ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Aspectos gerais da Aspergilose na Fibrose Cística
General aspects of Aspergillosis in Cystic Fibrosis
Maria Cláudia Miranda de Resende1; Roberta Bona Ataíde1; Larissa Ferreira Marques1; Maíra Oliveira de Souza1; Iara Furtado Santiago2
1. Grupo Elite Cursos Médicos, Medicina - Belo Horizonte - MG - Brasil
2. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Medicina - Belo Horizonte - MG - Brasil
Iara Furtado Santiago
E-mail: iara.santiago@cienciasmedicasmg.edu.br
Recebido em: 16/09/2019
Aprovado em: 22/08/2020
Instituição: Grupo Elite Cursos Médicos, Medicina - Belo Horizonte - MG - Brasil
Resumo
A Aspergilose é uma patologia na qual ocorre uma reação alérgica pulmonar ou extrapulmonar, em decorrência principalmente da inalação dos esporos fúngicos. Na maioria dos casos descritos, a manifestação pulmonar é dada pela sensibilidade aos esporos de Aspergillus fumigatus. Há variadas formas de manifestações da doença como o aspergiloma, a aspergilose invasiva, a asma alérgica e a pneumonite por hipersensibilidade, estas, são causadas em decorrência da presença de fungos formadores de esporos. Os sintomas associados a essa infecção iniciam em função de uma resposta imunológica exacerbada do organismo. A infecção pulmonar está presente, na maioria dos casos de forma assintomática, e apresenta-se sintomática nos pacientes com Fibrose Cística (FC) devido a deficiência na drenagem mucociliar e ao acúmulo de secreção espessa, que facilita a adaptação dos conídios de Aspergillus spp. e a multiplicação desse patógeno nos alvéolos pulmonares, sendo a Aspergilose Broncopulmonar Alérgica (ABPA) a principal manifestação clínica em pacientes portadores dessa doença. Seu diagnóstico pode ser realizado pela presença de níveis elevados de IgE específicos para o agente etiológico, além da observação de infiltrados radiológicos com presença ou ausência de bronquiectasia. Em relação a prevalência de A. fumigatus em pacientes portadores de FC, pode ser realizada uma estimativa através da realização de exame cutâneo ou pela dosagem sérica de imunoglobulina IgE específica para aspergilose. O tratamento clínico da patologia é baseado no uso de medicamentos que diminuam a resposta imunológica e inflamatória, através de corticóides sistêmicos e Itraconazol associado a medidas adjuvantes como o uso de corticóides inalatórios, broncodilatadores, drogas anti-LTB, e na redução da carga fúngica localizada nas vias aéreas através de mudanças de hábitos.
Palavras-chave: Aspergillus; Aspergillus fumigatus; Fibrose Cística; Aspergilose Broncopulmonar Alérgica; Aspergilose.
INTRODUÇÃO
A Aspergilose refere-se a uma patologia microbiana, que ocasiona uma reação alérgica pulmonar ou extrapulmonar, desenvolvida pela inalação de esporo fúngico. Segundo Janahi et al.1 (2016) a manifestação pulmonar é causada por maior sensibilidade ao alérgeno, na maioria dos casos relatados, ao Aspergillus fumigatus. Por este ser um fungo formador de esporos há diversas origens e formas de manifestações da doença, entre elas o aspergiloma, a aspergilose invasiva, a asma alérgica e a pneumonite por hipersensibilidade, sobretudo em pacientes portadores de patologias de base, como asma ou fibrose cística. 1
A Fibrose Cística (FC) é uma doença genética, de caráter autossômico recessivo, causada por mutações no gene codificador da proteína CFTR, responsável pelo transporte de íons cloreto e bicarbonato na superfície epitelial e, consequentemente pela fluidez das secreções gástricas e respiratórias.2 Esse distúrbio leva à depuração mucociliar inadequada, o que torna os indivíduos portadores dessa condição altamente susceptíveis à colonização respiratória e à infecção por fungos e outros micro-organismos.3 A FC apresenta uma prevalência estimada de acometimento de 1 em 3.500 indivíduos nascidos vivos, sendo mais frequente no norte da Europa, no norte da América, na Austrália e na Nova Zelândia .4
A complicação mais frequente da infecção por Aspergillus fumigatus em pacientes com Fibrose Cística (FC) é a Aspergilose Broncopulmonar Alérgica (ABPA) que pode afetar cerca de 10% dos pacientes. Além da ABPA, outras complicações presentes são: Aspergiloma, Aspergilose Pulmonar Invasiva, Hipersensibilidade e Bronquite podem ocorrer.5
O objetivo desta revisão é discutir os principais tópicos da Aspergilose em pacientes com Fibrose Cística, ressaltando por meio de revisão sistematizada os principais métodos diagnósticos da ABPA nesses indivíduos.
