RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 20. 3

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Artigo Original

Saúde do adolescente: o significado do atendimento para os profissionais da atenção primária do município de Viçosa, MG*

Adolescent health: the significance of medical care for primary care professionals of Viçosa, MG*

Bruno David Henriques1; Regina Lunardi Rocha2; Anézia Moreira Faria Madeira3

1. Professor do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde, FACISA - UNIVIÇOSA. Viçosa, MG - Brasil
2. Professora Associada do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Professora Associada da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Bruno David Henriques
Rua: Dr. Juarez Souza Carmo, 199 Bairro: Centro
Canaã, MG - Brasil CEP: 36592-000
E-mail: brunoenfer@yahoo.com.br

Recebido em: 02/10/2009
Aprovado em: 03/02/2010

Instituição: Faculdade de Ciências Biológicas e de Saúde Viçosa, MG - Brasil.

Resumo

OBJETIVO: este estudo objetivou conhecer o significado que os profissionais da atenção primária do município de Viçosa dão ao atendimento do adolescente.
METODOLOGIA: foi realizado por meio de metodologia qualitativa com enfoque fenomenológico para coleta e análise dos dados. Os depoimentos dos profissionais permitiram construir três grandes categorias que desvelam a essência do significado que os profissionais dão ao atendimento: "Atendimento ao adolescente: os desafios da atenção primária"; "Atendimento ao adolescente na atenção primária: características da prática assistencial; "Atender o adolescente: uma necessidade da atenção primária".
RESULTADOS: a busca pela compreensão desses significados demonstrou as dificuldades em atender o adolescente. A atenção é focada, quando realizada, em características, riscos e agravos que afetam essa população. Os discursos também mostram que eles consideram importante atender essa população e os serviços de saúde devem se preparar para isso.
CONCLUSÃO: o estudo permitiu perceber como é necessário avançar na atenção aos adolescentes em nível primário, pois as ações de prevenção de agravos e promoção da saúde são fundamentais para a qualidade de vida dessa população.

Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Saúde do Adolescente; Pesquisa Qualitativa; Filosofia em Enfermagem.

 

INTRODUÇÃO

A adolescência é etapa evolutiva caracterizada pelo desenvolvimento biopsicossocial e delimitada pela faixa etária entre 10 e 19 anos. Ela inicia-se com a puberdade e termina com a inserção social, profissional e econômica do indivíduo.1 Essa definição é utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)2 e pelo Ministério da Saúde. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera como adolescente, entretanto, o indivíduo que possui idade entre 12 e 18 anos.3

As mudanças sofridas pelos adolescentes são intensas. Eles constituem grupo heterogêneo com características individuais, não cobertas pelos critérios técnicos. A adolescência é, portanto, fase de importantes transformações biológicas e mentais, articuladas ao redimensionamento de papéis sociais, como mudanças na relação com a família e escolha de projeto de vida. Percebe-se o quanto essa fase deve ser valorizada, constituindo-se em período de muita vulnerabilidade e exposição a fatores de risco.4

O enfoque dado a esses fatores são relevantes, uma vez que se constata, com preocupação, o aumento do número de gravidez na adolescência, do consumo de drogas lícitas e ilícitas e de casos de DSTs/AIDS, associados a significativo número de óbitos relacionados às causas externas, destacando-se os acidentes de trânsito, a violência e o suicídio.5

Nesta perspectiva, verificou-se que as principais causas de morbimortalidade dos adolescentes estão diretamente relacionadas a problemas que podem ser prevenidos em nível primário. Deve-se, portanto, buscar estratégias que atendam às necessidades dessa população, que melhorem a qualidade da assistência prestada e reduzam o número de óbitos e agravos preveníveis.

Deve-se destacar o Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD), criado pelo Ministério da Saúde em 1988, quando se fala em políticas públicas relacionadas à saúde do adolescente. O Programa elegeu como áreas prioritárias de atuação o crescimento e o desenvolvimento, a sexualidade, a saúde bucal, a saúde mental, a saúde reprodutiva, a saúde do escolar adolescente e a prevenção de acidentes, fundamentadas nos princípios da integralidade, multidisciplinaridade e intersetorialidade, associada a uma política de promoção da saúde, desenvolvimento de práticas educativas, identificação de grupos de riscos, detecção precoce dos agravos, tratamento e reabilitação.6

Mesmo com a implantação do PROSAD, ainda são encontradas grandes dificuldades para a atenção primária. Neste contexto, destaca-se que a atenção integral, a adequação dos serviços de saúde, a criação de vínculos e o fortalecimento da relação com a família e a comunidade e a inserção dos adolescentes nas atividades realizadas são elementos essenciais para a melhoria da sua qualidade da assistência.7 Assim, a necessidade da existência de serviços de saúde organizados tem sido indicada como um dos grandes desafios para o alcance de melhores condições de saúde e vida dos adolescentes e jovens brasileiros.

