RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 20. 2

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Artigo Original

Qualidade de vida e perfil sociodemográfico de médicos da estratégia de saúde da família

Quality of life and social-demographic profile of physicians in family health strategy

Sybelle de Souza Castro Miranzi1; Cristiane Alves Mendes2; Altacílio Aparecido Nunes3; Helena Hemiko Iwamoto4; Mário Alfredo Silveira Miranzi5; Darlene Mara dos Santos Tavares6

1. Doutor em Saúde Pública pela ERRP/USP. Universidade Federal do Triângulo Mineiro
2. Acadêmica do 12º período de Medicina da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
3. Professor Doutor, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto/SP
4. Doutor em Enfermagem Fundamental pela ERRP/USP. Universidade Federal do Triângulo Mineiro
5. Doutor em Saúde Pública pela UNICAMP. Universidade Federal do Triângulo Mineiro
6. Doutor em Saúde Pública pela ERRP/USP. Docente da Universidade Federal do Triângulo Mineiro

Endereço para correspondência

Profª Sybelle de Souza Castro Miranzi
Departamento de Medicina Social, Hospital de Clínicas - UFTM, Uberaba, MG, Brasil
Av. Getúlio Guarita, 130, Abadia
Uberaba, MG - Brasil, CEP: 38.025-440
Email: sybelle@mednet.com.br

Recebido em: 02/10/2009
Aprovado em: 20/04/2010

Instituição: Universidade Federal do Triângulo Mineiro

Resumo

INTRODUÇÃO: o médico da Estratégia de Saúde da Família (ESF) possui atribuições desde ações de promoção de saúde até práticas de cura e reabilitação. Pouco se sabe sobre a qualidade de vida (QV) desses profissionais promotores de saúde.
OBJETIVO: descrever o perfil sociodemográfico, epidemiológico e avaliar a qualidade de vida dos médicos que compõem as equipes da ESF.
MÉTODO: estudo do tipo inquérito transversal, sobre a população de médicos da ESF dos 27 municípios da área de abrangência da Gerência Regional de Saúde de Uberaba/MG. Os dados foram coletados entre junho e agosto de 2007 por meio de entrevistas, utilizando-se o WHOQOL-100 e questionário auxiliar. A análise dos dados utilizou a sintaxe do WHOQOL-100 e, no cálculo de diferenças entre proporções, os testes do qui-quadrado ou o exato de Fischer ou teste Z. Para verificação de diferenças entre médias, empregou-se o teste t de Student para amostras independentes ou a análise de variância (ANOVA). Foi considerado o nível de significância de 5% nas análises.
RESULTADOS: 73 (95%) médicos responderam ao questionário, com média de idade de 33 anos, a maioria feminina (54,8%). Grande parte relatou ter saúde boa ou muito boa e 57,5% negaram qualquer problema de saúde atual, 17,8% referiram problemas com álcool ou outras drogas e 15%, cardiopatia. A avaliação da QV pode ser considerada boa para os aspectos: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais e aspectos espirituais/crenças pessoais.
CONCLUSÕES: os médicos apresentaram boa QV.

Palavras-chave: Qualidade de Vida; Saúde da Família; Médicos; Saúde do Trabalhador; Medicina de Família e Comunidade; Atenção Primária à Saúde.

 

INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi implantado na década de 1990 e embasava-se nos princípios de universalidade, descentralização, equidade, integralidade e participação social. Neste contexto, a fim de consolidar tais princípios, houve, por parte do governo, mais preocupação com a atenção básica em saúde, definida como "um conjunto de ações, de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento e a reabilitação".1

A reorientação e readequação das necessidades da atenção básica foram coroadas com a criação, em 1994, do Programa de Saúde da Família (PSF), hoje denominado Estratégia de Saúde da Família (ESF). Aos olhos do Ministério da Saúde, a ESF transformaria o modelo de atenção à saúde, adotando nova dinâmica na organização dos serviços e ações de saúde alicerçada nos princípios do SUS e nos pressupostos da atenção primária em saúde, dimensionados por Starfield2: primeiro contato, longitudinalidade, abrangência do cuidado, coordenação e orientação à família e às comunidades. Esse modelo de atenção à saúde é organizado por equipe multiprofissional responsável pelo cuidado de população circunscrita e que define o generalista como o profissional médico de atenção básica.3,4

