RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 20. 3

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Artigos de Revisão

Critérios para definição diagnóstica da síndrome metabólica em crianças e adolescentes

Diagnostic criteria for defining the metabolic syndrome in children and adolescents

Flávio Diniz Capanema1; Daniela Sousa Santos2; Eveny Teles Rezende Maciel2; Gustavo Barbosa Pedercini Reis2

1. Coordenador do Núcleo da Saúde da Criança e do Adolescente do Curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH). Vespasiano, MG - Brasil. Coordenador do Núcleo de Inovações Tecnológicas/Gerência de Pesquisa da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH). Vespasiano, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Rua: São Paulo, 958, Bairro: Jardim Alterosa
CEP: 33.200-970, Vespasiano, MG - Brasil
E-mail: fcapa@uol.com.br

Recebido em:28/07/2010
Aprovado em:05/08/2010

Instituição: Faculdade da Saúde e Ecologia Humana - FASEH.

Resumo

A obesidade vem aumentando de forma preocupante, tendo sido notável o seu crescimento também na faixa etária pediátrica, desde lactentes até a adolescência, tornando-se fator de relevância em saúde coletiva em todo o mundo. Esse distúrbio, quando associado a outras alterações metabólicas específicas, desenvolve um conjunto de sinais e sintomas que levam ao aparecimento da chamada síndrome metabólica (SM). A SM, quando presente em crianças e adolescentes, representa risco aumentado relacionado a eventos cardiovasculares cada vez mais precoces na idade adulta. O objetivo deste trabalho foi revisar a literatura atual a respeito dos critérios a serem utilizados na definição diagnóstica da SM entre crianças e adolescentes, observando-se aspectos epidemiológicos e fatores de risco associados. Realizou-se revisão bibliográfica referente ao tema proposto nos últimos cinco anos, entre agosto de 2004 e agosto de 2009, utilizando-se as bases Scientific Eletronic Library Online (SCIELO) e National Library Of Medicine (MEDLINE). Até o momento, não há critério diagnóstico consensual, sobre a SM em crianças e adolescentes, estabelecido na literatura nacional e internacional. Faz-se necessário o desenvolvimento de novos conhecimentos que orientem o profissional de saúde quanto à melhor definição diagnóstica da SM em crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Síndrome X Metabólica; Obesidade; Saúde da Criança; Adolescente; Diagnóstico.

 

INTRODUÇÃO

A síndrome metabólica (SM), já descrita como síndrome X, é definida como o conjunto de alterações metabólicas presentes no organismo que incluem resistência à insulina, intolerância à glicose, hipertensão arterial sistêmica, aumento de triglicérides e diminuição do HDL.1

O grande aumento de obesidade e diabetes mellitus verificado nos últimos anos tem chamado a atenção dos profissionais de saúde para o crescente surgimento da SM em populações, que está associado à alta morbimortalidade cardiovascular e elevado custo socioeconômico.2,3 É importante ressaltar que portadores da SM têm risco duas vezes mais alto de desenvolver doenças cardiovasculares quando comparados a pessoas sem a síndrome.4 Está relacionada à resistência à insulina e/ou intolerância à glicose, obesidade central, dislipidemia, hipertensão, estado protrombótico e pró-inflamatório.3,4

Até o momento, observam-se dificuldades na adoção de critérios diagnósticos uniformes para definição da SM. De fato, três entidades: Organização Mundial de Saúde (OMS), National Cholesterol Education Program - Adult Treatment Panel III (NCEP-ATPIII) e International Diabetes Federation (IDF) buscaram desenvolver critérios diagnósticos para SM, sendo estes preconizados para utilização em adultos. Sendo assim, convém observar que, independentemente da entidade em questão, os componentes propostos para definição diagnóstica da síndrome apresentam-se bastante próximos, com poucas variações entre os mesmos.5

Na Tabela 1 nota-se que, para o critério da OMS, faz-se necessária a resistência à insulina associada a mais dois outros fatores. O NCEP- ATPIII preconiza a presença de três dos componentes, sem priorizar nenhum deles em especial. Já para o IDF, torna-se obrigatória a medida da circunferência abdominal alterada, além de mais dois outros fatores.5

 

 

Como o NCEP-ATPIII não utiliza a resistência à insulina como critério diagnóstico, esse modelo tem sido considerado de mais aplicabilidade clínica do que o da OMS. Por isso, a Iª Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da SM (I DBSM) recomenda o uso do NCEP- ATPIII.6

Para crianças e adolescentes, tais critérios têm sido empregados a partir de adaptações.4,5,7 O IDF sugeriu definição pediátrica da SM parecida com a de adultos, sendo que, para adolescentes acima de 16 anos, os pontos de corte são os mesmos utilizados para os adultos. Em crianças de 10 a 16 anos tem-se utilizado o percentil acima de 90 para a medida da circunferência abdominal. Naquelas de seis a 10 anos, usa-se o mesmo percentil, porém não é condição essencial para o diagnóstico de SM, devendo-se intensificar a suspeita clínica para história familiar positiva para demais condições predisponentes1,8 (Tabela 2).