Costa8 destacar que a organização de programas voltados para a saúde do adolescente requer abordagem interdisciplinar, envolvendo aspectos que interagem no cotidiano dos adolescentes e no contexto em que estão inseridos, procurando adaptar os conteúdos desses programas às diferentes modalidades de demanda individual e coletiva.

A organização dos serviços de saúde também é fator importante para garantir o acesso dos adolescentes às ações de promoção à saúde, de prevenção de agravos e doenças, bem como a reabilitação. Para essa organização, alguns elementos importantes devem ser destacados, como a formação e a educação permanente dos recursos humanos, a estrutura física, os equipamentos e materiais que devem ser fornecidos de acordo com a realidade e a necessidade de cada serviço.9

Em face desse contexto, deve-se ressaltar que a Estratégia Saúde da Família (ESF), política de saúde considerada novo modelo de assistência à saúde da população brasileira, fundamentada em novas práticas profissionais, contribui significativamente para a melhoria da assistência prestada aos adolescentes, redirecionando as ações prestadas com foco na realidade sociocultural e na família em que o indivíduo está inserido, promovendo a atenção integral ao adolescente e a prevenção das situações de riscos a que estão expostos.10

A ESF, desenvolvida nos últimos anos, é marco indiscutível no avanço da política do Sistema Único de Saúde (SUS). Iniciada na década de 1990 como Programa de Saúde da Família, atende ao compromisso da integralidade da atenção à saúde e vem investindo na prevenção de doenças e na promoção da saúde da população, tendo alcançado resultados importantes para a saúde coletiva. A estratégia propõe mudanças na racionalidade da assistência, valorizando o trabalho em equipe, a integralidade das práticas e a formação de vínculo com a população. Deve-se buscar a promoção da saúde e das ações intersetoriais, estimulando a participação comunitária, promovendo, assim, o fortalecimento do SUS.11

Considerada núcleo da atenção primária, a ESF constituiu elo entre família, profissionais e comunidade e, na maioria das vezes é a porta de entrada dos usuários que procuram os serviços públicos de saúde.12 Nesse contexto, destaca-se que a organização desses serviços para o atendimento aos adolescentes é fundamental, assim tornam-se necessários o acolhimento, a escuta e a atenção integral, superando a assistência fragmentada dirigida às queixas e aos problemas orgânicos.

Apesar dos esforços para melhorar a qualidade da assistência prestada aos adolescentes na atenção primária, por intermédio da Estratégia Saúde da Família, as ações desenvolvidas pelos profissionais ainda são fragmentadas, partindo de uma visão unidimensional da saúde, desconsiderando as causas não orgânicas dos problemas que ameaçam crianças e adolescentes.13 É importante que os profissionais de saúde se envolvam na assistência ao adolescente, com a implementação de ações relacionadas a programas já existentes ou à criação e busca de novas estratégias que venham melhorar o atendimento, valorizando características individuais e coletivas.

Constatou-se que poucos profissionais que atuam na ESF possuem capacidade e se sentem motivados para trabalhar com os adolescentes, fase em que se vive momento peculiar da vida, com muitos questionamentos, conflitos e ambiguidades.14

A literatura possui carência de trabalhos que tentem estabelecer a relação entre adolescente e o profissional de saúde. O desenvolvimento deste trabalho consistiu na busca de entender o papel dos profissionais que atuam na ESF que atendem os adolescentes.

Este estudo teve como objetivo conhecer o significado que os profissionais da atenção primária do município de Viçosa-MG dão para o atendimento ao adolescente.

 

TRAJETÓRIA METOLÓGICA

Para compreender o significado que os profissionais da atenção primária dão ao atendimento dos adolescentes, optou-se por abordagem qualitativa, porque se encontrava diante de emaranhado de questões subjetivas e não se tinha como objetivos evidenciar causas, dar explicações, nem se prender a generalizações ou quantificações.15

Segundo Turato16, a pesquisa qualitativa não busca estudar o fenômeno em si, mas entender seu significado individual ou coletivo para a vida das pessoas.

