ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Obesidade infantil - impactos psicossociais
Childhood obesity - psychosocial impacts
Vinícius Lins Costa Melo1; Paula Januzzi Serra1; Cristiane de Freitas Cunha2
1. Acadêmicos do 5º período do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Profa. Adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Paula Januzzi Serra
Rua: Odilon Braga, 780/601, Bairro: Anchieta
Belo Horizonte, MG - Brasil, CEP: 30.310-390
E-mail: paula_januzzi@yahoo.com.br
Recebido em: 21/05/2009
Aprovado em: 07/07/2009
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
A obesidade infantil tem sido considerada epidemia mundial. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 15 milhões de crianças e jovens no Brasil apresentam peso corporal em excesso.1 Esse número reflete as mudanças que têm ocorrido nos padrões de alimentação e atividade física, próprios da sociedade capitalista contemporânea (elevada oferta e consumo de produtos).2 Conceituada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) como doença crônica progressiva e recorrente - caracterizada pelo aumento excessivo de tecido adiposo - a obesidade na infância adquire relevância não apenas em virtude das comorbidades associadas (como diabetes mellitus tipo II, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer), mas também devido às consequências psicossociais.3 Alguns trabalhos descrevem3,4,5 que contextos como cultura, família, escola, convívio social e espaços de saúde estão envolvidos na estigmatização, vitimização e preconceito em relação à criança obesa, o que gera impactos psicossociais (baixa autoestima, depressão, ansiedade, isolamento, culpa, entre outros).5,6 Ao considerar que esses impactos se estendem à adolescência e vida adulta, torna-se relevante abordar a obesidade de modo preventivo na infância, ressaltando-se a necessidade do tratamento interdisciplinar da criança obesa como forma de cuidado integral ao paciente.7
Palavras-chave: Saúde da Criança; Obesidade; Criança; Discriminação (Psicologia); Impacto Psicossocial; Saúde Pública.
O QUE É A OBESIDADE ?
A obesidade pode ser definida como doença crônica progressiva e recorrente - caracterizada pelo acúmulo de gordura corporal - resultante da ingestão excessiva de calorias, que supera o gasto energético do organismo.1 Índices como o IMC (índice de massa corporal), correlacionados com outras medidas antropométricas, são parâmetros utilizados para definir o grau de adiposidade e, desta forma, constituem um meio de classificar indivíduos com sobrepeso e obesidade.2
A obesidade envolve não apenas fatores referentes à alteração de composição corporal, mas também traz significativas consequências psicossociais.3
POR QUE FALAR DE OBESIDADE ?
A obesidade tem sido considerada uma epidemia global. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), há mais de um bilhão de adultos no mundo com excesso de peso. Destes, pelo menos 300 milhões são obesos.1 Em escala infanto-juvenil, a obesidade tem aumentado dramaticamente em todos os países industrializados.4 No Brasil, 15 milhões de crianças e jovens pesam mais que o ideal.5
Esse aumento no número de indivíduos com sobrepeso e obesidade - que hoje já supera o número de subnutridos - faz parte do processo denominado transição nutricional, caracterizado por mudanças nos padrões alimentares e no estilo de vida.6 As alterações incluem o deslocamento generalizado da preferência alimentar para produtos com alta densidade energética - como bebidas adoçadas e processados - bem como o aumento do consumo de nutrientes de origem animal. Acrescenta-se ainda a adoção de hábitos mais sedentários, como mais tempo diante da televisão e de computadores e menos uso de bicicletas ou caminhadas.6 É importante ressaltar que a globalização é a grande força impulsora da transição nutricional, na medida em que proporciona a oferta de diversos tipos de alimentos a preços acessíveis.6
Abordar o tema obesidade é de extrema importância, pois essa doença está relacionada a diversas comorbidades, entre elas: diabetes mellitus tipo II, cardiopatias, hipertensão, acidentes vasculares cerebrais, certos tipos de câncer, problemas respiratórios, musculares e esqueléticos crônicos.1
QUAL A IMPORTÂNCIA DE SE ABORDAR A OBESIDADE INFANTIL ?
