RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 31 e-31206 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20210036

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Artigo de Revisão

Terapia de reposição hormonal e câncer de mama: uma revisão de literatura acerca da influência do tratamento hormonal no desenvolvimento neoplásico

Hormone Therapy and Breast Cancer: a literature review about the influence of hormonal treatment on neoplastic development

Sara Custódio Martins1; Maísa Aparecida Marques Araújo1; Joana Paula Mendes de Moura1; Anna Carolina Motta Costa1; Júlia Souza Rosa Martins1; Marcella Barbosa Sampaio Tropia Pinheiro2

1. Acadêmica do Curso de medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) - Ouro Preto - Minas Gerais - Brasil
2. Médica e Professora Efetiva na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) - Departamento de Cirurgia, Ginecologia e Obstetrícia e Propedêutica - Ouro Preto - Minas Gerais

Endereço para correspondência

Sara Custódio Martins
E-mail: saracustodiomartins@gmail.com

Recebido em: 17/02/2021
Aprovado em: 28/05/2021

Conflito de Interesse: Não há

Resumo

A menopausa é decorrente da queda gradativa de secreção hormonal ovariana e, nesse período, muitas mulheres apresentam sintomas que comprometem a qualidade de vida. A terapia hormonal (TH) surgiu como importante ferramenta para amenizar a sintomatologia climatérica. No entanto, foram levantadas suspeitas sobre a correlação entre o tratamento e o aumento do risco do câncer de mama (CM). O presente trabalho objetiva avaliar a relação entre CM e TH, abrangendo as implicações da terapia nos sintomas da menopausa, na incidência da neoplasia e na mortalidade. Trata-se de uma revisão narrativa de literatura, em que foram buscados artigos publicados entre julho de 2010 e julho de 2020, nas bases de dados LILACS, MEDLINE e SciELO. Os principais tipos de TH são o estrogênio isolado e o combinado com progesterona. Nos estudos analisados, a terapia combinada foi relacionada à maior incidência de CM quando comparada ao regime estrogênico. De acordo com a literatura, modificações na densidade mamográfica, induzidas pela TH, podem elevar o risco para carcinoma mamário. Os artigos relataram que fatores além da terapia hormonal, como o estilo de vida, podem interferir na incidência de CM e devem ser analisados individualmente. A mortalidade por CM influenciada pela TH não demonstrou aumento significativo. No geral, a TH foi considerada o tratamento mais eficaz para aliviar sintomas climatéricos. Entretanto, estudos a longo prazo que analisem os riscos e a confiabilidade da terapia devem ser estimulados, a fim de indicar a terapêutica mais segura e evitar intervenções indevidas.

Palavras-chave: Climatério; Menopausa; Neoplasia da Mama; Terapia de Reposição de Estrogênios; Terapia de Reposição Hormonal.

 

INTRODUÇÃO

A menopausa, fenômeno natural do organismo feminino, é a transição fisiológica caracterizada pela perda de função ovariana e cessação dos períodos menstruais.1,2 Compreendida dentro do climatério, é dividida em pré-menopausa, perimenopausa e pós-menopausa e o Ministério da Saúde define o limite etário entre 40 a 65 anos de idade para sua ocorrência. Anualmente, o número de mulheres que passam por essa modificação é cerca de 25 milhões. Estima-se que em 2030 a população mundial na menopausa e na pós menopausa chegue a 1,2 bilhões, com 47 milhões de novos casos por ano.1 Estatísticas apontam que 25% das mulheres apresentam sintomas substanciais e debilitantes, durante o climatério, que atrapalham a qualidade de vida.3

A transição hormonal na menopausa promove a diminuição gradativa da secreção dos hormônios, principalmente estrógeno e progesterona, culminando na última menstruação.1 Esse processo pode ser assintomático ou sintomático, com irregularidades menstruais, relações sexuais dolorosas, diminuição da libido, disfunções urinárias, secura ou atrofia vaginal, sintomas vasomotores e ondas de calor.1,2,3 Alterações do sono, adinamia e ansiedade também são sintomatologias relatadas.1,2