A pesquisa qualitativa, portanto, busca a compreensão particular do que se estuda, em que a organização e a construção do pensamento científico têm enfoque na subjetividade, sem ter como alvo chegar a princípios explicativos e a generalizações sobre o estudado.17

Entre as abordagens qualitativas, foi escolhida a fenomenologia como percurso metodológico, para compreender a experiência vivida pelos sujeitos no atendimento aos adolescentes em seu contexto e buscar chegar à essência desse fenômeno.

A fenomenologia constitui-se em corrente filosófica que tem como objetivos a investigação direta e a descrição de fenômenos experimentados conscientemente, sem teoria sobre sua explicação causal e livre de pressupostos e preconceitos. O fenômeno é algo que se mostra, que se manifesta para uma consciência, mas precisa ser desvelado.18

Segundo Bicudo e Espósito19, para adotar o modo fenomenológico de conduzir pesquisa, deve-se estar atento à perspectiva básica dessa corrente, pois seu objetivo será descrever fenômenos e não explicá-los, não se preocupando em buscar relações causais. O fenômeno pesquisado não pode ser tratado como objeto físico com existência própria, ele surge da consciência e manifesta-se para essa consciência como resultado de uma interrogação.

A pesquisa contou com a participação de 12 profissionais de saúde que atuavam nas equipes da ESF no município de Viçosa, Minas Gerais. Para as entrevistas foram selecionados médicos e enfermeiros que atuavam nas equipes há mais de um ano e atendiam o adolescente em sua rotina de trabalho. Do total de entrevistados, cinco eram médicos e sete enfermeiros.

Como foi utilizada a metodologia qualitativa, não foi possível, inicialmente, estabelecer o número de sujeitos participantes, pois foi utilizada a saturação como critério para o encerramento da coleta de dados. Essa fase é caracterizada pela repetição das falas nos discursos dos participantes e as informações obtidas se tornam redundantes, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados.16 Assim, a coleta de dados foi encerrada quando a repetição nas falas foi percebida, o que ocorreu com a realização da nona entrevista. Foram realizadas mais três, para garantir o critério da saturação.

A coleta de dados da pesquisa foi realizada após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e a autorização do Secretário Municipal de Saúde da Cidade de Viçosa. Antes desse processo, foi explicado aos participantes o objetivo da pesquisa, relatando informações referentes à sua participação no trabalho. Após o aceite, eles assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), obedecendo às normas de pesquisas que envolvem seres humanos, a partir da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.20

Os dados foram obtidos por meio de entrevista, utilizando uma única pergunta norteadora: "O que é para você atender o adolescente na atenção primária?". Ao final de cada entrevista, os dados foram transcritos e, em seguida, o conteúdo foi novamente comparado com a gravação.

Na busca da compreensão do significado que os profissionais dão ao atendimento aos adolescentes, fundamentou-se a análise em três momentos, sugeridos por Martins e Bicudo17: descrição, redução fenomenológica e, por fim, compreensão fenomenológica. Após a análise dos dados na linha descrita anteriormente, foram construídas três grandes categorias de análise, que configuram a essência do atendimento aos adolescentes na atenção primária, realizado pelos profissionais da ESF do município de Viçosa: atendimento ao adolescente: desafios na atenção primária; atendimento ao adolescente na atenção primária: características da prática assistencial; e atender o adolescente: uma necessidade da atenção primária.

 

A CONSTRUÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO

Categoria 1-Atendimento ao adolescente: os desafios da atenção primária

A construção dessa categoria embasou-se em discursos que caracterizaram as dificuldades e barreiras encontradas na assistência ao adolescente. Os profissionais descreveram os fatores que limitavam o atendimento e que tornavam sua abordagem um desafio.

[...] Tenho uma abordagem melhor, mas realmente é difícil atender o adolescente, eles estão na defensiva, os pais ignoram muita coisa, ficamos com medo de estar invadindo um espaço que não é nosso [...] ele tem medo de ser rejeitado [...] quer muito se incluir [...] não entendem as questões da liberdade, responsabilidade e respeito com ele e com os outros [...] chega aqui todo armado [...] a gente tenta atender dentro das limitações [...] o adolescente está em uma situação de muita crítica e pouca ajuda [...](MED. 03). [...]

Atender o adolescente é um pouco complicado [...] pela questão da idade [...] muitas vezes não sabe expressar o que está sentindo [...] não sabe muito o que está acontecendo com ele [...] não sabe relatar dúvidas ou o que ele tem [...] fica muito acanhado em estar perguntando [...] nessa parte eu acho complicado [...](ENF. 06).

