RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 20. 2

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Artigo Original

Desenvolvimento de dispositivo "inteligente" para monitoramento da radiação em fototerapia neonatal

Development of "smart" device for radiation monitoring in neonatal phototherapy

Giovana Ribeiro Ferreira1; Cláudia Karina Barbosa de Vasconcelos2; Mariana de Melo Silva3; André Silveira Duarte4; Rodrigo Fernando Bianchi5

1. Mestre em Engenharia de Materiais. Laboratório de Polímerose e de Propriedades Eletrônicas, Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto, MG - Brasil
2. Bacharel em Física. Laboratório de Polímerose e de Propriedades Eletrônicas, Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto, MG - Brasil
3. Bacharel em Química. Laboratório de Polímerose e de Propriedades Eletrônicas, Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto, MG - Brasil
4. Graduando em Engenharia Metalúrgica e de Materiais
5. Doutor em Ciência e Engenharia de Materiais. Laboratório de Polímerose e de Propriedades Eletrônicas, Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Laboratório de Polímeros e de Propriedades Eletrônicas de Materiais, Departamento de Física - Universidade Federal de Ouro Preto - Campus Morro do Cruzeiro
Ouro Preto, MG - Brasil, CEP: 35.400-000
Email: bianchi@iceb.ufop.br

Recebido em: 29/04/2009
Aprovado em: 23/02/2010

Instituição: Universidade Federal de Ouro Preto, MG - Brasil.

Resumo

INTRODUÇÃO: a fototerapia é atualmente a modalidade terapêutica mais utilizada para o tratamento da hiperbilirrubinemia ou icterícia neonatal. Apesar de bastante simples e eficiente, essa terapia demanda alguns cuidados e acompanhamentos criteriosos para garantir sua segurança e eficácia. Dentre os fatores que interferem na eficiência do tratamento, destacam-se, sobretudo, a radiância e o comprimento de onda da fonte de luz utilizada e a superfície corpórea do neonato exposto à radiação. Nesse sentido, a necessidade de controle e monitoramento da dose de radiação incidente em neonatos ictéricos sob tratamento fototerápico é um tema atual e bastante oportuno.
OBJETIVO: este trabalho teve como objetivo desenvolver e avaliar o desempenho de sensores de acúmulo de dose de radiação de baixo custo (< R$ 0,10), de fácil manuseio e leitura para monitoramento da radiação azul proveniente de equipamento composto por LEDs, administrada em fototerapia neonatal.
MÉTODO: filmes poliméricos foram fabricados com materiais orgânicos luminescentes e expostos a diferentes doses de radiação.
RESULTADOS: os filmes poliméricos preparados mostraram variação de fluorescência do vermelho ao verde, passando pelo laranja e pelo amarelo, à medida que eram expostos à radiação. Esses resultados possibilitaram a confecção de sensores de acúmulo de dose de radiação do tipo "semáforo inteligente" cuja alteração de cores do vermelho ao verde é facilmente controlada com a manipulação química dos materiais orgânicos utilizados.
CONCLUSÃO: o desenvolvimento e a utilização de selos inteligentes constituem, sem dúvida, proposta inovadora para garantir o controle e a eficiência dos tratamentos fototerápicos.

Palavras-chave: Icterícia Neonatal; Hiperbilirrubinemia; Fototerapia; Sensores; Dosímetro.