MÉTODOS
O presente estudo trata-se de uma revisão sistematizada sobre Aspergilose em pacientes com Fibrose Cística, com enfoque no diagnóstico. Os artigos foram selecionados nos idiomas português e inglês dos repositórios digitais PubMed, PubMed Central (PMC) eSciELO, de janeiro de 1999 a dezembro de 2019. O processo de busca destas publicações foi norteado pelo uso de descritores estabelecidos com base na literatura relativa ao tema usados isoladamente ou em associação: Aspergillus, Aspergillus fumigatus, Fibrose Cística, diagnóstico, Aspergilose Broncopulmonar Alérgica, Aspergilose. As referências bibliográficas citadas nos artigos também foram consultadas para rastrear demais artigos a respeito do tema revisado.
REVISÃO DA LITERATURA
Agente etiológico
Os agentes causadores da Aspergilose são os fungos do gênero Aspergillus, que compreende um total de aproximadamente 339 espécies de fungos filamentosos que podem ser encontrados dispersos no ambiente, como no ar, no solo, em cereais, frutas e plantas e em matéria orgânica em decomposição.6 Aspergillus fumigatus é a espécie mais prevalente e essa apresenta como característica a capacidade de se desenvolver em diferentes locais com diferentes condições nutricionais, além de se adaptar a temperaturas superiores à 50oC.1 Carsin et al.6 (2017) observaram uma prevalência de que 80% a 90% dos quadros de infecção por Aspergillus em humanos são causadas por A. fumigatus.
Os esporos de A. fumigatus, também conhecidos como conídios, apresentam tamanho reduzido (3-5 µm), o que favorece a penetração destes em bronquíolos de pequeno calibre. Outra característica importante dos esporos se dá pelo revestimento dos mesmos por proteína hidrofóbica espessa, o que permite que estes não sejam fagocitados por macrófagos. Ao entrarem em contato com as estruturas pulmonares, os esporos se desenvolvem em hifas que desencadearão a resposta imunológica de neutrófilos e monócitos, na tentativa de impedir a disseminação do micro-organismo. Porém, os esporos da espécie A. fumigatus burlam o sistema imunológico com os seguintes fatores de virulência: enzimas superóxido dismutases, catalases, manitol, proteases, ribotoxina, ácidophthioic, fosfolipases, gliotoxina e hemolisina, podendo desencadear a forma invasiva da doença e a resposta antigênica na instauração da ABPA.1
Patologia
A inalação dos esporos de A. fumigatus é a forma infectante da doença, sendo esta algo rotineiro no cotidiano, pois trata-se de um fungo que esporula e tem uma grande prevalência em países tropicais, como no Brasil, devido às suas características de reprodução. A infecção pulmonar, na maior parte das vezes é assintomática, porém devido ao fato dos pacientes com FC apresentarem deficiência na drenagem mucociliar e um acúmulo de secreção espessa, proporcionando que os conídios de Aspergillus se adaptem facilmente e se multipliquem nos alvéolos pulmonares. Os sintomas dessa patologia se iniciam a partir de uma resposta imunológica mediada por IgE, chamada de Aspergilose Broncopulmonar Alérgica (ABPA) que dá origem à inflamação brônquica, à destruição das vias aéreas e à fibrose, também chamada de bronquiectasia.7
As manifestações clínicas da ABPA na FC incluem asma mal controlada, sibilância, hemoptise e tosse produtiva com expectoração de tampões de muco preto acastanhado, no entanto, alguns pacientes podem permanecer assintomáticos.8
O diagnóstico de ABPA em portadores de FC é de difícil exatidão devido à sobreposição das manifestações clínicas, microbiológicas, radiológicas e imunológicas. Entretanto, a repetição prolongada de exames pode ser parte do processo de diagnóstico. Assim, existe a necessidade de uma ferramenta de diagnóstico eficiente para confirmar a ABPA precocemente e melhorar o seu manejo.9
Vrankrijker et al.10 (2010) ressalta que a prevalência de A. fumigatus nas secreções de pacientes portadores de FC varia de 6 a 58% e esta, pode ser mensurada pela presença do fungo nas secreções respiratórias, sendo que, a ABPA está presente em aproximadamente 10% dos pacientes portadores de FC.2
O diagnóstico laboratorial de Aspergilose é sugerido quando se encontra eosinofilia e elevação de IgE nos níveis séricos do paciente. Segundo Janahi et al.1 (2016), exames cutâneos intradérmicos com o antígeno para A. fumigatus apresentam resultados positivos em 100% dos pacientes com ABPA, mas pode apresentar-se falso positivo em 20 a 25% dos pacientes portadores de asma.