Os profissionais consideraram o atendimento aos adolescentes tarefa difícil. Este quadro está relacionado a algumas situações vivenciadas pelo adolescente. Muitas vezes os profissionais não sabem lidar com essa situação e atribuem ao próprio adolescente o obstáculo ao atendimento.

Capalbo21 destaca que é necessária efetiva comunicação entre os atores, uma vez que o modo pelo qual os homens se comunicam e se entendem é de grande relevância no processo de entendimento.Portanto, a comunicação é elemento fundamental na relação profissional-adolescente.

Outra questão a ser evidenciada é que na relação existente entre os profissionais e o adolescente o encontro desses atores é permeado por conflitos e questionamentos. Em seus discursos os profissionais relataram que não conseguem ter bom relacionamento com os adolescentes e não são aceitos por ele. Os profissionais consideraram que, por ser um sujeito em transformação, seu atendimento é complicado.

[...] acho muito complicado, porque são cabeças em formação [...] não conseguimos chegar até eles, não vêm ao posto e a gente tem que ir atrás, tem que buscar [...] muitas vezes não somos aceitos [...] não conseguimos ter bom relacionamento com eles, para que sejam atendidos [...] difícil [...] conquistar a confiança deles [...](ENF. 12)

[...] os adolescentes são muito arredios, muito difíceis [...] não valorizam, acham que as reuniões não estão com nada, [...] é um ser em transição, está saindo da vida de criança e entrando na vida de adulto, não sabe o que ele é [...] hora é criança, hora é mais maduro [...] é uma fase demuito conflito [...] difícil para os profissionais de saúde [...](MED. 08)

A interação entre o profissional e o adolescente deve ser alicerçada, principalmente, na criação de vínculos, estabelecendo relações de confiança pautadas na relação de troca e respeito, consolidada com o diálogo. Para isso, deve-se estar aberto, pronto para escutar as necessidades sem preconceito; e os julgamentos prévios sobre o que caracteriza todo e qualquer adolescente devem ser suprimidos.22

Outro ponto levantado pelos entrevistados, que também é imposto como obstáculo na atenção ao adolescente, está relacionado à formação dos profissionais e disponibilização de suporte bibliográfico por parte do Ministério da Saúde sobre a temática. Eles enfatizaram a necessidade de capacitação para que se tenha atendimento de qualidade. Muitas vezes os profissionais se sentem despreparados para lidar com essa população, fato corroborado pelo depoimento a seguir:

[...] Acho complicado, difícil [...] o Ministério não tem um protocolo específico para atender ao adolescente [...] que possamos seguir e nos orientar [...] a gente não tem base para desenvolver o trabalho [...] o profissional fica perdido [...] temos dificuldade porque é uma faixa etária difícil de lidar [...] envolve outras questões sociais como drogas, sexo na adolescência [...] muitas meninas grávidas [...] não temos um contato com a assistência social [...] o serviço de psicologia para os adolescentes não tem contato com a gente [...] a gente não tem contato com a escola [...] maioria dos nossos adolescentes mora em outro bairro [...] assim o trabalho educativo se torna mais difícil [...] o atendimento é muito precário [...](ENF. 07).

Segundo Horta14, na formação do profissional de saúde pouco se discute sobre as singularidades e particularidades da juventude. Os currículos dos cursos de Medicina e Enfermagem estão focados basicamente no modelo biologista/reducionista, suprimindo questões oriundas da subjetividade do sujeito. Outro ponto abordado pela autora é o processo de trabalho desgastante vivenciado pelos profissionais, associado à falta de capacitação e treinamento. O que se observa, na prática, é que os profissionais não sabem o que fazer com os adolescentes. Nesse sentido, são imprescindíveis mais investimentos na educação permanente dos profissionais dos serviços de saúde, para que se tenha assistência integral e de qualidade para os adolescentes.23

Para suporte bibliográfico, o Ministério da Saúde criou, em 1989, o PROSAD, fundamentado em política de promoção da saúde, identificação de grupo de risco e detecção precoce de agravos e tratamento adequado24. Muitos profissionais desconhecem a existência desse material, que é de grande relevância no campo teórico de atenção ao adolescente. Outra publicação importante é a Linha Guia de Atenção ao Adolescente, desenvolvida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, cujo objetivo é dar suporte aos profissionais para que se tenham avanços na assistência direcionada para a adolescência.10

Outro ponto extraído dos discursos dos profissionais, estabelecido como obstáculo no atendimento ao adolescente, está relacionado ao seu acompanhamento nas unidades de Saúde da Família, que não é considerada prioridade. O fato é justificado pela não obrigatoriedade de se atender ao adolescente e pela inexistência de programa específico de atendimento a essa população. A sobrecarga de atividades também é mencionada como fator que impede a realização de atividades programadas de promoção da saúde e prevenção de agravos voltados para a adolescência.