A obesidade na infância assume aspecto mais delicado, pois nessa fase da vida (entre 5-7 anos, especificamente) ocorrem picos de hiperplasia do tecido adiposo.7 Quando a criança é superalimentada e torna-se obesa, o que se observa é a elevação excessiva no número de adipócitos que permanecem durante toda a vida, contribuindo para aumentada tendência à obesidade na adolescência e vida adulta.8,9 Essa é uma das grandes razões que justificam a intervenção ainda na infância, de modo a não permitir que essa doença se estabeleça.8
Além da questão fisiológica, a obesidade na infância relaciona-se à estruturação do aparelho psíquico. Desde o período da amamentação, ao interagir com a criança a mãe transforma-se de fonte provedora de alimento para objeto amado, sendo essa relação alimento-cuidado, organizadora na estruturação e no desenvolvimento físico e psíquico da criança. Quando o alimento é oferecido de forma indiscriminada - a exemplo de pais ansiosos ou superprotetores que não conseguem reconhecer as necessidades do bebê e, ao mínimo sinal de alerta, oferecem comida -, a criança passa a associar qualquer situação de mal-estar à ingestão de alimentos. Dessa forma, o infante passa a reconfortar suas angústias, medos e frustrações num contínuo compensatório alimentar no qual a família como um todo está envolvida.9
OBESIDADE INFANTIL E SAÚDE MENTAL - IMPACTOS PSICOSSOCIAIS
A obesidade infantil pode trazer significativas consequências psicossociais. Crianças e adolescentes obesos deparam-se com o preconceito e a discriminação que se iniciam na tenra infância.3 Existe ainda extensa e crescente literatura sobre crianças obesas como alvo da estigmatização social.10
Estudos realizados com crianças de diferentes faixas etárias evidenciam as atitudes negativas contra as crianças obesas. Foi verificado que pré-escolares entre três e cinco anos preferem relacionar-se com colegas de peso normal a obesos. As crianças entre quatro e 11 anos associam a obesidade a feiura, egoísmo, preguiça, estupidez, desonestidade, isolamento social.11 Uma outra pesquisa mostra que a maioria das crianças acredita que a obesidade é algo que está sob controle da pessoa, o que reforça a associação da doença com estereótipos negativos.10,12 Ainda no âmbito escolar, observou-se que entre os professores da escola primária associaram em 59% das vezes a obesidade à falta de auto-controle e 57% a problemas psicológicos.13
Foi também examinado o papel das diferenças culturais no que se refere ao comportamento discriminatório em relação à criança obesa. Em estudo comparando as crianças americanas e japonesas da quinta série escolar, verificou-se que as japonesas apresentavam-se mais dispostas a incluir as crianças obesas em grupos de atividades do que as americanas.14
No âmbito familiar, pesquisas avaliaram a influência dos pais quanto à estigmatização que sofrem as crianças obesas. Um dos estudos mostrou que a comunicação entre pais e filhos pode endossar os estereótipos negativos associados à obesidade. Aos pais foram mostradas três fotos de crianças - uma com peso normal, uma obesa e uma com deficiência - e foi pedido que eles contassem uma história a seus filhos sobre cada foto apresentada. Os pais se reportaram à criança obesa como aquela que possui a mais baixa autoestima e atribuíram a ela a mínima chance de sucesso ao fim da história.15
É importante mencionar que os pais de crianças obesas estão diante de um complexo desafio. Primeiro, porque eles devem oferecer suporte e ajudar a proteger a autoestima de seus filhos perante a crescente estigmatização social. Segundo, eles precisam auxiliar as crianças quanto à escolha de alimentos saudáveis sem que isso seja entendido como punição.10
Um último aspecto refere-se às atitudes discriminatórias dos profissionais de saúde em relação ao paciente obeso. Apurou-se, em relato de 318 médicos de família pesquisados, que em dois terços deles os seus pacientes obesos apresentavam falta de controle pessoal e 39% associaram obesidade à preguiça.16 Outro estudo feito com enfermeiros investigou as crenças desses profissionais em relação à obesidade e encontrou que 63% deles acreditavam que podia ser prevenida pelo autocontrole. Além disso, 48% dos enfermeiros afirmaram que se sentiam desconfortáveis em atender pacientes obesos e 31% preferiam não cuidar desse tipo de paciente. Faz-se necessário ressaltar que essas atitudes estigmatizantes podem afetar os julgamentos clínicos e, além disso, contribuir para manter o paciente obeso afastado dos cuidados com a saúde.12
IMPACTOS EMOCIONAIS
Vários são os estudos que relatam os impactos emocionais desenvolvidos por indivíduos obesos, entre eles: angústia, culpa, depressão, baixa autoestima, vergonha, timidez, ansiedade, isolamento e fracasso.
A autoestima de crianças obesas parece ser inversamente proporcional à idade, quando comparada a crianças de peso normal.17-20 Verifica-se também que a baixa autoestima de crianças obesas relaciona-se às expressões de insatisfação dos pais com o peso da criança.21
No que se refere à depressão e à ansiedade, estudos têm relatado níveis crescentes de sintomas depressivos entre crianças com sobrepeso e obesidade, sendo tais observações mais frequentes nas mulheres.22,23
É interessante salientar os trabalhos em que a ansiedade e a depressão, assim como a culpa, solidão ou frustração, estão associadas a acentuada procura pelo alimento como gratificação ou como forma de compensação e entorpecimento das emoções.9
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS DA OBESIDADE INFANTIL A MÉDIO E LONGO PRAZOS ?
Os adultos obesos desde a infância apresentam mais dificuldade no convívio social, no relacionamento amoroso e sexual, na vida profissional e nos cuidados com a saúde.
Verificou-se que adolescentes obesas têm menos relacionamentos amorosos e são mais insatisfeitas com eles, quando comparadas às adolescentes eutróficas.24 Registra-se também que as mulheres americanas obesas na adolescência tinham baixa remuneração salarial, altas taxas de pobreza e menos satisfação conjugal comparadas às mulheres magras.25
Trabalhos similares apontam que jovens obesos sofrem maior discriminação no processo de admissão em universidades americanas.26,27
É interessante relatar os resultados de trabalhos em que mulheres obesas apresentam mais recusa a se submeter a procedimentos médicos que exigem exposição corporal, como exames ginecológicos e de mama.12
CONCLUSÕES
As perspectivas referentes à prevalência da obesidade são pessimistas, tendo em vista que os hábitos alimentares deletérios e a inatividade física têm se consolidado na vida moderna. Esse fato justifica uma intervenção preventiva na infância, de modo a estruturar hábitos mais saudáveis e, assim, evitar tendência à obesidade na vida adulta.
O caráter multifatorial da obesidade demanda intervenção interdisciplinar no tratamento da doença, o que inclui a participação de médicos, nutricionistas, psicoterapeutas, educadores físicos, enfermeiros.
As estratégias de atuação terapêutica buscam trabalhar os fatores predisponentes, precipitantes e mantenedores da obesidade, o que permite abordagem integral do sujeito.
Por fim, é importante mencionar que o paciente obeso deve ser conscientizado de que é parte ativa do tratamento e, junto com seus cuidadores, deve se esforçar para garantir a efetividade do mesmo.
REFERÊNCIAS
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