A Tomografia Computadorizada (TC) geralmente apresenta presença de bronquiectasia, na maioria dos casos, envolvendo brônquios segmentares ou subsegmentares. Essas bronquiectasias são preenchidas por impactações mucóides com uma forma inversa em Y ou V e também são chamadas de opacidades dedo-em-luva.8
Em pacientes que apresentam bronquiectasia central, evidenciada pela Tomografia Computadorizada (TC), há ocorrência de ABPA crônica. Já na radiografia de tórax, infiltrados e opacidades pulmonares podem ser elucidados, assim como bronquíolos aéreos, o espessamento da parede brônquica (sinal do anel de sinete) e o sinal do dedo de luva (impactação mucóide dentro de alvéolos dilatados), sendo que esses sinais radiológicos podem ser desencadeados pela presença da FC.
Janahi et al.1 (2016) através de seus estudos demonstraram que ABPA propriamente dita é responsável por sinais radiológicos específicos que incluem a bronquiectasia varicosa ou cística que resolve mediante ao uso de esteroides.
Segundo Burgel et al.2 (2016), métodos de alto rendimento visando o RNA ribossomal fúngico poderão ser utilizados ??para examinar a diversidade de fungos nas vias aéreas de portadores da FC, em um futuro próximo.
Manifestação do Aspergillus em pacientes com fibrose cística
A principal manifestação clínica da aspergilose em pacientes com fibrose cística é a Aspergilose Broncopulmonar Alérgica (ABPA), caracterizada pela presença de níveis elevados de IgE específicos para o agente etiológico, além de infiltrados radiológicos com ou sem bronquiectasia, sendo que a prevalência de ABPA nesses pacientes é estimada entre 2 e 8% 10, e esta é significativamente maior em adultos quando comparados a crianças. 11
Burgel et al.2 (2016) demonstrou que espécie A. fumigatus está presente em 10 a 25% dos pacientes com FC, tendo maior incidência em adolescentes e adultos, porém tal dado foi subestimado, já que a mensuração em crianças foi também subestimada, pois essa faixa etária apresenta uma menor produção de escarro.
Já King et al.12 (2016) relatam variações entre 2 e 25%, com grande diferença entre países, com prevalência mínima encontrada de 1% e a máxima de 18%, na Sérvia e na Suíça, respectivamente.
Segundo Carsin et al.6 (2017), o risco de desenvolvimento de ABPA em pacientes com fibrose cística é maior naqueles com história de asma ou atopia associados, com comprometimento do estado nutricional, com a presença concomitante de colonização bacteriana por Pseudomonas spp e em situações de tratamento prolongado com azitromicina.
Prevalência de Aspergillus em pacientes com fibrose cística
A prevalência de A. fumigatus em pacientes portadores de fibrose cística pode ser estimada através da realização de exame cutâneo ou pela dosagem sérica de imunoglobulina IgE específica para aspergilose. Entretanto, a variação dos dados em relação à real prevalência pode variar de acordo com o método utilizado para o diagnóstico (nível de IgE e exame cutâneo), pelo tipo de exame cutâneo (intradérmico ou percutâneo) e pelos diferentes valores de corte utilizados para definir a presença ou não do fungo.
Maturu & Agarwal11 (2015) demonstraram a prevalência estimada de aspergilose em pacientes com fibrose cística de 39.1%, com valores variando entre 20 e 65%, tendo a prevalência do exame cutâneo de 42.8% e a de IgE específica de 32.8%. Já o estudo de Zhao et al.13 (2018) evidenciou uma prevalência em relação à colonização por A. fumigatus entre 16 e 58%. Uma análise retrospectiva de dados do Registro de Fibrose Cística da Irlanda, realizada por Reece et al.14 (2017) demonstrou uma incidência de colonização de aproximadamente 11%.
Além destes dados apresentados, Zhao et al.13 (2018), observaram que a essa ocorrência foi maior em adultos em comparação a crianças, já que as crianças apresentam maior facilidade de depurar o micro-organismo e de obter uma resposta mais satisfatória ao tratamento. Observando, ainda, que a presença do fungo em crianças pequenas que apresentam fibrose cística é incomum e ocorre, geralmente, após infecções agudas e com prolongamento da doença.13
Ziesing et al.15 (2016), em estudo realizado na Alemanha, pelo Institute for Medical Microbiology, em associação ao Hospital Epidemiology identificou uma prevalência de 28.2 a 34.2% colonizações por A. fumigatus em pacientes com fibrose cística.