[...] Devido ao HIPERDIA*, puericultura, preventivo, atendimento dos pacientes internos, visitas domiciliares, reunião e atividades do plano diretor, da burocracia, muita documentação, muitas coisas para você fazer, então tenho que priorizar [...] a população adolescente não tem uma doença crônica que faça com que busquem a unidade [...] um grupo marcado, um dia específico a gente não tem [...](ENF. 04).

Dificuldade técnica [...] questão de horário [...] não tenho disponibilidade para fazer mais um grupo[...] tenho outros programas que são obrigatórios [...](MED. 05).

Nesse contexto, ressalta-se a importância de realizarem-se atividades para os adolescentes na atenção primária, uma vez que se constitui em grupo muito vulnerável e necessita de acompanhamento.

Muitas vezes, atender o adolescente acompanhado por outra pessoa também pode se tornar problema, pois é complicado estabelecer diálogo com os adolescentes na presença de uma terceira pessoa, visto que ela não expressa suas necessidades, talvez por vergonha, medo, timidez ou insegurança.

[...] por ser menor de idade e ter um acompanhante, o adolescente não se expressa bem [...] fica inseguro [...] a mãe, às vezes, quer saber alguma coisa e por questões éticas não "podemos estar falando" (sic) [...] quando ele está sozinho, ele se abre mais, fala o que está acontecendo [...] dependendo do tema que a gente vai abordar [...] alguns pais ficam resistentes em "estar deixando" (sic) o filho participar de atividades em grupos, achando que ele está muito novo [...](ENF. 06).

A Linha Guia de Atenção à Saúde do Adolescente10 sugere que o atendimento individual ao adolescente seja pautado em dois momentos, isto é: atenção inicial em companhia de um familiar e, a seguir, sozinho. A presença dos pais em determinado momento é importante, uma vez que são necessárias informações relacionadas ao motivo da consulta, sobre a história do adolescente e informações relacionadas ao grupo familiar. Deve ser enfatizado que a atenção principal da consulta deve ser sempre dirigida ao adolescente.

O ponto crucial extraído dos discursos dos participantes e que mostra como a atenção ao adolescente está precária é a ausência de atividades voltadas para eles nas Unidades de Saúde da Família. Ele só é atendido quando possui necessidade incluída em outros grupos de atenção, exemplo, o pré-natal.

[...] Não temos nenhum grupo específico de atendimento ao adolescente, já trabalhamos alguns grupos de orientação sexual junto com a escola e com uma ONG [...] nenhum é constante [...] fixo para adolescentes [...] já se trabalhou o uso de drogas, prevenção de DSTs, uso de métodos anticoncepcionais [...] Amadurecimento do corpo [...] basicamente [...](ENF. 06).

[...] não temos atendimento voltado para o adolescente [...] só quando ele se encaixa em um grupo [...] como pré-natal, atenção à gestante, quando tem alguma adolescente [...] voltado só para adolescente não tem um grupo [...](ENF. 10).

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA3, toda criança e adolescente têm garantido no SUS o atendimento com ações de promoção e prevenção de agravos. O direito à saúde constitui pressuposto humano fundamental concebido de forma integradora e harmônica.

O acesso dos adolescentes às ações de promoção à saúde, prevenção, atenção a agravos e doenças, bem como para reabilitação, depende da organização dos serviços para realizar esse atendimento. É necessário atendimento de qualidade que supra as necessidades específicas dos adolescentes, respeitando-se características psicológicas, sociais e econômicas.5 Assim, para que se desenvolvam atividades de atenção ao adolescente, é fundamental a sua inserção no planejamento, na execução e na avaliação das ações realizadas.

Categoria 2 - Atendimento ao adolescente na atenção primária: características da prática assistencial

A prática assistencial é fator muito importante na atenção ao adolescente. Os discursos que confluíram para a construção dessa categoria refletem a relação existente entre os serviços de saúde, na figura da ESF, com o adolescente.