É importante destacar que a Medicina de Família e Comunidade (MFC) é uma especialidade clínica que se insere nesse novo modelo de atenção à saúde e abrange práticas de promoção, proteção e recuperação da saúde dirigida a pessoas, famílias e comunidades, portanto, tem função, sobretudo, na promoção da atenção integral à saúde. Os princípios da MFC foram formalizados pela Organização Mundial dos Médicos de Família - WONCA.5

A implantação dessa estratégia se deu e ainda se mantém de forma heterogênea em todo o país, seja na efetividade das ações, na sua cobertura geográfica ou na qualidade dos serviços prestados.6 Por fazer parte de cenário político relativamente recente, existem poucos estudos que objetivam determinar o perfil sociodemográfico e/ou a qualidade de vida (QV) e saúde desses importantes profissionais, que também são agentes transformadores dessa política de saúde voltada para a atenção básica.7-11

A discussão da QV pode ser ampliada para outras áreas de atuação como forma de avaliação da experiência dos trabalhadores no ambiente de trabalho - qualidade de vida no trabalho (QVT). Os conceitos fundamentais da QVT são: participação do trabalhador nas decisões que envolvem o desempenho de suas funções; reestruturação de tarefas, estruturas e sistemas que proporcionem mais liberdade, satisfação com o trabalho; valorização do trabalho, justiça e adequação do ambiente de trabalho às necessidades individuais do trabalhador.12-14

A insatisfação com o processo de trabalho, as alterações emocionais ou familiares e doença iminente, entre outros fatores, podem alterar o estilo de vida dos trabalhadores da ESF, podendo comprometer a capacidade de execução de tarefas cotidianas.15 Esses trabalhadores podem ter sua QV alterada num curto espaço de tempo devido ao comprometimento da integridade físico-emocional, perda da autoestima ou processo de trabalho insatisfatório, o que pode afetar diretamente a qualidade do serviço prestado aos usuários. A alteração na QV pode repercutir tanto no processo de trabalho quanto no desempenho da equipe. Para Rosa e Pilatti12, não existe QVT sem qualidade de vida, e vice-versa.

A QV e QVT são conceitos pluridimensionais e em desenvolvimento.12 Desta forma, justifica-se o interesse de desenvolver e aprimorar os instrumentos que possam mensurar a QV das pessoas em diferentes grupos sociais, a fim de que estes possam levar às mudanças das práticas assistenciais, promovendo superação de modelos eminentemente biomédicos, que refutam os aspectos socioeconômicos, psicológicos e culturais imprescindíveis para a compreensão e escolha de estratégias de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação da saúde. Medidas objetivas de mensuração da QV podem atuar como adjuvantes da análise de intervenções terapêuticas e sociais.13 O intuito deste estudo é oferecer subsídios para melhor entender o processo de trabalho em saúde, a prática clínica e a relação trabalhador-usuário.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), QV é "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações".14 Na década de 1990, a partir de um projeto multicêntrico, foi elaborado um instrumento, o World Health Organization Quality of Life - 100 (WHOQOL-100). Esse instrumento possui abordagem transcultural e aborda três aspectos referentes ao constructo QV: subjetividade (percepção do indivíduo sobre sua vida), multidimensionalidade (o construto abrange várias dimensões da vida) e presença de elementos de avaliação tanto positivos quanto negativos.15,16 A opção por esse instrumento de coleta de dados foi por ele ser genérico e validado no Brasil.

O presente estudo teve por objetivos descrever o perfil sociodemográfico e epidemiológico e avaliar a QV de profissionais médicos que compõem as equipes de Saúde da Família em 27 municípios do estado de Minas Gerais.

 

MATERIAL E MÉTODO

Este foi um estudo transversal, realizado junto às equipes da ESF dos 27 municípios que compõem a Gerência Regional de Saúde (GRS) de Uberaba, no estado de Minas Gerais. Foram realizadas entrevistas com os médicos generalistas das equipes, sendo coletadas as seguintes variáveis: 1) questões componentes do WHOQOL-100 (Quadro 1); 2) relativas ao perfil sociodemográfico e epidemiológico: município, unidade de PSF, idade, sexo, estado civil, renda salarial, nível de saúde, curso de atualização/aprimoramento/especialização, vínculo empregatício, número de dependentes, número de pessoas que moram na mesma casa, horas trabalhadas por dia, número de vínculos empregatícios, doença presente e satisfação com o trabalho.