Dados da literatura obtidos através de estudo de coorte realizado por Saunders et al.16 (2016), envolvendo 51 crianças com diagnóstico confirmado de fibrose cística evidenciaram os seguintes resultados: 19 crianças apresentaram cultura positiva de A. fumigatus, o equivalente a 42% de prevalência.
Burgel et al.2 (2016) demonstraram que a proteína CFTR, presente nas membranas celulares, contribui com a depuração, pelas células epiteliais, dos esporos do A. fumigatus. Devido à alteração genética dessa proteína, por mutações, já a eliminação do micro-organismo fica deficitária e atua no fato da FC também desencadear um déficit na resposta imune inata potencializa pela instalação da infecção fúngica.
Segundo Janahi et al.1 (2016), a disfunção genética da FC reduz a drenagem mucociliar de secreções e altera a resposta imunológica inata do indivíduo. Assim, quando expostos, os esporos germinam, e as hifas originadas, juntamente com seus fatores de virulência promovem danos nas vias aéreas permitindo que os antígenos atinjam a circulação sistêmica gerando respostas ABPA.
Critérios diagnósticos de ABPA
De acordo com as Diretrizes brasileiras de diagnóstico e tratamento da fibrose cística, de 2017, os critérios diagnósticos mínimos para presença da ABPA em pacientes portadores de fibrose cística requerem evidência de:
Deterioração clínica aguda ou subaguda (tosse, sibilância, intolerância ao exercício, asma induzida pelo exercício, diminuição da função pulmonar e aumento do escarro) não atribuível a outra etiologia;
Concentração sérica total de IgE > 500 UI/ml (1200 ng/ml). Quando a aspergilose broncopulmonar alérgica é suspeita e o nível de IgE total é de 200-500 UI/ml e recomenda-se repetir o exame em 1-3 meses. Se o paciente estiver tomando esteróides, deve-se repeti-lo quando o tratamento com esteróides for interrompido;
A reatividade cutânea imediata ao Aspergillus (prick exame > 3 mm de diâmetro com eritema circundante, enquanto o doente não está a sendo tratado com anti-histamínicos sistêmicos) ou a presença de anticorpo IgE sérico contra A. fumigatus;
As precipitinas para A. fumigatus ou a demonstração in vitro de anticorpos IgG contra A. fumigatus; são anormalidades novas, ou recentes na radiografia de tórax (infiltrados ou impactação mucóide) ou visualizada na TC (bronquiectasia) que não melhoram com antibióticos e fisioterapia.
Terapêutica
O tratamento da ABPA em pacientes com FC tem como principal objetivo inviabilizar ou retardar o desenvolvimento de lesão pulmonar progressiva. Em geral, a conduta clínica se pauta no uso de medicamentos que atenuam a resposta imunológica e inflamatória e na redução da carga fúngica nas vias aéreas. Janahi et al.1 (2016) demonstraram que são utilizados corticóides sistêmicos e Itraconazol associado à medidas adjuvantes como o uso de corticóides inalatórios, broncodilatadores, drogas anti-LTB e mudanças de hábitos como tratamento.
Apesar dos corticóides sistêmicos serem considerados a base do tratamento da ABPA aguda, essa evidência é corroborada apenas por resultados de séries de casos, já que nenhum ensaio clínico foi realizado até o momento. É comum a utilização de prednisona na dose de 0.5mg/kg/dia por um período de 14 dias e, posteriormente, 0.5mg/kg em dias alternados, com redução gradual e descontinuação do tratamento em três meses. Mediante esta conduta, O observa-se redução de níveis séricos totais de IgE em aproximadamente 25% após um mês de tratamento e 60% após dois meses.17
Akuthota et al.17 (2018) demonstraram que a terapia antifúngica, por sua vez, é reservada para os casos em que não é possível realizar redução da dose de corticóides ou aqueles casos que apresentam exacerbação da ABPA e deve ser administrada por um período de 16 semanas, sendo uma das opções descritas o itraconazol. Janahi et al.1 (2016) afirmam que a função do antifúngico azólico é possibilitar o não crescimento e desenvolvimento dos A.fumigatus nas vias aéreas reduzindo, dessa forma, a carga de antígenos desencadeadores da resposta imunológica e atenuando a inflamação gerada pela ABPA. Porém, por não ter efeitos moduladores do sistema imunológico, essa medicação não deve ser utilizada como primeira escolha e sua prescrição só deve ser realizada em associação com os corticosteróides.