Atender o adolescente na ESF é extremamente importante, sendo assim, os profissionais explicam como deve ser esse atendimento:

[...] Na unidade em que trabalho estamos conseguindo uma boa aderência dos adolescentes [...] eles vêm, conversam sozinhos [...] devemos conseguir que eles cheguem devagar [...] faço exames para ter algo concreto [...] mostro que por eles terem um problema emocional não significa que eles estão fingindo, eles realmente estão se sentindo mal, um sentimento ruim [...] do emocional [...] na Estratégia Saúde da Família temos um tempo maior e ele começa a se soltar [...] querem ter intimidade [...] peço aos pais para pedirem para os filhos virem conversar, para podermos atendê-los de maneira solta e descontraída, para que eles possam colocar questões de sua sexualidade [...] não deixo a mãe entrar no atendimento [...] o adolescente muda tudo com a presença dos pais [...] ele entra sozinho [...] converso com eles e falo como quem não quer nada, colocando possibilidades para ele [...] não estou aqui para julgar questões éticas, morais e religiosas [...] procuro atender às necessidades de saúde deles [...] atender da melhor forma possível e evitar ficar encaminhando [...] muitas vezes o adolescente se recusa e não vai [...] quando necessário, encaminhamos para o CAPS ou hospital [...] o acesso para os adolescentes ao serviço está melhorando [...](MED. 03).

Nas falas são relatadas condutas que foram bem-sucedidas na atenção ao adolescente. É salientada a importância de trazê-lo para a unidade e trabalhar ações preventivas. Os discursos expressam a necessidade de evitar encaminhar o adolescente para serviços especializados; esse procedimento só deve ser realizado quando for extremamente necessário.

Formigli25 refere que para atender ao adolescente em nível primário, os conteúdos dos programas devem abranger as demandas individuais e coletivas dessa população. Devem ser valorizados os princípios de ética, privacidade, confidencialidade e sigilo. Portanto, o atendimento deve fortalecer sua autonomia, sem emitir juízo de valor.

Pode-se perceber também que os profissionais consideram que o atendimento aos adolescentes deve ser realizado em conformidade com a legislação do SUS.

[...] Pensando no cuidado do ser humano, no cuidado integral, dando toda a garantia de acessibilidade e acolhimento dentro de uma normatização, do que é preconizado pelo Ministério da Saúde e pelo SUS [...](ENF. 01).

As ações integradas na adolescência fazem parte dos Serviços de Saúde, buscam acompanhar continuamente o cidadão que entra no SUS pela Unidade Básica ou pelo Programa de Saúde da Família e vão preencher o vazio existente nos cuidados que são dispensados aos jovens.10

Para que se tenha adequada atenção aos adolescentes, Formigli25 indica que as ações de saúde destinadas a essa população devem extrapolar os aspectos orgânico-biológicos. Nesse sentido, a apreensão de características psicossociais da adolescência pode instrumentalizar intervenções com mais potencial de efetividade.

Com a realização desta pesquisa, os discursos revelam que o atendimento ao adolescente é realizado por demanda, com foco na queixa, fato evidenciado nas falas a seguir:

[...] A gente não tem nenhum programa em relação aos adolescentes [...] não existe nenhum grupo específico [...] os adolescentes que nos procuram são por demanda [...] por algum problema de saúde [...] não tem um programa específico em nosso PSF [...] a gente aproveita a consulta [...] exemplo: o paciente chega com um machucado no pé, aproveito a brecha da consulta e pergunto se ele tem namorada, se usa preservativo [...] muitos não procuram a unidade [...] mas tem demandas [...](MED. 05).

[...] Faço o atendimento dos adolescentes por demanda [...] quando trazem um problema tentamos resolver na medida do possível [...] as agentes também vão às casas e trazem alguma coisa [...] mas, eles não vêm muito [...] as meninas procuram por anticoncepção [...] são mais fácies de se trabalhar [...] os rapazes consultam pouco [...] é difícil trazê-los à unidade [...] eles procuram muito a unidade para pegar preservativo [...] não trabalhamos grupos de adolescentes [...] estamos com dificuldade pela falta do enfermeiro, estamos esperando a chegada do enfermeiro para se trabalhar o grupo [...] mas temos que tentar, tem que começar [...] não tenho a fórmula pronta [...] isso vai aparecendo à medida que o trabalho vai evoluindo [...] (MED. 08).

[...] os adolescentes procuram pouco a unidade [...] muitos deles nem procuram [...] vêm quando aparece algum problema [...] aleatório [...] a gente também não vai até eles [...] não temos um atendimento programado [...] (MED. 11).