 

INTRODUÇÃO

A hiperbilirrubinemia ou icterícia neonatal é das doenças neonatais que têm recebido muita atenção nos últimos anos.1 A Sociedade Brasileira de Pediatria2 considera que ocorre anualmente no Brasil aproximadamente 1,5 milhão de recém-nascidos (RN) com icterícia nos seus primeiros dias de vida, cerca de 250 mil em estado grave, com risco de neurotoxidade, kernicterus ou óbito.3 Existem, atualmente, tratamentos específicos e eficientes para o controle desse distúrbio, caracterizados por alta concentração de bilirrubina no sangue4, como a fototerapia, a exasanguíneo-transfusão e a terapia farmacológica5, sendo a primeira a mais difundida e utilizada em unidades neonatais.2 Apesar da aparente simplicidade da fototerapia, os processos fotoquímicos envolvidos no tratamento da icterícia de RN são dependentes do comprimento de onda da radiação luminosa. Ou seja, quando a fototerapia for realizada utilizando-se fontes de radiação com espectros largos, somente parte da radiação será útil no tratamento da doença. A radiação considerada eficiente para a otimização da fototerapia se encontra na faixa de 400-500 nm com intensidade de c.a. 40 mW/cm2/nm6. Na prática clínica diária, entretanto, é observada a utilização de diferentes fontes de luz, com valores de irradiância inferiores ao necessário para o tratamento eficiente da icterícia neonatal. Ademais, vários autores têm alertado sobre o mau posicionamento dos RNs em relação às fontes de luz. A Figura 1 mostra RN sob fototerapia em unidade de tratamento intensivo neonatal. Observam-se alguns fatores, tais como toalhas, que atenuam a dose de radiação incidente no neonato.

 


Figura 1 - Recém-nascido ictérico sob fototerapia. Na foto observam-se condições que reduzem consideravelmente a dose de radiação absorvida pelo neonato, tais como a inserção de toalhas e balao de oxigênio entre a fonte de luz e o recém-nascido.

 