 

 

Os dados foram coletados de junho a agosto de 2007. Foram empregados dois instrumentos de coleta de dados: a) ficha de informações sobre o respondente e b) questionário de mensuração da qualidade de vida, o World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-100) - versão em português, composto de 100 questões distribuídas em seis domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade/crenças pessoais, sendo esse instrumento validado no Brasil. As respostas foram baseadas nas duas semanas anteriores da vida do entrevistado.

Análise estatística

Os questionários foram digitados e armazenados no software Excel, com tabulação, consolidação e análise empregando-se os softwares Epi-info 6.04 e o SPSS versão 14.0 na sintaxe do WHOQOL-100. Os mais altos escores corresponderam à melhor qualidade de vida. Não existe um ponto de corte, a sintaxe gera uma escala de análise dos indivíduos que varia de 4-20, sendo o cálculo da média ou índices de correlação maneiras usuais de apresentação dos resultados e análise comparativa dos mesmos. As perguntas do WHOQOL-100 possuem quatro tipos de escala de resposta: intensidade, capacidade, avaliação e frequência, exemplificado no Quadro 2.

 

 

No cálculo de diferenças entre proporções utlizou-se o teste do qui-quadrado ou o exato de Fischer ou teste Z. Para verificar as diferenças entre médias, empregou-se o teste t de Student para amostras independentes ou a análise de variância (ANOVA), quando apropriado. Quando se optou por verificar a distribuição e diferenças entre medianas, usou-se o teste de Kruskal-Wallis. Para verificar a correlação entre os domínios e algumas variáveis, adotou-se o Coeficiente de Correlação de Spearman. Nível de significância de 5% foi considerado nas análises.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM - protocolo 791). Os médicos foram contactados nas unidades de saúde, aos quais foram apresentados os objetivos, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e oferecidas as informações pertinentes. Somente após a anuência do entrevistado e assinatura no referido termo conduziu-se a entrevista.

 

RESULTADOS

Para melhor compreensão, os resultados foram divididos em: a) perfil sociodemográfico e epidemiológico; b) QV.

a) Perfil sociodemográfico e epidemiológico: dos 77 médicos que trabalhavam nas equipes de ESF das 27 cidades da GRS de Uberaba, 73 (95%) responderam ao questionário apresentando média de idade de 33 anos (mínimo 24 e máximo 80). O sexo feminino correspondeu a 54,8% da amostra (p= 0,2), com média de idade de 34,3 anos (±8,8), ao passo que a média de idade dos homens foi de 42,4 anos (±16), com diferença significativa entre os dois sexos (p < 0,05). Quanto ao estado civil, 37% (27) eram solteiros e 50,7% (37) casados. Entre os entrevistados, 57,5% negaram qualquer problema de saúde atual (saúde boa ou muito boa), 17,8% referiram problemas com álcool ou outras drogas e 15% informaram cardiopatia; 64,8% possuíam mais de um dependente, 35,2% não possuíam dependentes e 10,9% viviam sozinhos. Todos estavam fazendo algum tipo de curso, predominando o de atualização seguido de especialização. Quanto ao número de vínculos empregatícios, 39,7% possuíam um e 43,8% dois ou mais (p =0,62). Quanto ao tipo de vínculo na ESF, a maioria declarou ser contratada em regime de CLT e por tempo determinado. Quanto à renda mensal, referente ao trabalho na ESF, 87,7% recebiam mais de R$ 2.800,00 (equivalente a oito salários mínimo da época), enquanto que ao se analisar a carga horária, metade trabalhava seis e a outra metade oito horas/dia. Destes, 40,2% estavam bastante satisfeitos com o trabalho, enquanto 55,5% estavam "mais ou menos" satisfeitos (Tabela 1).