Segundo Capalbo26, o binômio saúde-doença não pode ser analisado de forma isolada da pessoa que vive concretamente esse fenômeno na totalidade de sua existência, deve-se avaliar o indivíduo de forma holística para dar conta dessa totalidade existencial.

Com a análise das falas, pode-se perceber também que a atenção ao adolescente na atenção primária é voltada para as características desta fase.

[...] acolher o adolescente [...] cuidar do adolescente, que é uma fase do crescimento, uma fase do ser humano, reconhecidamente uma das mais polêmicas [...] de muita descoberta [...] busca da identidade [...] conflito interno [...](ENF. 01).

A adolescência é uma fase peculiar, que possui várias faces, e os profissionais que atendem à juventude devem estar atentos a essas características. Tra-verso-Yépez e Pinheiro13 relatam que a adolescência é fase de importantes transformações biológicas e mentais, articulada ao redimensionamento de identidades e de papéis sociais.

Com a análise dos discursos, pode-se afirmar que já existe algum tipo de atendimento ao adolescente. As atividades são esporádicas e voltadas para riscos e agravos dessa fase. São importantes para ampliar o campo de atenção e cuidado, em decorrência da possibilidade de contemplar o adolescente nas agendas dos serviços, além de favorecer o aumento da procura e da disponibilidade de serviços nas áreas de abrangência das unidades de Saúde da Família.

[...] Aqui no PSF tentamos atender o máximo possível de questões relacionadas ao adolescente [...] sexualidade [...] para as meninas, métodos contraceptivos [...] para os meninos, uso de drogas [...](ENF. 07).

[...] Faz parte do atendimento pediátrico, atendimento de rotina, com esclarecimento sobre uso e abuso de drogas licitas e ilícitas, prevenção de doenças, acidentes [...] gravidez na adolescência e sexualidade [...] é um grupo de risco [...](MED. 05).

Burak27 ressalta que a atenção ao adolescente também não pode ter foco somente em problemas orgânicos, como gravidez, doenças sexualmente transmissíveis ou dependência química. Devem ser implementados programas que objetivem promover o desenvolvimento humano e atender à sua saúde de forma integral.

É comentado, também, que o atendimento ao adolescente deve se respaldar em processo de ensino-aprendizagem que possibilite discutir questões éticas, valores morais e cidadania em sua formação. O atendimento deve ir além das questões biológicas, extrapolando as características dessa fase.

[...] Atender ao adolescente é dar abertura, dar espaço para que ele tenha confiança e demonstre que compreendemos sua situação. É um atendimento integral [...] conversarmos [...] aceitar sua condição [...] criar um elo com eles [...] atender suas necessidades [...] colocar-se paritário com eles, como as pessoas que estão atendendo [...] estar junto, não impor sua verdade e aceitar a verdade deles, mostrando o benefício das coisas [...](MED. 03).

[...] Acho que é principalmente educação, estar disponível [...] ser mais ativo [...] acolher [...] não focar só na queixa [...] ter tempo, conversar, estar aberto [...] ele tem que sentir o interesse do profissional [...] deixar ele (sic) falar o que está incomodando [...] o que está realmente acontecendo com ele [...] realizar atividades de promoção de saúde [...] evitar que eles fiquem doentes, é prevenir, é informar [...] atividades educativas [...] orientar [...] da gravidez, doenças sexualmente transmissíveis [...] métodos anticoncepcionais associado ao uso da camisinha [...] atendê-lo de modo integral, verificar como ele está, se vai à escola, se trabalha [...] deixar as portas abertas para ele [...] estar atento para os determinantes de saúde [...] nem sempre ele tem um problema específico [...] precisa de um remédio [...] devemos realizar atividades em grupo [...] para eles é melhor, se sentem mais à vontade e participam mais [...] tiram dúvidas, conversam [...] comportam bem, tiram proveito e aprendem com a pergunta, questionamentos e vivência do outro [...] o adolescente pode ser força na comunidade para mudar hábitos [...](MED. 11).

[...] Levando informação, trocando informação, utilizando o processo de ensino-aprendizagem com os adolescentes [...] nesse processo pedagógico de ensinar e aprender [...] fazer com que esses entendam o que é ética, o que são valores morais [...] a solidariedade, a amizade, a cooperação, o bem-estar, a boa convivência, a cultura de paz, a não violência [...] buscar educação, buscar informação, buscar escola, buscar conhecimento, para que eles se tornem cidadãos dignos, de uma vida social digna [...](ENF. 01).