A terapia hormonal (TH) é recomendada para a melhoria dos sintomas climatéricos decorrentes da interrupção de secreção hormonal, podendo ser realizada na forma de estrogênio isolado ou combinado com os progestagênicos.2,3,4,5,6 Na década de 1960 a prescrição de estrogenioterapia isolada era indicada sem critérios precisos para mulheres que estivessem na menopausa. Neste mesmo período, houve o aparecimento das primeiras complicações envolvendo o endométrio, questões as quais foram resolvidas, já em 1980, pela descoberta do efeito protetor da progesterona. O grande otimismo envolta da estrogenioterapia permeou até 2002, pois os riscos documentados eram superados pelos benefícios, a exemplo de estudos promissores para prevenção de doenças coronarianas, perda óssea e câncer de cólon.6

Em 2002 e 2004, as publicações do Women's Health Initiative (WHI) levantaram suspeitas sobre a segurança da TH, delimitando nova ótica ao demonstrar riscos do uso da terapia combinada no aumento da incidência do câncer de mama (CM).2,6,7 A partir desses resultados adversos, iniciou-se a busca por terapias alternativas e critérios individualizados para prescrições hormonais na menopausa, tais como: idade da paciente, tempo de menopausa, sintomas, doses, vias de administração e comorbidades.1,6

Portanto, a menopausa e o controle de seus sintomas são questões de saúde pública.1,3 Dessa forma, a TH precisa ser analisada dentro dos âmbitos de riscos subsequentes para o desenvolvimento de cânceres dependentes de hormônios. Contudo, os perigos da terapia não devem ser discutidos desvinculados de seus benefícios, uma vez que essa associação direta, sem considerar os critérios individualizados, pode interferir negativamente nas decisões, no início e na continuação da terapêutica. Estilo de vida, características do período reprodutivo e interferências ambientais devem ser considerados na decisão clínica.8

O presente estudo objetiva avaliar a relação entre câncer de mama e TH, abrangendo as implicações da terapia na incidência do câncer, na mortalidade e nos sintomas da menopausa. Além disso, busca-se comparar os tipos de terapia e as vias de administração, analisar os efeitos das terapias alternativas e delinear sobre outros fatores que podem influenciar no risco de desenvolver essa neoplasia.

 

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão narrativa de literatura sobre a associação entre o uso da terapia hormonal e o aumento na incidência de neoplasia da mama. Os seguintes critérios de elegibilidade foram adotados: delimitação temporal da publicação entre julho de 2010 e julho de 2020; publicações em língua inglesa, portuguesa, francesa ou espanhola; e análise do título, resumo e, posteriormente, leitura dos artigos na íntegra.

Os descritores utilizados, de acordo com os Descritores em Ciências da Saúde (DeCs), foram: "terapia de reposição hormonal", "terapia de reposição de estrogênios", "neoplasia da mama", "climatério" e "menopausa". A combinação desses por operadores booleanos ocorreu nas bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e Scientific Electronic Library Online (SciELO).

 

RESULTADOS

Após a aplicação dos critérios de elegibilidade, 22 artigos foram incluídos, entre os quais estão estudos primários e secundários que se enquadravam no escopo da pesquisa. A Tabela 1 mostra esses estudos, seus objetivos e desfechos.