 

 

b) QV: em relação à frequência ou preocupação com a dor e desconforto ou dificuldade de lidar ou limitação causada por estes, 75% dos médicos responderam que sentiam dor e desconforto "mais ou menos", embora manifestassem estar satisfeitos e com energia para o trabalho e que o cansaço pouco incomodava nas atividades diárias (média = 14,21). Quanto aos problemas de sono e repouso, 75% ressaltaram ter sono "muito bom" e 25% sono "ruim" a "nem ruim ou nem bom" (média = 15,74). No tocante a sentimentos positivos, 75% apresentaram-se "bastante otimistas" e 25% "mais ou menos" otimistas (média = 14,79), destacando, ainda, na maioria, "muito boa" capacidade de aprendizado, concentração, memória e raciocínio (média = 15,34). A maioria (75%) mostrou-se "bastante" a "extremamente" satisfeita com a imagem corporal e aparência (média = 16,23) e informaram "muito poucos" sentimentos negativos (média = 9,41). Dos entrevistados, 75% tinham "bastante" facilidade de locomoção e para executar atividades da vida cotidiana, com "nenhuma" ou "muito pouca" dependência de medicação ou tratamento, bem como eram "completamente" capazes de trabalhar (média = 17,43). A maioria (75%) estava "bastante" a "extremamente" satisfeita com os relacionamentos sociais (média = 16,17) e reportaram ter "bastante" apoio/suporte social (média = 15,28). Esses profissionais referiram estar "bastante" satisfeitos com a atividade sexual (média = 15,05). Declararam-se, em 75% das respostas, inseguros ou "mais ou menos" seguros quanto à proteção física (média = 12,39) e "bastante" satisfeitos com o local onde moravam (média = 15,75). Salientaram, em 75% das vezes, estar mais ou menos satisfeitos com os recursos financeiros (média = 12,91), boa disponibilidade e qualidade em relação aos cuidados com a saúde, ter muitas oportunidades de recreação e lazer e dispor de boas oportunidades de adquirir novas informações e habilidades (médias = 15,06; 12,91 e 17,00, respectivamente). Consideraram, em 75% das vezes, saudável o ambiente em que viviam, além de possuírem "extrema" facilidade com transporte. Em 75% das respostas apurou-se "bastante" suporte de vida em espiritualidade/religião/crenças pessoais, além de "bastante" satisfeitos com QV e saúde. Verificaram-se diferenças ao se analisarem as médias das facetas que compõem os domínios físico (Domínio 1), psicológico (Domínio 2), nível de independência (Domínio 3) e relações sociais (Domínio 4), com significância estatística, denotando distribuição heterogênea das variâncias em torno das médias encontradas, enquanto que entre as médias do domínio ambiente (Domínio 5), não foi registrada diferença, sugerindo homogeneidade entre as variâncias (Tabela 2).

 

 

A Tabela 3 retrata os escores dos domínios que afetam a QV segundo a OMS, numa escala que varia de quatro a 20. Quanto mais próximo de 20, melhor a QV referida pelos médicos. De modo geral, esses trabalhadores da ESF apresentaram QV satisfatória, sendo o domínio que mais influenciou para isso o nível de independência; e os que menos influenciaram foram os aspectos físicos e do ambiente. Notaram-se, ao se compararem as médias entre os domínios, diferenças significativas (p < 0,05) entre o domínio físico, que apresentou menos contribuição para a QV, quando comparado aos domínios psicológico, nível de independência, relações sociais e espiritualidade.

 

 

Verificaram-se diferenças significativas, ao se comparar a QV entre os gêneros (Tabela 4), com base na análise de diferença entre as médias das facetas componentes dos seis domínios, entre as facetas oito (domínio psicológico) e 24 (aspectos espirituais/religião/crenças pessoais), em que os valores encontrados entre as médicas foram significativamente superiores aos dos médicos (p < 0,05). Esses dois aspectos contribuíram positivamente para a QV mais nas mulheres que nos homens.

 

 

Pode-se notar, na análise da correlação entre as variáveis, que o domínio físico apresentou correlação positiva com as variáveis salário e renda total, boas condições de saúde, estado civil e idade, enquanto que com o número de vínculos de emprego a correlação foi negativa, ou seja, quanto mais alto o número de vínculos, mais baixo o índice de QV relativo ao domínio físico. Em relação ao domínio psicológico, foram encontradas correlações positivas significativas com a renda total, as boas condições de saúde, satisfação com o trabalho, estado civil e com a idade, enquanto que com os domínios nível de independência, relações sociais e ambiente, as correlações positivas significativas observadas foram com as boas condições de saúde e satisfação com o trabalho. O domínio aspectos espirituais/religião/crenças só apresentou significativa correlação positiva com o vínculo de emprego estatutário (Tabela 5).

