RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 31 e-31504 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20210026

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Carta ao Editor

Dosagem do magnésio eritrocitário: Qual é o seu real valor?

Measurement of erythrocyte magnesium: What is its real value?

Herval de Lacerda Bonfante1; André Netto Bastos2; Jhessika Rosa Soprani3; Daniel Tagliate Vidigal de Almeida3; Carlos Alberto Mourão-Júnior4

1. Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Farmacologia, Juiz de Fora - MG, Brasil
2. Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Morfologia, Juiz de Fora - MG, Brasil
3. Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Medicina, Juiz de Fora - MG, Brasil
4. Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Fisiologia, Juiz de Fora - MG, Brasil

Endereço para correspondência

Carlos Alberto Mourão-Júnior
E-mail: camouraojr@gmail.com

Recebido em: 15/01/2021
Aprovado em: 07/04/2021

Instituição: Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora - MG, Brasil

Resumo

O magnésio é um cátion de localização predominantemente intracelular e de grande importância em várias funções metabólicas. É possível que tenha uma participação importante em processos álgicos e inflamatórios. Sua dosagem sérica possivelmente não representa a realidade de sua concentração corporal. A mensuração do magnésio eritrocitário talvez possa representar um avanço na sua melhor avaliação.

Palavras-chave: Magnésio eritrocitário; Dor; Inflamação; Osteoartrite; Artrite Reumatoide.

 

INTRODUÇÃO

Motivados pela observação da realização de um número expressivo de dosagens séricas de magnésio (Mg) diariamente, buscamos uma forma de maior precisão para sua determinação e pretendemos com o texto alertar o (a) leitor (a) para alguns aspectos nem sempre lembrados, evitando com isso gastos desnecessários sem contudo apresentar fundamento científico. Dessa forma, julgamos a necessidade da divulgação dos resultados preliminares desse estudo, contribuindo talvez para a tomada de decisões ou pelo menos originando uma reflexão sobre o assunto.

A apresentação tem início com a provável relação entre Mg e dor. A dor crônica é um dos grandes flagelos que assola a humanidade. A busca de um tratamento eficaz, seguro e permanente é incessante, entretanto, a complexidade do assunto faz com que tal objetivo nem sempre seja alcançado, o que ocasiona grande sofrimento para os pacientes que apresentam tal condição e para os profissionais de saúde que os assistem.

A osteoartrite (OA) e a artrite reumatoide (AR), são doenças de grande prevalência e que apresentam a dor crônica como sintomatologia importante e frequente. Nos últimos anos, vários estudos procuraram correlacionar o papel do magnésio (Mg) no processo álgico e inflamatório, não somente nas doenças citadas, como em outras doenças.1-7

O magnésio é o segundo cátion intracelular mais abundante e atua como cofator em mais de 300 reações metabólicas. O organismo de um adulto saudável tem, em média, de 21 a 28 g de Mg. O tecido ósseo é o maior reservatório de Mg no corpo (aproximadamente 50%), seguido pelo tecido muscular. Apenas cerca de 0,3% do total de Mg corporal está no sangue.8-10

Por conseguinte, a dosagem de Mg sérico pode não refletir com precisão sua quantidade total no organismo. Já a concentração intraeritrocitária corresponde a, aproximadamente, 0,5% a 1,5% do total das reservas corporais.8,10

Considerando a distribuição do Mg nos compartimentos intra e extracelular, entendemos que sua dosagem intraeritrocitária - por se tratar de uma medida intracelular - seja mais fisiológica que a dosagem sérica. Para testar essa hipótese, realizamos um estudo piloto para verificar uma possível correlação entre níveis de Mg sérico e níveis de Mg eritrocitário, bem como avaliar uma possível associação do Mg com parâmetros inflamatórios. Mais adiante, apresentaremos o resultado preliminar de nosso estudo. Antes, vamos descrever os resultados de alguns estudos semelhantes presentes na literatura atual.