 

 

DISCUSSÃO

Tipos de terapias e vias de administração

A terapia hormonal (TH) é o tratamento mais eficaz para melhorar a qualidade de vida da mulher diante dos sintomas da menopausa.1 Existem vários tipos de TH e diferentes maneiras de aplicá-los. O estrogênio isolado, considerado a medicação mais eficiente para controle do fogacho, é prescrito a mulheres histerectomizadas, enquanto a terapia combinada é indicada para aquelas com útero intacto ou com histerectomia parcial. Ambas, mas principalmente a terapia com progestagênios, devem ser utilizadas para tratar os sintomas da menopausa com a menor dosagem eficaz pelo menor tempo possível, porém doses baixas não são amparadas por bons estudos controlados e prospectivos.2,6

Os principais estrógenos sintéticos são administrados pela via oral (VO), ao passo que os estrógenos naturais mais utilizados na menopausa são os estrogênios conjugados (VO) e o estradiol transdérmico. Os estrógenos sintéticos e naturais, em geral, são importantes na preservação da massa óssea e na redução dos sintomas da menopausa, mas os naturais são mais indicados na TH.6

Em mulheres não histerectomizadas, as formulações de estrogênio isolado aumentam o risco de neoplasia endometrial, por isso o progestagênio deve ser adicionado, o que pode ser de forma cíclica ou contínua.2 Na terapia combinada cíclica, o estrogênio é prescrito continuamente e o progestagênio de 10 a 12 dias por mês, com sangramento ao final de cada ciclo de progesterona. Na terapia combinada contínua, ambos são usados ininterruptamente e não há sangramentos.6 O regime contínuo aparenta maior eficácia que o cíclico na redução da probabilidade de câncer do endométrio, mas estudos observacionais relatam maior propensão a desenvolver CM no primeiro. Estudos que analisaram os efeitos gerais da terapia combinada apresentam aumento significante nas chances de desenvolver câncer de mama, principalmente quando é administrada desde o início da menopausa.9

No Brasil, a via mais utilizada é a oral, devido à sua popularidade, seguida pela transdérmica, em decorrência da possível redução dos efeitos adversos e da segurança.1 Estudos observacionais mostram que o estrogênio transdérmico oferece menor risco de tromboembolismo venoso, além de níveis amenizados de estrona e seus conjugados na mucosa gastrointestinal e no fígado, quando comparado à administração oral.1,2,6 Em contrapartida, a VO possibilita maior redução do LDL. A administração vaginal de estradiol é a mais indicada para tratamento isolado de atrofia vaginal e outras questões urogenitais, enquanto a progesterona pela mesma via proporciona concentrações locais adequadas, proteção endometrial e menores níveis sistêmicos do composto. Contudo, essa hipótese ainda carece de estudos para comprovação.1

É consenso que os benefícios da TH são mais alcançados quando ela é iniciada entre 50 e 59 anos ou com menos de 10 anos de menopausa, pois é nessa faixa etária que as vantagens superam os riscos, e mulheres com mais de 60 anos não devem iniciar o tratamento.1 A vontade da paciente deve orientar a escolha da terapia, exceto quando há contra indicações, como histórico de CM ou de tromboembolismo venoso e doença hepática grave.2

Grandes Estudos

Estudos observacionais, em grande parte não randomizados, obtiveram diferentes conclusões sobre a associação entre TH e CM. Apesar disso, o aconselhamento clínico e os hábitos de prescrição seguiram um padrão influenciado pelos primeiros resultados, divulgados no início do século XXI, dos principais estudos sobre essa relação.10

O Women's Health Initiative Study (WHI) foi um estudo estadunidense clínico randomizado e controlado por placebo realizado com mulheres de 50 a 79 anos, na pós-menopausa, recrutadas entre 1993 e 1998.8,11 A pesquisa comparou mulheres tratadas com a combinação de estrogênios equinos conjugados (CEE) e acetato de medroxiprogesterona (MPA) com mulheres que receberam placebo.8 A intervenção média do estudo foi de 5,6 anos e detectou aumento de 24% na incidência de CM na TH combinada. Ademais, o uso de estrogênio combinado à progesterona interferiu estatisticamente na detecção de câncer de mama, o que levou ao diagnóstico em estágio mais avançado da doença e aumentou a mortalidade.11

