. A intervenção teve duração de 11 semanas, composta de passos semanais sequenciados, em adaptação do modelo de TP de Barkley14: 1- Por que as crianças se comportam mal; 2: Preste atenção no bom comportamento de seu filho; 3: Aumentando a brincadeira independente; 4: Prestando atenção no comportamento de seguir instrução; 5: Ensinando a "ler" o ambiente social; 6: Facilitando a empatia; 7: Melhorando o comportamento na escola; 8: Representação de papéis; 9: Desenvolvendo a capacidade de se expressar. Concluiu que, ao se aprimorarem as habilidades sociais educativas dos pais, são favorecidas as práticas disciplinares não-coercivas e os resultados (depoimentos) foram considerados positivos.

Coelho e Murta15 realizaram experiência de TP em grupo no Centro de Estudos, Pesquisa e Prática Psicológica (CEPSI) de Goiás. O seu objetivo foi analisar os resultados do programa estruturado de TP em grupo em relação ao "desenvolvimento de práticas educativas parentais positivas, habilidades sociais educativas e estratégias adequadas de enfrentamento a estressores externos."15 Os participantes desse programa foram sete pais e mães, com idades que variaram de 31 a 50 anos, com escolaridades entre o ensino fundamental e médio. A renda individual variou de um a três salários mínimos. As queixas foram:

Dificuldades de aprendizagem, timidez excessiva, agressividade, individualismo, dificuldades em manter interação com outras crianças, não respeita adultos, não tem limites, inquieto, não se alimenta, dificuldade de concentração e atenção, birras excessivas em casa e indisciplinado.15

A escolha dos pais foi feita a partir das fichas de triagem dos filhos no CEPSI, seguida por contato telefônico. Esse programa trabalhou com os pais e com os filhos. Os instrumentos foram: entrevista não-estruturada inicial e final e a lista Child Behavior Checklist (CBCL), respondidos pelos pais. Os participantes formaram dois grupos, um na parte da manhã com três mães e o outro na parte da noite com dois pais e duas mães. Os dois grupos tiveram 20 sessões de 90 minutos. O programa foi desenvolvido em quatro fases e em cada uma delas eram abordadas questões relacionadas ao objetivo do programa em sessões sequenciadas. Na fase inicial, composta de quatro sessões, houve a apresentação dos membros do grupo, realização do contrato terapêutico e a avaliação inicial. Nas próximas sete sessões foi realizada a fase intermediária I, que abordou os princípios da análise do comportamento, práticas educativas parentais e habilidades sociais educativas.16 A fase intermediária II desenvolveu-se em sete sessões e foram utilizadas técnicas como: enfrentamento a estressores externos17, responsividade na interação entre pais e filhos e convívio social e conjugal.18 Na fase final foram realizadas sessões para a avaliação final. Os resultados foram obtidos dos relatos dos participantes e das entrevistas ao início e ao fim do tratamento, assim como o CBCL, quando foram constatadas mudanças no comportamento de todos os participantes.

Em Belo Horizonte-MG, foi realizado um programa de TP junto a famílias de uma comunidade carente com o objetivo de avaliar a efetividade contexto.19 A metodologia envolveu reuniões mensais em uma creche na comunidade, onde ocorreu a seleção de pais. Após o primeiro contato, os pais que decidiram aderir à pesquisa responderam à entrevista clínica motivacional. Participaram 30 pais e mães, distribuídos em dois grupos de 15 sujeitos. Dos 30 participantes, 14 concluíram as seis etapas do programa. A idade média dos filhos foi de cinco anos de idade. A intervenção se deu com o total de oito encontros semanais, com duração de 90 minutos. O programa foi baseado em Barkley14, adaptado por Pinheiro et al.13 Os passos de TP usados a partir da segunda sessão foram: 1)Por que as crianças se comportam mal? 2) Prestando atenção ao bom comportamento de seu filho; 3) Aumentando a brincadeira independente; 4) Dando ordens eficientes; 5) Ensinando seu filho a ler o ambiente; 6) Melhorando o contato com a creche/escola. O programa foi avaliado por: questionário de situações domésticas e o inventário de comportamentos inoportunos14 a fim de verificar junto aos pais a agressividade, a desobediência e as condutas de ameaça e manipulação. A análise de escalas no pré e no pós-teste mostrou que houve diminuição significativa na impulsividade, na agressividade e no oposicionismo dos filhos. Os autores concluíram que o programa foi eficiente.