Ulger et al. (2010) avaliando o Mg intraeritrocitário, demonstraram alta prevalência de hipomagnesemia em pacientes geriátricos, com base nas medidas intraeritrocitárias de Mg, embora todos os pacientes apresentassem medidas séricas normais e não houvesse correlação entre os níveis sérico e intraeritrocitário de Mg.11

Em um trabalho recente Sitzia et al. (2020) demonstraram a importância da avaliação do Mg intraeritrocitário, sugerindo que a medição laboratorial de magnésio intracelular é necessária para detectar a deficiência de magnésio oculto na população idosa em risco para comprometimento cognitivo devido à doença cerebrovascular, encontrando diferença significativa em comparação com a concentração de Mg sérico12.

Quanto à relação entre Mg e OA há possibilidade de que sujeitos com maior teor de Mg possam ser menos propensos a desenvolver a doença. Shmagel et al. (2018) descreveram que a ingestão insuficiente de Mg foi altamente prevalente entre os indivíduos com OA radiográfica de joelhos e associada a um maior relato de dor. Além disso, a redução da inflamação sinovial foi observada em pacientes com OA que receberam sulfato de magnésio. Como resultado, parece que a administração de sulfato de magnésio poderia melhorar a condição dos pacientes com OA.1,4,6

Li et al. (2016), concluíram que a deficiência de Mg poderia influenciar várias vias envolvidas na patogenia da OA, incluindo a perda progressiva da cartilagem articular, formação óssea anormal e inflamação do tecido, que juntos poderiam aumentar a dor e perda da função articular.1

Shahi et al. (2019) além de descreverem a possibilidade da existência de insuficiência de Mg em AR, recomendaram que o Mg sérico em pacientes com AR poderia ser potencialmente utilizado para controlar o risco cardiovascular, citando que o nível de Mg teve correlação negativa com o colesterol total e LDL. Em contraste, a correlação do nível de Mg foi positiva com o colesterol HDL em pacientes com AR.9

Quanto ao estudo piloto que realizamos, fizemos um estudo transversal com 65 voluntários, sendo 32 portadores de AR e 19 portadores de OA (de acordo com os critérios do Colégio Americano de Reumatologia), além de 14 controles saudáveis. Os pacientes com AR foram entrevistados obtendo-se os índices Health Assessment Questionnaire (HAQ), Escala Visual Analógica de Dor (EVA) e Disease Activity Score 28 (DAS28). Nos pacientes com OA foram avaliados os índices HAQ, EVA e Westerm Ontario and McMaster Universities (WOMAC). Todos foram submetidos à entrevista e coleta de sangue (após jejum de 12h) para avaliação de provas inflamatórias e dosagem dos níveis séricos e eritrocitários de Mg. O Mg eritrocitário foi dosado pelo método de espectrofotometria de absorção atômica. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da UFJF. 

A análise estatística dos dados evidenciou que os níveis de Mg sérico e eritrocitário não apresentaram correlação. Também não foi encontrada relação estatisticamente significante entre os níveis de Mg (sérico e eritrocitário) e os seguintes parâmetros: dor, provas inflamatórias, índices funcionais e de atividade nas duas doenças. A não associação entre níveis séricos e eritrocitários de Mg e os parâmetros avaliados no estudo, pode ser explicado pelo fato de Mg sérico e eritrocitário representarem frações muito pequenas de todo o Mg corporal (Mg sérico equivale a 0,3%, enquanto o Mg eritrocitário equivale a 0,5% a 1,5% da reserva total de Mg). Portanto, mesmo ocorrendo uma melhora na busca de um real papel do Mg em um local onde o mesmo é mais concentrado que no plasma (Mg eritrocitário), este ainda representa uma fração muito baixa do Mg total do organismo.

Cumpre ressaltar que os resultados de nosso estudo piloto são ainda insuficientes para chegarmos a conclusões mais robustas. Por isso, ainda não justifica apresentá-los no formato de um artigo original. Todavia, entendemos que é interessante divulgar nossos resultados preliminares no intuito de despertar o interesse de outros pesquisadores para que se realizem mais estudos referentes a esse tema, tendo em vista sua relevância clínica.