De acordo com revisão sistemática realizada por Elphick & Southern18 (2016), o tratamento com antifúngicos pode ser vantajoso em relação ao tratamento com corticosteróides isoladamente, já que pode implicar na capacidade de redução das doses de esteróides. Dois ensaios controlados randomizados avaliaram o uso do itraconazol na ABPA em pessoas sem FC e observou-se que ocorreu uma redução da dose de esteróides, juntamente com evidência clínica e sorológica de melhora do quadro. Entretanto, não há dados na literatura para recomendar o uso de antifúngicos no tratamento da APBA em pacientes com FC. O uso de tais medicações nesses pacientes permanece a nível experimental e os dados da literatura apontam para o uso com bons resultados apenas em pacientes sem FC.
Além disso, a revisão sistemática da Cochrane realizada com o objetivo de avaliar a eficácia da terapêutica com o anticorpo monoclonal anti-IgE em pacientes com ABPA e FC demonstrou falta de evidências para eficácia e segurança do uso desta terapia nos pacientes supracitados, não sendo possível, portanto, realizar recomendações a favor ou contra o uso da terapia anti-IgE.4
Medidas adjuvantes ao tratamento de primeira escolha são frequentemente utilizados em pacientes com FC e ABPA. O broncoespasmo e a inflamação respondem bem ao uso de broncodilatadores e corticóides inalatórios. Além disso, manipular o ambiente na tentativa de reduzir os esporos do fungo também pode ser uma medida importante.1
Os principais métodos diagnósticos utilizados, nos estudos demonstrados na tabela 1, para detecção do Aspergillus sp em pacientes com FC foram, respectivamente a cultura de escarro, o IgE total e o específico, o exame cutâneo, o q-PCR, o exame de orofaringe com coleta por meio de swab e a contagem de eosinófilos.
As divergências das prevalências entre os critérios diagnósticos evidenciam a complexidade da detecção do Aspergillus sp, conforme foi elucidado por Amorim et al.24 (2004), que relataram sobre o fato de raramente se identificar a presença do fungo no sangue e no escarro.
Em relação à dosagem de IgE específica para Aspergillus fumigatus, a variação demostrada nos resultados dos estudos citados pode ser atribuída à fase em que a ABPA se encontra, já que na sua fase inicial observa-se uma maior prevalência da dosagem sérica de IgE específica.24 Já no que diz respeito ao IgE sérico total, um dos exames mais utilizados pelos autores estudados, apresentam que índices normais excluem a presença do micro-organismo, mas que a positividade para o exame pode variar de acordo com o estágio e gravidade da doença, bem como o tratamento.6
A cultura de escarro é uma análise diagnóstica de baixa sensibilidade e baixa especificidade, dessa forma, a cultura negativa não exclui o diagnóstico de ABPA. Amostras positivas para Aspergillus sp oscilam entre 8 a 34%, entretanto deve-se considerar que tal resultado pode estar presente em pacientes com ABPA, mas também naqueles que fizeram uso de antibioticoterapia ou que tiveram suas amostras contaminadas.24 Carneiro et al.21 (2008) demonstraram que a cultura positiva é utilizada apenas como suporte e não como meio diagnóstico, já que pacientes com FC apresentam, frequentemente, o A. fumigatus em vias aéreas inferiores, entretanto as repercussões clínicas são duvidosas.
A contagem de eosinófilos foi utilizada por Carneiro et al.21 (2008) com prevalência de 28,4%. Entretanto, a eosinofilia não é um critério diagnóstico importante, pois pode não estar presente em pacientes que fazem uso de corticóide.24
Já o exame cutâneo de hipersensibilidade não deve ser utilizado como critério diagnóstico isolado para ABPA, considerando que a sua positividade só se torna uma evidência laboratorial suficiente na presença de sintomas de APBA e na associação a outros exames complementares, citados nos critérios diagnósticos da patologia.
Conforme evidenciado no presente estudo, o método coleta de secreção da orofaringe por meio de swab não representa uma ferramenta útil para identificação do fungo, pois este encontra-se em via aérea inferior.
CONCLUSÃO
O estudo indica que apesar de existirem vários métodos de identificação do micro-organismo A. fumigatus, nenhum deles pode ser utilizado como padrão ouro, sendo, portanto, necessário o uso concomitante de mais de um exame laboratorial, associado à presença de sintomatologia para o estabelecimento correto do diagnóstico de ABPA em pacientes com fibrose cística.
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