Em outro estudo, Weber et al.20 elaboraram um Programa de Qualidade de Interação Familiar (PQIF) para capacitar os pais a manejarem as contingências de práticas educativas, o que implicaria alteração no ambiente dos filhos, que poderia refletir em mudanças no seu comportamento. Participaram da pesquisa 93 pais e mães de crianças e de adolescentes. A idade média dos pais foi de 36 anos. Foram realizados oito grupos, em diferentes localidades (dois em escolas públicas, dois em escolas particulares, um em creche pública, três em salas da Universidade Federal do Paraná). A convocatória foi a partir de divulgação do PQIF na mídia. Cada grupo contou com sete, 17, oito, oito, 20, sete, 12 e 14 participantes. O Programa PQIF foi baseado nas pesquisas realizadas para elaboração do instrumento EQIF (Escalas de Qualidade de Interação Familiar) e foi aperfeiçoado com a revisão da literatura sobre TP. Nesse estudo as queixas principais dos pais em relação aos filhos eram desobediência, mentira e birra. O objetivo do programa era tornar os pais conscientes de seus comportamentos e das suas implicações, conforme Weber et al.20. O programa PQIF consistiu de oito encontros semanais, com seguintes temas pré-definidos: (1) aprendizagem; (2) relacionamento afetivo e envolvimento; (3) regras e limites; (4) reforçamento; (5) punições; (6) voltando no tempo, (7) autoconhecimento e modelo, (8) fechamento. Nos encontros ocorriam vivências, explicações teóricas, discussões de dúvidas, treinamentos, tarefas de casa e autorregistro. Foram elaboradas para esse programa apostilas e vídeos didáticos. Foi usada uma ficha de avaliação final no último encontro (FAF), contendo três perguntas abertas (pontos positivos, pontos negativos e sugestões) e oito fechadas (objetivo, conteúdo, material didático, participação nos encontros, duração, interesse, aplicabilidade e expectativas atingidas). Os pais relataram muitas mudanças de comportamentos em seus próprios repertórios e no de seus filhos. A maioria das modificações observadas nos filhos foi relacionada, pelos pais, a nova forma de agir a partir do reforço de comportamentos corretos.

Quanto às experiências em hospitais, as intervenções foram realizadas junto a pais de crianças hospitalizadas21, sejam portadoras de doenças graves22, pais ou cuidadores de portadoras de transtornos psiquiátricos atendidos no ambulatório de Psiquiatria infantil do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto-SP, respectivamente.23 Em dois desses trabalhos ocorreram intervenções importantes e positivas em seus resultados, mas, aparentemente, não foram estruturadas como programa de TP. O terceiro artigo22 utilizou o TP em hospital psiquiátrico com o objetivo de avaliar a eficácia de um programa em grupo para a redução dos sintomas de transtorno desafiador opositivo (TDO) e transtorno de conduta (TC) em crianças brasileiras com TDO - DSM-IV, 1995. A amostra foi composta de seis mães e um casal de avós. Utilizaram como método o Programa de Intervenção Comportamental em Grupo para Pais de crianças e Pré-adolescentes (PICGP), estruturado por Marinho17 e adaptado às necessidades e características dos pacientes e da instituição. O método incluiu 10 sessões semanais de 90 minutos e utilizou como instrumentos: Ficha de Entrevista Clínica, Inventário de Habilidades Sociais, Inventário de Sintomas de Estresse de Lipp e Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência, aplicados no início, final e dois meses após a realização do grupo. Os autores obtiveram, como resultados, mudança no nível das habilidades sociais dos pais (p=0,013), redução de sintomas significativos de estresse nos cuidadores pré, pós e seguimento pós-intervenção e redução significativa de problemas internalizantes (p=0,009), externalizantes (p=0,001) e problemas totais (p=0,003) pós-intervenção. Para esses autores, o TP mostrou-se eficaz na melhoria de sintomas de TDO e TC em pacientes com TODO.

O treinamento de pais em ambulatório de Psiquiatria na UFMG

A última experiência a ser apresentada é a proposta do ambulatório de trauma (AMTRA) dos serviços de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para a utilização em seu ambulatório do TP para a prevenção do uso de práticas "educativas" violentas dos pais e cuidadores, aliada à psicoterapia cognitiva para os filhos com transtorno de estresse pós-traumático. A partir da constatação de que os pais usavam violência contra seus filhos e gostariam de parar com essas práticas, mas não sabiam como proceder, foram realizadas entrevistas livres com os pais e descoberto que eles também haviam passado por situações de violência em sua juventude. Na literatura científica, Oliveira et al.24 e Papalia e Olds25 já haviam relatado tendência à reprodução de parâmetros educativos assimilados no ambiente familiar, quando os filhos estabelecem nova família. Assim, surgiu a necessidade não só de tratar o abusado com TEPT, mas também de prevenir a perpetuação da violência, modificando, pela aprendizagem ativa, o comportamento educativo com base no TP, buscando romper um possível ciclo de violência entre as gerações.