Embora o magnésio seja um cátion de grande importância, nos parece que a sua dosagem sérica seja de pouco valor, já que a dosagem no plasma procura o magnésio onde este não se encontra, ou seja, no compartimento extracelular (intravascular). É plausível, portanto, supor que a dosagem eritrocitária (portanto, intracelular), apesar de não ideal (já que há pouco Mg nas hemácias), seria uma estratégia mais adequada, entretanto, avaliamos que ainda não constituiria uma forma confiável, visto que provavelmente só demonstraria alterações em graves deficiências. Novos estudos devem prosseguir na busca de uma avaliação mais precisa, de mais fácil execução e de menor custo, observando com julgamento crítico os valores encontrados na atualidade tanto nos níveis séricos, como intraeritrocitários. Enquanto não temos disponível em nível clínico um método para quantificar o Mg no tecido ósseo e muscular, talvez uma outra forma menos trabalhosa e com menor custo seria uma análise indireta como proposto recentemente por Schutten et al. (2020), poderia ser de utilidade talvez em investigação de deficiências mais graves e não como método utilizado na rotina. Em conclusão, devemos seguir a procura de um método ideal de avaliar esse cátion que apresenta grande importância nos processos fisiológicos e talvez patológicos como a dor.

 

REFERÊNCIAS

1. Li Y, Yue J, Yang C. Unraveling the role of Mg in osteoarthritis. Life Sci. 2016;147:24-9.

2. Nielsen FH. Magnesium deficiency and increased inflammation: current perspectives. J Inflamm Res. 2018;11:25-34.

3. Mazur A, Maier JA, Rock E, Gueux E, Nowacki W, Rayssiguier Y. Magnesium and the inflammatory response: potential physiopathological implications. Arch Biochem Biophys. 2007;458(1):48-56.

4. Shin HJ, Na HS, Do SH. Magnesium and Pain. Nutrients. 2020;12(8).

5. Tarleton EK, Kennedy AG, Rose GL, Littenberg B. Relationship between Magnesium Intake and Chronic Pain in U.S. Adults. Nutrients. 2020;12(7).

6. Shmagel A, Onizuka N, Langsetmo L, Vo T, Foley R, Ensrud K, Valen P. Low magnesium intake is associated with increased knee pain in subjects with radiographic knee osteoarthritis: data from the Osteoarthritis Initiative. Osteoarthritis Cartilage. 2018;26(5):651-658.

7. Park R, Ho AM, Pickering G, Arendt-Nielsen L, Mohiuddin M, Gilron I. Efficacy and Safety of Magnesium for the Management of Chronic Pain in Adults: A Systematic Review. Anesthesia and analgesia. 2020;131(3):764-75.

8. Elin RJ. Magnesium metabolism in health and disease. Dis Mon. 1988;34(4):161-218.

9. Shahi A, Aslani S, Ataollahi M, Mahmoudi M. The role of magnesium in different inflammatory diseases. Inflammopharmacology. 2019; 27(4):649-661.

10. Ahmed F, Mohammed A. Magnesium: The Forgotten Electrolyte-A Review on Hypomagnesemia. Med Sci (Basel). 2019;7(4):56.

11. Ulger Z, Ariogul S, Cankurtaran M, Halil M, Yavuz BB, Orhan B, et al. Intra-erythrocyte magnesium levels and their clinical implications in geriatric outpatients. The journal of nutrition, health & aging. 2010;14(10):810-4.

12. Sitzia C, Sterlicchio M, Crapanzano C, Dozio E, Vianello E, Corsi Romanelli MM. Intra-erythrocytes magnesium deficiency could reflect cognitive impairment status due to vascular disease: a pilot study. J Transl Med. 2020;18(1):458.

13. Schutten JC, Post A, van der Meer M, IJmker J, Goorman F, Danel RM, Vervloet MG, de Borst MH, Touw DJ, Bakker SJL. Comparison of two methods for the assessment of intraerythrocyte magnesium and its determinants: Results from the LifeLines cohort study. Clin Chim Acta. 2020 ;510:772-780.