Durante a fase de intervenção, não foi constatada elevação das chances de neoplasia mamária pelo estrogênio isolado.9,11 O CEE não aumentou a probabilidade de câncer de mama, porém algumas análises indicaram aumento entre mulheres que começaram a usar estradiol transdérmico no início da menopausa. Na terapia combinada, o alto risco de CM durante a fase de intervenção persistiu por 7 anos após o encerramento do tratamento.9

O Million Women's Study (MWS), estudo observacional prospectivo, analisou mulheres com idades de 50 a 64 anos, entre 1996 e 2001, e mostrou que a terapia combinada aumenta mais o risco de CM do que o uso do estrogênio isolado e a não medicalização.12 Entretanto, ambas as terapias foram estatisticamente associadas à maior possibilidade de mortalidade por neoplasia da mama.13,14

O coorte E3N foi o principal estudo francês a avaliar o efeito da TH nas chances de desenvolver câncer de mama a longo prazo. A pesquisa concluiu que o uso da terapia combinada com progesterona micronizada ou didrogesterona por pouco tempo não aumenta a possibilidade de câncer de mama. Porém, a combinação com outros tipos de progesterona aumenta esses riscos, mesmo quando são utilizadas por curto período. O uso delas por tempo acima de 5 anos pode elevar a probabilidade de desenvolver CM durante mais de 5 anos após o fim do tratamento.5

Após a publicação dos achados citados houve a redução do uso da terapia combinada em alguns países englobados pelos estudos. Levando em consideração as particularidades de cada local, como as estratégias de prescrição de terapia hormonal adotadas, essa diminuição foi associada a menor incidência de carcinoma mamário invasivo. Porém, ainda que esses eventos foram e são bastante correlacionados, o tempo entre a ocorrência deles e a dimensão das quedas do uso de TH e dos números de CM são variáveis devido à diversas características, como fatores de confusão e metodologia de estudo.7,8

Terapia hormonal e câncer de mama

Os receptores de estrogênio (ER) e de progesterona (PR) são biomarcadores do desenvolvimento do câncer de mama. A neoplasia mamária associada a estes receptores difere em etiologia, epidemiologia, progressão, prognóstico e resposta ao tratamento.15 Em países ocidentais, 75% da incidência e da mortalidade por CM em mulheres na pós-menopausa são provenientes de receptores positivos para estrogênio (ER+).16 Assim, preparações hormonais, como a terapia hormonal (TH) estrogênica isolada ou combinada, exerce sinalização intracelular para efeitos neoplásicos mediados por receptores.15,17 Desse modo, a TH na menopausa apresenta associações com o CM pelo mecanismo de maior expressão dos ER e PR.15

Estudos que analisaram a propensão do CM durante a TH, para receptores estrogênicos, indicaram maior risco de neoplasia ER+. Nas avaliações que foram considerados ER e PR, mostrou-se elevação positiva para receptores estrogênicos e progestagênicos (ER+/PR+). Consoante com esses achados, a partir da divulgação dos resultados do WHI houve declínio na utilização de TH na população de vários países, o que foi concomitante à menor incidência de carcinomas mamários positivos para o receptor estrogênico.15 O conhecimento dessa fisiopatologia possibilitou o tratamento à base de antiestrogênicos para o CM, os quais atuam no bloqueio da produção de estrogênio, bloqueio da função ovariana e modulação seletiva dos receptores de estrogênio.11,16 Anteriormente, era prescrita a medicalização com estrogênio sintético de alta dose, recurso contraditório, visto que podem potencializar o CM.11

Durante o climatério, as terapias recomendadas com estrogênio sem oposição - estrogênio equino conjugado (CEE), estradiol ou estriol - parecem revelar risco mínimo ou nenhum sobre o diagnóstico de CM, quando utilizadas por até 5 anos. A partir da medicalização prolongada, por mais de 10 anos, o risco pode ser aumentado.10,13 Em mulheres histerectomizadas que utilizaram estrogênio isolado foram encontradas menores taxas de neoplasias mamárias em comparação ao placebo.13 Somado a isso, entre mulheres que desenvolveram o CM, a relação entre o placebo e a terapia isolada encontrou menor taxa de mortalidade para as que realizaram o tratamento medicamentoso.11