É necessário realizar ações de prevenção e promoção da saúde, com participação dos adolescentes em seu planejamento. Deve-se estar disponível para ouvir e aberto para acolhê-los. Os sujeitos destacam que a atividade em grupo é elemento importante para melhoria da qualidade da assistência e troca de experiência entre os participantes.

A viabilização desses fatores contribui para a melhor relação cliente-profissional, favorecendo as descrições dos problemas e dúvidas. Pode, também, aumentar a capacidade do profissional no atendimento das necessidades necessárias e favorecer o vínculo dessa clientela com o serviço.9

Nesse sentido, Traverso-Yépez e Pinheiros13 reforçam a necessidade de se atender o adolescente de forma integral, levando em consideração fatores psicossociais associados à abordagem multidisciplinar e interdisciplinar. A abordagem deve envolver diferentes aspectos que interagem no cotidiano do adolescente e no contexto em que ele está inserido, atendendo às suas demandas sociais e coletivas.

Categoria 3 - Atender ao adolescente: uma necessidade da atenção primária

Mesmo que existam dificuldades e obstáculos na atenção ao adolescente em nível primário, os discursos dos médicos e enfermeiros mostram a necessida de de atenção a essa clientela nas unidades de Saúde da Família, mas alertam que o serviço deve estar organizado para esse atendimento.

[...] É importante "estar trabalhando" (sic) com os adolescentes [...] tentar evitar gravidez na adolescência [...] principalmente na menina [...] a gente não pode deixar de fazer as orientações [...] se necessário a gente marca um retorno ou encaminha para um especialista [...] um pediatra [...] acho muito importante nosso trabalho na atenção básica [...](ENF 06).

[...] Se não tiver programação e organização da equipe, é mais fácil eles não virem [...] é difícil ter tempo, deixar aberto, com essa procura grande por atendimento [...] muitos deixam de vir, não porque querem, mas porque o profissional é da região e vão perguntar o que eles têm [...] no PSF estávamos simplesmente fazendo consultas [...](MED. 11).

Nesse âmbito, o Ministério da Saúde9 reforça a necessidade de se realizar o atendimento aos adolescentes, respeitando-se os princípios e as doutrinas do SUS, e estabelece a necessidade de organizar os serviços para garantir o acesso de adolescentes e jovens. Portanto, algumas ações são consideradas relevantes para essa organização. Devem ser levadas em consideração a disponibilidade, a formação e a educação permanente dos recursos humanos, a estrutura física, os equipamentos, os insumos e os sistemas de informação. Essas condições devem ser organizadas de acordo com o grau de complexidade da atenção prestada.

É fundamental que a atenção primária seja organizada e tenha atividades voltadas para os adolescentes, pois é um grupo de grande vulnerabilidade, que está exposto a vários fatores de risco. Além disso, é uma fase que se caracteriza por ser fecunda e receptiva ao desenvolvimento de atividades relacionadas à sua saúde, portanto, devemos organizar o atendimento e estar preparados para receber essa clientela.13

 

CONCLUSÃO

Este estudo possibilitou compreender o significado do atendimento aos adolescentes realizado pelos profissionais na atenção primária. Essa compreensão possibilita a identificação de características do atendimento que são relevantes e podem contribuir para a melhoria da atenção prestada aos adolescentes em nível primário.

O desocultamento do fenômeno permite refletir e rever questões importantes que permeiam a relação dos profissionais de saúde com os adolescentes. Os profissionais de saúde mostraram, por meio de seus discursos, que atender ao adolescente é desafiante. Foi revelado que, mesmo sendo de forma limitada, existe algum tipo de atividade para os adolescentes. Sabe-se que essa atenção deve ser ampliada e realizada de forma integral.

A partir da compreensão dos significados atribuídos pelos profissionais ao atendimento aos adolescentes, poderá haver estímulo para reflexões sobre a temática e propiciar novos conhecimentos que contribuirão de forma significativa para a elaboração de futuras ações que envolvam os profissionais de saúde e os adolescentes.

 

REFERÊNCIAS

1. Organización Mundial de La Salud-OMS.La salude de los jovens: un reto y una esperanza. Ginebra: OMS; 1995. 120p.

2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE.Censo Demográfico-Contagem populacional 2007. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2007.

3. Brasil. Lei no 8069 de 13 de julho de 1990. Dispõem sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília. 1990.

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* Texto extraído da dissertação de mestrado em ciências da saúde realizado na Faculdade de Medicina da UFMG