Vieira et al.7 relatam que "não existe consenso entre os profissionais de saúde quanto ao uso da fototerapia, sendo que algumas práticas adotadas rotineiramente podem diminuir a eficácia do tratamento". Por esse motivo, há muitos anos são realizadas tentativas de monitorar e otimizar a radiação, ao longo do tratamento fototerápico. Essas medidas, até o início da década de 1970, baseavam-se apenas na medição de iluminância. No entanto, em 1972, estudos clínicos demonstraram que a queda dos níveis de bilirrubina era proporcional à irradiância (ou densidade de potência) da fonte de luz aplicada ao RN.8 A partir de então, a irradiância no intervalo espectral de 400 a 500 nm, expressa em µW/cm2, passou a ser a grandeza física adotada internacionalmente no tratamento fototerápico da hiberbilirrubinemia neonatal.9 Os radiômetros aferidos para medidas na faixa de 400-500 nm são os instrumentos mais apropriados para o controle das fontes de luz usadas em hospitais. Entretanto, em estudo recente, Maisels1 relata que não há método padrão para quantificar a irradiância empregada no tratamento fototerápico. Ademais, diversos pesquisadores têm utilizado radiômetro com respostas espectrais diferentes cujos resultados divergem uns dos outros. Ainda segundo Maisels, essas observações levam à impossibilidade de comparação dos resultados disponíveis na literatura sobre a metodologia e as condições usualmente empregadas no tratamento fototerápico. Como exemplo, recentemente, Tan6, Vreman11 e a Academia Americana de Pediatria12 encontraram discrepâncias de até 100% na medição da irradiância proveniente de equipamentos fototerápicos disponíveis comercialmente. Essa discrepância leva não apenas à falta de controle das fontes e condições de iluminação empregadas na fototerapia neonatal mas, sobretudo, à redução da eficiência do tratamento e ao prolongamento do tempo de exposição do RN à radiação. Mais especificamente, essas diferenças têm sido descritas como fator relevante na baixa exatidão dos radiômetros11-17 e, portanto, um dispositivo para o monitoramento da radiação na faixa de 400-500 nm incidente em RN tem sido indicado na literatura como solução altamente desejável.11 O uso desse dispositivo permite a avaliação da equivalência das doses administradas e prescritas em tempo real para o controle da icterícia neonatal, garantindo, assim, a acurácia do tratamento.16-19 Este trabalho propõe o uso inédito de filmes poliméricos como elemento ativo de sensores de radiação para uso em fototerapia neonatal. Tais dispositivos apresentam como principal característica o monitoramento da fototerapia por meio da simples observação da cor emitida por selo fluorescente, que muda do vermelho ao verde, passando pelo amarelo, com a dose de radiação incidente nos RNs.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Os compostos químicos tris-(8-hidroxiquinolinolato) de alumínio (III) - Alq3 e poli(2-metóxi,5-etil(2-hexilóxi)parafenilenovinileno) - MEH-PPV, ambos compostos orgânicos luminescentes, apresentam, respectivamente, emissão de luminescência verde e vermelho, quando iluminados com radiação azul. Foram obtidos da empresa Aldrich Sigma e preparados conforme procedimentos experimentais já mostrados na literatura.17-18 O primeiro foi escolhido por ser estável à luz azul e o segundo por degradar-se facilmente quando exposto à essa radiação e também por apresentar espectro de absorção de radiação semelhante ao da bilirrubina. São apresentados detalhes da variação das propriedades óticas do MEH-PPV e da mistura MEH-PPV/Alq3 nas referências.18-19 Para o desenvolvimento dos sensores, soluções dos compostos MEH-PPV e Alq3 em clorofórmio foram misturadas fisicamente, nas proporções adequadas18-19, e, em seguida, misturadas a uma solução de polímero poliestireno, que é utilizado como matriz inerte para os filmes. Após, a solução PS/MEH-PPV/Alq3 foi depositada em lâminas de vidro e deixada em repouso à temperatura ambiente até a evaporação do solvente e consequente formação de filmes poliméricos flexíveis. Os filmes, por sua vez, foram expostos à radiação azul proveniente de um equipamento composto de cinco superLEDs (fonte de alta intensidade luminosa), com foco em 460 nm. A iluminação dos filmes (i.e., selos) foi realizada à temperatura ambiente e a 30 cm da fonte de luz, mantendo-se as condições ideais de tratamento da icterícia propostas por Tan6. Finalmente, vale ressaltar que, neste trabalho: (i) foi usado tempo de exposição à radiação, em vez de dose de radiação, por esta ser a unidade usual no tratamento fototerápico em hospitais; (ii) que variação na temperatura no intervalo 25 a 40ºC não apresenta interferências significativas na resposta ótica dos sensores; e que (iii) o sensor responde à dose acumulada de radiação e, portanto, diferentes distâncias entre a fonte de luz e o RN fornecerão diferentes tempos de resposta "vermelho-verde" do dispositivo.

 

RESULTADOS

A Figura 2 mostra a evolução dos espectros de fluorescência (Figura 2a) e o diagrama de cromaticidade (Figura 2b) obtidos com a solução de MEH-PPV/Alq3 não exposta (zero min) e exposta durante 120, 240 e 480 min à luz azul (40 mW/cm2/nm).

 


Figura 2 - A - Espectro de fluorescência e B - diagrama de cromaticidade de soluções de MEH-PPV/Alq3 virgens e expostas durante 120, 240 e 480 min à luz azul proveniente de superLEDs (40 µW/cm2/nm).

 

A Figura 2 mostra que o máximo de fluorescência das soluções de MEH-PPV/Alq3 variou de 571 para 540 nm com o tempo de exposição à radiação, enquanto o diagrama de cromaticidade, gráfico que representa a sensação de cor de determinada radiação, mostrou que a luminescência dos sistemas deslocou-se do vermelho ao verde com a radiação, passando pelo laranja e pelo amarelo. O efeito da radiação na alteração da fluorescência da solução de MEH-PPV/Alq3, Figura 2.b, possibilitou o desenvolvimento de sensores de acúmulo de dose de radiação na forma de filmes autocolantes, tipo selo indicador ou "semáforo inteligente", como mostra a Figura 3. Nesta figura observase claramente a mudança gradual da fluorescência do vermelho ao verde dos filmes, permitindo, portanto, a comparação direta da cor emitida pelo filme com a dose (ou tempo) de radiação por ele recebida. Registra-se, ainda, que o tempo de mudança da fluorescência do vermelho ao verde dos filmes pode ser facilmente alterado com a manipulação química dos constituintes dos filmes orgânicos.