Entretanto, não é possível afirmar que o estrogênio isolado é completamente seguro ou que possui efeito protetor. Essa aplicação carece de pesquisas, uma vez que não foi encontrada na grande parte dos estudos observacionais. Portanto, as evidências mostram uma possibilidade, a qual pode estar atrelada apenas aos grupos de mulheres com excesso de peso ou que iniciaram o tratamento após vários anos do término da menopausa.5 Em relação as vias de administração, o Million Women's Study e o E3N compararam a terapia estrogênica isolada via oral e transdérmica, revelando risco neoplásico aumentado não significativo para ambas. Contudo, existem achados que abordam uma redução para a terapia transdérmica, quando analisada frente à dose convencional de CEE, em especial quando feita nos 10 primeiros anos da menopausa. As apresentações desses resultados ainda são inconclusivas, com necessidade de maior investimento científico.11

O WHI revelou aumento do risco de câncer de mama para o braço da TH combinada, mas não para a terapêutica isolada.11 Em mulheres com útero intacto, a análise de CEE e acetato de medroxiprogesterona (MPA) administrados por via oral foi condizente e também revelou inclinação ao aumento de chances neoplásicas quando utilizados por mais de 5 anos, porém são riscos absolutos baixos e sem incidência na mortalidade.13,18

A manutenção do risco pós-intervenção e exposição ao medicamento, CEE e MPA, parece continuar por mais de uma década após a descontinuação, possivelmente pelos efeitos anti-inflamatórios do MPA em neutralizar a apoptose induzida por estrogênio de células-tronco do epitélio mamário.13 Para o E3N, isso só ocorre em tratamentos com duração maior que 5 anos e, por conseguinte, o risco pode persistir por mais 5 anos pós descontinuação. No entanto, existem divergências sobre o regime a longo prazo, em que pesquisas também abordam a diminuição do risco após a interrupção. Atualmente, a progesterona micronizada e seu isômero, didrogesterona, são focos de observância, pois parecem não aumentar significativamente a tendência neoplásica em uso de curto prazo, quando equiparado aos outros regimes combinados.5

A mortalidade por CM decorrente de TH, em estudos randomizados controlados, não apresentou taxas consideráveis de aumento. Contudo, a proposição de que a terapia hormonal não atrapalha a sobrevivência em CM não pode ser generalizada, deve-se analisar as individualidades do caso.19

Em síntese, a partir de resultados em construção, o uso de estrogênio isolado por mais de 5 anos pode ser favorável ao aumento de diagnóstico para carcinomas mamários, mas em menor proporção que a terapia combinada. O possível efeito neoplásico após a descontinuação da terapia também é assumido, porém com discrepâncias entre a temporalidade de sua persistência e das causalidades que o acarretam.3

Terapias medicamentosas alternativas

Ainda que a terapia hormonal (TH) seja o tratamento mais eficiente para reduzir os sintomas climatéricos, é necessário avaliar suas implicações. Stuenkel (2015) sugere o uso de terapias alternativas para mulheres com propensão alta ou intermediária a desenvolver CM, a fim de aliviar consequências da menopausa. Dentre essas terapias alternativas, estão a tibolona e o raloxifeno.9

A Tibolona é um esteroide sintético que possui efeitos estrogênicos, progestagênicos e androgênicos capaz de diminuir os níveis circulantes da globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG).1,6,9 É aprovada no Brasil para tratar sintomas da menopausa na dosagem de 1,25-2,5mg na formulação Libiam®, indicada para mulheres sem histórico de câncer e não deve ser prescrita juntamente com formas convencionais de TH.1,9,18 Ela possui eficiência igual ou menor à terapia convencional e é recomendada para aliviar os sintomas vasomotores, prevenir a perda de massa óssea e melhorar a atrofia urogenital, o humor, o sono e a libido.1 A prescrição é feita de forma contínua, o que gera atrofia endometrial e amenorreia.6