 

 

Em relação à infância, percebe-se a não existência de consenso na definição diagnóstica de SM. Os pontos de corte para determinação dos fatores de risco em crianças ainda permanecem incertos. A maioria dos estudos que englobam essa faixa etária tem utilizado curvas de percentil para idade e sexo, na tentativa de definição de critérios para diagnóstico.1

Este estudo teve como objetivo a realização de pesquisa bibliográfica de revisão sobre os critérios empregados na definição diagnóstica da SM em crianças e adolescentes, descrevendo dados epidemiológicos relevantes e fatores de risco associados à síndrome metabólica nesses grupos etários em especial.

 

ESTRATÉGIA DE BUSCA

Na revisão de literatura buscaram-se artigos indexados disponíveis nas bases eletrônicas National Library Of Medicine (MEDLINE, USA) e Scientific Eletronic Library Online (SCIELO), publicados em língua portuguesa e inglesa, entre agosto de 2004 e agosto de 2009, utilizando-se os seguintes descritores: Metabolic Syndrome e Obesity.

Inicialmente, foram localizados 7.678 artigos na base MEDLINE e 40 artigos na base SCIELO. Foram aplicados os limites: links to full text-free full text; dates: 5 years; humans; english; portuguese; ages: 0-18 years, sendo selecionados 188 artigos. Após aplicação de novo limite: type of article (meta-analysis; randomized controlled trial; review; practice guideline; clinical trial),restaram 35 artigos. Aqueles relacionando síndrome metabólica com outras doenças específicas de adultos (neoplasias, síndrome do ovário policístico e apneia do sono), cirurgia bariátrica, genes e enzimas, além de populações específicas também foram excluídos.

Ao final, foram selecionados desse levantamento 24 artigos para leitura e análise, acrescidos de outros cinco publicados previamente ao período proposto, por se tratar de estudos de referência sobre o tema. Um artigo foi fornecido diretamente pelo orientador do grupo, perfazendo-se o total de 30 artigos eleitos para a realização deste trabalho.

 

REVISÃO DE LITERATURA

Epidemiologia

O número de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade tem aumentado em diversos países a cada ano, configurando situação de endemia. Estima-se que no mundo existam em torno de 155 milhões de crianças com sobrepeso e, destas, cerca de 30 a 45 milhões são obesas.9 No Brasil, dados de 2004 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística demonstraram que 18% dos meninos e 15% das meninas estão acima do peso.10 Em Recife (PE), essa prevalência atingiu 35% dos escolares avaliados.11

Para a Sociedade Brasileira de Cardiologia, os valores de prevalência da SM têm muita variação, dependendo do critério utilizado, obtendo-se valores entre 12,4 e 28,5% em homens e 10,7 e 40,5% em mulheres em diferentes populações.

Nos Estados Unidos da América (EUA), a prevalência da SM foi estimada em 24% na população geral e, no grupo de 20 a 29 anos, em 6,7%. Esse valor eleva-se para 43,5% em pessoas acima de 60 anos. Em crianças e adolescentes a estimativa foi de 4,2%, sendo mais alta prevalência em meninos. Nos adolescentes com sobrepeso, calculado pela curva de percentil IMC/idade, esse número aumenta para 28,7%.5,12,13

No Brasil, há poucos estudos com amostras significativas da prevalência de SM. Estudo realizado em Vitória (ES) com 380 adolescentes de 10 a 14 anos revelou prevalência total de 1,3% nessa população.14

Fatores de risco

A obesidade é considerada o maior fator de risco para anormalidades metabólicas e SM na população geral e está intimamente ligada a todos os outros fatores associados a essa síndrome.1 Isto também pode ser notado na faixa etária pediátrica.8 Nos EUA, a prevalência de SM entre adolescentes é de 4%, porém naqueles com sobrepeso o risco aumenta para 30-50%.12,15

A resistência à insulina pode ser causada por deficiência no receptor específico, por diminuição na quantidade de receptores ou por erro durante utilização por parte dos receptores. Como mecanismo de compensação, as células beta-pancreáticas aumentam a produção de insulina, levando à hiperinsulinemia. A tolerância à glicose permanece normal durante algum tempo. Porém, quando se observa declínio na secreção insulínica, a tolerância à glicose diminui.16

Por sua vez, a obesidade é o principal fator de risco para o desenvolvimento de resistência à insulina em crianças e adolescentes. Acredita-se que a resistência à insulina/hiperinsulinemia é importante elo entre a obesidade, alterações metabólicas e risco cardiovascular.17

A dislipidemia representa importante problema no paciente com diabetes mellitus, sendo que 87% deles apresentam alguma disfunção lipídica. As mais comuns são: hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia e/ou baixas concentrações de HDL.3 Adolescentes obesos apresentam importante aumento de LDL e triglicérides e baixo nível de HDL. Em 52% de crianças obesas de oito a 12 anos foi encontrado aumento do colesterol total, comparado com crianças não obesas, que obtiveram prevalência de 16%.18