 

 

DISCUSSÃO

O trabalho atual na atenção primária constitui-se de grande complexidade, por estar permeado em caminho de mudanças paradigmáticas do processo de gestão e do trabalho em saúde. O desempenho do profissional médico, nesse contexto, é fundamental, por sua posição central na organização dos serviços de saúde, sua legitimidade técnica e sociocultural, perante a população e a equipe.17

Este estudo demonstrou que os trabalhadores são otimistas, têm autoestima elevada e são aptos à atualização profissional, uma vez que possuem aprendizado, concentração, memória e raciocínio satisfatórios e boas oportunidades de adquirir novos conhecimentos, o que pode tornar o serviço prestado mais eficiente e de melhor qualidade.10,13,18 Na época da entrevista, todos estavam fazendo algum curso, sendo a maioria de atualização e especialização, o que corrobora os achados citados.

Os médicos apresentaram queixas de dor e desconforto moderados, porém isso não interferiu de forma significativa na capacidade laborativa, uma vez que apresentaram energia para o trabalho, além de sono e repouso satisfatórios. É importante destacar que existem estudos que indicam as alterações no sono e repouso como principais agentes da baixa QV.19-21

Foi observada excelente capacidade de mobilidade por parte dos médicos, facilidade de execução de atividades, o que favorece o trabalho do profissional da ESF, que muitas vezes se desloca para regiões periféricas, abrangendo assistência até mesmo à casa dos pacientes. Apesar do questionário de avaliação da QV ter observado pouca ou nenhuma dependência de medicações, o que confere caráter saudável aos profissionais promotores de saúde, o que se constitui, portanto, em aspecto positivo, no questionário sobre perfil 17,8% declararam problemas com álcool ou outras drogas.Já foi detectado o uso de drogas e/ou álcool com absenteísmo, processos jurídicos e práticas irregulares em médicos.22 Encontrou-se, em estudo realizado com agentes comunitários de saúde do município de São Paulo sobre esgotamento profissional e transtornos mentais, que 17% faziam uso de medicação do tipo calmante, tranquilizante ou antidepressivo.23

Os relacionamentos sociais dos médicos também foram satisfatórios, conferindo aspecto positivo para a qualidade das atividades prestadas, uma vez que o equilíbrio e o suporte na vida pessoal podem interferir diretamente no desempenho dos atendimentos e processo de trabalho em saúde. Os médicos manifestaram-se satisfeitos com a moradia, julgando saudável este ambiente, no entanto, sentiam-se inseguros no ambiente de trabalho, o que pode ser justificado pela localização periférica da maioria das unidades de saúde da família, distante dos centros urbanos e com situações complexas de relacionamentos familiares, violências e tráfico de drogas.23

A maioria dos profissionais relatou ter boa disponibilidade e qualidade para cuidados com a saúde, além de muitas oportunidades de recreação e lazer, entretanto, estavam mais ou menos satisfeitos com os seus recursos financeiros. Isso que pode ser justificado pela carreira incipiente da maioria dos profissionais que trabalham na ESF, com vínculos trabalhistas precários, além de 66% possuírem até quatro dependentes.

A maioria referiu também estar mais ou menos satisfeita com o trabalho. As causas que podem ser inferidas são o caráter temporário do vínculo empregatício, a remuneração, além de insegurança física no ambiente de trabalho. Os médicos que estão satisfeitos com o emprego sentem-se mais motivados ao trabalho e possuem melhor relação médico-paciente.10

 

CONCLUSÃO

Os médicos referiram boa QV e esta pode influenciar de forma positiva a sua capacidade laborativa. Os médicos da ESF apresentaram alto escore de QV relacionada ao domínio nível de independência e os mais baixos aos domínios físico e ambiente. Os aspectos negativos observados relacionaram-se com a insegurança no ambiente de trabalho, precariedade do vínculo, quantidade de vínculos empregatícios e ao salário. Essa situação pode ser modificada por meio de políticas públicas.

 

AGRADECIMENTOS

os autores agradecem o apoio financeiro para a realização desta pesquisa à FAPEMIG - Edital "Programa Pesquisa para o SUS MG 2006" - PPSUS 005/2006 (demanda induzida).

 

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