Em geral, estudos observacionais relacionam a tibolona com o aumento do risco de câncer de mama, enquanto um estudo randomizado controlado por placebo aponta para a redução em mulheres com mais de 60 anos para a dose diária de 1,25mg.18 O estudo LIFT, ao avaliar o tratamento de osteoporose com tibolona em dose baixa para mulheres idosas, observou menor chance de ocorrência de CM entre as usuárias do fármaco, em comparação ao placebo. Por outro lado, no MWS e no LIBERATE, o risco e a recorrência de CM foram maiores entre as usuárias de tibolona.8

O raloxifeno é um modulador seletivo dos receptores de estrogênio (SERM) que atua como antagonista dos receptores de estrogênio no tecido mamário, no útero, no epitélio vaginal e em centros cerebrais relacionados ao fogacho. Devido à ação na mama, ele é importante na prevenção do CM.1,6 Porém, segundo Pardini (2014), apesar de reduzir os números de câncer de mama e melhorar a densidade óssea, o raloxifeno aumenta a ocorrência de acidente vascular cerebral e de tromboembolismo, além piorar os sintomas vasomotores.6

Densidade mamográfica

A densidade mamográfica (DM), radiologicamente, refere-se à fração de tecido epitelial ou estromal exibido em cor clara na mamografia, enquanto o tecido adiposo, radiotransparente, aparece na cor escura. Alterações no padrão mamográfico podem indicar mudança na porcentagem de tecidos estromais, epiteliais e gorduroso. Por ser considerada fator de risco para o câncer de mama, a DM é utilizada como biomarcador no monitoramento preventivo da doença.20

De acordo com a literatura, mulheres que apresentavam mais que 75% da mama densa tiveram maiores chances de desenvolver carcinoma mamário, isso em comparação com aquelas de constituição mamária majoritariamente gordurosa ou com pouca densidade. Na maioria das mulheres que utilizaram a TH foi apontado aumento de 16% na possibilidade de apresentar DM mista/densa.20 Desse modo, respostas no tecido mamário, mediadas por hormônios, podem resultar no aumento do risco para o CM.7

Evidências sobre qual regime de TH mais afeta a porcentagem de densidade mamográfica (PDM) ainda não são consistentes, o que existe é a concordância de que alterações na DM podem variar de acordo com regime utilizado.6,20 A administração de estrogênio isolado não foi relacionada a nenhuma modificação na PDM. No entanto, o regime combinado provocou maior crescimento celular epitelial comparado ao estrogênio sozinho ou a não utilização de terapia hormonal. A hiperplasia epitelial - proliferação incomum e acúmulo de células que englobam os ductos ou os lóbulos das mamas - pode ser responsável pelo aumento da DM e da consequente elevação do risco para neoplasia mamária.20

Em suma, o uso de TH influenciou cerca de 10% na probabilidade de câncer de mama mediado por alteração na densidade da mama, e para cada aumento de 1% na DM as chances neoplásicas foram aumentadas em 3,4%. É razoável considerar que a terapia combinada atue como fator de risco para a elevação da densidade mamográfica, podendo interferir na incidência de carcinomas mamários, análise que deve ser interpretada com cautela.7,20 Além disso, o acompanhamento e a avaliação da densidade mamográfica devem ser feitos durante o tratamento hormonal.7

Estilo de vida e sua influência

Apesar do foco na relação entre CM e TH, existem outros fatores que elevam a incidência carcionômica, a exemplo do estilo de vida adotado pela mulher. A massa corporal e o consumo de álcool exercem fatores neoplásicos que podem ser comparados à TH na pós-menopausa.10,21 Nesse contexto, o sobrepeso e a obesidade representam riscos seis vezes maiores do que a TH combinada, de acordo com o estudo National Institute for Health and Care Excellence (NICE).3