Com seis mães e cuidadoras de crianças e adolescentes com TEPT atendidos no ambulatório foi estabelecido o TP e cuidadores do AMTRA (TPC), sendo o número aumentado para oito participantes na segunda sessão por adesão espontânea, passando então a um grupo fechado. Muitas das crianças e adolescentes atendidos no AMTRA eram cuidadas por avós, estavam em instituições ou lares adotivos (retiradas dos pais pelos conselhos tutelares). A faixa etária dos participantes desse grupo-piloto ficou entre 28 e 50 anos e a escolaridade variou entre analfabetos e ensino superior completo. Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada para recolher dados sobre a relação entre pais e filhos. O TP foi realizado em um consultório no próprio ambulatório. O TP do AMTRA utilizou como fundamentação a terapia cognitivo-comportamental em grupo26, Barkley14 e Pinheiro13, e teve como objetivo inicial promover autoconhecimento em grupo e elaboração dos aspectos principais a serem tratados. Com isso esperava-se a formação de um grupo terapêutico de fato e não um programa de instrução coletiva.

Para tanto, os dois coordenadores do grupo e um observador ensinaram habilidades comunicativas básicas e de enfrentamento do estresse, necessárias para a abordagem assertiva dos problemas. As sessões tinham 90 minutos e eram semanais. O processo de intervenção ocorreu em duas fases: a fase inicial foi psicoterapêutica e realizada em 16 sessões quando se tratou de aprofundar e aumentar a consciência sobre as emoções e sobre as questões subjetivas relacionadas aos eventos traumáticos vividos por seus filhos, aos sintomas do TEPT manifestados em comportamento dos filhos e ao relacionamento parental. A fase final foi composta de sete sessões, em que foi desenvolvido o programa estruturado de Treinamento de Pais e Cuidadores (TPC). O TPC seguiu os seguintes passos: a) Por que as crianças se comportam mal? A tarefa era refletir o que os pais ou cuidadores poderiam fazer para modificar a situação problema. Procurava-se manter o foco nos próprios comportamentos; b) Um tempo dedicado ao seu filho, quando se buscava que os pais e cuidadores prestassem atenção aos bons comportamentos e se utilizassem de conversas na interação com seus filhos. A tarefa era dedicar um período diário ao filho (cerca de 20 minutos); c) Como agir p/ que seu filho não o interrompa, ensinando-o como aproveitar seu tempo sozinho. Como utilizar de estímulos competitivos. Como dar ordens e fazer pedidos. A tarefa era diferenciar obrigação de favor, estimular a autonomia e a vontade; d) Comunicação eficiente. Ensine seu filho a ler o ambiente. Observar e compreender os dados das emoções, desenvolvendo a capacidade de expressá-las. Recolher as pistas do ambiente e estabelecer estratégias de ação compatíveis. Para essa tarefa foi criada uma atividade de identificação e nomeação de sentimentos; e) Conversa com a professora na escola do filho e participação na autoavaliação do filho sobre os seus próprios comportamentos e sentimentos na escola e em outros ambientes; f) Representação de troca de papéis e finalização com conclusões do grupo e opinião dos coordenadores.

Os pais e cuidadores avaliaram as mudanças no comportamento de seus filhos, relatando o desenvolvimento de novas habilidades sociais. Consideraram que houve alteração positiva na qualidade das relações com seus dependentes, com redução dos problemas de comportamento das crianças e adolescentes e diminuição do uso de práticas violentas na educação de seus filhos. Como o programa de TPC foi desenvolvido em formato de grupo, ressaltam-se as vantagens psicológicas e econômicas dessa modalidade terapêutica: o aumento do número de pessoas atendidas nos serviços de saúde mental, a potencialização dos ganhos terapêuticos pela aprendizagem entre os pares e o baixo custo.

 

CONCLUSÃO

O TP é método que utiliza técnicas de modificação de comportamento próprias. Houve coerência entre os resultados de artigos pesquisados na literatura, que relataram o uso de técnicas de TP, e entre os resultados e a prática clínica do AMTRA. O TP pode ser tratamento útil para o manejo e melhora dos sintomas de transtornos mentais e problemas de comportamento de crianças e jovens.

A implantação de programas de TPC em ambulatórios de Psiquiatria pode ser inovação proveitosa nos atendimentos de saúde mental pública, não só pelo aumento potencial no número de sujeitos atendidos, como também pelo desenvolvimento de habilidades sociais que possibilitam a pais ou cuidadores atuarem como um apoio social adequado no cenário doméstico. Pensa-se que o TPC pode favorecer que o quadro familiar seja mediador da saúde mental de crianças e adolescentes, por minimizar as práticas educativas violentas no ambiente doméstico.

 

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