Também a elevação da pressão arterial sistêmica pode ser causada pela hiperinsulinemia, devido à ativação do sistema nervoso simpático, do comprometimento da vasodilatação periférica e do aumento da resposta da angiotensina, levando ao aumento da reabsorção renal de sódio e de água e, consequentemente, à sobrecarga de volume. Em diabéticos de ambos os sexos foram encontrados 84% de elevação dos níveis da pressão arterial sistêmica.3

Por ora, a maioria das pessoas portadoras de SM apresenta excesso de peso, porém mesmo em indivíduos não obesos pode ocorrer aumento da adiposidade corporal, principalmente na região abdominal.3 Excesso visceral de gordura pode levar ao aumento de concentração de citocinas inflamatórias e ácidos graxos que estimulam a gliconeogênese, bloqueia a depuração hepática de insulina e causa acúmulo de triglicérides no fígado e no músculo. Esse acúmulo leva à resistência insulínica, provocando a dislipidemia.3,19

Diversos hormônios possuem papel na regulação do peso corporal. A leptina, hormônio responsável pela regulação da saciedade no hipotálamo e também da manutenção da quantidade de gordura corporal, tem sido estudada em relação à sua participação na etiologia da síndrome. Especula-se ser ela outro componente das alterações hormonais da SM, estando sua concentração elevada na maioria dos obesos. Adoção de hábitos de vida saudáveis, como menos ingestão de gorduras e a prática de exercícios físicos, demonstrou ser capaz de reduzir concentrações plasmáticas de leptina.3,20

Alguns estudos salientam relação direta entre baixo peso ao nascer (menos de 2,5 kg, segundo critério da OMS) e o desenvolvimento da SM, em especial nos pequenos para a idade gestacional (PIG). A fisiopatologia dessa relação ainda não é totalmente conhecida. As crianças PIG apresentam alto risco de se tornarem adultos com SM, principalmente as que apresentam recuperação nutricional rápida após o nascimento. Por outro lado, as que não se recuperam têm baixa estatura e consequências psicológicas durante a adolescência e vida adulta.13 Encontrou-se prevalência de resistência à insulina 10 vezes mais alta em adultos aos 50 anos de idade que nasceram pesando menos de 2,5 kg.21

Outras condições clínicas também estão frequentemente associadas à SM, embora sem participação nos critérios diagnósticos. Entre elas estão a síndrome de ovário policístico, a acantose nigrans, a hepatopatia gordurosa não alcoólica, os estados pró-trombóticos, pró-inflamatórios e de disfunção endotelial, além da hiperuricemia.6,23

 

DISCUSSÃO

A SM é a combinação de fatores genéticos e ambientais, ingestão excessiva de calorias com ganho ponderal progressivo e redução de atividade física.23,24 Seu aumento em crianças e adolescentes pode causar doenças cardiovasculares em adultos, acelerando sua evolução, o que eleva a morbimortalidade e os custos de saúde pública.

Contudo, três entidades sugeriram definições diagnósticas para SM em adultos: a OMS, o NCEP- ATP III e o IDF. Nenhum deles é utilizado como consenso. Reaven demonstrou que, quando comparados os três critérios, apesar de próximos, diferem-se na maneira como cada um é usado no diagnóstico de SM.7

Estudo realizado por Ford e Giles avaliou 8.608 participantes com idade superior a 20 anos do National Health and Nutrition Examination SurveyIII (NHANES III) e também encontrou prevalências que variaram de acordo com o critério utilizado. Nesse estudo, foi identificada pelo critério da OMS prevalência de SM de 25,1%, enquanto que pelo NCEP encontraram-se 23,9%.25

Como em crianças ainda não existem pesquisas conclusivas a respeito do diagnóstico da SM, nota-se que alguns autores têm sugerido diferentes critérios para a sua definição diagnóstica, enquanto outros têm utilizado adaptações das definições já estabelecidas para adultos (Tabela 3). Outra dificuldade encontrada refere-se à ausência de pontos de corte precisos em relação a alguns dos fatores que levam ao diagnóstico entre crianças e adolescentes.

 

 

No Brasil há poucos dados referentes à SM baseados em estudos populacionais para a idade pediátrica. Estudo transversal realizado por Strufaldi et al. em escolares obesos, na cidade de São Paulo (SP), registrou prevalência de 25,8% pelo critério NCEP ATP III e 5,2% pelo critério da OMS.29 Os resultados obtidos na pesquisa alcançaram diferentes prevalências, de acordo com o critério utilizado, evidenciando-se a dificuldade de diagnóstico da SM na população infantil.

Diante da importância crescente do tema entre profissionais da saúde nas diversas áreas de atuação, esta investigação pretendeu salientar a magnitude da SM como problema de saúde populacional e alertar para a necessidade de um critério diagnóstico consensual para crianças e adolescentes, na tentativa de diminuir o impacto das doenças cardiovasculares associado à SM no futuro. Nota-se, também, que a obesidade parece ser o principal fator predisponente para as alterações metabólicas que levam à SM, reforçando a necessidade de medidas preventivas em todas as idades.

 

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