A ocidentalização provocou mudanças no estilo de vida das mulheres, ao passo que a geração mais jovem, em relação às mulheres mais velhas, possui particularidades específicas, como: ingestão de alimentos mais gordurosos, maior índice de obesidade, menarca precoce, atraso na idade do parto, aumento da nuliparidade e menor tempo de amamentação dos filhos. Um estudo realizado com população de mulheres em Taiwan relatou que embora uso da TH tenha diminuído após a publicação do WHI, a incidência de câncer de mama continuou aumentada e, por isso, a investigação de fatores endócrinos e ambientais se fazia necessária. O estudo expos que o risco para câncer de mama em Taiwan era maior nas mulheres jovens, com auge na idade da perimenopausa, mas não se sabe o que é responsável por essa diferença, a influência da geração ou o efeito da TH.17

Ainda que os resultados não sejam conclusivos, é evidente que muitos fatores podem influenciar na propensão para o CM.10 O maior peso atribuído a TH, com abordagem desvinculada de seus benéficos, faz com que ocorra uma discussão desarmônica e que poucas informações sobre outras condições sejam expostas na orientação clínica.3,10 Portanto, não é prudente analisar os fatores de risco de maneiras restritas, nem mesmo generalizar quais mulheres se beneficiariam ou teriam danos com o uso da TH. É orientado que o aconselhamento seja individualizado e que fatores de risco não modificáveis e estilo de vida sejam acrescidos na discussão.10

Limitações

Apesar da considerável gama de pesquisas sobre a relação entre TH e a incidência de carcinoma mamário, o material bibliográfico apontou limitações que dificultaram a consolidação do assunto. Nessa lógica, a duração dos estudos foi apontada como possível restrição.8 A fim de afirmações conclusivas, seriam necessários estudos longos o suficiente para avaliar a TH, em usuárias atuais ou que fizeram uso prolongado da terapia, e sua elevação no risco carcinogênico.16

Outro fator é que a incidência do câncer de mama depende da qualidade de notificação do sistema de saúde e, em função disso, pode sofrer variações.8 As taxas epidemiológicas para o CM são analisadas pelo sistema de rastreamento. Em países que não possuem esse rastreio, os pesquisadores enfrentam dificuldades na coleta de dados que visa analisar a incidência da neoplasia influenciada pela TH.16 Amostras pequenas e indisponibilidade de dados também se enquadraram nas limitações, pois reverberam na interpretação dos resultados e na insuficiência de informações que compõem o histórico das pacientes.11,19,20

 

CONCLUSÃO

A substancial prevalência sintomatológica gerada pela menopausa é responsável por enquadrar o período nos âmbitos de saúde pública. O tratamento mais eficiente para a melhoria dos sintomas, a terapia hormonal, possui resultados controversos sobre o seu potencial carcinogênico. A influência da TH em neoplasias mamárias, avaliada através da densidade mamográfica e pelo mecanismo de expressão de receptores estrogênicos e progestagênicos, revelou que a terapia combinada, em uso prolongado, pode ser favorável ao aumento de diagnóstico para carcinomas mamários. Essa associação ocorreu em menor proporção para o estrogênio isolado. No entanto, é importante salientar que o impacto da TH no diagnóstico de CM é discutido de forma isolada dos benefícios da terapêutica, com ressalve para a falta de menções de que o risco está em consonância à duração da terapia. Além disso, fatores endócrinos, ambientais e contraindicações também devem ser considerados na decisão clínica. Portanto, informar e analisar, junto a paciente e com individualização de conduta, as desvantagens e os benefícios que a TH oferecerá à mulher é de suma necessidade para indicar a propedêutica mais segura e evitar a prescrição de intervenções indevidas. Por fim, a presença de limitações nas pesquisas revela a importância das medidas de rastreamento na incidência do CM e a necessidade de estudos que avaliem a eficácia, os riscos, a confiabilidade e o efeito à longo prazo da terapia hormonal.

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