 


Figura 3 - Fotos de um conjunto composto de sensores de acúmulo de dose de radiação na forma de filmes autocolantes expostos à radiação azul proveniente de SuperLEDs azuis (foco em 460 nm) durante 12 horas.

 

A Figura 4 apresenta duas fotos obtidas com o selo autocolante fabricado e empregado sobre a fralda de um boneco (phanton), que representa um RN antes (Figura 4a) e depois de exposto (Figura 4b) ao tratamento fototerápico durante oito horas. Nesta figura, observa-se como a fluorescência do selo é alterada do vermelho ao verde com o tempo de exposição à radiação.

 


Figura 4 - Fotos de um boneco (phanton) representando um neonato (a) antes e (b) depois de exposto durante 12 horas à fototerapia.

 

Uma vez que os selos de MEH-PPV/Alq3 apresentaram boas propriedades mecânicas e respostas óticas adequadas aos tempos de exposição (ou doses) de radiação usados no controle fototerápico de RN ictéricos, esses materiais foram fabricados na forma de selos com motivação infantil, como mostra a Figura 5. Tais selos, se usados sobre a fralda ou próximos dos RNa, possuem interface amigável entre o paciente e os profissionais da área de saúde.

 


Figura 5 - Fotos de sensores com motivação infantil apresentando interface mais amigável entre o paciente e os profissionais da área de saúde.

 

DISCUSSÃO

Os sistemas baseados em MEH-PPV/Alq3 aparecem neste trabalho como candidatos naturais a elemento ativo de sensores de radiação para uso em fototerapia neonatal. As vantagens desses dispositivos (i.e., selos) são: baixo custo (R$ 0,10), facilidade de preparação, possibilidade de controle individual de dose e possibilidade de controle da resposta "vermelho-verde" por meio de alterações nas proporções em massa de MEH-PPV e Alq3.18,19 Além disso, segundo a literatura, os fotossensores (ou radiômetros) usados em hospitais para o controle da fototerapia apresentam resultados discrepantes e nenhum método padrão é conhecido para eliminar esse problema, o que dificulta não apenas o monitoramento da dose de radiação incidente em RN sob fototerapia, como também a comparação de resultados clínicos.1 Neste contexto, o emprego dos selos será útil aos profissionais da saúde ao permitir a análise em tempo real das condições de fototerapia, uma vez que a mudança "vermelho-verde" acontecerá quando o neonato tiver recebido a dose prescrita de radiação. Essa particularidade minimizará problemas decorrentes da falta de controle do tempo de exposição dos RNs à radiação quando, por exemplo, em alojamento-conjunto com as mães, costumam ser retirados para amamentação por muito tempo ou porque estão chorando.

 

CONCLUSÕES

O desenvolvimento de sensores para monitoramento de radiação azul de fácil leitura e baixo custo que possam ser usados como selos inteligentes são, sem dúvida, importante oportunidade de desenvolvimento de tecnologia nacional e forma inovadora de otimizar a eficiência e o monitoramento dos tratamentos de fototerapia neonatal.

 

AGRADECIMENTOS

Esse trabalho foi financiado pela CAPES, FAPEMIG, CNPq e INEO/CNPq.

 

REFERÊNCIAS

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16. Vasconcelos CKB, Bianchi RF. Polímeros luminescentes como sensores de radiação não ionizante: aplicação em fototerapia neonatal. Polímeros. 2007;17(4):325-8.

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19. Vasconcelos CKB, Bianchi RF. A blue-light dosimeter which indicates the dose accumulation by a multicoloured change of photodegraded polymer. Sensors and Actuators B: Chemical. 2009;143:30-4.